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Aula 26 – Equações lineares ordem n

3 - EDOs lineares de ordem 𝑛

Recordemos que uma EDO de ordem 𝑛 é uma equação do tipo

𝐹(𝑡, 𝑦, 𝑦 ′ , 𝑦 ′′ , … , 𝑦 (𝑛) ) = 0 (3.1)

que pretendemos resolver para a função incógnita 𝑦(𝑡).


Tal como acontecia com equações de 1ª ordem, a solução de uma equação de
ordem 𝑛 será uma família de funções, mas desta vez dependente de 𝑛
parâmetros 𝑐1 , … , 𝑐𝑛 .
Para determinarmos uma solução específica precisamos de informação
suplementar. Esta informação é fornecida por n condições iniciais:

𝐹(𝑡, 𝑦, 𝑦 ′ , 𝑦 ′′ , … , 𝑦 (𝑛) ) = 0
𝑦(𝑡0 ) = 𝑦0
𝑦 ′ (𝑡0 ) = 𝑦 ′ 0 (3.2)

(𝑛−1)
{ 𝑦 (𝑛−1) (𝑡0 ) = 𝑦0 .

O sistema (3.2) define um problema de valores iniciais (PVI) para a EDO (3.1).
Resolvida a equação (3.1), conhece-se a solução geral 𝑦(𝑡; 𝑐1 , … , 𝑐𝑛 ); a partir
dela ajustam-se os parâmetros 𝑐1 , … , 𝑐𝑛 de forma a satisfazer (3.2).
Ao contrário de EDOs de 1ª ordem, não existem métodos gerais de resolução
analítica de EDOs não-lineares de ordem superior à primeira.
No entanto, existe uma teoria completa para EDOs lineares, que vamos
estudar em seguida.

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EDOs lineares de ordem 𝑛

Uma EDO de ordem n diz-se linear se a função 𝐹(𝑡, 𝑦, 𝑦 ′ , 𝑦 ′′ , … , 𝑦 (𝑛) ) em


(3.1) for linear em y e nas suas derivadas, isto é, se for da forma

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 (𝑡)𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 (𝑡)𝑦 ′ + 𝑎0 (𝑡)𝑦 = 𝑏(𝑡) (ENH)

Utilizando terminologia da Álgebra Linear, se o termo independente de 𝑦,


𝑏(𝑡), for diferente de zero esta equação diz-se não-homogénea (ENH).
A equação homogénea associada a (ENH) é

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 (𝑡)𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 (𝑡)𝑦 ′ + 𝑎0 (𝑡)𝑦 = 0 (EH)

correspondente a um termo independente nulo.


UM PVI para uma equação linear será assim

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 (𝑡)𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 (𝑡)𝑦 ′ + 𝑎0 𝑦 = 𝑏(𝑡)


𝑦(𝑡0 ) = 𝑦0
𝑦 ′ (𝑡0 ) = 𝑦 ′ 0 (3.3)

(𝑛−1)
{ 𝑦 (𝑛−1) (𝑡0 ) = 𝑦0 .

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Teorema 3.1. (Soluções de uma EDO linear)


Consideremos a EDO linear de ordem 𝑛

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 (𝑡)𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 (𝑡)𝑦 ′ + 𝑎0 (𝑡)𝑦 = 𝑏(𝑡) (ENH)

e a equação homogénea associada

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 (𝑡)𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 (𝑡)𝑦 ′ + 𝑎0 (𝑡)𝑦 = 0. (EH)

1. O conjunto de soluções da equação homogénea (EH) é um espaço linear


de dimensão 𝑛; sendo 𝑦1 , … , 𝑦𝑛 soluções independentes de (EH), tem-se
𝑛
𝐻
𝑦geral (𝑡) = ∑ 𝑐𝑗 𝑦𝑗 (𝑡).
𝑗=1
2. A solução geral da equação não-homogénea (ENH) é a soma da solução
geral da equação homogénea com uma solução particular da equação
não-homogénea:

𝑁𝐻 𝐻 𝑁𝐻 ( )
𝑦𝑔eral (𝑡) = 𝑦geral (𝑡) + 𝑦part 𝑡 ;

3. Um PVI da forma (3.3) possui solução única.

Demonstração: no quadro

Assim, a resolução de uma EDO linear decompõe-se em três etapas:


𝐻
1. Construção da solução geral da equação homogénea, 𝑦𝑔𝑒𝑟𝑎𝑙 (𝑡);
2. Construção de uma solução particular da ENH, 𝑦𝑝𝑎𝑟𝑡
𝑁𝐻 ( )
𝑡 ;
𝑁𝐻 ( )
3. A solução geral 𝑦𝑔𝑒𝑟𝑎𝑙 𝑡 é a soma das obtidas em 1 e 2.
𝑁𝐻 ( )
No caso de ser proposto um PVI, obtida a solução geral 𝑦𝑔𝑒𝑟𝑎𝑙 𝑡 será
necessário ajustar os parâmetros que surgem de forma a satisfazer as
condições iniciais.
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Mesmo para equações lineares a construção da solução geral é muito difícil


quando os coeficientes 𝑎𝑗 (𝑡) dependem de 𝑡.

