Você está na página 1de 46

1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV

A Peste Bubônica e Reforma Sanitária na Bahia (1921-1930)

MARINA SILVA DE OLIVEIRA

Conceição do Coité
2021
1

A Peste Bubônica e Reforma Sanitária na Bahia (1921-1930)

MARINA SILVA DE OLIVEIRA

Monografia apresentada para componente de


Pesquisa Histórica IV do curso de Licenciatura em
História do Departamento de Educação Campus XIV
- Conceição do Coité, da Universidade do Estado da
Bahia. (UNEB)

Orientação: Ricardo Batista dos Santos

Conceição do Coité
2021
2

AGRADECIMENTOS

Primeiramente ao meu filho amado, Bernardo Carneiro, por me acolher nos momentos
mais difíceis com sua generosidade, carinho e amor. Sem a sua presença, eu não teria forças
pra seguir em frente, não apenas nessa monografia, mas em todo o percurso até aqui.
Ao meu melhor companheiro, Rodrigo Carneiro. Obrigada por me ajudar, apoiar e
compreender todos os momentos em que eu não pude estar presente. Seu amor me fortalece e
me completa todos os dias.
Deixo aqui meu agradecimento a todos ensinamentos que recebi dos professores da
Universidade do Estado da Bahia, sobretudo aos que me estimularam a prosseguir na
graduação. Principalmente ao meu querido professor e orientador Ricardo Batista. Obrigada
por cada palavra de incentivo, por todo afeto e paciência comigo, sem o seu apoio eu não teria
ao menos iniciado o projeto. Você é uma inspiração enquanto pessoa e profissional na minha
vida.
Agradeço a Instituição por todo conhecimento que pude ter acesso até hoje, eles foram
de fundamental importância para minha formação, seja do ponto de vista técnico ou das minhas
leituras sobre o mundo.
Agradeço aos meus colegas Weldert Santiago, Raila Almeida, Ludmila Santos e
especialmente à Maira Silva, minha maior parceira e companheira dessa longa e incansável
caminhada que decidimos trilhar juntas, desde a barriga até a UNEB.
Ainda se tratando de irmã, quero agradecer a minha primogênita, Marla Silva, por
sempre me apoiar e incentivar. Aos familiares agregados, que sempre me deram auxílio,
principalmente a minha sogra. Às minhas tias e tios, primas e primos e aos meus avós, Helena
e Egídio, por terem sido o meu alicerce de amor e sustentação.
Por fim, mas não menos importante, a minha mãe, Eliana Almeida. Obrigada por toda
dedicação, todo amor e impulso que sempre me deu. Você acreditou em mim quando ninguém
mais acreditava. És o meu exemplo de força feminina, te amo eternamente.
3

RESUMO

Esse trabalho tem como objetivo analisar os serviços de profilaxia da peste bubônica na capital
e no interior da Bahia no período de Reforma Sanitária do estado (1921-1930). A pesquisa foi
desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e de fontes documentais como jornais,
relatórios e teses médicas disponíveis no arquivo da Faculdade de Medicina da Bahia. A
metodologia utilizada parte dos pressupostos de Le Goff (2003), para quem os documentos são
monumentos. Os resultados encontrados demonstram os impactos derivados da epidemia, bem
como a instabilidade social e política resultante da disseminação da doença entre os baianos.
Além disso, demonstra as mudanças ocorridas após a implementação de medidas de
saneamento na Reforma, bem como o aperfeiçoamento no controle e combate da moléstia no
estado no final da década de 20.
4

ABSTRACT

This work aims to analyze the services of prophylaxis of bubonic plague in the capital and in
the interior of Bahia during the period of Sanitary Reform in the State (1921-1930). The
research was developed through bibliographical research and documentary souces such as
newspapers, reports and medical theses avaliable in the archives of the Faculty of Medicine of
Bahia. The methodology used is based on the assumptions of Le Goff (2003), for whom
documents are monuments. The results found demonstrate the impacts derived from the
epidemic, as well as the social and political instability resulting from the spread of the Disease
among Bahia. In addiction, it demonstrates the changes that ocurred after the implementation
of sanitation measures in the Reform, as well as the improvement in the control and combat of
the Disease in the State in the late 1920s.
5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 6

CAPÍTULO 1: A PESTE NA CAPITAL BAIANA............................................................ 14


1.1 – Implementação de medidas de saúde na Bahia durante a Primeira República............... 14
1.2 – Serviços de Profilaxia da Peste em Salvador.................................................................. 19
1.3 – Gestão de Barros Barreto na epidemia de peste bubônica ............................................. 24

CAPÍTULO 2: A PESTE NO INTERIOR DA BAHIA...................................................... 3


2.1 - Contexto dos sertões baianos........................................................................................... 31
2.2 - Viagens para debelar os surtos da peste.......................................................................... 38
6

INTRODUÇÃO

A peste bubônica foi elemento de discussão na Bahia ao longo das três primeiras décadas
do século XX. Sua presença no estado, desde 1904, indica a dificuldade das autoridades
sanitárias em erradicá-la. Este trabalho tem como intuito analisar as ações para o controle da
doença no cenário de Reforma Sanitária (1921-1930), assim como discutir os conflitos políticos
e sociais em torno da enfermidade.1 O recorte temporal se justifica pelo início da Reforma na
Bahia, em 1921, após a implementação de um acordo entre estado e União (BATISTA, 2017),
que também almejava evitar a disseminação da peste bubônica. O marco temporal final está
relacionado às mudanças políticas brasileiras de 1930, especialmente à chamada “Revolução
de 1930”, que também impactaram nas políticas de saúde e marcaram o fim da Primeira
República.2
O trabalho surgiu pelo interesse de entender como a peste bubônica incidiu sobre a
sociedade baiana e quais motivos contribuíram para a sua permanência intensa em Salvador e
no interior, denunciada insistentemente pelos periódicos. Além disso, é importante identificar
em que locais a peste ocorreu com maior incidência e quais sujeitos foram mais afetados pela
doença.
A discussão sobre a peste bubônica, assim como sobre outras epidemias, é de suma
relevância para o campo historiográfico, visto que vivenciarmos a pandemia de COVID-19
(Sars-coV-2), seus embates políticos, sociais e econômicos no país. Entendendo as
consequências e modificações impulsionadas pelo coronavírus no Brasil e no mundo, um estudo
sobre histórias das doenças é relevante para compreender os aspectos sociopolíticos de uma
enfermidade endêmica ou epidêmica.
A pandemia modificou a sociedade atual, especialmente os comportamentos individual
e coletivo, quando o medo da contaminação obrigou a população a se manter isolada e foi
decretado o fechamento de instituições de ensino, igrejas, academias, bares, restaurantes,
comércio não essencial, etc. Logo, o Governo Federal se viu obrigado a criar medidas de
controle do vírus e de assistência às populações pobres, quer por pressão da mídia, quer pela
cobrança de parlamentares contrários ao governo. A postura desse último foi caracterizada pela

1
A Reforma Sanitária Brasileira da década de 1920 foi um processo de transformações no campo da saúde,
marcado por uma maior responsabilização do Estado sobre as ações de saneamento e o controle de doenças
endêmicas e epidêmicas. Para mais informações, ver Hochman (2012) e Castro Santos e Faria (2003). Para a
Reforma Sanitária da Bahia, ver Batista (2017).
2
Para mais informações sobre o movimento de 1930, ver: FAUSTO (1997).
7

negação da gravidade da doença, estímulo à utilização de remédios sem comprovação científica


e, principalmente, pelo negacionismo científico.
Outro aspecto passível de observação foi a tentativa de controle do Covid com restrições
em aeroportos e rodovias. Ações que, guardadas as devidas proporções e temporalidades, se
assemelharam com aquelas adotadas no período de gripe “espanhola” na Bahia,3 quando a
profilaxia marítima era feita nos navios que entravam e saíam na cidade de Salvador, conforme
evidenciou Cristiane Maria Cruz de Souza (2009, p. 52) em estudo sobre a epidemia. A autora
também mostra a busca exacerbada pela religião como estratégia de livramento de um mal
próximo, o apelo a santos católicos como o Senhor do Bomfim, que possuía muitos devotos por
ser considerado “defensor os fiéis contra a fome e peste” (2009, p. 57). Na tentativa de se
proteger do COVID-19, muitos líderes religiosos também pregaram e ainda pregam que Deus
pode livrar os fiéis do “maldito vírus”, muitas vezes mesmo sem medidas de prevenção, higiene
ou vacinação.
As particularidades vividas durante a pandemia do coronavírus, desde a notificação do
primeiro caso em 26 de fevereiro do ano de 2020 até o atual momento, levam à reflexão sobre
outros períodos históricos em que doenças se manifestaram no país. Por mais que possam ser
identificadas “semelhanças” entre os períodos históricos, o presente texto transitará por
especificidades ocorridas durante a epidemia de peste.
Como afirmaram as autoras Dilene Nascimento e Anny Jackeline Torres Silveira (2004,
p. 27) “[...] as epidemias impõem aos homens dilemas comuns: a angústia, o medo da morte ou
a desagregação social, o desejo de se salvar do perigo, as imposições das satisfações das
necessidades de sobrevivência cotidiana, a importância da capacidade de entender e explicar
[..]”. Deste modo, essa pesquisa se insere na historiografia da saúde e das doenças, como uma
contribuição para evidenciar os impactos da prevalência da bubônica na Reforma Sanitária da
década de 1920, especialmente entre a população baiana.
Parte-se, aqui, das proposições elaboradas por Jacques Le Goff (1997), em obra clássica
intitulada As doenças têm história. Para o autor, as enfermidades não podem ser observadas
apenas como fenômenos biológicos. Existe uma história da dor, do sofrimento, mas também do
progresso científico nos processos de adoecimento. Essas histórias revelam aspectos como as
percepções dos doentes sobre o seu próprio momento enfermo, as metáforas sociais criadas a
respeito de determinadas doenças e mesmo as ações que o Estado e os profissionais médicos
realizaram ao longo da trajetória humana.

3
A gripe “espanhola” é causada pelo vírus da Influenza. Embora não tenha surgido na Espanha, ganhou esse nome
visto que o país foi o primeiro a publicar notícias sobre a enfermidade, sem restrições. Ver Souza (2009).
8

Nascimento e Silveira (2004, p. 13-30) enfatizam a importância dos estudos de história


da saúde e das doenças para compreender as transformações de hábitos, crenças e da própria
medicina em uma epidemia. Ainda para Le Goff (1985), os Estados foram cada vez mais palcos
das enfermidades, tendo como resultado transformações sociais pelas práticas sanitaristas.
Assim, este estudo tem como objetivo entender não só os fatores biológicos da peste, mas
também fatores sociais e políticos.
A responsabilização do Estado pelo bem estar da saúde se iniciou no Brasil,
progressivamente, em um contexto em que as doenças que assolaram o país infectaram
membros das elites econômicas, especialmente a gripe “espanhola” em 1918. A doença afetou
em maior escala a população pobre, mas não deixou de se propagar entre as elites, de acordo
aos periódicos da época (SOUZA, p. 55). Até então, o país vivia em um modelo liberal, no qual
cabia à própria sociedade se organizar para assistir às pessoas necessitadas e, ao Estado, intervir
apenas em momentos de epidemias e de calamidade pública (SOUZA; SANGLARD, 2011).
Em 1920, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), na Capital
Federal, o Rio de Janeiro. O órgão surgiu com intuito de executar um plano de combate às
doenças que se disseminavam pelo Brasil, atender às demais regiões do país e descentralizar as
ações sanitárias que ficaram restritas à Capital (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003). Logo após
a criação do DNSP, a União realizou acordos com os estados brasileiros para a execução de
medidas profiláticas, inclusive com o estado da Bahia, que assinou documento para realização
da Reforma no ano de 1921. Sobre esse processo, Batista (2019) compreende que houve um
processo simultâneo de “interiorização e internacionalização da saúde na Bahia”. Ele enfatiza
a relevância do envio de médicos para o exterior a fim de se especializarem em uma medicina
voltada para a saúde pública, em detrimento da clínica, e o retorno para o controle das epidemias
na Bahia, assim como a realização de expedições médicas para o interior do estado com o
objetivo de conhecer a doenças do território baiano.
Provavelmente, essas comissões de médicos baianos foram inspiradas nas viagens
realizadas pelos pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), na década anterior (1912-
1913), que identificaram as condições sanitárias dos sertões brasileiros: um país doente e, por
isso, “degenerado”, conforme demonstraram Nísia Trindade Lima e Gilberto Hochman (1996).
Foi somente a partir da identificação das moléstias espalhadas pelo território nacional, pelos
profissionais de Manguinhos, que a medicina passou a se articular no combate a doenças no
território nacional, agora com maior participação do Governo Federal.
A partir do momento em que a Bahia recebeu auxílio do Governo Federal para o custeio
da Reforma Sanitária, iniciou-se um projeto de saúde no estado, com medidas de Saneamento
9

