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UNIDADE CURRICULAR: TEORIAS E CORRENTES HISTORIOGRÁFICAS

CÓDIGO: 31124

DOCENTE: Maria do Carmo Teixeira Pinto

A preencher pelo estudante

NOME: Alberto Manuel de Sousa Pais

N.º DE ESTUDANTE: 2002740

DATA DE ENTREGA: 11.05.2022

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A Historiografia em Portugal no Século XX
O séc. XX foi um período de inconstância na historiografia portuguesa. Se, por um lado,
existia um conjunto de historiadores recetivos ao dinamismo motivador para uma
renovação da historiografia, por outro, muitos eram aqueles que teimavam em manter as
janelas fechadas “aos novos ventos que vinham de França”1, possivelmente pelas
limitações impostas pela natureza ideológica do Estado Novo. Contudo, houve alguns que
não se limitaram a aceitar uma história institucionalizada, como é o caso de Vitorino
Magalhães Godinho (1918-2011), uma das personalidades que mais contribuiu para a
renovação da historiografia portuguesa dos últimos oitenta anos. Este académico
constituiu uma peça fundamental na introdução de novas perspetivas e metodologias na
historiografia lusa, a par da renovação ocorrida em França pelos Annales. Destacando-se,
a partir da década de quarenta, em várias vertentes da vida pública como a docência,
política, investigação e ensaio, promoveu a intervenção pública e defendeu a
historiografia do historiador-cidadão. Através da sua ação e intervenção cívica, mostrou
ser um historiador “não alinhado com o poder instituído, em Portugal, durante o Estado
Novo”2. Magalhães Godinho, através de investigações na área dos Descobrimentos e
Expansão, conseguiu perspetivas inovadoras e preciosas em áreas como a económica,
social, cultural e mental. Contudo, o historiador não reduziu o seu campo de ação a esta
temática histórica e evidencia um universalismo abrangente. Aliás, o universalismo, o
humanismo e a razão constituem a principal “maneira de pensar” que sustentaram os
principais vetores da sua vida pública3. Humanismo porque coloca a pessoa no centro do
pensamento; razão porque constitui o instrumento essencial para a ação pela persuasão; e
universalismo que se pode traduzir por diversidade, pelas diversas formas de pensar e
sentir4. Foi precisamente para a relação entre a função de historiador e as diferentes
formas de intervenção cívica que Vitorino Magalhães Godinho alertou e evidenciou5,
principalmente a partir da década de 40. Inspirado em Alexandre Herculano na defesa da
historiografia como forma de intervenção cívica, Magalhães Godinho identifica os
elementos que dão sentido e coerência às suas próprias opções e procura responder à
relação e interligação entre o pensamento do historiador e da sua investigação histórica
com a conceção democrática da sociedade6. Na primeira metade do séc. XX, António
Sérgio, através da sua perspetiva racionalista e humanista, procura o entendimento das
relações entre a historiografia e a intervenção cívica7. Contudo, a defesa de um olhar do
passado através da interpretação e subjetividade, como valorização do espírito crítico e
científico, em oposição aos dogmas existentes, defendidos por quadrantes ideológicos

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opostos8, leva à oposição de diversos autores. Magalhães Godinho apresenta-se crítico
face à defesa de uma leitura anacrónica do passado, apresentada por António Sérgio, ao
criticar os fenómenos passados, em detrimento de os tentar compreender, como constatou,
por exemplo, Joel Serrão.
As limitações impostas pelo Estado Novo aos historiadores afetos aos valores
democráticos obstruíram a defesa da relação da historiografia com a intervenção cívica.
Magalhães Godinho compreendia a relação história-intervenção cívica através da
reflexão da formulação do conhecimento científico e das suas caraterísticas, em vez de
uma determinada leitura ideológica do passado. Contudo, este espírito científico só é
possível afirmar-se num regime que permita a afirmação de cada cidadão. Por isso, a
razão, ao contrário dos dogmas, torna-se fundamental para a afirmação da democracia e
da ciência, numa relação em que o êxito, de uma, deve ser acompanhado pela outra: “a
afirmação do espírito científico só faria sentido se fosse acompanhada pela democracia”9.
Este facto legitima a atitude proativa de oposição de Vitorino Magalhães Godinho ao
Estado Novo que, segundo ele, seria uma função “indissociável da sua luta pela
introdução do espírito científico e da cidadania em Portugal”10. E, para fugir das amarras
institucionais do regime, o académico valoriza o autodidatismo, relembrando
Herculano11. Para o docente e ensaísta, a história era entendida como parte integrante do
conhecimento científico em relação com a cidadania e “uma maneira de pensar” e de
compreensão do devir, através de uma leitura diacrónica. Magalhães Godinho contribui
significativamente para a renovação da historiografia portuguesa, demarcando-se de
algumas tendências da historiografia sem cortar totalmente com o passado, retomando a
tradição do historiador-cidadão na opção por uma história “séria, fundamentada, corajosa,
verdadeira”12, defendida por conjunto de historiadores que se deveria seguir, como
Alexandre Herculano, Jaime Cortesão, Oliveira Martins, Alberto de Sampaio, Pedro de
Azevedo, Costa Lobo, Duarte Leite, entre outros13. O retomar desta tradição da
historiografia portuguesa é, para Magalhães Godinho, a garantia de um futuro promissor,
donde se destacam nomes promissores como Borges de Macedo, Joel Serrão, Barradas
de Carvalho, entre outros. Desta forma, o ensaísta aponta, às novas gerações, o modelo
cívico do historiador deve caraterizar-se pela busca da verdade, independência, projeção
universal.

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BIBLIOGRAFIA
SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos
anos 40. Lisboa: Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação
de Mestrado.

1
SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.102.
2
Citação presente no documento de instruções para realização do presente Efolio B, p.2.
3
O ensaio, a docência e a política constituem os principais vetores da vida pública de Magalhães Godinho.
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.12.
4
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.13.
5
A ação interventiva e cívica de Magalhães Godinho foi motivada por diversos fatores: o surgimento de
estados totalitários na Europa, coincidente com a entrada de na Faculdade de Letras de Lisboa, motivou
o interesse e debate entre estudantes; a vivência da sua juventude por momentos marcantes como o 5
de outubro, a Grande Guerra e a I República; a influência dos seus familiares (desempenharam diversos e
importantes cargos políticos, sempre opositores ao Estado Novo) que eram manifestamente opositores
ao Estado Novo. Desta forma, a ideia de intervenção cívica de Magalhães Godinho é resultado da
influência de ideais republicanos, assimilados durante o contexto da sua juventude. Cf. SOUSA, José
Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa: Faculdade de
Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.92.
6
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.123.
7
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.94.
8
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.94.
9
SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.99.
10
Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.99.
11
Vitorino Magalhães Godinho destaca o espírito autodidata de Alexandre Herculano e Oliveira Martins
para valorização do autodidatismo como forma de os historiadores não estarem agarrados às
inflexibilidades das instituições de ensino superior. Cf. SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães
Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa: Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160
f. Dissertação de Mestrado, p.24.
12
SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.102.
13
SOUSA, José Manuel Guedes – Vitorino Magalhães Godinho: história e cidadania nos anos 40. Lisboa:
Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa, 2012. 160 f. Dissertação de Mestrado, p.102.

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