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: Da aplicagao de Linguistica @ Linguistica Aplicada Indisciplinar Moita Lopes “As coisas podem estar ocorrendo da mesma maneira, tanto para ‘8 pesquisados quanto para [....] os pesquisadores: eles nao tém alternativa. Entretanto, em seu desamparo, ajudam-se mutuamente a permanecer com as muletas conceituais do pasado, ainda que percebam claramente a fragilidade dessas muletas antiquadas.” Beck Este capitulo tem o objetivo de historicizar alguns dos discursos que construiram e constroem 0 campo da Linguistica Aplicada (ta), de modo que, colocando-o em perspectiva, seja possivel compreender como essa drea de investigagao se constitui atualmente. J4 parto, portanto, do pressuposto basico de que, em La, da mesma forma que em outras areas do conhecimento, estamos diante de uma série de discursos que socialmente fizeram essa area operar, de uma forma ou de outra, de acordo com o pensamento intelectual da época, ou seja, 0 zeitgeist que orientava os pesquisadores. Entendo que os discursos da ciéncia, como outros, so construg6es sociais que, em certos momentos, abalizam certas compreensées de produzir conhecimento, excluindo outras. Uma Area que comega nos anos 1940, com o interesse por desenvolver materiais para o ensino de linguas durante a Segunda Guerra Mundial, vai ter uma Associagao Internacional (a aia) constituida em 1964, quando ocorre 0 primeiro evento internacional de La. Ja o primeiro Congresso Internacional de Linguistica foi realizado em 1928 (Dr GrorGe e De Gore, 1928, p. 19), 0 que, se por um lado demonstra a precocidade da Linguistica, por outro mostra como a LA é um campo de investigagdio relativamente novo. O que nfo quer dizer, entretanto, que temas referentes ao campo de ensino de linguas nao tenham sido uma preocupagao desde tempos imemoriais. O 12. Linguistica plicada sino de linguas acredita- rizagao sobre ° ens pe en Jan Amos Comentus, o chamado it % re em 1632, por Linguarum Reserata (1632), ou seja, : je fo Moder dae sido Comenius 0 primeiro linguista ap! icado? 0 de Comenius; sursos que constr am essa Area de investigacao se C os discurs truit ssa d nius, Desde bast .omo vou mostrar po’ iormente, hoje aLa mplexos. E, coms m« steri stante CO! EB, tornaram ino de linguas. Penso que roi também bem distante do campo de ensin gu se constrdl jenius esse O vi ente sobre con ius ficaria surpreso se lesse 0 que se escreve atualms cep- Com a1 0, emplo, em Moi (2006), com temporaneas de LA, coms , por exemplo, »m Moita Lopes (2006). goes cont i i cerra. as quais este capitulo se ent Linguistica Ap' ada Aas como aplicagao de Linguistica O campo da La comega enfocando a area de ensino/aprendizagem de linguas, na qual ainda hoje tem grande repercussao. Essa area se inicia, en- t%o, como resultado dos avangos da Linguistica como ciéncia no século pee, constituindo-se como 0 estudo cientifico do ensino de linguas estrangeiras, notadamente com Charles Fries e Robert Lado nos Estados Unidos, € se foco de interesse também passa, j4 nos anos 60 do mesmo século, a abi questdes relativas A tradugdo (Tucker, s/d). Nao é de estranhar, portanto, qi a Linguistica, um dos grandes campos das Ciéncias Humanas, do inicio di século xx, no auge do Estruturalismo, cujos principios e técnicas de anali influenciaram outros campos de investigacao como a Antropologia, a Semi ca,a Literatura etc, (Dz Georce ¢ DE Gror. 4 s GE, 1972, pp. 18~ \bé1 ineressr queles que se debrug pp. 18-20) fosse tam ‘avam sobre a qui i fi € da tradugo, Parecia aa questao do ensino de lin; linguagem, Dai decon Terem dua duas entendid: s Compreensses para a eo, BSicegren eye e ; ncep¢ao de La, sendo Ho era decerta forme psees de