Rural, controle das Doenças Venéreas e Lepra, Tuberculose e Higiene Infantil. Três anos
depois, esse contrato foi renovado, com a criação de uma Subsecretaria que ficou subordinada
diretamente ao governador e comandada pelo médico ex-bolsista da Fundação Rockefeller4 e
Inspetor do DNSP, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto (BATISTA,
2019).5
Barros Barreto, em relatório do ano de 1928, considerou que os avanços na saúde foram
significativos, principalmente pela junção de três diretorias que ele passou a controlar. Para ele,
a mudança resultou em mais autonomia do governo, considerando que a Diretoria Geral de
Saúde Pública do Estado foi substituída pela Sub-Secretaria de Saúde do Estado da Bahia
(BARRETO, 1928, p. 23-24). O médico defendia as decisões tomadas por um comando
centralizado (o seu próprio), evitando ações consideradas “antagônicas”, entre diferentes
tradições médicas, afim de estabelecer maior eficiência e agilidade para atender pela saúde do
povo. Segundo Batista e Silva (2020, p. 323), a confluência entre a sua formação em
Manguinhos e na Fundação Rockefeller, o lugar de chefia sanitária nas três esferas de governo
(municipal em Salvador, estadual e federal) e as boas relações com o governador Francisco
Marques de Góes Calmon, que inclusive era seu sogro, contribuíram para assegurar a autonomia
necessária para a implantação das políticas de saúde que defendia, no estado.
Na Primeira República, doenças se alastraram pela Bahia a exemplo da peste bubônica,
que desde a sua chegada incidiu de maneira mais branda ou agressiva.6 A bubônica chegou 4
anos após a notificação do primeiro caso brasileiro no porto de Santos, estado de São Paulo,
vinda de Portugal, em virtude das íntimas relações comerciais entre estes países. Dilene
Nascimento e Mateus Silva indicam algumas medidas adotadas para controlar o mal no Rio de
Janeiro. A primeira determinação do Diretor Geral de Saúde Pública, Nuno Andrade, foi a
quarentena de vinte dias para os navios portugueses vindos de portos que diagnosticaram casos
de peste bubônica. A segunda, era a desinfecção dos navios e dos objetos que estavam dentro
das embarcações (NASCIMENTO; SILVA, 2013, p. 1273).
As medidas implantadas pelo Diretor Geral de Saúde não agradaram a todos os políticos,
como o exemplo de Jorge Pinto, Diretor de Higiene e Assistência Pública do Rio de Janeiro,
que se posicionou contra tais ações por acreditar que o tempo estipulado de quarentena (20 dias)
era muito, e também pelo impacto econômico causado pela paralisação dos navios nesse

4
A Fundação Rockefeller foi uma instituição de origem filantrópica que investiu significativamente na saúde da
América Latina e Caribe na primeira metade do século XX. Ver: Castro Santos e Faria (2003).
5
A subsecretaria de Saúde foi transformada em secretaria no ano de 1927.
6
A peste bubônica alternou sua incidência em momentos endêmicos e epidêmicos.
10

período (NASCIMENTO, SILVA, 2013, p. 1274). Os debates travados entre julho e agosto do
ano de 1899 não foram suficientes para impedir que a peste chegasse à capital paulista em
outubro do mesmo ano. No entanto, segundo um médico da Bahia, “o estado de São Paulo,
diga-se a verdade, tinha uma organização elogiável e assim impediu de alguma maneira que a
peste devastasse o Brasil” (MORENO, 1927, p. 7).
De acordo com a tese de doutoramento de Clovis Moreno, defendida na Faculdade de
Medicina da Bahia (FMB) em 1927, a peste foi controlada em Santos no ano de 1900, mas
passou a ocupar outros estados, inclusive o Rio de Janeiro, que teve notificações em janeiro do
mesmo ano. A cidade era alvo de reformas urbanas no governo de Rodrigues Alves devido à
presença de epidemias no estado. O projeto modernizador contava com a liderança de Oswaldo
Cruz, então diretor geral de saúde pública, que tratou do combate a epidemias, inclusive com
criação de soro antipestoso, auxiliando no controle da doença alguns anos depois (MORENO,
1927, p. 7).
A peste no Rio de Janeiro perdurou por mais tempo que em Santos. O isolamento de
embarcações e de infectados e as campanhas para melhorar a higiene da cidade foram adotadas
como medidas de controle. Uma outra ação contra a bubônica foi a incansável caça aos ratos,
que desencadeou uma diminuição significativa de casos, mas também um mercado clandestino
de animais, tendo em vista que o governo destinava um valor simbólico aos indivíduos que
efetuavam a tarefa (NASCIMENTO; SILVA, 2013, p. 26-27).
As reformas no Rio de Janeiro foram comandadas por Oswaldo Cruz e pelo engenheiro
e político Francisco Pereira Passos, ambos com o intuito de modernizar a estrutura urbana para
torná-la mais higiênica, mesmo passando por cima de algumas discordâncias populares, a
exemplo da insatisfação popular que desencadeou a revolta da vacina (CASTRO SANTOS;
FARIA, 2003, p. 28; CHALHOUB, 1996). O ideal modernizador também esteve presente na
cidade de Salvador na tentativa de urbanizá-la e controlar epidemias como a de gripe
“espanhola” e a peste bubônica.
O projeto modernizador, citado pelo médico Clóvis Moreno (1927) e por Castro Santos
e Faria (2003), diz respeito a uma série de transformações físicas (pelo alargamento das ruas,
expansão da luz elétrica e de sistema de esgotos), mas também por mudanças nos hábitos
sociais, que também contemplavam um comportamento higiênico e hábitos saudáveis. As
dificuldades encontradas para a concretização desse projeto podem ser compreendidas na
dissertação de Rinaldo Leite (1996), em que o autor analisa os ideais de civilidade e anti-
civilidade no processo de “modernização urbana de Salvador” entre 1912 e 1914, e, também,
no livro de Rogério Souza Silva (2017, p. 31), que, a partir da análise das caricaturas de Raul
11

Pederneiras, no Rio de Janeiro, afirma: “quanto mais a modernidade tentou alinhar, mais
desalinho produziu”. Os autores analisaram diferentes realidades que indicam as dificuldades
para a realização da almejada modernidade brasileira: “Esse desalinho pode ser visto como
parte de um conjunto amplo de resistências múltiplas geradas nos processos de modernização
(...) ou ainda como fruto de suas próprias contradições” (SILVA, 2017, p. 31).
Em relação à manifestação da peste bubônica, a doença é derivada de pulgas infectadas
de ratos e sempre esteve relacionada com as questões de higiene, saneamento básico e acúmulo
de lixo, problemas recorrentes em Salvador, como afirma Chacauana Santos (2018, p. 31). A
doença oscilou em Salvador entre os anos 1906 e 1912 e visitou os sertões baianos a partir de
1906, quando chegou em Alagoinhas, até aproximadamente 1928, quando foi controlada na
Capital e em Vitória da Conquista (A TARDE, 24 jan. 1928, p.1).
Devido à estrutura das habitações e às desigualdades sociais, Salvador estava propícia à
disseminação de doenças. Poucas foram as medidas de higiene pública desde a Colônia até a
República. Trechos do trabalho de Santos (2018) demonstram as péssimas condições sanitárias
da cidade nos anos que antecederam a Reforma Sanitária “O lixo e os excrementos eram
deixados na rua em toda cidade. As precárias condições sanitárias de Salvador indicavam que
ela era uma cidade assolada por doenças endêmicas e epidêmicas” (SANTOS, 2018, p. 25).
A presença de epidemias naquela cidade, no início do século XX, trouxe sérios
problemas como a desorganização financeira, social e política. Era comum ocorrer esta
instabilidade especialmente em períodos de surtos, como ocorre com a sociedade brasileira na
pandemia de coronavírus atualmente. Os comportamentos costumam se alterar, os indivíduos
passam a se adaptar, e as desigualdades sociais ficam ainda mais evidentes.
A criação de uma legislação voltada para a saúde pública, o Código Sanitário de 1925,
proporcionou significativas melhorias para a população, sobretudo na Capital, com a ampliação
do Hospital de Mont’ Serrat e a criação de Delegacias de Saúde. Santos (2018, p. 48-64) diz
que ambas instituições atuaram em conjunto em Salvador, sendo as Delegacias responsáveis
pela administração dos espaços destinados à profilaxia de doenças e o Hospital atuou como
órgão que isolava esses doentes, afim de diminuir contágio e, consequentemente, a
disseminação entre outros moradores da cidade (SANTOS, 2018, p. 48-64).
A discussão que relaciona a peste bubônica com a Reforma Sanitária no estado é
realizada com o apoio da historiografia da Saúde na Bahia, visto que pesquisadores cada vez
mais se debruçam sobre análises dos cenários de epidemias, medicina e políticas sanitárias no
estado.
12

Como exemplo, é possível citar Sífilis e Reforma da Saúde na Bahia, que serviu para
aprofundar a discussão sobre a Reforma Sanitária e a relevante atuação de Barros Barreto na
saúde baiana (BATISTA, 2017). Partindo para estudo de Christiane Souza (2009), é possível o
conhecer as condições de saúde pública da população em Salvador antes da década de 1920 e
como isso influenciou a maior disseminação da bubônica. Inclusive, a autora também analisa
os conflitos entre o poder público e a influência do conhecimento popular no combate à
epidemia, citando o comportamento social e religioso no momento delicado vivenciado pela
população.
Outros trabalhos relevantes na construção desse estudo foram o de Cleide Chaves e
Tatiana Amorim (2018), sobre a peste em Vitória da Conquista, e o de Ana Clara Brito (2018),
referente à peste na cidade de Juazeiro. Ambos retratam contextos históricos em que a doença
se inseriu e demonstram a atuação do governo nas cidades do interior antes e após a Lei de
1.811, de 19 de julho de 1925, que criou a Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública.
Essa lei foi importante para mudanças no cenário da medicina na Bahia. Sendo assim,
discuto as modificações que trouxe e as discordâncias em torno dela. A lei 1.811 serviu como
fonte para discutir aspectos da Reforma Sanitária na Bahia, dando ênfase às medidas profiláticas
executadas para combater a bubônica em Salvador, no primeiro capítulo, e no interior do estado,
no segundo.
Considerando a ampliação dos temas historiográficos a partir do ano de 1929, com o
surgimento da escola dos Annales, houve uma expansão de fontes em pesquisas históricas
(BURKE, 1997). O presente trabalho irá se apoiar em fontes documentais como periódicos,
teses e relatórios médicos.
São utilizados os relatórios do Subsecretário de Saúde e Assistência Pública, Antônio
Luis Cavalcanti de Barros Barreto, entre os anos de 1927 e 1930. Esses documentos trazem
algumas informações importantes para compreender a atuação do governo no controle e
tratamento da bubônica na Bahia. Além disso, as teses de doutoramento dos médicos Clovis
Vasconcelos Moreno (1927) e Raul Paranhos dos Santos (1928), coletadas na Biblioteca
Gonçalo Moniz, da FMB, mostram a compreensão dos médicos sobre a presença da peste no
mundo, a sua chegada no Brasil e os conhecimentos modernos para o combate à doença no
estado da Bahia.
Os periódicos coletados, que publicavam notícias sobre a doença, são os jornais A Tarde
e Diário da Bahia, oriundos da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Inclusive, as mesmas
fontes auxiliaram na compreensão das condições sanitárias da cidade de Salvador, de alguns
municípios e os embates acerca das medidas profiláticas.
13

A metodologia utilizada para a análise das fontes é apoiada em Le Goff (2003, p. 535),
ao afirmar que a concepção de documento/monumento é parte da tentativa de orientar o
historiador para o seu dever principal: a crítica ao documento. Para o autor, o documento não é
qualquer coisa que fica por conta do passado, “é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de força que aí mantinham o poder. Só a análise do documento enquanto
monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto
é, com pleno conhecimento de causa” (LE GOFF, 2003, p. 535-536). A partir daí, compreende-
se que as fontes são escolhidas pelo historiador e devem ser observadas como fruto de um
contexto específico, transmitindo crenças, valores e visões de mundo das pessoas que as
produziram.
14

