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A emergência e os benefícios didáctico-pedagógicos da

translinguagem no contexto de ensino bilingue


Um dos grandes dilemas didáctico-pedagógicos nos programas bilingues é como as
duas línguas devem ser usadas na sala de aula. Várias teses foram surgindo, de entre
elas, o princípio de separação das línguas. Este defende que se deve ensinar cada uma
das línguas de forma autónoma/separada para se evitar que o aluno as possa confundir e,
por conseguinte, enfrentar dificuldades de aprendizagem da língua-alvo. Este princípio
tem como base os argumentos emanados nas teses sobre a transferência negativa das
habilidades de língua, segundo as quais os hábitos linguísticos adquiridos numa L1
constituem barreira para a aprendizagem e desenvolvimento de uma L2, quando não for
bem consolidada a L1, pois, dificulta a aplicação do princípio de fronteira de línguas.
Em oposição, surge a abordagem de translinguagem (translanguaging) com princípios
didáctico-pedagógicos inovadores. Esta corrente questiona o princípio de ensino
autónomo das línguas e defende a utilização regular e premeditada de uma L1 e uma L2
ou língua estrangeira. Para a translinguagem, usar as duas línguas numa aula é (e deve
ser) uma prática bilingue, uma norma.

A abordagem de translinguagem assenta no princípio da relação de interdependência


entre línguas e, em última análise, visa promover um bilinguismo dinâmico e flexível.
Parafraseando Chambo (2018), a estratégia da translinguagem é uma oportunidade
pedagógica que permite aos alunos usarem as duas línguas de forma flexível e
transformá-las em único reportório linguístico que propicia uma funcionalidade
pedagógica e cognitiva integral. Esta abordagem pedagógica abre oportunidades e
espaço para que os alunos participem na aula, expondo suas vozes, suas ideias através
da liberdade de usar uma ou as duas línguas numa relação de L1 e L2 e vice-versa.
Nesta perspectiva, os alunos participam, abordam suas vivências sociais, culturais, suas
vidas particulares.

A translinguagem torna a aprendizagem de línguas e dos conteúdos académicos


compreensíveis. Elimina as barreiras de incompreensão associadas aos baixos níveis de
domínio da L2.

Assim, na sua organização das aprendizagens, planificação, orientação de actividades e


interacção com os alunos, o professor deve reconhecer e planificar, de modo
sistematizado, o uso das duas línguas, como ferramenta pedagógica que possibilita a si e
aos seus alunos cooperarem na abordagem de todos os conteúdos na sala de aula.

Por exemplo, no momento de acolhimento/motivação/introdução, o/a professor/a pode


programar a actividade motivadora numa língua e explorar a compreensão da mesma
numa outra língua. Concretamente, pode orientar a entoação de uma canção numa
língua (Português) e fazer perguntas noutra língua (língua moçambicana) para a
compreensão da canção.

Procedimentos didácticos para o uso da translinguagem em uma aula


Tal como se disse anteriormente, a translinguagem privilegia e tolera o uso premeditado
das duas línguas envolvidas no ensino bilingue. Para o nosso caso, seria o uso
simultâneo do Português e uma língua moçambicana. Didacticamente, o professor pode
seguir as seguintes sugestões:
 Os momentos de aula (motivação, mediação, consolidação e avaliação) podem
ser mediados fazendo o uso alternado das línguas;
 Ou em cada momento pode-se planear o uso das duas línguas;
 Planificar actividades em que os alunos podem usar livremente cada uma das
línguas. Por exemplo, a tradução oral ou escrita de textos; actividades de
exposição oral; a dramatização; a recitação de poemas, etc.

Prever e Rever como uma das estratégias de transferência de


habilidades de L1 para L2.
Prever e Rever é um dos métodos mais explícitos em que, simultaneamente,
se usam duas línguas numa aula. É um dos métodos mais aconselhados para
disciplinas em que há muitos conceitos novos, como é o caso das disciplinas
de Matemática, Ciências Naturais e Ciências Sociais. É mais prático em níveis
um pouco mais avançados, onde os alunos já têm um domínio razoável das
duas línguas. Para o caso de Moçambique, é mais prático e aconselhável na
fase de transição, a partir do segundo ciclo, pois se acredita que os alunos já
têm algum domínio da sua língua e do Português. Este método, quando bem
explorado no âmbito da translinguagem, é uma ferramenta muito valiosa para a
facilitação das aprendizagens e para uma boa interacção entre o professor e os
alunos. Os principais momentos da aula usando o método prever e rever são
os seguintes:

Prever: Faz-se a previsão na L1

A previsão consiste em o professor negociar com os alunos os conceitos


básicos da aula a ser ensinada. Se a aula do dia tiver relação com a
anterior, o professor pode aproveitar-se disso para fazer perguntas de
compreensão e demandar as ideias dos alunos na língua materna sobre
o tema a ser abordado.

Ensinar: Faz-se a leccionação na L2

O professor desenvolve a aula em Português. É muito proveitoso em


aulas em que os alunos devem ler um texto longo sobre um dado
assunto e com um vocabulário difícil. Conforme a natureza do tema e o
tipo de aula, o professor dirige a leitura com perguntas de compreensão
ou de prognóstico.

Rever: Faz-se a revisão na L1

A revisão feita na L1/bantu é uma espécie de (ou pode coincidir com)


avaliação. O professor pode fazer perguntas e os alunos responderem
na sua língua primeira.
No âmbito do Ensino Bilingue, as perguntas podem ser feitas na L1 ou
na L2 e os alunos responderem na língua em que melhor se puderem
expressar. Assim, o professor poderá aferir o que os seus alunos
aprenderam e avaliar em que conteúdos eles precisam de mais apoio.
A especificidade deste método, aliada ao contexto de Ensino Bilingue
moçambicano, requer do professor habilidades reflexivas e de inovação
constantes, buscando sempre alternativas para várias situações de sala de
aula.

As três etapas do método prever e rever não funcionam de forma isolada. Elas
podem ser combinadas num mesmo plano de aula. Veja o plano exemplificativo
de Emakhuwa/Português (Apêndice 6).

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