Linguistica. Afinal, aplicar Linguisti 20 usarem os prinet terente do que outros 5 Ci Semistica, or exemplg ¢°, S*UUtalisma linguistico mene linguas, como é 9 P’o. Por um lado, solicayassa Eee AntrooloE S89 dos livtos de Souza egipe 1 inBuistica a deserigao i ilva e Koch, de 1983, inti a aplicagéo de Linguistica & Linguistica Aplicada Indlacipliner 13 dos Lingiiistica Aplicada ao Portugués: sintaxe e morfologia; e, pot outro, ao tensino de linguas, notadamente estrangeiras (por exemplo: CHAstatN, 1971). Foi assim que, de fato, a La comegou. ‘Na Inglaterra, pode-se dizer que essa histéria tem inicio em 1957, com a fundagdo do Departamento de Linguistica Aplicada de Edinburgh (TucKER, s/d), de onde sairam Pit Corder, Widdowson, Davies, provavelmente trés dos maiores linguistas aplicados de entio, € cuja relevancia ¢ perceptivel até hoje. A série de livros (The Edinburgh Course in Applied Linguistics), organizados por Allen ¢ Corder (1973, 1974 e 1975) ¢ Allen e Davies (1977), exerceu uma grande influéncia e é enriquecedor examinar os sumrios dos livros publicados entiio, para entender como operavam dentro do paradigma de aplicagao de Linguistica, o que, claro, Widdowson e outros modificaram mais tarde, como ‘vou mostrar. E esclarecedor reler, especialmente, o famoso livro de Pit Corder de 1973, Introducing Applied Linguistics, no qual o autor indica que as decis6es sobre a elaboragdo de programas ¢ de materiais para o ensino de linguas que 0 linguista aplicado tem que fazer devem ser guiadas “pela nossa compreensiio atual da natureza da linguagem” (Coroer, 1973, p. 12), claramente uma pro- fissdo de fé em relaco a relevancia da Linguistica para o ensino de linguas de forma cientifica. Como, alidés, Corder deixa claro: [Este livro] versa sobre a contribuigao que as descobertas e métodos daqueles Gque estudama linguagem cientificamente, ou seja, olinguista o psicolinguista Go sociolinguista (para mencionar somente os grupos mais importantes) podem faver para solucionar alguns dos problemas que surgem no planejamento, organizagao ¢elaboragdo de um programa de ensino de lingua (Coxpsn, 1973, p. 10). Vejamos 0 sumério do livro: Parte 1 - Linguagem ¢ ensino de linguas 1. Visdes de linguagem 2. Fungées da linguagem 3, A variabilidade da linguagem 4, Linguagem como sistema simbélico Parte 2 — Linguistica e ensino de linguas 5, Linguistica e ensino de linguas 6. Psicolinguistica e ensino de linguas 7. Linguistica Aplicada e ensino de linguas 8, A descrigio das linguas: uma aplicagao priméria da teoria linguistica 14. Linguistica oplicade da Linguistica Aplicada ao de variedades 1; A comparagao Ce y i Bic 2: Estudos linguisticos contrastivos 2” id IL Selego 3: O estudo da lingua do aprendiz: analise de erros__ D. Organizagao: A estrutura do programa is B. Apresentacdo: As gramaticas pedagogicas , 14. Avaliagio, validagao e testagem i Parte 3 — As técnicas Esse sumério, assim como outros da famosa série intitulada The Edi gh Course in Applied Linguistics, publicada de 1973 a 1977, jd mencio indicam a dependéncia da Linguistica ou de como se entendia La co cago de Linguistica, entio, e constituiam verdadeiros compéndios de fazer LA, nos anos 70 ¢ no inicio dos anos 80. Nao posso deixar de relen meu encantamento com tais livros naquela época. Eis uma das vant: envelhecer e ter memoria: sabe-se como as historias comegam e tém Seguimento, €, principalmente na universidade, como os modos de pro conhecimento se modificam, q ensino ir ae ° 8erativo-tran oe linguas estrangeiras: consid ‘Yormacional e foi publicado em 0 : hae Schmitz em que o autor 1 ‘rmacional, Especifica yn de um event par g 1+ P. 152) diz: 4 dos ng Sino de lin, "8 Linguistica e Da aplicagéo de Linguistica & Linguistica