CAPÍTULO I
A PESTE BUBÔNICA NO CONTEXTO DA REFORMA SANITÁRIA NA CAPITAL
BAIANA

1.1 Implementação de medidas de saúde na Bahia durante a Primeira República

Com a chegada do período Republicano, o país sofreu modificações no campo social,


principalmente no que diz respeito à saúde da população. O Governo Federal tentou estabelecer
medidas mais efetivas de controle às doenças. Vale ressaltar que esse movimento de
transformações na saúde foi impulsionado pela continuidade dos surtos de febre tifoide, varíola,
ancilostomíase, desinterias, beribéri, sífilis, tuberculose e malária ainda no país, bem como o
surgimento da peste bubônica e a febre amarela desde o século XIX (CASTRO SANTOS;
FARIA, 2003, p. 21).
No oitocentos, as medidas sanitárias sob responsabilidade governamental só foram
iniciadas com a criação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), no governo de Prudente
de Morais. O órgão era responsável pelo tratamento e profilaxia de doenças sexualmente
transmissíveis, a produção de soros e vacinas para a população e também a organização
sanitária nos portos. Segundo Castro Santos e Faria (2003, p. 24) a criação do órgão significou
avanço, no entanto as medidas de higiene eram praticamente nulas, o que provavelmente teria
levado os governos de Campos Sales e Rodrigues Alves a desenvolverem legislações para
atender a essas questões.
O início do século XX foi caracterizado por epidemias e endemias espalhadas em solo
brasileiro. Existia a necessidade de organização maior do poder público para conter o avanço
das doenças. Antes mesmo de 1900, já aconteciam debates políticos em torno da previsível
chegada da peste bubônica na capital (NASCIMENTO, SILVA, 2012). As medidas de saúde
públicas implantadas pela DGSP ficaram restritas ao Rio de Janeiro e existia a necessidade de
ampliar os serviços de saúde para o restante da população, sobretudo dos sertões brasileiros,
que se deparava com surtos epidêmicos contínuos como denunciaram os médicos reformistas
(CASTRO SANTOS; FARIA, 2003, p. 30). O conhecimento da vida da população sertaneja foi
possível através do movimento realizado pelos médicos sanitaristas que identificaram abandono
do interior, causando repercussão da imprensa entre os anos de 1910 a 1918. Em Ciência a
caminho da roça, Eduardo Thiellen et al (1992) apresenta as imagens produzidas pelos
pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, que viajaram por municípios distantes dos grandes
15

centros urbanos e constataram a ausência do Estado, com pessoas à mercê de inúmeras


enfermidades. O também chamado movimento sanitarista da segunda década do século XX
denunciou um Brasil abandonado e um brasileiro “degenerado”.
Entre as denúncias dos sertões, o relatório dos médicos Belisário Penna e Artur Neiva
se destacou por elaborar o diagnóstico de uma série de epidemias espalhadas pelo país e também
apontou a presença maior das moléstias entre a população mais pobre. Em 1918, Venceslau
Braz (1914-1918) fundou a Liga Pró Saneamento Rural, movimento do qual Penna fazia parte,
que defendia a importância de conhecer e de sanear os sertões, desencadeando assim uma
pressão sobre o Governo Federal, que passou a destinar auxílio financeiro para ajudar no
combate as doenças nos demais estados brasileiros (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003, p. 30).
Dois anos após a criação da Liga Pró Saneamento Rural, outra conquista do movimento
sanitarista ocorreu durante o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922): a criação do DNSP. O
órgão foi fundado com o objetivo de organizar o serviço de saúde pública, sob uma direção
única, que seria dividido em três diretorias, a Diretoria dos Serviços Sanitários Terrestres, a
Diretoria da Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e, por último, a Secretaria de Saneamento e
Profilaxia Rural. Os serviços de Profilaxia Rural integraram o plano do Governo Federal de
reorganização da saúde pública, influenciados pelas repercussões da expedição de Pena e Neiva.
Os avanços na área da saúde, impulsionados tanto pelo movimento sanitarista quanto
pela atuação da Fundação Rockefeller, levaram o Governo Federal a criar acordos com Estados
para auxiliá-los no combate às moléstias dos sertões, em diferentes regiões do país, respeitando
o pacto federativo. A partir de 1920, acordos foram firmados, inclusive com o Estado da Bahia,
que recebera quantia equivalente àquela destinada a outros estados para realizar medidas de
controle das epidemias, no ano de 1921, pelo então governador José Joaquim Seabra (1920-
1924) (BATISTA, 2019, p. 450).
O acordo firmado entre a União e o Estado, no início da década de 1920, foi o que
possibilitou ações voltadas para a saúde pública. As ideias de progresso e civilidade já pairavam
em Salvador desde as reformas realizadas no primeiro mandato de Seabra (1912-1916), mas,
no entanto, ela estava longe de ser uma cidade higiênica e urbanizada (SANTOS, 2018, p. 33).
Os governos anteriores já demonstravam uma preocupação com a situação da Bahia
ainda no século XIX, quando em 1897 foi criada uma lei, pelo então governador Luís Viana
(1896-1900), que tornava obrigatória a notificação de doenças transmissíveis, a desinfecção do
local e o isolamento em seus próprios domicílios. O estado ficava responsável pelos serviços
sanitários, a União se responsabilizou pelos portos e os municípios “pelos serviços de
abastecimento de água, canalização de esgotos, coleta do lixo, fiscalização dos cemitérios,
16

fiscalização de alimentos e organização e direção dos serviços de vacinação e revacinação”


(SANTOS, 2018, p. 30).
Ainda no ano de 1905, mais uma legislação foi promulgada para rever as medidas
sanitárias de Salvador. Durante o governo de José Marcelino (1904-1908) criou-se a Diretoria
de Serviços Sanitários, responsável por gerir o Instituto Bacteriológico Antirrábico e
Vacinogênico, o Hospital de Isolamento e o Serviço Geral de Desinfecção. Cinco anos depois,
mais uma tentativa de nova de reorganização: a sugestão era arrecadar fundos para a saúde no
governo de João Pinto (1908-1911) (SANTOS, 2018, p. 32-33).
Santos (2018, p. 33-34) apresenta a situação sanitária da cidade e a presença da peste
bubônica nos anos de 1916 e 1920. As notícias analisadas associam a presença de ratos à falta
de redes de esgoto e à higiene na cidade, relação também evidenciada por Christiane Souza. Ela
enfatiza que ambientes se tornavam propícios à propagação de doenças, principalmente a peste.
A autora destaca que a estrutura de casas, a falta de água e de esgoto só pioravam a situação da
população mais pobre, principalmente na crise financeira do estado, em que o preço alto dos
itens básicos de alimentação era o que justificava os empregos precários aos quais os
trabalhadores se sujeitavam (SOUZA, 2009, p. 47).
Todos esses fatores colaboravam para que Salvador fosse considerada uma porta de
entrada para doenças. Aquele era julgado como o porto mais imundo desde o século XIX,
quando a febre amarela se tornou endêmica no estado (BATISTA; SOUZA, 2020, p. 224). Além
da estrutura dos portos, como local propício à disseminação das moléstias e aumento de
mortalidade, havia uma vulnerabilidade dos indivíduos mais pobres, aqueles que mais adoeciam
por conta do:

excesso de trabalho, a dieta pobre, os hábitos de higiene inadequados, o alcoolismo, a


insalubridade das habitações, a exposição às intempéries e a
ação de doenças preexistentes contribuíam para enfraquecer o organismo,
predispondo aqueles indivíduos a contrair a doença e ir a óbito (SOUZA, 2009, p. 52).

Ao analisar a diferença entre as enfermidades nos distritos centrais e nos periféricos de


Salvador, Santos (2018, p. 28) afirma que os casos da peste bubônica ocorreram em maior
quantidade no centro da cidade. Segundo a autora, “parte da população pobre cada vez mais se
deslocou para a região suburbana e outra parcela continuou morando no centro, pois os aluguéis
eram mais baratos e próximos dos locais de trabalho”. Embora seja evidente que a população
mais pobre de Salvador era quem mais sofria com as epidemias em decorrência, especialmente,
da falta de infraestrutura nos bairros mais pobres, os ricos também foram contaminados com a
chegada das doenças, mesmo que em menor escala: “aos poucos, as elites começavam a
17

perceber que, em um centro populoso como Salvador, com conexões econômicas


diversificadas, as epidemias de doenças transmissíveis eram males que atingiam tanto os pobres
quanto os ricos” (SOUZA, 2009, p. 57).
O acordo entre governos Federal e Estadual não indica que houve uma sensibilidade
para com o povo baiano, mas que se formavam centros populosos, inclusive a capital baiana
que estavam infestados de doenças que atingiam pobres e ricos. Por isso “Destaca-se que as
decisões, no que diz respeito à saúde, foram conduzidas pelas elites soteropolitanas e não por
manifestações populares [...]” (BATISTA, 2017, p. 36). Além disso, as epidemias interferiam
nas questões econômicas, o que tornava interessante a participação das elites no processo de
Reforma Sanitária na Bahia, influenciadas por Seabra. Assim, as classes economicamente
dominantes argumentavam que o saneamento oferecia benefícios para todo o estado,
ponderando que o porto, sem a estrutura sanitária necessária, por exemplo, traria malefícios
para toda a Bahia (SOUZA, 2009, p. 57)
A Reforma Sanitária se efetivou por meio de alianças políticas, principalmente pela
influência do estado da Bahia no governo de Epitácio Pessoa (1919-1922). O fato de o governo
J. J. Seabra oferecer sustentação política ao então presidente da República justificava o envio
de recursos financeiros para atender todo território estadual. Esse acordo foi renovado no ano
de 1925, no governo de Góes Calmon (1924-1928), com a criação da Subsecretaria de Saúde e
Assistência Pública e o Código Sanitário, sob chefia do médico Barros Barreto:

Fica creada a Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública, repartição


essencialmente technica direta e exclusivamente subordinada ao Governador do
Estado e terá a seu cargo todos os serviços de saúde publica executados ou a se
executarem no Estado da Bahia e cujo custeio a estes municípios incumba ou venha a
incumbir (BARRETO, 29 jul. 1925, p. 1).

A criação de um Código Sanitário foi importante para a regulamentação das medidas


profiláticas até então implementadas, atribuindo deveres a diferentes agentes da Subsecretaria
de Saúde. Barros Barreto (1928, p. 9), como correligionário de Góes Calmon, defendia os
interesses do governo e afirmava o avanço ocorrido no meio da saúde, que, segundo ele, “veio
a atender a imperiosas necessidades de ordem techinica e administrativa”. Os seus relatórios
divulgavam o trabalho que realizava, por isso não se pode descartar que funcionavam como
instrumento de autopromoção e de elogios do governo do seu sogro.
Barros Barreto desempenhou um papel importante nas ações de combate as doenças
durante o período em que comandou a Subsecretaria de Saúde e Assistência Pública
(BATISTA, 2017, p. 75). O Código Sanitário viabilizou medidas para sanear o estado e
18

organizou os serviços de saúde de iniciativa pública no geral, principalmente no controle das


epidemias, a exemplo da peste, que se faziam presentes entre a população e eram noticiadas nos
periódicos soteropolitanos. O Diário da Bahia foi um dos jornais que informava a situação da
bubônica no estado. No período aqui analisado, o periódico foi vendido a Geraldo Rocha, um
homem de finanças, de atuação nacional e internacional. Ele era radicado no Rio de Janeiro e
liderou, através do jornal, a campanha da Reação Republicana, com a defesa da chapa Seabra-
Nilo Peçanha, em contraposição à candidatura de Artur Bernardes. A vitória de Bernardes levou
Geraldo Rocha a vender o jornal a uma sociedade. Como não se tem informações sobre a
natureza dessa sociedade e, como se poderá observar, as notícias variavam em relação às
posições do Governo, não é possível compreender a orientação política do periódico entre 1922
e 1929. Rocha comprou o Diário da Bahia, outra vez, em 1929, quando já era proprietário de A
Noite, no Rio, com o objetivo específico de promover a campanha da chapa Júlio Prestes-Vital
Soares para as eleições presidenciais de 1930 (DIÁRIO DA BAHIA... s/d).
O Diário da Bahia denunciava uma possível centralização das reformas realizadas pelo
governador apenas em Salvador e, consequentemente, a falta de ações no interior:

Quando se fala geralmente de hygiene e serviços sanitários na Bahia, o caso é logo


referido à capital. Todas as Reformas e Saneamento quase só visam, como alvo
exclusivo, a capital do Estado. E, no entretanto, a hygiene pelo interior anda a matroca
(DIÁRIO DA BAHIA, 27 nov. 1925, p.1).

Segundo o jornal, o governo priorizava mudanças na capital. Outras publicações do


próprio periódico, assim como uma entrevista do médico Fernando S. Paulo, faziam
considerações sobre a situação sanitária no estado, relatavam condições de precariedade nas
habitações dos sertões e enfatizavam não só a presença, mas a perpetuação do mal entre os
sertanejos no ano de 1925:

Se nas melhores cidades da Bahia, as construcções de prédios apresentam essa


defeituosidade, sobre a qual já é fastidioso e monotono o matellar da critica, se na
própria capital deste Estado é a inobservância de preceitos elementares da hygiene
moderna o elemento precípuo da persistencia da peste nos seus conhecidos fócos,
tanto peor se as nossas vistas para os domicilios quase desqualificados dos
aglomerados em povoações ou esparsos pelos campos. D’aih a quase insuperabilidade
do mal (DIÁRIO DA BAHIA, 28 nov. 1925, p. 1).

Para o médico, se na capital ainda inexistiam medidas sanitárias que combatessem a


peste, no interior as condições de higiene e de moradia para a população seriam ainda piores.
A bubônica, por exemplo se alastrou de Salvador para os municípios de Juazeiro, Vitória da
Conquista, Seabra e Campo Formoso (CHAVES, AMORIM, 2018, p. 146).
19

Embora críticas fossem dirigidas ao governo, alegando que as medidas sanitárias não
alcançavam todo o estado, o mesmo Diário da Bahia havia publicado, no dia anterior, palavras
de incentivo ao então Subsecretário de Saúde, como figura de atuação relevante no estado no
controle da peste bubônica:

Seja como for, é um dever o combate à bubônica no interior. Combate cerrado, sem
tréguas. O dr. Barros Barreto, sub-secretário da Saúde, deve revelar mais uma vez a
sua capacidade de trabalho e a sua competência profissional, nesta lucta que não deve
sofrer demora (DIÁRIO DA BAHIA, 27 nov. 1925, p.1).

