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A legalidade e a eficiência nas


contratações pela administração
pública sob a ótica do
Tribunal de Contas da União.
Prevenção ou punição?

Cláudia Guerra Oliveira 1 INTRODUÇÃO


da Costa é da Companhia
Brasileira de Trens Urbanos A partir da promulgação da Constituição Fe-
(CBTU), graduada em Direito e
deral de 1988, o Estado assumiu novos papéis
mestre em Engenharia Civil na
área de Transporte e Gestão das
voltados ao atendimento do interesse público,
Infraestruturas Urbanas (UFPE); notadamente no que tange à implementação de
pós-graduada em Licitações, novos instrumentos de controle social sobre a
Contratos Administrativos e atividade pública. Esse fato traduz os efeitos
Responsabilidade Fiscal (ESMAPE) da adoção do Estado Social como modelo de
Estado em substituição ao Estado Liberal até
então vigente.
Foi instituída a procedimentalização das
normas jurídicas com vista a viabilizar a apli-
cação do Direito positivado às expectativas bá-
sicas dos cidadãos relativamente aos direitos
constitucionalizados.
Nesse contexto, o artigo 37 da Constitui-
ção Federal ao dispor sobre a Administração
Pública tornou explicita a obrigatoriedade da
obediência aos Princípios da legalidade, im-
pessoalidade, moralidade, publicidade, acres-
cido a eles o Princípio da Eficiência quando da
Emenda Constitucional nº 19 em 4 de junho de
1998, que promoveu a Reforma Administrativa
do Estado.

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A partir desse evento, com a inserção do dos atos, com vista a apontar soluções para a
Princípio da Eficiência na norma constitu- correção de irregularidades constatadas ou
cional e, por conseguinte, nesse patamar, de relativamente aos indícios e saná-las no cur-
observância obrigatória pelas entidades da ad- so do processo.
ministração pública essa atuação fiscalizatória Essa atuação também denominada de cor-
do Tribunal de Contas assumiu maior amplitu- retiva, salvaguarda o interesse público, na me-
de, haja vista ter sob responsabilidade auditar dida em que preserva os atos legais e regulares
a atuação do agente administrativo não mais praticados e afasta os vícios acometidos a ele,
com ênfase apenas nos aspectos da Legalida- sem atingir todo o conteúdo, minimizando os
de, legitimidade e economicidade, conforme prazos e efeitos de uma revogação ou anulação
preconiza o artigo 70 da Constituição Federal, sumária e reduzindo os prazos para a retoma-
mas com foco nos resultados que se quer obter da após devidamente saneado.
com aquela licitação e contratação, para que Tal atuação de forma preventiva pelo Tri-
ela seja eficiente, eficaz e atenda efetivamente bunal de Contas, não obstante ter em vista o
ao interesse público. atendimento de resultados de interesse públi-
Com efeito, e nessa esfera de controle ex- co pela administração pública, tem sido alvo
terno, o que se tem verificado atualmente de de críticas por alguns renomados doutrinado-
forma mais veemente é uma atuação da Corte res partidários da estrita legalidade dos atos,
de Contas em duas formas de controles inter- contrapondo-se a outros não menos renoma-
-relacionadas que são controle de forma pu- dos, que defendem o respeito à legalidade,
nitiva, sugerindo a aplicação de sanções aos todavia de forma integrada a eficiência cuja
agentes que agem ao arrepio da lei e o controle existência explícita no texto constitucional
de forma preventiva, com foco na adequação tornou evidente e de observância obrigatória.

