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Coragem

Defende que existe alguma razão para a coragem ser aplaudida por toda parte. Apesar de não serprova
de nada... Bandido corajoso não falta? Todavia, diferente da força ou da inteligência.
Pegue um canalha inteligente ou forte. Parecem até agravantes, se fosse um canalha burro ou fraco
seriam atenuantes.

Pegue canalha corajoso e o compare com o cruel canalha. Aquele se subtraem, estes se somam.

Terroristas: um explode o avião a bordo; outro da terra. Desprezamos mais o segundo, por
acrescentar ao ato moralmente condenável em qualquer caso, a sua covardia. “O terrorista heróico
atesta pelo menos, com seu sacrifício, a sinceridade e, talvez, o desinteresse [convicção] de suas
motivações.” Mas se um diário íntimo revelasse sua expectativa de felicidade eterna graças ao
atentado, deitaria por terra nossa aprovação. Um terrorista ateu se sobressairia. Não desculpando o
ato, mas destacando um valor do caráter.

Defender-se na rua/defender outrem: questão de estratégia ou temperamento. Defender um


desconhecido na rua (de um estupro por exemplo), possui valor moral, ao contrário do primeiro
exemplo. “Em resumo, embora sempre estimada, de um ponto de vista psicológico ou sociológico, a
coragem só é verdadeiramente estimável do ponto de vista moral quando se põe, ao menos em parte,
a serviço de outrem, quando escapa, pouco ou muito, do interesse egoísta imediato.” (p. 54) Por isso
a coragem diante a morte é arquetípica, principalmente se falamos de um ateu, pois ali não se vê
nenhuma gratificação concreta que o interessaria.
Quanto ao ego, não é um problema: “não nos desvencilhamos sem mais nem menos do ego; até
mesmo o herói é suspeito de ter buscado a glória ou fugido do remorso, em outras palavras, de ter
buscado na virtude, ainda que indiretamente e a título póstumo, sua própria felicidade ou seu bem-
estar. Não se escapa do ego; não se escapa do princípio de prazer. Mas encontrar seu prazer em servir
ao outro, encontrar seu bem-estar na ação generosa, longe de contrariar o altruísmo é a própria
definição e o princípio da virtude.”

O amor a si não é condenável a priori, mas. Kant o sabia, é fonte de todo mal (!! (p. 55) Mas entre
ele e o amor a outrem (fonte de todo bem acrescenta o autor), não há abismo. Mas seria alargar demais
o fosso que os separa. “...(é por isso que as Escrituras nos dizem justamente que é preciso amar ao
próximo “como a si mesmo”), e só se ama a si mesmo, talvez, na proporção do amor recebido e
interiorizado. Nem por isso deixa de haver uma diferença de ênfase, ou de orientação, entre o que só
ama a si e o que também ama, às vezes até de maneira desinteressada, a um outro, entre o que só
gosta de receber ou tomar e o que também gosta de dar, em suma, entre um comportamento
sordidamente egoísta e o egoísmo sublimado, purificado, libertado (isso mesmo: o egoísmo libertado
do ego!), a que chamamos... altruísmo ou generosidade.”

portanto, até agora, (1) a questão do fim generoso; (2) valor próprio...

Mas independente do fim generoso, a ação corajosa possui um valor próprio: “Alguém que se
entregasse totalmente ao medo que lugar poderia deixar a seus deveres?” O medo e a covardia são
sempre egoístas [ambos?]. “[…] a coragem manifesta pelo menos uma disposição para furtar-se ao
puro jogo dos instintos ou dos temores[…] domínio de si que, sem serem sempre morais, são pelo
menos a condição – não suficiente, mas necessária – de toda moralidade.” Daí talvez seu faścinio.
(pp. 55-6)

“Como virtude... supõe sempre uma forma de desinteresse, de altruísmo ou de generosidade. Ela não
exclui, sem dúvida, uma certa insensibilidade ao medo, até mesmo um gosto por ele. Mas não os
supõe necessariamente. Essa coragem não é a ausência do medo, é a capacidade de superá-lo, quando
ele existe, por uma vontade mais forte e mais generosa. Já não é (ou já não é apenas) fisiologia, é
força de alma, diante do perigo. Já não é uma paixão, é uma virtude, e a condição de todas. Já não é
a coragem dos durões, é a coragem dos doces, e dos heróis.”

É condição de qualquer virtude, assim como a prudência. “Por que as virtudes seriam condicionadas
por uma só dentre elas? As outras virtudes, sem a prudência, seriam cegas ou loucas; mas, sem a
coragem, seriam vãs ou pusilânimes. O justo, sem a prudência, não saberia como combater a
injustiça; mas, sem a coragem, não ousaria empenhar-se nesse combate. Um não saberia que
meios utilizar para alcançar seu fim; outro recuaria diante dos riscos que eles supõem. O
imprudente e o covarde não seriam, pois, verdadeiramente justos (de uma justiça em ato, que
é a verdadeira justiça), nem um nem outro. Qualquer virtude é coragem; qualquer virtude é
prudência. Como o medo poderia substituir esta ou aquela?”

Virtude geral, portanto, “agir de maneira firme e inabalável” (Aristóteles), a tal força da alma. E nesse
sentido é o oposto não apenas da covardia, mas também da preguiça e da frouxidão. É a pior das
injúrias porque sem ela não poderíamos resistir ao que há de pior em nós.