Para certas equações específicas (Legendre, Bessel, Laguerre, Hermite…) a


construção das soluções da EH conduz às chamadas funções especiais da
Física-Matemática, que têm este nome porque não se reduzem a funções
elementares 1 , de que são exemplo as funções de Bessel, de Legendre,
hipergeométricas, etc.

O único caso que admite tratamento completo a este nível é o de EDOs


lineares a coeficientes constantes: isto é, em que na equação (3.3) as 𝑛
funções 𝑎0 , 𝑎1 , … , 𝑎𝑛−1 são constantes.

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Recorde-se: funções elementares são aquelas que se podem obter a partir de polinómios, exponenciais, trigonométricas e
respectivas inversas pelas operações de soma, quociente e composição em número finito.
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3.1 – EDOs lineares, de ordem n, a coeficientes constantes:


solução da equação homogénea

Para construir a solução geral da EDO

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 𝑦 ′ + 𝑎0 𝑦 = 𝑏(𝑡) (ENH)

começamos, como indicado, por construir a solução geral da equação homogénea associada:

𝑦 (𝑛) + 𝑎𝑛−1 𝑦 (𝑛−1) + ⋯ + 𝑎1 𝑦 ′ + 𝑎0 𝑦 = 0. (EH)


Ansatz2: ensaiar soluções de tipo exponencial

𝑦(𝑡) = 𝑒 𝜆𝑡 . (3.4)
Ter-se-á então:

𝑦 ′ (𝑡) = 𝜆𝑒 𝜆𝑡 ; 𝑦 ′′ (𝑡) = 𝜆2 𝑒 𝜆𝑡 ; … , 𝑦 (𝑛) (𝑡) = 𝜆𝑛 𝑒 𝜆𝑡 .

Inserindo em (EH) e factorizando 𝑒 𝜆𝑡 , obtemos

𝑒 𝜆𝑡 (𝜆
⏟ 𝑛 + 𝑎𝑛−1 𝜆𝑛−1 + ⋯ + 𝑎1 𝜆 + 𝑎0 ) = 0
𝑝(𝜆), polinómio característico da EDO.

Definamos 𝑝(𝜆) = 𝜆𝑛 + 𝑎𝑛−1 𝜆𝑛−1 + ⋯ + 𝑎1 𝜆 + 𝑎0 , polinómio caracterítico


da equação (EH).

Concluímos pois que 𝑦(𝑡) = 𝑒 𝜆𝑡 é solução da EH se e só se 𝜆 for raiz do


polinómio característico da EDO.
Note-se que 𝑝(𝜆) é um polinómio de grau n, e pelo Teorema Fundamental da
Álgebra tem exactamente 𝑛 raízes (incluindo multiplicidade).

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Ver por exemplo https://en.wikipedia.org/wiki/Ansatz.

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Assim, construímos por este processo, se não houver raízes múltiplas,


exactamente 𝑛 soluções 𝑦𝑗 (𝑡) = 𝑒 𝜆𝑗 𝑡 , 𝑗 = 1, … , 𝑛, pelo que 3 a solução geral
da EH será a combinação linear
𝑛
𝐻
𝑦geral (𝑡) = ∑ 𝑐𝑗 𝑦𝑗 (𝑡) = 𝑐1 𝑒 𝜆1 𝑡 + ⋯ + 𝑐𝑛 𝑒 𝜆𝑛 𝑡 .
𝑗=1

Observação. Na passagem da EDO para o polinómio característico é


conveniente escrever a EDO utilizando a notação
𝑑
𝐷=
𝑑𝑥
𝑑𝑗
para o operador derivação. Com esta notação tem-se 𝐷 𝑗 = e a EH
𝑑𝑥 𝑗
escreve-se
𝐷𝑛 𝑦 + 𝑎𝑛−1 𝐷𝑛−1 𝑦 + ⋯ + 𝑎1 𝐷𝑦 + 𝑎0 𝑦 = 0
ou
(𝐷𝑛 + 𝑎𝑛−1 𝐷𝑛−1 + ⋯ + 𝑎1 𝐷 + 𝑎0 ) 𝑦 = 0.

Com esta notação é imediata a construção do polinómio característico e da


equação característica:

𝑝(𝜆) = 𝜆𝑛 + 𝑎𝑛−1 𝜆𝑛−1 + ⋯ + 𝑎1 𝜆 + 𝑎0 = 0.

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Note-se que não provámos que as soluções obtidas são linearmente independentes. Diferimos a prova desse facto para um
momento posterior.
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Exemplo 3.2. Construir a solução geral da equação


𝑦 ′′ − 4𝑦 = 0. (3.5)
Solução.
Em notação operatorial a EDO escreve-se
(𝐷2 − 4)𝑦 = 0,

pelo que o polinómio e a equação característica são


𝑝(𝜆) = (𝜆2 − 4) = 0.
As raízes da equação característica são pois 𝜆 = ±2, e as soluções
correspondentes são
𝑦1 (𝑡) = 𝑒 2𝑡 , 𝑦1 (𝑡) = 𝑒 −2𝑡 .
Assim, a solução geral da eq. (3.5) é
𝐻
𝑦geral (𝑡) = 𝑐1 𝑒 2𝑡 + 𝑐2 𝑒 −2𝑡 , 𝑐1 , 𝑐2 ∈ ℝ.

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