O reconhecimento da competência de Barros Barreto pelo jornal Diário da Bahia é


evidenciado quando o editor explicita a sua capacidade, utilizando do termo “mais uma vez”,
que demonstra certa habilidade em resolver problemas sanitários.
Ao longo da direção sanitária de Barros Barreto, a profilaxia e o controle das epidemias
na Bahia eram realizados com a orientação do Código Sanitário. Nesse documento, vários
artigos foram destinados para orientar os médicos, profissionais de saúde e agentes sanitários
sobre como prosseguir na profilaxia e no pós-diagnóstico das doenças notificadas no estado,
inclusive a peste bubônica. Além disso, o documento contava com uma série de informações
sobre administração e organização da saúde pública (BAHIA, 1925).

1.2 Serviços de Profilaxia da Peste Bubônica

A notificação de doenças epidêmicas já era discutida na primeira Conferência Sanitária,


em Paris, no ano de 1851. Conferências sanitárias internacionais seguiram no ano de 1904, com
a realização no Rio de Janeiro e, posteriormente, em Washington, em 1905, retornando a Paris
nos anos de 1911 e 1912. A última teve a participação de 40 países que demonstravam
preocupação em realizar medidas profiláticas contra o cólera, a febre amarela e a peste
bubônica, mas que só se efetivaram em todos eles apenas no ano de 1920, como afirmou o
médico Clóvis Moreno (1927, p. 26 - 27).
Após a convenção de 1912, os lugares em que se passassem mais de 5 dias sem óbitos,
após a morte de um pestoso, eram considerados sadios. Era necessário a desinfecção do local,
a desratização do ambiente e, por último, a desinfecção de mercadorias vindas de navios
infestados de ratos (MORENO, 1927, p. 28). Moreno explicitou, em sua tese, a necessidade das
profilaxias marítima e terrestre contra a peste bubônica destacando que, na maioria das vezes,
ela foi transmitida pelas vias de navegação:
20

A noite elles aproveitando silêncio, o descanso dos tripulantes e as trevas, procuram


por em contacto com a terra, o que conseguem seja pelo intermedio das espias de
navios, seja mesmo a nado. Alcançada a terra, elles se localisam nas sarjetas ou nos
armazens de mercadorias mais proximos ao caes, ou finalmente nos bairros não muito
afastados. Além desses meios de comunicação com a terra, os ratos por intermedio do
desembarque de mercadorias tambem se pode por em contacto com a terra. E assim,
uma cidade com condições modelares se vê de um momento para outro,
completamente infestada pela peste de que foram portadores os ratos que ella
importou por via marítima (MORENO, 1927, p. 49).

Raul Paranhos, em tese de doutoramento apresentada à FMB no ano de 1928, acrescenta


algumas características importantes sobre os transmissores da bubônica, que auxiliavam a
compreender os motivos da sua permanência no país de maneira tão duradoura. A primeira
delas, a “inteligência do animal” e a sua “extraordinária visão” (PARANHOS, 1928, p. 67),
fato que talvez explicasse o aproveitamento não só do silêncio, mas também da escuridão da
noite para circularem desapercebidos diante aos homens, além de reforçar que os animais de
coloração acinzentada e preta foram os que mais propagaram a doença. De acordo com médico,
animais de cores escuras eram os mais observados entre os humanos, referindo-se aos
brasileiros, justamente pela sua adaptação a territórios mais secos (SANTOS, 1928, p. 48-49).
Umas das medidas tomadas pela profilaxia marítima era impedir que o navio infestado
encostasse no cais e também isolar os passageiros caso a doença tivesse sido identificada
(MORENO, 1927, p. 50). Ambas medidas foram tomadas em Portugal e no Brasil (2012).
Devido às estreitas relações comerciais ainda existentes entre Portugal e Brasil, os
governos já discutiam a possibilidade da chegada da peste antes mesmo da notificação de casos
no país, precisamente no ano de 1899. Considerando que o assunto já teria sido alvo de conflitos
entre as autoridades públicas cariocas, acerca das medidas de combate à doença, Nuno de
Andrade e Jorge Pinto entraram debate político-cientifico, sobre permanência dos navios
oriundos dos do Porto nos portos brasileiros, em decorrência dos casos de infecções no território
luso (NASCIMENTO, SILVA, 2012, p. 25):

Na prophylaxia maritima, trata-se da peste, importadas por navios e como sabemos,


faz-se necessario o isolamento. Esse isolamento poderá ser feito, muito embora surjam
as difficuldades como já falamos. A prophylaria terrestre è sem duvidas uma
dificuldade extraordinaria. Antes de mais nada tanto para a prophylaxia terrestre,
como para a marítima faz-se mister a desratização (MORENO, 1927, p. 55).

Santos (1928, p. 79) enfatiza a agilidade na locomoção e a astúcia dos roedores, o que
poderia explicar a capacidade de burlarem o sistema de profilaxia montado contra a sua
circulação pelos portos. Além disso, sua alta capacidade de reprodução poderia justificar a
21

dificuldade de controlar a peste, observando que ela até podia ser controlada entre os homens,
mas não entre os ratos. Por esse motivo, a chamada desratização foi a ação principal e talvez
mais eficiente no combate à enfermidade. Os escritos do médico Clovis Moreno informam que
essa foi a medida adotada pelo estado do Rio durante o surto que lá ocorreu, e isso foi
comprovado em resposta do DNSP, feita por Emydio Mattos, membro da instituição
comandada por Carlos Chagas, diretor do órgão federal (MORENO, 1927, p. 34-38).
A profilaxia começava a ser instituída pelo país e cabia a cada estado se organizar,
fazendo ou não acordos com a União. As medidas tomadas se diferenciavam entre eles. O
estado de São Paulo e da Bahia que, segundo Clovis Moreno, seguiram à frente no combate à
peste, não se concentraram apenas na captura e exterminação dos roedores como no Rio, ambos
possuíam um plano de controle da doença: em São Paulo o Serviço Sanitário e na Bahia, um
Código Sanitário (MORENO, 1927, p. 39).
A peste chegou na Bahia muito antes da promulgação do Código Sanitário. Em
novembro de 1925, a doença completou 19 anos de permanência no estado. Na análise feita
pelo doutor Magalhães Neto, em entrevista à Couto Maia, primeiro diretor do Hospital de
Isolamento de Mont’Serrat de Salvador, era possível verificar as ascendências e decadências da
peste no estado, revelando assim, a oscilação da doença ora no interior, ora na capital (A
TARDE, 12 mar. 1928, p. 1). Entretanto, é importante salientar que o Código serviu para iniciar
um processo de maior precisão nos serviços de profilaxia, tendo em vista que os artigos eram
delimitados para cada doença, igualmente para com ações de combate à peste. A legislação
destinava 22 artigos para lidar com os casos notificados da bubônica. Essas ações iam desde o
isolamento do paciente, desinfecção local, proteção e vacinação da população e o combate
direto ao animal (MORENO, 1927, p. 43).
Uma das medidas de “combate direto” era o expurgo, previsto nos artigos 594 e 595 do
Código Sanitário. Essa atividade visava à sua exterminação, bem como das pulgas infectadas
no local onde houvesse notificação. A captura dos ratos era uma das principais questões,
justamente pela preocupação em eliminar os cadáveres de roedores, para as pulgas não se
dispersarem. O jornal A Tarde, de 6 de março de 1928, notificou a realização do expurgo,
demonstrando que o trabalho não era apenas realizado no ambiente onde animal fosse
encontrado, mas também nas localidades vizinhas, inclusive no prédio onde funcionava o
noticiário:

Tendo apparecido, em uma casa comercial a rua Santos Dumont, ratos mortos, que
foram verificados pestosos, a Saude Publica mandou fazer o expurgo, não só daquelle
22

estabelecimento, bem como de outros no mesmo quarteirão, inclusive o que funcciona


esse jornal (A TARDE, a, 6 de mar. de 1928, p. 1).

A desinfecção do local também era feita na intenção de eliminar germes dos utensílios
de casa, sendo eles roupas e objetos, bem como os excrementos e escarros do doente. A
profilaxia seguia o cuidado com os alimentos, mudanças nas estruturas da casa reforçando as
entradas para evitar a chegada do rato e, ainda, seguindo os demais artigos, uma fiscalização
dos locais que tivessem ratos mortos, inclusive sofrer até mesmo interdições (MORENO, 1927,
p. 45). Segundo o jornal A Tarde, de 12 de março de 1924:

Há varios dias, vinham apparecendo, em varios prédios da rua do Arsenal de Marinha,


ratos mortos, que se suppunham serem pestosos, que sendo logo avisada a Saude
Publica, que como habito, nenhuma providencia tomou [...] Disso informada, a Saude
Publica mandou hontem á tarde, o carro do Desinfectório Central, procendendo-se um
rápido expurgo no prédio, isto é apenas no local onde residia o pestoso, e a remoção
do mesmo para o Hospital de Isolamento (A TARDE, 12 mar. 1924, p. 1)

A presença de ratos mortos era um sinal de que existiam focos de pulgas infestadas, por
isso, o chamado à Saúde Pública era feito com o intuito de amenizar o risco de infestação no
local. A desinfecção da área, ainda no ano de 1924, confirma o fato de que havia orientações
sanitárias anteriores a serem seguidas pela então DGSPB da Bahia. Pelo menos o processo de
higienização já era feito desde antes da criação do Código Sanitário. Depois do código, as
medidas foram aperfeiçoadas: a captura do rato, por exemplo, era realizada com dois pedaços
de madeira, para evitar o contato com a mão das pessoas (SANTOS, 1928, p. 75). Além de
expurgar os ambientes que já estavam contaminados existia também as medidas de prevenção
nos locais que fossem considerados habitáveis para os ratos pestosos.

No sábado ultimo, os negociantes e proprietários das ruas Corpo Santo, Arsenal de


Marinha e Manoel Victorino, foram intimados por memorandum da Saude Publica,
para no praso de 30 dias, retirarem os fôrros dos seus prédios, ficando o madeirame
descoberto, afim de evitar o abrigo de ratos e consequentemente manifestação da peste
bubônica (DIÁRIO DA BAHIA, 13 mar. 1928, p. 1).

Nem sempre as medidas de prevenção agradavam a todos, especialmente às elites


soteropolitanas. A notícia acima veio acompanhada de uma crítica a Barros Barreto, por realizar
ações que afetaram diretamente os comerciantes e que eles consideravam como
“extravagantes”. O periódico faz menção à insatisfação dos proprietários de estabelecimentos
comerciais em meio a determinações da Secretaria de Saúde, pois além de deixarem as casas
descobertas, ainda ficavam esteticamente feias (DIÁRIO DA BAHIA, 13 mar. 1928, p. 1).
23

Logo, é possível identificar os conflitos entre as elites econômicas e o Governo do


estado, gerados pela presença das enfermidades: a exemplo disso, a modificação de costumes
e hábitos da sociedade, como a mudança do local da feira livre. O jornal A Tarde noticiou a
alteração da feira livre do Forte do São Pedro para a entrada da Curva Grande ao Garcia, no
centro da cidade “por causa dos ratos pestosos” (A TARDE, 25 abr. 1928, p. 1). Possivelmente,
as modificações que atingiam diretamente os comerciantes foram motivo para que eles se
preocupassem com a Reforma Sanitária na Bahia.
Outras medidas que provavelmente levaram ao descontentamento das elites foram as
interdições de locais infectados, feitas pelas inspetorias de saúde pública e comandadas por
chefes das delegacias de saúde, como demonstrou Santos (2018). As delegacias foram
instaladas nos distritos da cidade a fim de auxiliar no combate a diversas doenças que assolavam
Salvador, realizar o recenseamento das comunidades, a caça aos animais transmissores, a
fiscalização de profissionais e estabelecimentos, a localização de doentes e o encaminhamento
para o isolamento fosse domiciliar ou hospitalar (SANTOS, 2018, p. 48).
A atuação do estado gerou desaprovação do governo Góes Calmon e os ataques a
Barreto, como é possível observar nos jornais em circulação já no fim de seu mandato. As
medidas realizadas pelo médico surtiram efeitos negativos para a população pobre, atentando-
se às medidas de profilaxia que obrigavam o pagamento de multas por omitir o doente de peste
bubônica e, também, por enviar parentes de pestosos que se recusassem à vacina para o mesmo
Hospital de Isolamento que os doentes eram levados (SANTOS, 1928, p. 71).
O Hospital Mont’Serrat era o local onde os doentes eram isolados. Foi fundado ainda
no ano de 1853 para atender pacientes em momentos de surtos febre amarela, mas assim que a
epidemia diminuía a instituição fechava as portas. Somente a partir de 1911, o hospital começou
a manter uma continuidade no atendimento, fato observado nos anos da Reforma Sanitária com
a ampliação de espaço físico e leitos:

Em complemento á organização de combate a doenças infecciosas, devemos aludir ao


Hospital de Isolamento Mont’ Serrat, agora devidamente installado de accordo com
as modernas exigencias da medicina preventiva, e que, na opinião dos sanitaristas que
o tem visitado não encontra similar no paiz e rivaliza com os melhores
estabelecimentos extrangeiros dessa natureza (BARRETO, 1928, p. 30).