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2 O PRINCíPIO CONSTITUCIONAL DA É o consequente natural do Estado Demo-


EFICIÊNCIA EVIDENCIOU A FORMA crático de Direito, em que se constata nos pa-
PREVENTIVA DE ATUAÇÃO PELO TRIBUNAL íses democráticos a existência de órgão de
DE CONTAS DA UNIÃO NO EXERCÍCIO controle e fiscalização da gestão do dinheiro
DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE público, ao contrário dos países de regime di-
ADMINISTRATIVA DO ESTADO tatorial e, por conseguinte, atrasados no que se
refere à sua organização econômica e política,
A Constituição Federal de 1988 dedicou ca- nos quais, os dirigentes não permitem sob ne-
pítulo próprio à Administração Pública - Cons- nhum aspecto, o controle de seus atos.
tituição Federal de 1988 – Capítulo VII – Da Assim, é que já se consolidaram nos países
Administração Pública – Artigos 37 a 43 - regu- modernos, os órgãos fiscalizadores da ativi-
lamentando expressamente essa atividade do dade administrativa do Estado, tendo maior
Estado, impondo-lhe regras, diretrizes e limi- importância quanto mais avançada for a ins-
tes aos quais o administrador executor dessa tituição democrática.
atividade não pode se furtar, sob pena de ver Entre exemplos de economias desenvolvi-
anulados os seus atos e responder civil e crimi- das e administração moderna devidamente
nalmente por eles. fiscalizadas por órgão de Controle Externo en-
Dessa forma, a atividade administrativa do contram-se, além de outros países da Comuni-
Estado exercida por meio dos órgãos e pessoas dade Europeia, França, Espanha, Alemanha e
arrima-se, fundamentalmente, em dois pila- Áustria, os quais têm, nas estruturas organiza-
res que são a supremacia do interesse público cionais, Tribunais de Contas com a função de
sobre o particular e a indisponibilidade, cuja fiscalizar os atos do Poder Público.
titularidade cabe ao Estado, a quem compete Essa realidade, ora vivenciada no Brasil, foi
proteger, resguardar e tutelar, no exercício da destacada pelo Professor Antônio Roque Ci-
função administrativa, que deve ser exercida tadini, Conselheiro do Tribunal de Contas do
dentro dos princípios constitucionais explícitos Estado de São Paulo, em palestra proferida na
e norteadores de tal atividade que são da legali- Escola Paulista da Magistratura no 3º Curso
dade, impessoalidade, moralidade, publicidade de Pós-Graduação Lato Sensu, Especialização
e eficiência e aqueles correlatos ainda que de em Direito Público, em São Paulo, cujo tema
forma implícita. foi a Fiscalização da Administração Pública,
É relevante destacar que, no exercício de seu segundo o qual:
mister constitucional, se tem verificado atual-
mente de forma mais veemente, uma atuação da [...] O Tribunal de Contas tem sido a ins-
Corte de Contas em duas formas de controles tituição que serve de linha de frente para a
inter-relacionadas que são controle de forma sociedade, dirimindo dúvidas e apontando
corretiva e de forma punitiva, trabalhando mais soluções em questões novas que surgem com
efetivamente com foco na prevenção dos atos, as inovações trazidas pelos governantes. En-
com vistas a apontar soluções corretivas de ir- quanto o governo se altera a cada eleição
regularidades constatadas ou relativamente aos e muitas vezes há mudanças nas diversas
seus indícios, mediante a determinação de seu políticas públicas, o Tribunal de Contas é o
saneamento antes da conclusão do processo de órgão permanente, que não tem vínculo de
contratação eivado de vícios que podem causar hierarquia com o governo e se credencia,
prejuízos ao erário público. assim, para analisar com imparcialidade

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as questões postas e indicar caminhos que e de ouvidoria e no exercício dessas funções,