Não pode ser ciência. Esta pode tranquilizar, mas não dar coragem. Se o sábio nada teme, como
poderia ser corajoso? Se não ha razões para temer a morte (Platão e Epicuro), tampouco há porque
ter coragem ante ela. “A ciência ou a filosofia podem, às vezes, dissipar os medos, dissipando seus
objetos; mas a coragem, repitamos, não é ausência de medo, é a capacidade de enfrentá-lo, de dominá-
lo, de superá-lo, o que supõe que ela existe ou deveria existir.”(Um sábio ou um deus não precisa
dela. )

A verdade não gera coragem, mas pode exigi-la: lucidez ou coragem intelectual.

Estando na finitude e no tempo, eis a coragem, humana. Para começar e para continuar; Coragem
para perseverar, “esforçar-se por manter-se alegre e agir bem”, dirá Spinoza (p. 60-1)

A coragem está no presente, é atual como toda a virtude. Mas o presente não é o instante, é a
duração (distensão, dirá Agostinho, proveniente do passado e voltado para o futuro). O medo
presente do futuro, da permanência do infortúnio já ocorrido e ainda presente exige a coragem de
aguentar a duração. Portanto, o passado não é só passado: dizemos por isso “coragem” à mãe que
perdeu seu filho. É necessário coragem não só para os “transes das incertezas”, mas para o que é
certo.
O presente da tortura iminente. Pior é a tortura atual e a certeza de sua prolongação. Pior que o medo,
o sofrimento. O sofrimento que dura, por isso é preciso coragem para sair d a angustia. Quando a
morte é melhor que a vida, decidir viver.

“Em resumo, a coragem não se refere apenas ao futuro, ao medo, à ameaça; refere-se também
ao presente, e sempre está ligada à vontade, muito mais do que à esperança. Os estóicos, que
dela fizeram uma filosofia, sabiam disso. Só esperamos o que não depende de nós; só
queremos o que depende de nós. É por isso que a esperança só é uma virtude para os crentes,
ao passo que a coragem o é para qualquer homem. Ora, o que é necessário para ser corajoso?
Basta querê-lo, em outras palavras, sê-lo de fato. Mas não basta esperá-lo, apenas os covardes
se contentam com isso.” p 63

A coragem do desespero. Os resistente do gueto de Varsovia. Que podiam esperar? “Nada para eles
mesmos, pelo menos, e por isso mesmo sua coragem foi ainda mais patente e heróica. Por que
combater então? Porque é preciso. Porque o contrário seria indigno. Ou pela beleza do gesto, como
se diz, estando entendido que essa beleza é de ordem ética e não estética. “As pessoas
verdadeiramente corajosas só agem pela beleza do gesto corajoso”, escrevia Aristóteles, só
“pelo amor ao bem”, como também se pode traduzir, ou “impelidas pelo sentimento da
honra”. As paixões, sejam elas cólera, ódio ou esperança, também podem intervir e prestar
seu concurso. Mas a coragem, sem elas, ainda é possível, e mais necessária, e mais virtuosa.”

“Quando não há mais nada a esperar, não há mais nada a temer:... É por isso que, explicava Rabelais,
“de acordo com a verdadeira disciplina militar, nunca se deve pôr o inimigo em situação de desespero,
porque essa necessidade multiplica sua força e aumenta sua coragem”. Pode-se temer tudo de quem
nada teme. E o que temeriam, se nada mais têm a esperar? Os militares sabem disso e
tratam de evitá-lo, do mesmo modo que os diplomatas ou os estadistas. Toda esperança dá
margem a outra; todo desespero, a si. Para se suicidar? Muitas vezes há coisa melhor a ser
feita: a morte nada mais é que uma esperança como outra. Alain, que foi soldado, e soldado
corajoso, encontrou na guerra alguns heróis de verdade.

Coragem temeridade prudência spinoza e ari p. 66

“Quanto ao resto, é bom lembrar que a coragem não é o mais forte, mas sim o destino ou, é a
mesma coisa, o acaso. A própria coragem está ligada a ele (basta querer, mas quem escolhe
sua vontade?) e a ele permanece submetida. Para todo homem, há o que ele pode e o que ele
não pode suportar. O fato de encontrar ou não, antes de morrer, o que o vai abater é uma
questão de sorte, pelo menos tanto quanto de mérito. Os heróis sabem disso, quando são
lúcidos: é o que os torna humildes diante de si mesmos e misericordiosos diante dos outros.
Todas as virtudes se relacionam, e todas se relacionam com a coragem.”

GROPPA AQUINO

tragicidade aí latente: entre professor e aluno, há sempre algo a mais a ser dito.

Não te deixaste “corromper pelas rotinas venenosas do pensar e do agir”. - integridade desafiada, ser
fiel a si mesmo. Daí o “Sucumbir ou não.”

sucumbir: rendição a uma conjuntura hostil ou desagregadora, e não mais passível de transformação
[…] A vitimização torna-se, então, a razão nuclear para continuar existindo nas escolas. […]

não sucumbir: “coragem de colocar a própria vida em risco, em nome de algo que ultrapasse a miséria
moral reinante e seus privilégios fúteis, firmando-se como conseqüência de um acordo íntimo com a
existência que se quis e se fez – sem lugar para arrependimento nem pesar, portanto. Habitar ruínas,
valer-se de despojos, gestar acontecimentos inéditos valendo-se deles.”

virulência do hábito (seja discente, seja docente) inimigo das chances.

“a experiência gratuita de liberdade e criação (e sem possibilidade de reduplicação) que só a educação


pública oferece.” em encontros aleatórios que se esgotam a si mesmo.

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