Os elogios ao atendimento à população, à utilização de uma medicina preventiva e às


instalações do Hospital foram feitos pelo subsecretario de saúde, Barros Barreto, que se afastou
provisoriamente do seu cargo, deixando Couto Maia como interino. O Hospital de isolamento
também era destinado a atender variolosos, mas atendia pacientes com sintomas de diversas
moléstias, inclusive a peste bubônica:
24

Todos os distritos têm sido invadidos pela propagação do mal, restava apenas o
arrabalde de Itapagipe, agora alcançado com este caso novo, na pessoa de uma
professora, a esta hora atirada ao leito do Hospital de Isolamento, cujo diretor,
acumula, contra a lei, as funções interinas de Secretario de Saude Publica (DIÁRIO
DA BAHIA, 28 abr. 1928, p. 1)

Gestão de Barros Barreto na epidemia de peste bubônica

O surto de peste bubônica retornou para a capital entre os anos de 1927-1928, gerando
maior cobrança aos governantes em meio àquela conjuntura. Esse pode ter sido mais um dos
motivos para as intensas críticas à atuação de Barros Barreto enquanto secretário. O Diário da
Bahia afirmou que a condução dos pacientes de peste bubônica ao Hospital de Isolamento
gerava a insatisfação. O jornal informava que Barreto estava no seu estado de origem,
Pernambuco, “gastando dinheiro público, enquanto o mal epidêmico, ceifando vidas” (DIÁRIO
DA BAHIA, 28 abr. 1928, p. 1). O fato de ter nascido em outro estado contribuiu para que
outros médicos e as elites políticas tivessem resistência à sua atuação como gestor sanitário,
conforme ele mesmo afirmou em relação a Aristides Novis, Diretor da FMB (BATISTA;
SILVA, 2020).
As críticas ao secretário também estavam relacionadas à falta de higiene, ausência de
água e rede de esgoto na cidade de Salvador, trazendo como consequência, o aparecimento dos
animais transmissores da peste bubônica. Era visível a repulsa ao gestor quando essas
manchetes apareciam nos periódicos: Senhor Deus dos desgraçados, livra-nos da peste
bubonica e da peste Barros Barreteana (DIÁRIO DA BAHIA, 20 mar. 1928, p. 1) e também
Emquanto a bubônica dizima, o senhor Barreto passeia ou foge? (DIÁRIO DA BAHIA, 1 mar.
1928, p. 1).
Os julgamentos destinados ao secretário de saúde no ano de 1928 podem ter sido
influenciados por diversos fatores, provavelmente tendo como estopim o fato de Barros Barreto
ter dado “declarações equivocadas” sobre a propagação da peste bubônica no último dia do
Congresso Brasileiro de Higiene, realizado em 20 de janeiro do mesmo ano em Salvador.
Segundo a publicação do jornal Diário da Bahia, o Secretário de Saúde, relator do congresso
“citou um ‘urubu’ como um dos grandes vectores do mal, acrescentando que um rato pestoso,
quando atirado ao campo em plena carniça, é devorado pelos urubus que muitas vezes
transmitem a peste ao homem” (DIÁRIO DA BAHIA, 20 jan. 1928, p. 1).
As hipóteses sobre os agentes transmissores da doença eram avaliadas nas teses de
doutoramento publicadas pela FMB, como na de Santos, que destinou parte do seu texto para
25

falar sobre os animais responsáveis pela inoculação do bacilo de Yesin. O autor considerava
que os ratos:

Realmente, são eles os principaes e mais perigosos agentes conservação e transmição


dos bacillos de Yersin. No quase totalidades são suceptiveis de gosar esse papel tão
importante do ponto de vista epidemiologico. Entretanto, existe um grande número de
roedores (marmotas, spermophilos, etc) e mamíferos outros[...] (SANTOS, 1928, p.
47)

A discussão em torno dos agentes transmissores também estava relacionada aos estudos
realizados no Instituto Pausteur de Paris, que fez experimentação com fezes do urubú e
considerou que o animal poderia ser um transmissor da doença. Santos aprofundou a discussão
científica sobre a contaminação por meio das fezes da ave e entrou em discordância com a
pesquisa dos estrangeiros por acreditar que a enfermidade poderia sim ser transmitida pela ave,
mas não de maneira sugestiva como a dos pesquisadores estrangeiros. Ele ainda concluiu:

E assim finalisamos as nossas considerações a respeito das hypotheses formuladas de


uma possivel propagação de peste pelo urubu, respeitando, todavia, as theorias de
outrem que porventura acredite na referida possibilidade de propagação (1928, p. 63).

Interessa-nos analisar aqui que a fala do Secretário, vista como motivo de chacota da
população e periódicos, era uma referência de estudo realizado no exterior, constatando que,
mesmo que estivesse equivocado, possuía embasamento médico-científico atualizado para o
momento. Essa declaração de Barros Barreto resultou em duras as críticas e textos
depreciativos. O periódico soteropolitano Diário da Bahia repudiava a sua fala e afirmava que:
“a bubônica na Bahia não passa de uma casa mal assombrada. Que tudo esta na imaginação
sobrexcitada do povo, e que o oposicionismo incandescente procura ainda mais exaltar”
(DIÁRIO DA BAHIA, 20 mar. 1928, p. 1).
Além de todas as declarações dadas por Barreto, o fato o subsecretário ser genro do
governador do Estado, Góes Calmon, influenciou na forma como a imprensa via o membro da
família no comando de um cargo importante no contexto de epidemia. Talvez o motivo poderia
ser insignificante no momento em que Salvador notificava menos casos de peste, mas poderia
ser um agravante quando a gestão começou a incomodar, quando o quadro se modificou e o
número de casos aumentou em 1928:
26

Quadro 1 – Notificação de Casos e Mortes de Peste Bubônica na Capital.


Ano Casos Notificados Óbitos
1925 24 18
1926 3 1
1927 1 1
1928 69 56
Fonte: BARRETO (1929, p. 6).

Talvez o aumento nos casos e nas mortes na capital tenha sido o principal motivo de
denúncias do periódico Diário da Bahia contra o governo e o subsecretário de saúde no ano de
1928, afinal, a peste havia retornado a amedrontar a população soteropolitana, mesmo com o
plano de governo para combater a doença.
O medo da morte ficava cada vez mais evidente nas publicações de jornais no ano de
1928. As denúncias da incapacidade de resolver problemas, por parte do governo, estavam
relacionadas ao fato do Sub-secretário ter viajado durante a epidemia de peste bubonica,
indicando, também, um posicionamento político do jornal contrário ao médico. Os problemas
estruturais da cidade de Salvador foram exibidos em noticiários a fim de chamar atenção para
uma possível má gestão de Barros Barreto. Encarnado no espectro da morte, seguia ceifando a
vida das pessoas, dando a entender que, ao invés de defender a população contra a peste, ele
estava a assassinando (Figura 1).

Figura 1 - Representação de Barros pelo periódico durante o surto de 1928 na cidade de Salvador.

Fonte: Diário da Bahia, Salvador, 26/02/ 1928 p. 1.

Outra imagem (Figura 2), do jornal A Tarde, apresenta o diálogo entre um suposto
visitante que afirma que vai embora do estado devido aos 80 casos de peste bubônica, e a
resposta fornecida pela “bahiana” foi que isso não queria dizer nada. Para ela, a peste pior era
27

Góes Calmon no governo. A charge retrata o repúdio ao governador quando o compara com a
bubônica.
Figura 2 - Sobre o governo de Goes Calmon durante o surto de 1928 na cidade de Salvador.

Fonte: Diário da Bahia, Salvador, 21 mar. 1928 p. 1.

No mesmo ano, o A Tarde, publicou uma entrevista de Barros Barreto sobre a peste em
Salvador, na qual o secretário afirmou que os casos da doença se manifestaram em antigos focos
já existentes, mas que estavam adormecidos, reforçando que as notícias tinham caráter
aterrorizador e político, já que eram três dezenas de casos até o momento da entrevista.
Destacou os esforços executados pela Secretaria de Saúde na medicina preventiva, enfatizando
a importância da vacina na prevenção a propagação do mal, como se fez com a meningite,
coqueluche, cólera, febre tifo e desinterias (A TARDE, 16 mar. 1928, p. 1).
O médico ainda criticou opiniões infundadas sobre a vacinação quando afirmou que
“antes de ser entregue pelo nosso Instituto Oswaldo Cruz, as autoridades sanitarias, é a vacina
sujeita as mais rigorosas provas de esterilidade absoluta [...] [...] Ora, uma dose de vaccina que
não mata um animalzinho como cobaio é seguramente innocua para o homem” (A TARDE, 16
mar. 1928, p.1).
A tentativa de fazer com que as pessoas se vacinassem com a soro-vacinação antipestosa
contra a peste bubônica, fabricada pelo Instituto Oswaldo Cruz, instalado na Bahia ainda em
1917, fica evidente. E além das afirmações de Barreto que tinham a finalidade de estimular a
vacinação, a conscientização da população também foi feita pelos veículos de imprensa:

Mesmo tendo sido incansáveis, afirmam-nos em seu trabalho de clínico de


prophylaxia; mas desajudadas de recursos, sem vacinas seguir para eles próprios,
sentem-se sem o aparelhamento indispensável para empreender um combate intensivo
contra o mal crescente (DIÁRIO DA BAHIA, 28 nov. 1927, p. 1).
28

Os debates em torno da vacina foram publicados no jornal A Tarde em matéria intitulada


“guerra aos ratos”, que destacava em subtítulo “vacinar-se contra a peste constitui o melhor
meio de defeza individual, deixando muito evidente que a possibilidade controle da peste se
dava pela vacinação (A TARDE, 12 mar. 1928 p. 1). No ano seguinte, a peste não havia causado
notificação ou morte, muito provavelmente pela soro-vacinação da população na cidade de
Salvador, como destaca Barros Barreto: “Contra outras moléstias infectuosas também se fez
sentir a acção preventiva da saúde pública. Assim, contra a peste, mais de trinta mil pessôas
acham-se imunizadas, na Capital e no Interior” (BARRETO, 1928, p. 30).
Aparentemente, o processo de imunização da população foi o que amenizou a luta contra
a peste bubônica. Foi possível analisar diversas características da doença na capital do estado.
A discussões em torno da doença, em Salvador, deixam transparecer as condições precárias de
higiene, habitações e organização da cidade para conter o surto no ano de 1928, mesmo já
iniciada a reforma sanitária. Considerando o fato, é interessante observar também alguns fatores
relacionado a conjuntura dos espaços interioranos nesse mesmo cenário de peste bubônica.
29

CAPÍTULO II
A PESTE BOBÔNICA NO INTERIOR NA BAHIA

O código sanitário, há poucos dias vindo a lume, consagra apenas um breve artigo ao
importantíssimo da peste bubônica. Apesar disso, estamos que a prophylaxia contra a
bubônica no interior, será brevemente atacada (DIÁRIO DA BAHIA, 27 nov. 1925,
p. 1).

A notícia do periódico Diário da Bahia, publicada no dia 27 de novembro de 1925 e


intitulada “A Peste no Interior”, trouxe uma análise das condições de saúde pública dos
moradores do interior do estado. A publicação alude ao Código Sanitário, informando a
existência de um artigo único direcionado aos serviços de profilaxia da peste nas cidades
distantes da capital. Entretanto, o referido artigo, de número 605, orientava as autoridades a
seguirem o mesmo protocolo destinado a Salvador, como descrito nos artigos anteriores, com
possibilidade de adaptações às realidades interioranas. Como um exemplo de adaptação, era
possível substituir as reformas em residências pelo desalojamento do local e sua incineração,
considerando que as casas poderiam ser “mucambos ou de taipa”, locais com previsível moradia
dos ratos (MORENO, 1927, p. 46). A realidade das habitações dos sertões baianos era precária,
sobretudo as feitas de madeira, adobo e teto de palha (SOUZA, 2013).
A incineração, medida profilática prevista no artigo do Código Sanitário, foi motivo de
crítica do professor Fernando São Paulo, enviada ao mesmo periódico, um dia após a publicação
da legislação. O médico comparou a aplicação de medidas na capital e no interior, bem como
enfatizou a desigualdade quando realizadas ações profiláticas em residências de pessoas mais
abastadas, que utilizariam de expurgo ou desinfecção, e em casas de sertanejos pobres, onde as
habitações feitas de barro, madeiras e palha teriam o fogo como recurso para destruição de
focos (DIÁRIO DA BAHIA, 28 nov. 1925, p. 1).
O cenário de alguns municípios do interior demonstrava um ambiente propício à
proliferação de doenças, por vários fatores. Além das moradias que favoreciam a entrada de
animais disseminadores de moléstias, a contaminação dos indivíduos ocorria pela ausência de
fossas, que os obrigava a despejarem dejetos em vias públicas, podendo aglomerar animais
transmissores de doenças ou serem alocados em rios e mananciais. Esses eram utilizados como
fonte de água, para realização de atividades domiciliares e alimentação que, quando ingerida,
poderia infectar a população (SOUZA, 2013, 49-50).
30

Luiz Antônio de Castro Santos afirma que, por mais que houvesse uma preocupação
com as condições de saúde e higiene no interior, após o conhecimento das moléstias por
médicos comissionados antes de 1920, as medidas profiláticas ficaram concentradas em
Salvador, mesmo que ela concentrasse apenas 10% da população do estado na época. Embora
as capitais brasileiras passassem por epidemias, a cidade estava menos sujeita a passar por
surtos frequentes de doenças como a peste, justamente por ter iniciado um projeto modernizador
que se preocupava em realizar ações eficientes contra as doenças, enquanto no interior os males
chegavam com maior ferocidade (CASTRO SANTOS, 1998).
As epidemias afetavam o interior mais agressivamente, devido a uma série de fatores
que contribuíam para uma “dolorosa e incomoda realidade dos sertões”. Em um estado
majoritariamente rural, onde as maiores taxas de habitações eram encontradas em campos
agrícolas, vilarejos e municípios, os sertanejos se encontravam em situação precária tanto na
vida, quanto no trabalho. O contexto das duas primeiras décadas nas cidades do interior baiano
era de uma população que viviam da subsistência, com altas taxas de analfabetismo e ausência
de hábitos higiênicos, provocados pela falta de atuação política em zonas consideradas rurais
(SOUZA 2013, p. 48, 53).
Com a falta de recursos destinados à profilaxia de doenças e à higiene no interior, a
peste seguia visitando os sertões dois anos após a sua chegada na capital. As “equipes médicas
federais e estaduais foram enviadas, por exemplo, aos municípios de Serrinha (ligado à capital
por ferrovia), Feira de Santana (importante centro comercial), Camisão e Castro Alves, a oeste
de Salvador. Campo Formoso, a noroeste, sofreu uma segunda epidemia de peste” (CASTRO
SANTOS, 1998):

Os focos se multiplicaram e em breve se tornou a endemia do temido mal do Oriente


na cidade de Salvador, onde por mais de um deccenio fez innumeras victimas, e de
onde infelizmente se irradiou em 1906 para Alagoinhas em 1907 para Valença, Santo
Amaro, Santa Ignez, Cachoeira e Maragojipe [...]. [...] Mas só em 1916 teve ella o seu
violento apparecimento no interior do nosso Estado. Queremos nos referir a grande
epidemia que ceifou numerosas e preciosas vidas na florecente cidade de Joazeiro. (A
TARDE, 24 jan. 1928, p. 1).