permitam corrigir rumos, possibilitando um possui autonomia não estando suas decisões
melhor e mais adequado controle social. [...] sujeitas a referendo do Congresso Nacional.
(CITADINI, 2005, p.6) Por não integrar a estrutura do Poder Ju-
diciário, sua função não possui força judicial,
É de se concluir, pois, que o Brasil, a par- sendo meramente opinativa considerando a
tir da consolidação do Estado Democrático de sua condição de auxiliar e orientador do Poder
Direito, em especial, com a Promulgação da Legislativo, embora quanto a esse, não esteja
Constituição Federal de 1988, tem ressaltado configurada qualquer relação de subordinação
a importância dos Tribunais de Contas e das e as suas decisões não produzem coisa julgada,
Controladorias e vem-se consolidando ao longo sendo passíveis de apreciação no que se refe-
do tempo no rumo da transparência dos atos re ao aspecto legal, mediante a propositura de
administrativos praticados pelos agentes públi- ação própria.
cos no exercício de suas funções. No que tange ao exercício de função correti-
va, destacada neste artigo, dispõe o Regimento
3 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, Interno do TCU em seu artigo 286, IX que:
SUA ATIVIDADE INSTITUCIONAL, A
RELAÇÃO DO CONTROLE PREVENTIVO, IX – assinar prazo para que o órgão ou
A EFICIÊNCIA E O CONTROLE PUNITIVO entidade adote as providências necessá-
BEM COMO A LEGALIDADE DOS ATOS rias ao exato cumprimento da lei, se veri-
ficada ilegalidade;
Como é cediço, o controle da Administração
é o poder de fiscalização e correção que sobre Assim, independentemente da aplicação de
ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, qualquer sanção, o TCU pode determinar a um
Legislativo e Executivo, com o objetivo de ga- órgão ou entidade que lhe seja jurisdicionado a
rantir a conformidade da atuação com os princí- adoção de providências para corrigir uma falha
pios a ela impostos pelo ordenamento jurídico. em seus procedimentos ou sustar atos ilegais
Encontra-se previsto , nos artigos 70 a 75 da (despesas ou outra infração), fixando um prazo
Constituição Federal e de conformidade com o para cumprimento.
disposto no artigo 71, trata-se de controle ex- O descumprimento de uma determinação
terno da atividade administrativa exercida pela quando feita formalmente pelo TCU ao órgão
administração pública efetuado pelo Poder Le- fiscalizado, constatada em ocasião posterior,
gislativo com o auxílio do Tribunal de Contas. enseja a aplicação de multa. A determinação
Dito controle abrange a fiscalização con- para sustação de ato ou procedimento inqui-
tábil, financeira, orçamentária, operacional e nado de ilegalidade pode ser feita também em
patrimonial sob os aspectos da legalidade, legi- caráter cautelar, na forma como dispõe o supra
timidade e economicidade (art.70) atuando de transcrito artigo do citado Regimento Interno.
ofício ou mediante provocação por denúncia na Por outro lado, dentro do exercício da sua
forma como prescrevem os §§ 1º e 2º do artigo função sancionatória ou punitiva, encontra-se
74 da Constituição Federal. a sustação de processos licitatórios deflagrados
O Tribunal de Contas da União desempenha ou dos contratos celebrados pela administra-
função fiscalizadora, consultiva, informativa, ção pública, uma vez detectada a existência
judicante, sancionadora, corretiva, normativa de ilegalidade, ou tenha sido assinalado prazo

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ao órgão para sanar a irregularidade e esse não veis pela demonstração da legalidade e
tenha adotado as providencias necessárias à re- regularidade da despesa e execução, nos
gularização, constituindo assim, flagrante des- termos da Constituição e sem prejuízo do
respeito à recomendação feita anteriormente. sistema de controle interno nela previsto.
Merece destaque nesse contexto, a atua-
ção do Tribunal de Contas por meio de exame Parágrafo Primeiro – Qualquer licitan-
prévio do Edital de licitação e mediante pro- te, contratado ou pessoa física ou jurídica
vocação de interessado, seja pessoa física ou poderá representar ao Tribunal de Contas
jurídica, seja licitante ou não. ou aos órgãos integrantes do sistema de
Trata-se de atuação que se encaixa dentro controle interno contra irregularidades na
do exercício de sua função corretiva e pre- aplicação desta Lei, para os fins do dispos-
ventiva, e que encontra previsão legal na Lei to neste artigo.
n° 8.666, de 21 de junho de 1993 – Lei de Li-
citações e Contratos. Isso se depreende nas Parágrafo Segundo – Os Tribunais de
disposições do artigo 113 e dos parágrafos, a Contas e os órgãos integrantes do sistema
seguir transcritos: de controle interno poderão solicitar para
exame, até o dia útil imediatamente ante-
Art. 113 O controle das despesas de- rior á data de recebimento das propostas,
correntes dos contratos e demais instru- cópia do edital de licitação já publicado,
mentos regidos por esta Lei será feito pelo obrigando-se os órgãos ou entidades da Ad-
Tribunal de Contas competente, na forma ministração interessada à adoção de medi-
da legislação pertinente, ficando os órgãos das corretivas pertinentes que, em função
interessados da Administração responsá- desse exame, lhes foram determinadas.