Aplicada Indiseiplinar 15 mados se referia 4 vas de linguistas licagao cabia a O deserédito com o qual um dos linguistas mais reno! vertente aplicacionista na LA nao impediu, porém, as tentati aplicados, convencidos que estavam de que a validade de tal ap! eles proprios determinarem. Diga-se que essa vertente ainda persiste atualmente. A primeira virada: da aplicagao de Linguistica 4 Linguistica Aplicada Hi somente com 0 trabalho de Widdowson, também no final dos anos 1970, que aparece a distingao entre LA e aplicagao de Linguistica. Escrevendo como linguista aplicado, Widdowson vai colocar um questionamento severo a vertente aplicacionista. E uma suposigao comum entre professores de linguas [como resultado das percepcdes de linguistas, preferiria acrescentar] que sua drea deva ser de algum modo definida por referéncia a modelos de descrigio linguistica criados por linguistas.[..] Essa mesma suposig2o domina a linguistica aplicada. O proprio nome é uma proclamagaio de dependéncia. Bem, nfo tenho nada contra Tinguistas, Alguns de meus melhores amigos sto linguistas etc. Mas acho que devemos ter cuidado com sua influéncia [...] E quero sugerir que a propria Iinguistica aplicada como ummramo teérico da pedagogia de ensinode linguas deva procurar um modelo que sirva seu propésito (Wippowson, 1979a/1977, p. 235). Aqui se percebem duas caracteristicas das propostas de Widdowson: ‘uma restrigado da LA a contextos educacionais e a necessidade de uma teoria Tinguistica para a La que nao seja dependente de uma teoria lingufstica. Ou, como ainda diz Widdowson (1979a, p. 235): “a Linguistica Aplicada s6 pode ser uma area autonoma de investigagao na medida em que se livrar da hegemonia da linguistica e negar as conotagSes de seu proprio nome”. B, na verdade, perspicazmente, Widdowson, no mesmo capitulo, ainda afirma que ideias intuitivas e de senso comum sobre a linguagem podem ser muito mais iiteis para o ensino de linguas, uma vez que 0 aprendiz e o analista operam sob condigdes de relevancia diferentes: “nao ha nenhuma razo para supor, entiio, que os linguistas tenham qualquer acesso privilegiado a realidade” (Winpowson, 1979a, p. 236). A afirmacao é extremamente ousada ainda hoje. ‘Tenho certeza de que causa surpresa a muitos, que esto ainda absortos com as vantagens das teorias e descrigdes linguisticas para o ensino de linguas. 16 Linguistica aplicade o modelo que deve interes Loe tiva do usuario. Propé ; ortanto, : ‘i aa mediacao entrea ao linguistaaplicado wea a sejauma area art ou seja, na verdade, cx capitulo DOM Flinguas (WIDDOWSON 1979), 00 tae inguistica eo ensino de lingu - tica, Essa discussao val, ent 10, est bel e oe, totalmente a teorla linguistic. ge formula COTO érea madi tim campo de investigagl0 qe pai fbeciménins que podem ser relevant reconhecendo ainda que os tipos 3 sino detente necessitam iral an J para a investigagaio dos processos le ee vo da Linguistica do sistema co queles formulados pela Linguistica (tanto ¢ vasa dsertai Ca do discurso). O objeto de investigagdo, porém, Pé “io conheciment nti com base na relevancia que teorias de outros campos do con! ae ter para sua compreensao. Tal tendéncia & notada nas publicagoes i fidd wson (1983), que utilizava entdo conhecimentos advindos princips teoria linguistica, da Psicologia Cognitiva e da Sociologia. A compreensio subjacente é que nenhuma area do conhecimento pod da conta da teorizacao necessaria para compreender os processos envolvidos: ages de ensinar/aprender linguas em sala de aula devido a sua complexi Aqui o pensamento de Widdowson proporciona um avango: a um sé tem nos livramos da relagao unidirecional e aplicacionista entre teoria linguistic eensino de linguas abrimos as portas