É possível observar que a peste se manifestou no interior muito antes da Reforma


Sanitária. Já em 1925, os jornais revelaram maior interesse pelos serviços de profilaxia,
principalmente pelo revezamento constante de doenças como varíola, thypho e peste bubônica,
esta que “Diariamente, vêm noticias de casos verificados, que o sigillo e a censura dos que a
recebem, impede-nas de chegar ao conhecimento público” (DIARIO DA BAHIA, 27 nov. 1925,
31

p.1). A censura citada no periódico sobre os casos pode estar relacionada ao fato de a doença
ter um caráter negativo. É possível que ainda houvesse alguma memória da grande epidemia de
peste negra que devastou a Europa na passagem do período feudal para a era Moderna
(NASCIMENTO, SILVA, 2013).
Muito provavelmente as melhorias do cenário higiênico se concentraram inicialmente
em Salvador no momento em que o acordo com a União foi firmado, porém, se ampliaram
lentamente para o interior após a chegada de Barros Barreto ao cargo de Subsecretário de Saúde
e à criação do Código Sanitário, em 1925.
Naquele ano, o jornal A Tarde informou sobre a presença da peste bubônica em diversas
regiões do estado. As denúncias estavam, na maioria das vezes, ligadas às dificuldades dos
municípios para combater o mal, já que seria necessária uma orientação sobre como proceder
após o surgimento da enfermidade. A notícia demonstra preocupação em áreas afetadas pela
doença:

Noticias do arraial de Candel, distrito de Riachão do Jacuhype, informam que a peste


bubônica está assolando aquella localidade, que se acha completamente desprovida
de meios necessários para combater o mal que está assumindo proporções alarmantes
(A TARDE, 15 mai. 1925, p. 1)

Notícias sobre as condições do interior circulavam na imprensa soteropolitana mesmo


antes do surto retornar a Salvador, em 1927, muito provavelmente enviadas pelas elites do
interior, que utilizavam os jornais para pressionar o governo a tomar posição acerca das
epidemias, como no caso da gripe “espanhola” (SANTOS, 2013, p. 70). No mesmo ano da
publicação da notícia sobre a presença de peste em Riachão, o Diário da Bahia (4 set. 1925, p.
1) notificava casos da doença em Lamarão, povoado de Serrinha. Descrevia a presença de
vítimas na região devido à falta de recursos do povoado em que, felizmente, o mal não se
agravou por causa do médico enviado para debelar o mal. A cidade de Serrinha já tinha passado
por um surto em 1922, quando Sobral Pinto, vice-diretor do Serviço de Profilaxia Rural na
Bahia, solicitou a Belisário Penna o envio de 200 doses de soro antipestoso para atender a região
e a cidade de Juazeiro, que também passou pela epidemia de peste no mesmo ano (BRITO,
2018, p. 84).
Mesmo após o início das Reforma Sanitária, o interior baiano foi considerado em
matéria do Diário da Bahia (27 nov. 1925, p. 1), como “a pátria das moléstias”. A publicação
apontava que a realidade “mato a dentro dos sertões” era de casebres feitas de sapé, onde não
existiam sombras de higiene. As condições de higiene local eram consideradas uma das
características atribuídas aos sertões na comissão composta por Penna e Neiva em viagem pelo
32

Norte da Bahia, próximo ao Rio São Francisco, nos municípios de Juazeiro e Petrolina, como
afirma Ana Clara Farias Brito. Para a autora, Juazeiro teria sido considerada pelos cientistas um
“amontoado de gente” que vivia em péssimas condições. Mesmo vista como uma cidade
importante, ela era caracterizada por uma série de problemas ligados à sua estrutura sanitária.
Do mesmo modo, foi observada precariedade na assistência médica fornecida à população,
tendo deixado passar desapercebida a presença de febre amarela, por acreditarem ser benigna.
Além da febre amarela, malária, impaludismo e a peste bubônica também passaram pela cidade
de Juazeiro, tendo chegado à localidade pela via férrea, inaugurada em 1896, e marítima pelo
São Francisco (BRITO, 2018, p. 182 -185).
Em 1922, a peste chegou a Juazeiro pelos vagões que transportavam mercadorias pelo
estado, vinda em Salvador. A cidade tinha melhor desempenho sanitário que a cidade de
Jacobina, também no norte do estado, que notificou um caso da bubônica no mesmo ano, no
distrito de Cannabrava. Juazeiro atuava de maneira mais efetiva nos serviços de profilaxia pela
recepção de medicamentos e pela chegada de um posto de Saneamento Rural no mês de julho
(BRITO, 2018, p. 193) Assim, é possível observar que o cenário começou a se modificar,
mesmo que em pequena escala, a partir de 1921, enfatizando aqui a relevância do acordo entre
Estado e União.
A Reforma Sanitária na Bahia modificou o cenário que existia, direcionando a
responsabilidade da população pobre para o Governo. Além da participação do estado nas
medidas de prevenção e combate as epidemias, os municípios deveriam seguir as orientações
da Subsecretaria da Bahia, que exigia o direcionamento, para a repartição estadual, de 5% dos
impostos municipais, com intuito de custear despesas da saúde em cidades do interior
(BATISTA, 2017, p. 209) A promulgação do código sanitário em 1925, com a criação da
Subsecretaria de Saúde, trouxe algumas alterações no panorama da Capital e também do interior
baiano.
Uma das mudanças no interior, foi a ampliação de postos de saneamento na capital e em
alguns municípios, passando de oito instituições no ano de 1924, para 16 em 1925, mudança
extremamente significativa para a população. Ademais, houve também a criação de subpostos
em todos os locais que tinham postos, a fim de atuar em conjunto para atender as necessidades
locais. Com intuito de interiorizar a saúde na Bahia, o então Subsecretário de Saúde e
Assistência Pública inaugurou oito novos postos em cidades diversas (Valença, Ilhéus, Itabuna,
Belmonte, Cachoeira, Alagoinhas, Cruz das Almas e Barra do Rio Grande, na zona do São
Francisco), entre novembro de 1924 e o final de 1925 (BATISTA, 2020, p. 444). Esse aumento
de instituições indica que as condições de saúde poderiam ser mais favoráveis, quando do
33

cenário de epidemias, tendo em vista que as condições de trabalho dos médicos melhoraram
com a criação desses espaços.
Os postos eram gerenciados por chefes ligados ao estado, responsáveis pela higiene
municipal em serviço unificado com o estadual, o que, inclusive, teria sido criticado por
autoridades da época. Os conflitos em torno das medidas tomadas pelo governo também se
manifestaram nas instancias interioranas, a exemplo do inspetor de Saúde dos Portos, que
proibiu o médico Gil Guimarães de realizar os serviços profiláticos de combate a peste quando
navios atracavam em Ilhéus, já que essa medida era atribuição da União (BATISTA, 2017, p.
223).
É possível identificar algumas práticas comuns em períodos epidêmicos como o medo
da morte, ocultação do cadáver para conseguir dar um enterro digno, a busca excessiva pelas
divindades para fugir da morte, receio com relação a vacina e fuga dos focos pestilentos. O fato
de a peste ter aumentado em Vitória da Conquista no ano de 1928 levou a população a criticar,
influenciada pela imprensa regional, o governador, o subsecretário e a comissão de investigação
da moléstia, demonstrando, assim, instabilidade governamental e certa aversão aos agentes da
área da saúde destinados ao local (CHAVES; AMORIM, 2018, p. 158-168)
Comissões médicas eram enviadas para locais que não havia a presença de Postos de
Saneamento Rural. Elas contavam com um profissional de saúde que auxiliaria na instrução de
higiene pública, serviços de vacinação da população, observação por meio da vigilância e,
também, serviços administrativos do local. A viagem a determinadas regiões nem sempre era o
desejo de médicos, devido às dificuldades enfrentadas nas regiões mais distantes da capital,
entretanto, muitos dos chefes comissionados foram recompensados com a nomeação de
importantes cargos púbicos, que lhes poderiam trazer benefícios, ainda na década de 1910
(SOUZA, 2013, p. 60)
As comissões para o interior do estado, após o início da Reforma Sanitária, foram
importantes para realizar inquéritos epidemiológicos sobre doenças que surgiam
repentinamente, além de atuarem nos serviços profiláticos e de vacinação. Os profissionais
precisavam orientar a população e auxiliar na administração do local quando havia surtos,
atividades comumente realizadas em lugares nos quais as epidemias aconteciam. As viagens
integravam um plano de profilaxia de moléstias que prevaleciam nos sertões, a exemplo da
peste que, como afirmou Clovis Moreno, “em virtude das circumstancias múltiplas, parece ter
encontrado na Bahia, um campo bom de proliferação para o seu germen” (MORENO, 1927, p.
8).
34

As comissões médicas eram enviadas às localidades após a identificação dos locais


afetados, por meio de jornais, ou ainda por meio de pedidos de líderes municipais por uma
atuação maior na região, como foi o caso da cidade de Pombal, como mostra o relatório do
Intendente Municipal, João Ferreira Brito. Ele comunicou que há vários dias surgiram na região
casos de febres com carácter fulminante e malignos sendo localizados no município e subúrbios
(POMBAL, 1926). O documento não possibilita aferir que era peste bubônica, no entanto, o
mal que pairava entre os baianos poderia assustar também os moradores de Pombal,
principalmente ao perceber o aumento de casos da peste na Bahia depois de 1925.
Além do pedido de Pombal, houve também o exemplo de Vitória da Conquista, com o
apelo do político Regis Pacheco ao subsecretário de saúde pública para solucionar o problema
que a cidade enfrentava nos anos de 1927 e 1928. Chaves e Amorim (2018) trazem alguns
aspectos da passagem da peste bubônica na cidade, que revelam características do município,
discordâncias políticas e a presença de uma comissão chefiada pelo médico Luís Machado
quando chegou no mês de outubro de 1927.
Conquista não possuía Posto Profilático, apenas um pequeno prédio destinado ao
Hospital da Santa Casa de Misericórdia que foi inaugurado em 1919, mas só passou a
desenvolver atividades plenamente em 1930. A peste em Conquista trouxe prejuízos
econômicos ao município e evidenciou os seus problemas estruturais. Em 1928, o Diário da
Bahia publicava considerações do médico chefe da comissão sanitária a respeito da cidade, o
dr. Antônio Castro de Contreiras:

Encontrei a cidade no completo e absoluto abandono relativamente a serviços de


profylaxia. Parece mesmo que quase todo o povo desconhecia as regras de hygiene e
asseio doméstico, pois todas casas, quer de famílias, quer de commerciaes, eram
verdadeiros viveiros de pulgas e ratos. Não havia em Conquista nenhuma cousa
parecida com exgottos, porquanto, as fezes eram atiradas aos quintais das casas, se
incumbindo aos porcos soltos, fazerem a respectiva limpeza (DIÁRIO DA BAHIA, 2
abr. 1928, p. 2).