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É de ressaltar que o Supremo Tribunal Fede- impliquem manifestações concretas dele.


ral já se pronunciou quanto à função preventiva (MELLO, 2008, p.96)
do Tribunal de Contas da União, atribuindo-lhe
em alguns julgados proferidos, a obtenção de O Princípio da Legalidade atinge diretamen-
maior eficiência nas licitações e contratações te a prática dos atos administrativos, na me-
públicas. Isso é o que se pode verificar do teor dida em que prescreve que a Administração
da decisão proferida nos autos do Mandado de nada pode fazer senão o que a lei determina. A
Segurança n° 24510-DF segundo a qual Administração por força deste princípio deve
não apenas obedecer às leis e cumpri-las, mas
[...] o Tribunal de Contas da União pos- as pôr em prática. Assim, diferentemente dos
sui legitimidade para a expedição de me- particulares, que podem fazer tudo o que a lei
didas cautelares, em razão da garantia de não proíbe a Administração somente pode fa-
eficácia que deve ser assegurada às deci- zer aquilo que a lei, previamente, autoriza.
sões finais por ele proferidas. Da mesma forma, a dinâmica das demandas
públicas e das necessidades dos cidadãos exige
4. A LEGALIDADE COMO VETOR da administração pública uma atuação rápida
DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA para que a ação seja eficiente e eficaz no trato
DO ESTADO E A EFICIêNCIA COMO com o interesse público envolvido.
PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO E assim, a legalidade dos atos consubstan-
ciados nos limites do Princípio que a ampara,
Como visto anteriormente, o Princípio da depara-se com as necessidades prementes da
Legalidade é o limitador da atividade adminis- coletividade exigindo do administrador público
trativa do Estado, que não pode atuar sem que uma atuação imediata demandando para isso
haja previsão legal e dentro dos limites. a necessidade de superação dos obstáculos e a
Salvo no que se refere ao Princípio da Su- identificação das oportunidades para uma atu-
premacia do Interesse Público sobre o inte- ação eficiente.
resse privado, que constitui princípio geral A eficiência é referida por Hely Lopes Mei-
da atividade administrativa do Estado, a Le- relles (1999) como um dos deveres da Admi-
galidade é encarada por renomados juristas nistração Pública, associando tal requisito ao
pátrios como vetor da atividade administrati- dever da boa administração, no comentário a
va do Estado, que lhe colocam ainda que in- seguir transcrito:
conscientemente, num patamar superior em
relação aos demais princípios. Temos, como [...] Dever de eficiência é o que se
exemplo, o Prof. Celso Antonio Bandeira de impõe a todo agente público de realizar
Melo, segundo o qual: suas atribuições com presteza, perfeição e
rendimento funcional. É o mais moderno
[...] o princípio da supremacia do in- princípio da função administrativa, que
teresse público sobre o interesse priva- já não se contenta em ser desempenhada
do é princípio geral de Direito inerente a apenas com legalidade, exigindo resulta-
qualquer sociedade. É a própria condição dos positivos para o serviço público e sa-
de sua existência. Assim, não se radica tisfatório atendimento das necessidades
em dispositivo específico algum da Cons- da comunidade e de seus membros. (MEI-
tituição, ainda que inúmeros aludam ou RELLES, 1999, p. 97)