para outras areas do conhecime te se aga, berar de modo interdisciplinar. No Brasil, hé uma série de tomar Fae anos 1980-90, quando se pade dizer que ata brasileifa eo @ tomar forca, que seguem tal caminho (C, EIMAN, Cetant, 1990; Morta Lorts, 1990), ne Aquestdo da interdisciplinaridade em epistemologias ‘contemps ‘ Sejanecessério reconhecer do que de fato executada linguistica, a P.20), Deve-se acrese Mente nessa épog, ‘entar que muito campo di ® €, em gra ratsit® © aprendi P Kumaravadivelu (996) 282m de Brasil © em outros pap de Ingles. B notgy, indiseiplinar 17 a aplicagéo de Linguistica & Linguistica Aplicada ls campo no Brasil terem comegado como pesquisadores no campo do Inglés, € que muitos desses ainda hoje esto lotando os Departamentos de Ingles, apesar de suas pesquisas focalizarem outros tépicos ¢ contextos interacionals. Mas isso nao é um fenémeno s6 da La: a lotagio departamental cada vez mais deixa de refletir os interesses de pesquisa dos professores, provavelmente como efeito de percursos interdisciplinares de investigagalo que passaram a ser prestigiay dos na universidade, em alguns circulos. Dai o fato de algumas universidades preferirem as organizagdes dos professores por projetos de pesquisa, ¢ no mais por departamentos. ‘Ainda em relago A predomindncia de questdes relacionadas ao proceso de ensino e aprendizagem de Inglés na LA, muitos autores (PENNYCOOK, 1998; CANAGARAIAH, 2002) tém chamado a atengo para o papel colonialista desse campo que, no bojo da importincia que o inglés teve no tempo da Guerra Fria e que é ainda mais evidente hoje, em tempos de globalizagao, transformou-se para muitos linguistas aplicados de paises centrais (notadamente, estaduni- denses ¢ ingleses) em um modo de vida, ou seja, uma maneira de vender suas teorias, seus livros e métodos de ensino de Inglés: um grande negécio, sem nenhuma preocupagio com as praticas e as vidas locais. Teorizagdes sobre priticas de ensinar e aprender Inglés e de influenciar politicas publicas locais colonizaram e continuam a colonizar o mundo como um novo evangelho, por assim dizer, principalmente devido aos interesses mercantilistas que subjazem em tal lingua. Nao se pode deixar de reconhecer a fungao colonialista da La, como tem sido feito também em relagio a seu papel na propria definicao do que conta como linguas na Africa (Makont e Menor, 2006). A segunda virada: Linguistica Aplicada em contextos institucionais diferentes de escolares A outra grande virada na La ocorre quando, abandonando a restrigtio de Operar somente em investigagéio em contextos de ensino e aprendizagem de linguas estrangeiras (notadamente, Inglés, embora ainda preponderante) tradugo, 0 campo comega a pesquisar contextos de ensino ¢ aprendizagem de lingua materna, no campo dos letramentos, € de outras disciplinas do curriculo, ¢ em outros contextos institucionais (midia, empresa, delegacia de Policia, clinica médica etc.). Foram essenciais aqui os insights de teorias so- 18 Linguistica aplicada ciocultur e in, vancia de ent Bakhtin, sobre a relevancia oculturais, na linha de vygotsky ti fa a inguagem como ‘nstrumento de constr igo do conhecimento e da vida i cuperados em muitas areas de investigagao- Essa mudanga pas: uperados em: dai saa 7 i os 90. sais See ee ey os ee constitutiva da vida instituci SS Se isania centrada na resolugao de probler passa a ser formulada como uma fova da sala de aula; ou S6ja;“a pritica de uso da linguagem dentro e nation ta prea pa io [é] com problemas de uso da linguagem cea ae ea Lopes, 1996, p. 3), para além da sala de aula de linguas. O ¢ aa f een a tudo dos atores sociais s é a natureza da situada da aco € 0 est Hite por meio da linguagem: uma preocupagao que Lewin a ser a