Conquista recebeu mais uma comissão, em 1928, não analisada por Chaves e Amorim.
Desta vez, também tinha como chefe o médico Antônio Castro de Contreiras e, como diretor, o
médico Durval Moreira da Silva Lima, figura pública que utilizou do seu título de comissionado
para interferir nas atividades da cidade. De acordo com relatório escrito por ele para a
Subsecretaria de Saúde, durante a sua passagem por Conquista, suspendeu a realização de ritos
religiosos da Semana Santa e do Mi-Careme devido ao surgimento de ratos mortos. Ordenou,
então, a realização de expurgos nos locais onde os animais foram encontrados. Impediu também
a entrada de forasteiros não vacinados, a exibição de cinemas e encontros noturnos, tendo
35

contado com apoio policial para auxiliar no cumprimento do seu decreto (LIMA, 1928).
Aspectos dessa comissão indicam o fechamento de estabelecimentos como medida profilática
seguida em cidade do interior, bem como, a modificação de práticas ligadas a um momento
epidêmico, sobretudo os debates em torno da sorovacinação que eram divulgados em periódicos
da época.
No mesmo período, periódicos informavam sobre o surto na Chapada Diamantina. A
publicação afirma “A bubonica. Desdobra-se com franco caracter epidêmico, por toda a zona
diamantina. Os recursos insufficiemtes para o combater o mal. Pedidos de soccorro a
Subsecretaria de Saúde Pública” (DIARIO DA BAHIA, 1 fev. 1927, p. 1). Os relatórios de
atuação do estado nessas localidades evidenciam que eram áreas difíceis de controlar doenças
apenas com o poderio municipal, este que inclusive não tinha expertise de trabalhar no combate
as endemias.

Viagens para debelar surtos da peste

As viagens de médicos ao interior da Bahia podem ser melhor compreendidas por


documentos como o Relatório da visita à cidade de Palmeiras, na Chapada Diamantina, região
circunvizinha da Vila Bela das Palmeiras, devido às vítimas na região de Seabra7. Assim que o
médico comissionado Exupério da Silva Braga Júnior 8 chegou à cidade para a qual foi enviado,
dia 14 de dezembro de 1925, descobriu, por informações da comunidade, que em uma região a
4 léguas da Vila, na fazenda do Coronel Barbosa, cinco pessoas tinham morrido do mal
levantino. Os exames bacteriológicos foram realizados e confirmados pelo médico Wood,
pastor americano que possuía casa de saúde em Ponte Nova, enviado para a localidade, muito
provavelmente, para contribuir em estudos sobre as epidemias (BRAGA JÚNIOR, 1926, p. 3).
Silva e Batista (2020) mostram que o Wood fazia parte de uma missão norte-americana no
sertão baiano e que criou um hospital na região da Chapada Diamantina nomeado como Grace
Memorial Hospital. Como não havia outras instituições de assistência à saúde na região, o
médico e missionário era constantemente para a realização de exames bacteriológicos e para o
diagnóstico de enfermidades.

7
Possivelmente tinha esse nome em homenagem ao ex-governador, J. J. Seabra. A Vila Bela de Palmeiras, sua
vizinha, é o local onde hoje se situa a cidade de Palmeiras, na Chapada Diamantina.
8
O médico Exupério da Silva Braga Júnior formou-se na FMB, no ano de 1924, e três anos depois viajou para o
Rio de Janeiro afim de se aprimorar nos conhecimentos sobre Saúde Pública e enfermeiras sanitárias com os cursos
disponibilizados pelo DNSP, juntamente a Guilhermino Milton da Silveira (BARRETO, 1927, p. 27)
36

A doença teria chegado em Seabra a partir de uma senhora vinda de Bella Vista de
Utinga, povoado das Lavras Diamantinas que detinha relações comerciais com Jacobina,
município que possuía casos da peste e acabou sendo infestada pelo mal no ano de 1924
(BATISTA, 2019, p. 449). A mulher havia mostrado sintomas da doença e faleceu três dias
depois, o que demonstra mais casos de peste na Bahia no ano de 1926 (BRAGA JÚNIOR, 1926,
p. 4). O fato de a mulher ter trazido a doença para a região de Seabra pode levantar suspeitas
de que a peste fosse pneumônica,9 considerando que esse tipo de contaminação se disseminava
mais facilmente entre as pessoas.
As medidas profiláticas realizadas na região, após o aparecimento de casos, foram o
desalojamento e posterior incineração do local onde aconteceram 5 mortes de peste. Os
moradores da casa ficaram sob vigilância sanitária, isolados durante 8 dias. Para os demais
habitantes da região, foi determinado que queimassem tudo que servia de abrigo para os ratos.
Além disso, que fossem jogados água fervendo com potassia e creolina em um intervalo de 3
em 3 dias. Depois de quase dois meses sem notificações, a comissão retornou à Capital
(BRAGA JÚNIOR, 1926, p. 4-5).
Uma outra viagem foi realizada entre 1º de fevereiro e os meses de março e abril de
1927, pelo médico Aristobulo Cardoso Gomes. O médico que acabava de concluir a Faculdade
de Medicina no ano anterior, substituiu Almir Braga, chefe de Comissão Sanitária das Larvas,
o sexto médico enviado à região para controle de peste “que há mais de um anno, assóla as
intermitencias esta região” (O SERTÃO, 27 fev. 1927, p.1). O periódico afirma que houve
esforços do poder público em controlar o mal. No entanto, a falta de soros e vacina para atender
a população que já havia sido indicada por Braga também foi verificada por Gomes no ano de
1927.
O relatório de Gomes foi publicado em 9 de maio de 1927 e mostra outros aspectos das
comissões enviadas a mando da Secretaria de Saúde e Assistência Pública. Um deles era a
preocupação dos médicos em se imunizar para não se contaminar na viagem. No trecho
encontrado, é notória essa apreensão quando o profissional visitou um foco de peste e afirmou
“[...] lá procurando immunizar-se, isto é, praticando a soro-vacinação, por isso mesmo que me
encontrava em um foco, muito embora nesse tempo, ahi, o mal dessapparecia para não voltar,
durante o tempo da minha comissão, extinta a 30 do mês passado” (GOMES, 1927, p. 3).

9
“A peste pneumônica é uma bronco-pneumonia com o bacilo de Yersin. [...] Começa a peste pneumônica por
uma febre intensa, com calafrio, uma tosse muito forte, e expectoração de catarro espumoso, sanguinolento, que
possui grande quantidade de bacilos pestosos” (MORENO, 1927, p.18).
37

A vacinação era realizada como medida profilática importante, tanto para a população,
quanto a quem fosse ter contato pestosos, como no caso do referido médico. Sobre a aplicação
do soro antipestoso, é importante salientar que ele era utilizado tanto para a prevenção da
doença, com eficácia durante um período de seis meses, e também como tratamento da doença,
tendo em vista os seus bons resultados principalmente quando fornecido logo após a infecção.
Era comum que os indivíduos imunizados sofressem choque anphalítico, uma espécie de reação
alérgica logo após a aplicação, como aconteceu com o médico comissionado, Gomes
(SANTOS, 1927, p. 102-103)
O então médico havia sido enviado para Lençóis e afirmava que a cidade ainda não tinha
sido visitada pela peste. Em contraposição, “alguém de Palmeiras, em transito por Lençóis,
assegurava que a peste ainda não tinha desapparecido e continuava fazendo victimas”. A notícia
despertou o interesse do médico de ir até o local, porém, o Intendente Municipal não escutou
seu pedido, ressaltando que ele foi nomeado para Lençóis, e não para Palmeiras (GOMES,
1927, p. 4).
Os médicos comissionados podiam ser enviados para locais considerados epidêmicos,
mas, quando chegavam, descobriam outros surtos em regiões próximas, um aspecto comum
entre as duas expedições analisadas no presente trabalho. Uma das características apontadas
tanto no relatório relativo ao município de Seabra, como no de Palmeiras, era a dificuldade de
chegar ao local, evidenciada pelos médicos. As citações são referentes às estradas percorridas
e ao carregamento de matérias para a realização do trabalho, dando a entender que os locais
eram de difícil acesso e o transporte dos instrumentos médicos era algo que lhes cansava.
Ao chegar em Lençóis e ser notificado sobre a necessidade de ajuda em Palmeiras, junto
ao impasse do intendente em realocá-lo para o lugar do foco, o profissional demonstrou precisar
de mais um animal para seguir até a determinada região, com o auxílio de guardas que
soubessem o caminho (GOMES, 1927, p. 5). A locomoção na região se dava pela utilização de
animais como cavalos, tornando a viagem ainda mais desgastante.
As dificuldades de locomoção desses agentes sanitários, devido à ausência de animais,
também foram notificadas em locais de atuação dos postos profiláticos. Além da distância entre
as cidades vizinhas, ainda existia o fato de o número de profissionais ser pequeno quando
comparada ao número de pessoas que necessitavam de atendimento (BATISTA, 2017, p. 217).
Por mais que cada região possuísse as suas particularidades, comissões eram enviadas sertões
que tinham em comum a ausência do Estado, onde profissionais de saúde encontravam muitos
empecilhos para realizarem o serviço de profilaxia rural, como demonstram alguns relatórios
analisados.
38

O envio dos médicos foi imprescindível no controle da peste na região de Seabra e


Palmeiras, principalmente pelo aumento de número de casos e pelas muitas vidas ceifadas.
Rememorando os espaços onde o mal passou, um trecho do periódico A Tarde destacou:
“Volvamos a nossa vista inquiridoras para ‘Larvas Diamantinas’, onde a peste fez ingrata
colheita, nos anos de 1926 e 1927, de Villa Bella das Palmeiras e Campestre (Dr. Seabra) [..]”
(A TARDE, 24 jan. 1928). Os locais citados nos jornais, referem-se exatamente aos lugares
onde os relatórios médicos realizaram as comissões.
Ao conseguir ingressar na região afetada pelo foco de peste bubônica, Aristobulo
Cardoso Gomes relatou que a localidade não estava apenas afetada pelo mal levantino, mas
também por febre thyfo, casos de impaludismo e enterites (GOMES, 1927, p. 5). A situação
epidêmica de Palmeiras foi justificada pelo médico, devido às precárias condições higiênicas e
sociais, como a falta de água para a população e a miserabilidade das pessoas que, nas palavras
dele, não tinham pão, luz nem abrigo. Nesse mesmo contexto de instabilidade social, estava
também a política. O comissionado relatou dificuldades em seguir os artigos do Código
Sanitário por conta das resistências da população em atender às orientações, sendo necessário
o pedido de ajuda à força policial pelas ameaças que sofreu durante a sua passagem por
Palmeiras (GOMES, 1927, p. 6).
As condições de vida interferiam na proliferação da doença e a falta de água foi a
principal denúncia do relatório, podendo fazer um comparativo com recortes de jornais que
enfatizavam a falta de água também na capital.10 Além disso, a resistência da população em
seguir com as medidas profiláticas implementadas pelo estado poderia estar relacionada ao
rompimento de práticas costumeiras.
Uma dessas práticas, explícita em jornal, era a caça de animais silvestres em ambientes
naturais na localidade de Campos do São João, a duas léguas de Palmeiras, onde um homem
atirou em um mocó (roedor), que conseguiu resistir e adentrar em sua toca. Ele teria posto a
mão para retirar o bicho e morrido dias depois do ocorrido, tendo sido o primeiro caso naquela
localidade (A TARDE, 24 jan. 1928). Robert Derlot afirma que casos de peste podem ocorrer
após a entrada dos humanos, de maneira súbita, em ecossistemas destinado a vida e animais,
como aconteceu nos continentes asiático, africano e americano (DELORT 1991, apud LE
GOFF, 1991, p. 125).
Ao finalizar seu trabalho, Gomes realizou uma autoavaliação positiva acerca da sua
atuação no combate a peste em Palmeiras, principalmente por ter aplicado um total de 683

10
Nesse tempo de água escassa... As fontes públicas devem ser policiadas. (A TARDE, 21 jun. 1929).
39

vacinas na população, bem como, ter realizados expurgos constantes em locais de focos.
Afirmou terem ocorrido 34 casos da doença, sendo 23 salvos da morte por um “trabalho
incansável efetuado por ele”, mesmo tendo enfrentado oposição de representante político
Olympio Barbosa, que afirmou ser o isolamento uma utopia. Esse posicionamento foi
considerado pelo médico uma tentativa de “destruir os effeitos da prophylaxia postos por mim”
(GOMES, 1927, p. 7-8).
A ida do médico Aristobulo Gomes a Palmeiras foi publicada no periódico local O
Sertão. Intitulada de “o mal levantino”, a notícia referia-se à região das Larvas Diamantinas
entre os anos de 1927-28. A notícia era entusiasta, demonstrava a queda dos casos de peste na
região de Lençóis, onde teriam sido realizados os serviços de profilaxia individual, a vacinação
em grande número de pessoas, entretanto, não desconsiderava o serviço de desratização
(SERTÃO, 27 fev.1927).
O médico concluiu seu relatório comentando as dificuldades encontradas não só no meio
técnico, com a falta de equipamentos de trabalho, mas também os obstáculos enfrentados com
relação população Palmeirense, em meio a medidas profiláticas:

Porque aboli as sentinelas, isso foi o bastante para que contra a mim, o obvio da
população se acirrasse, de modo que para conseguir alguma coisa, valei-me
exclusivamente, da minha força moral, que mais tarde felizmente, foi compreendida
pelo povo inculto daquela zona que tinha e tem ainda para a prophylaxia, um terror,
um elemento de destruição (GOMES, 1927, p. 8).