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A operacionalização do Princípio da legali- princípio da legalidade, pois jamais uma


dade e da eficiência pode ser identificada na suposta busca de eficiência justificaria
análise do princípio da eficiência feita pelo Pro- postergação daquele que é o dever admi-
fessor Diogo de Figueiredo Moreira Neto o qual nistrativo por excelência. O fato é que
após apresentar a evolução do conceito de efi- o princípio da eficiência não parece ser
ciência a partir da equiparação com o princí- mais do que uma faceta de um princípio
pio da boa administração assim se manifesta: mais amplo já superiormente tratado,
de há muito, no Direito italiano: o prin-
[...] Entendida, assim, a eficiência ad- cípio da “boa administração”. (MELLO,
ministrativa, como a melhor realização 2008, p. 122)
possível da gestão dos interesses públicos,
em termos de plena satisfação dos admi- Como se pode verificar, tal princípio ain-
nistrados com os menores custos para a da que incipiente, fazia-se presente dentre as
sociedade, ela se apresenta, simultanea- prerrogativas da administração para o fiel exer-
mente, como um atributo técnico da ad- cício de sua função pública. Todavia, não in-
ministração, como uma exigência ética tegrava o patamar constitucional juntamente
a ser atendida, no sentido weberiano de com os princípios da legalidade, moralidade,
resultados, e como uma característica ju- impessoalidade e publicidade, pelo que tinha
rídica exigível, de boa administração dos tímida observação pelos órgãos de controle ex-
interesses públicos. (MOREIRA NETO, terno da atividade administrativa.
2001, p. 103) É por isso que se denota que a partir de sua
inserção no texto constitucional tornou mais
No artigo 37, caput, da Constituição Federal explícito o real significado da boa administra-
quando de sua promulgação, havia referência ção, no sentido de tornar a administração pú-
expressa à observância obrigatória pela Admi- blica eficiente oferecendo ao cidadão serviços
nistração pública no exercício da atividade ad- públicos de maior qualidade a um menor custo
ministrativa, de apenas quatro princípios que e no menor espaço de tempo entre a demons-
eram o da legalidade, o da impessoalidade, o da tração da necessidade e o seu atendimento,
moralidade e o da publicidade. afastando conceitos e práticas até então en-
Ao constitucionalizar o princípio da efici- raizadas na administração pública, voltados a
ência, o legislador proporcionou à máquina burocracia exacerbada aliada aos altos custos
administrativa do Estado meios para alcançar dos serviços e da estrutura administrativa e a
de forma mais efetiva o interesse público do ineficiência do atendimento às necessidades
qual é tutor, sem contudo, segundo o Professor básicas dos cidadãos em detrimento do inte-
Celso Antônio Bandeira de Mello sobrepujar a resse público.
Legalidade. É o que afirma em sua obra o refe- O dever de eficiência, ainda, quando não
rido professor: elevada a condição de Princípio Constitucional,
já se encontrava consagrada na lei ordinária re-
[...] A Constituição se refere, no art. guladora da atividade administrativa vigente, o
37, ao princípio da eficiência. Advirta-se Decreto-lei 200, de 1967, inclusive com forte
que tal princípio não pode ser concebi- referência na doutrina e jurisprudência pátrias,
do (entre nós nunca é demais fazer res- o qual submetia toda atividade da administra-
salvas óbvias) senão na intimidade do ção pública ao controle de resultado.

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5. CONCLUSÃO: A ESTRITA LEGALIDADE [...] O Tribunal acompanha a pres-


NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA tação de serviços públicos nas áreas de
NÃO DEVE OBLITERAR A EFICIÊNCIA energia elétrica, telecomunicações, ser-
NAS CONTRATAÇÕES PELA viços postais, portos, rodovias, ferrovias,
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. transportes de passageiros interestadu-
ais e internacionais, estações aduaneiras
De tudo o que foi visto antes, torna-se rele- interiores – os portos secos -, e também
vante observar que o Princípio da Legalidade a área de exploração das atividades eco-
na Administração Pública adquiriu contornos nômicas ligadas ao petróleo e ao gás na-
mais amplos em sua aplicabilidade ao longo do tural. A diversidade e a complexidade
tempo como forma de se adaptar a realidade do dessas áreas exigem alto nível de espe-
sistema jurídico vigente e à realidade vivencia- cialização das equipes técnicas, o que
da pelo robustecimento da democracia de uma vem impondo ao TCU grande esforço na
maneira geral. área de capacitação de pessoal. [...] Não
É indubitável que tal Princípio tenha im- há, portanto, maiores dúvidas a respeito
portância capital por ser especifico do Estado da larga extensão da atividade fiscaliza-
de Direito. Ele impede que a Administração dora do Tribunal. Não se restringe, con-
exija dos administrados comportamentos não tudo, a atuação do Tribunal a aspectos
previstos em lei, por expressa disposição cons- jurídico-formais. [...] Ademais, com a
titucional insculpida no inciso II do artigo 5º, promulgação da Emenda Constitucio-
segundo a qual: “Ninguém será obrigado a fa- nal n° 19 1998, o princípio da eficiên-
zer ou deixar de fazer alguma coisa senão em cia foi erigido à norma constitucional.
virtude de lei”. Por conseguinte, compete também ao
Ressalte-se, contudo, que não é possível ad- Tribunal verificar se as entidade sujei-
mitir que os Princípios do Direito sejam con- tas ao seu poder controlador atuam de
siderados apartadamente quando se trata de forma eficiente. Frize-se, ademais, que
administração pública, pois todos sem distinção a Constituição Federal expressamente
complementam mutuamente os seus sentidos. atribuiu ao Tribunal o poder de realizar
Da mesma forma, o controle preventivo exer- auditoria de natureza operacional, nos
cido pelo Tribunal de Contas tem contribuído termos do art. 71, inciso IV. O objetivo
significativamente para a eficiência nas con- deste tipo de auditoria vai muito além
tratações por parte da Administração Pública, do mero exame da regularidade contábil,
possibilitando aos gestores públicos uma atua- orçamentária e financeira. Intenta veri-
ção projetada para o atendimento ao interesse ficar se os resultados obtidos estão de
público por evitar que o dano se concretize em acordo com os objetivos do órgão ou en-
decorrência de um processo mal conduzido. tidade, consoante estabelecidos em lei.
Essa vertente do controle por parte do Tri- Têm por fim examinar a ação governa-
bunal de Contas da União adquiriu contornos mental quanto aos aspectos da economi-
bem definidos e explícitos na fiscalização de cidade, eficiência e eficácia. (ZYMLER,
serviços públicos. É o que se verifica nas pala- 2009, p.199-201)
vras do Ministro Benjamim Zymler do Tribunal
de Contas da União, na obra Direito Adminis- E por fim, ainda nos oportunos comentários
trativo e Controle, segundo o qual do Eminente Ministro:

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[...] Descreveram-se os mecanismos Assim, o controle preventivo ou corretivo


de controle da Administração Pública nos como pode ser denominado, ao lado do controle
Estados Constitucionais contemporâneos punitivo que decorre de uma gestão fora dos pa-
e, particularmente, no Brasil. Em espe- drões de legalidade e eficiência. Em observância
cial, mencionou-se o controle financei- aos Princípios constitucionais da Legalidade e
ro e orçamentário implantado em nosso da Eficiência, o controle preventivo ou correti-
País, especificamente o controle externo vo possibilita uma nova visão do administrador
titularizado pelo Congresso Nacional e no exercício de seu mister, beneficiando a co-
exercido com o auxílio do Tribunal de letividade colocando-se cada vez mais próximo
Contas da União. [...] Outrossim, con- do atendimento ao interesse público, sem se
siderando a nova concepção de Estado, afastar da legalidade na prática de seus atos,
ganha o controle preeminência. Além do cumprindo assim, o objetivo final do sistema de
exame da legalidade, devem os órgãos controle da atividade administrativa, a melhoria
controladores verificar a eficiência da e a eficiência na prestação dos serviços para o
gestão pública. atendimento ao interesse público que envolve.

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