A peste passou pela região das larvas de maneira muito intensa, em territórios muito
provavelmente propícios à proliferação da doença, principalmente se considerado que a região
não tinha condições básicas de higiene. O jornal O Sertão, assim que noticiava o controle da
bubônica na região citada, também trazia dados referente as localidades próximas das cidades
de Lençóis, Doutor Seabra e Palmeiras que foram afetados pela doença (Quadro 2):

Quadro 2 –
Localidade Doentes Curados Óbitos
Poço de Manoel Felix 38 5
Parnahyba 36 17
Lapão 26 12
Santíssimo 15 5
Lagoa Secca 10 7
São José 3 2
Quixabas 15 7
Queimadas 14 4
Vae-quem-quer 5 2
40

Carreiro Grande 4 0
Lapinha – Boa Vista 9 4
Umbuzeiros 4 0
Mulungú 2 0
América Nova 3 1
Peri-Peri 1 0
Prata 10 3
Riacho das Almas 3 4
Palmeiras 21 13
Campos de S. João 8 2
Estiva 1 0

O SERTÃO, 27 fev. 1927, p. 1

As denúncias feitas pelos jornais foram aumentaram após o ano de 1925. A inquietação
se dava ao fato do crescimento da peste nas cidades interioranas e a sua movimentação pelo
estado, fazendo retornar a doença ao solo soteropolitano em 1927. No ano de 1928, a discussão
sobre a presença incessante de peste no interior foi colocada em pauta do 4º Congresso de
Hygiene da Bahia, pelos médicos Otto Schmidt e Serafim Júnior:

Contaminada a capital bahiana, a despeito de todas as medidas agressivas ao mal,


então tomadas, foi inevitável a rápida propagação da moléstia em vários pontos então
existentes e adequados ao alojamento do mal levantino (A TARDE, 24 jan. 1928, p.1).

A presença da peste no interior da Bahia, como já visto, se deu muito antes de 1925,
ainda em 1906 no município de Alagoinhas, sendo espalhada por territórios distintos no estado
em 1928. No dia 24 de janeiro do mesmo ano, o período A Tarde fez publicação referente ao
evento em que seria apresentado o trabalho dos médicos Serafim Junior e Otto Schmidt sobre
a incidência da peste no interior baiano:
Interessa-nos os, dado o título da presente monographia, que essencialmente estudará
aspectos da epidemiologia da peste no interior do Estado, saber quaes os primeiros
pontos attingidos depois da capital, a importancia desses surtos com as suas nefastas
irradiações. Estudaremos portanto, os encadeiamentos dos surtos e a importancia das
zonas contaminadas, elucidando o que há de curioso em cada uma delas, sob o ponto
de vista dictado oficialmente, para chegar a um estudo mais minucioso da zona em
que pessoalmente colhemos as nossas observações (A TARDE, 24, jan. 1928, p. 1).

A doença retornou ao município de Alagoinhas no ano de 1928, atingindo três pessoas


no barracão Estrada de Ferro, logo após a notícia de que Vitória da Conquista estava livre da
bubônica. De acordo com o Diário da Bahia, outros casos já haviam sido notificados e
informados à Secretaria de Saúde, porém, as providencias não foram tomadas e “Alagoinhas,
apesar de ser uma cidade rigorosamente asseiada, esta portanto na emminencia de ser victima
41

dos mesmos effeitos de Consquista pela demora criminosa do sr. Barros Barreto em tomar
medidas sanitárias [...]” (DIÁRIO DA BAHIA, 18 abr. 1928, p. 1). Essa era mais uma das
inúmeras críticas ao longo da passagem da bubônica na Bahia e que, naquele momento,
começava a arrefecer.

Considerações finais

A Reforma Sanitária iniciada na Bahia com o acordo entre Estado e União se efetuou
significativamente, principalmente com a criação de legislação específica para a área da saúde.
Contudo, muitos problemas ainda permeavam esse início da criação de estruturas sanitárias
públicas no país. As mudanças não aconteceram de maneira rápida e diversas foram as
tentativas frustradas de se desenvolver um plano de combate das epidemias que assolavam o
estado.
Um passo importante para e efetivação de ações sanitárias foi a criação da Sub Secretaria
de Saúde do estado, que unificava as decisões e tornava atuação mais precisa, principalmente
com o Código Sanitário que regia essas medidas. A distribuição de obrigações tornou os
serviços de profilaxia mais eficientes nos locais de foco.
Aos poucos, a ampliação dos Postos Profiláticos aproximou a população dos serviços
de saúde e de profissionais que trabalhavam nessas unidades, mesmo que incialmente houvesse
resistências às ações médicas. A atuação do Hospital de Isolamento, que tratava e isolava os
pacientes pestosos também contribuiu para a manutenção de uma rede de assistência à saúde.
Uma das ações que contribuíram para o combate e prevenção das doenças, foi a
interiorização das políticas de saúde, que possibilitou o conhecimento de outras áreas
epidêmicas em que a peste e as demais moléstias fez muitas vítimas. É importante salientar que
o serviço de profilaxia da doença foi palco de disputas políticas, principalmente quando essas
medidas incomodavam comerciantes da capital baiana e interior.
Após a promulgação do código sanitário, os baianos conseguiram ter acesso a um
tratamento da peste bubônica, mesmo que ainda em situação precária, tendo em vista as
dificuldades enfrentadas no interior do estado. A soro-vacinação também influenciou no
controle da epidemia. Mesmo que ela já existisse antes da década de XX, a preocupação em
imunizar a população foi demonstrada nas fontes, possivelmente alcançando êxito.
Não se possa desconsiderar o desenvolvimento da medicina e as mudanças sanitárias
implementadas durante epidemia de peste bubônica, com a tentativa do Estado em saná-la.
Contudo, não se deve deixar de considerar que por mais que as ações estatais se impusessem,
42

sobretudo os menos favorecidos financeiramente tiveram que lidar com o lento processo de
constituição de políticas sanitárias, não resistindo a doenças que poderiam ser evitadas com,
por exemplo, educação sanitária.
Embora haja muito ainda a se estudar sobre a bubônica na Bahia, essa pesquisa trilhou
os caminhos por onde a peste se deu com maior incidência e demonstrou certos conflitos
políticos e sociais, assim como chegou ao seu principal objetivo, que era analisar os serviços
profiláticos desenvolvido para o controle, prevenção e combate da moléstia na capital e no
interior da Bahia, considerando as particularidades de atuação governamental em cada espaço.

FONTES

INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DA BAHIA (IGHB)


BARRETO, Antônio Luis C. A. de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e
Assistência Pública: ano de 1926. Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1927.

JONAIS E PERIÓDICOS:

A TARDE. Salvador. (1920-1930). Biblioteca Pública do Estado da Bahia.


DIÁRIO DA BAHIA. (1920 – 1930). Biblioteca Pública do Estado da Bahia.

LEGISLAÇÃO
BAHIA. Lei 1.811, de 19 de Julho de 1925. Cria a Subsecretaria de Saúde e Assistência
Pública, Salvador, 1925.

BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA (BPEP) SEÇÃO DE OBRAS RARAS

BARRETO, Antônio Luis C. A. de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e


Assistência Pública: ano de 1927. Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1928.

BARRETO, Antônio Luis C. A. de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e


Assistência Pública: ano de 1928. Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1929.
43

BARRETO, Antônio Luis C. A. de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e


Assistência Pública: ano de 1929. Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1930

MORENO, Clovis Vasconcelos. Prophylaxia da Peste, Tese de Doutorado (Sciências Médico-


Cirúrgicas) Faculdade de Medicina da Bahia/ UFBA, 1927.

SANTOS, Raul Paranhos Dias dos. Contribuição ao estudo da peste bubônica. Tese de
Doutoramento. Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA, 1928.

RELATÓRIOS MÉDICOS

BRITO, João Ferreira. Comunicado ao Governador Francisco Marques Goes Calmon.


Intendência Municipal de Pombal, 21 out.1926.
JÚNIOR, Exupério da Silva Braga. Relatório sobre a febre de mal caracter no município de
Palmeiras. Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública da Bahia, 28 de out.1926.
GOMES, Aristobulo Cardoso. Relatório da Comissão para combater o mal reinante em
Lençóis e adjencências. Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública da Bahia, 09 mai.1927.
LIMA, Durval Moreira da Silva. Relatório da Comissão de Profilaxia da Peste no município
de Conquista. Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública da Bahia, 06 jul. 1928

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Ricardo dos Santos. De Baltimore às “Larvas Diamantinas”: internacionalização e
interiorização da saúde na Bahia (1920-1930). Tempo, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, mai.-ago.
2020.
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e Reforma na Bahia (1920 – 1945). Salvador:
Eduneb, 2017.
BATISTA, Ricardo dos Santos; SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes. A atuação de Antônio Luis
Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 40,
n. 84, p. 1-25, mai.-ago., 2020.BATISTA, Ricardo dos Santos; SOUZA, Christiane Maria Cruz
de. O curso da epidemia: a Fundação Rockefeller e os surtos de febre amarela na Bahia em
1926. Outros Tempos (São Luiz), v. 17, n. 30, p. 219-243, jul.-dez. 2020.
BRITO, Ana Clara Farias Brito. A Saúde e a Marcha Devastadora Das doenças em Juazeiro
nas primeiras décadas do século XX. In: SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes
da; BATISTA, Ricardo dos Santos (organizadores). História e Saúde: políticas, assistência,
doenças e instituições. Salvador: EDUNEB, 2018.
BRITO, Ana Clara Farias Brito. Sanear E Curar: Saude Pública, higiene e atuação dos postos
de profilaxia nos sertões da Bahia. Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, para a obtenção de grau de Doutora.
Salvador, 2018.
BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução da historiografia. Sâo Paulo,
Unesp, 1997.
44

CASTRO SANTOS, Luiz Antônio de; FARIA, Lina. Rodrigues. A reforma sanitária no
Brasil: ecos da Primeira República. Bragança Paulista: Edusf, 2003.
DIARIO DA BAHIA | CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (fgv.br)
DERLOT, Robert. Que a peste seja do rato! In: LE GOFF, Jacques (Org.). As doenças têm
história. Tradução Laurinda Bom. Lisboa: Terramar, 1991.
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: História e historiografia. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil.
3. ed. São Paulo: Hucitec, 2012.
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anti-
civilidade em um contexto de modernização urbana. Salvador Raposa_Book 5.indb 195
7/12/2011 19:21:58 196 1912-1916. 1996. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 1996.
LIMA, Nisia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raca, absolvido pela medicina:
o Brasil descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira Republica. In: MAIO, Marcos
Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (org.). Raca, ciencia e sociedade. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz,
1996.
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do; Carvalho, Diana Maul de (org.) Uma história brasileira
das doenças. Brasília: Paralelo 15, 2004.
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do; SILVA, Matheus Alves Duarte da. “Não é meu intuito
estabelecer polêmica”: A chegada da peste ao Brasil, análise de uma controvérsia, 1899.
História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro v.20, supl., nov. 2013, p.1271-1285.
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do; SILVA, Matheus Alves Duarte da. A peste bubônica em Portugal e
Brasil: uma análise comparada (1899-1906). Vozes, Pretérito & Devir, v.1, n.2, p. 21-32, 2013.
SANTOS, Chacauana Araújo dos. “Medidas sanitárias de que a Bahia precisa”: As delegacias
de saúde, o hospital de isolamento e a reforma sanitária em Salvador
(1921-1930)”. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do
Departamento de Educação, para obtenção do grau de Mestra. UNEB, Alagoinhas, 2018.
SANTOS, Luiz A. de Castro. As Origens da Reforma Sanitária e da Modernização
Conservadora na Bahia durante a Primeira República. Dados, Rio de Janeiro, v. 41,n. 3, 1998.
Não paginado.
CHAVES, Cleide de Lima; AMORIM, Tatiane Pereira. A peste bubônica nos sertões da
Bahia: política e cotidiano no raiar do século XX. In: SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes
da; BATISTA, Ricardo dos Santos (organizadores). História e Saúde: políticas, assistência,
doenças e instituições. Salvador: EDUNEB, 2018
SANTOS, Luiz Antônio de Castro. A Reforma Sanitária na Bahia: ecos da primeira República/
Luiz Antônio de Castro, Lina Rodrigues de Faria. Bragança Paulista, EDUFS, 2003.
SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da; BATISTA, Ricardo dos Santos. O Grace Memorial
Hospital e a Missão Presbiteriana norte-americana no Brasil: fontes para a história da
assistência à saúde, 1955-1971. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26,
sup. 1, p. 249-259, dez., 2019.
SILVA, Rogério Santos. Modernidade em Desalinho: costumes, cotidiano e linguagens na obra
humorística de Raul Pederneiras (1808-1836). Jundiaí: Paco Editorial, 2017.
45

SOUZA, Christiane Maria Cruz de. A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em
tempos de epidemia. Rio de Janeiro: editora Fiocruz. Salvador: editora Edufba, 2009.
SOUZA, Christiane Maria Cruz de. Redes de poder e de solidariedade nos sertões da Bahia. In:
CHAVES, Cleide de Lima (Org.). História da Saúde no interior da Bahia: séculos XIX e XX.
Vitória da Conquista. Edições UESB, 2013. p.43-82.
SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SANGLARD, Gisele. Saúde pública e assistência na Bahia
da Primeira República (1889-1929). In: SOUZA, Christiane Maria Cruz de; BARRETO, Maria
Renilda Nery (Orgs.). História da saúde na Bahia: instituições e patrimônio arquitetônico
(1808-1958). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Barueri: Manole, 2011.
THIELEN, Eduardo Vilela et al. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições
científicas do Instituto Oswaldo Cruz: 1911-1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Ed.
Fiocruz, 1992.

Você também pode gostar