em outras 4reas do conhecimento. Assim, falava-se entéo em “aprenc situacionalidade cultural, institucional e histérica da ago humana” (Wi Ts 1991, p. 8), que é levada a termo pelo discurso/interagao. Uma percepgao lu 86 pode ser incorporada 4 La por conta de seu olhar interdisciplinar. Estamos diante de uma formulagao de La bem distante daquela cent no ensino e aprendizagem de Inglés e que, ao comecar a se espraiar para outr contextos, aumenta consideravelmente seus topicos de investigagao, as como 0 apelo de natureza interdisciplinar Para teorizé-los. Mas, no fin: século xx e no inicio do século xx, n6micas ¢ historicas vivenciad Sociais ¢ nas Humanidades, levaram 0 projeto da interdisc’ 1, as mudangas tecnoldgicas, culturais, c¢ siniciam um processo de ebuli¢do nas Ciét oe come¢am a chegar a La. P; no tplinaridade a sério, pelas légicas de outras disciplinas ¢ teorizand oe “ maneira complexa, i © on obistaaiia < , ia outro de Linguistica Aplicada, eu js Se 4 cataanit Ciencias Sociais, é somente agora que dicado que aa é um ca desenvolvida (vejam, id 4s essa compreensiio comega Social Science, de inti i ara aqueles er a La camin £88 indagagdes sobre con, nea, tendo as diferencas jue iteres: eles colocadosem igo sib = foram funda = lundamentais ao, Feo vast ea 238 asset sd Ciéneii as Soci Da aplicagao de Linguistica & Linguistica Aplicada Indisciplinar 19 feministas, antirra~ se reteorizarem em termos de visdes pos-estruturalistas, ; ‘ sujeito social cistas, pos-coloniais e queer. As implicagdes da redescrigao do en sao centrais nessa vertente e ttm desdobramentos epistemoldgicos crucials, conforme vou me referir posteriormente. Linguistica Aplicada Indisciplinar E assim que chegamos & formulagio do que tenho chamado de uma LA Indisciplinar e outros de antidisciplinar ou transgressiva (PENNYCOOK, 2006) ou de uma LA da desaprendizagem (Fasricio, 2006). E uma ta que deseja, sobremodo, falar ao mundo em que vivemos, no qual muitas das questdes que ‘nos interessavam mudaram de natureza ou se complexificaram ou deixaram de existir, Como Ciéneia Social, conforme muitos formulam a LA agora, em um: mundo em que a linguagem passou a ser um elemento crucial, tendo em vista ahiperssemiotizagiio que experimentamos, ¢ essencial pensar outras formas de conhecimento ¢ outras questdes de pesquisa que sejam responsivas as praticas sociais em que vivemos. E sobre essa LA que desejo agora discutir. Ela é indisciplinar tanto no sentido de que reconhece a necessidade de nao se constituir como disciplina, mas como uma area mestiga e némade, ¢ principalmente porque deseja ousar pensar de forma diferente, para além de paradigmas consagrados, que se mostram intiteis e que precisam ser desapren- didos (FAricio, 2006) para compreender o mundo atual. Ou, como diz Stuart Hall (1996) em relaco a teorizacao pés-colonial: um modo de pensar que tem como objetivo atravessar/violar limites ou tentar “pensar nos limites” ou “para além dos limites”. Uma La que, talvez, seja mais bem entendida como transdisciplinar, no sentido de que deseja atravessar as fronteiras disciplinares, continuamente se transformando, Essa La que entendo como “um modo de criar inteligibilidade sobre pro- blemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (Mora Loves, 2006, p. 14) perde o carter solucionista que acompanhou a LA por muitos anos (LA como uma érea que tentava solucionar problemas) devido a uma forte tendéncia positivista do que muitos chamam hoje de La modernista (PENNYCOOK, 1998). E abandona definitivamente sua preocupagao em se limitar 4 Linguistica como um componente tedrico essencial, uma vez que muitas das compreensdes mais relevantes sobre a linguagem no mundo atual, devido a chamada “‘virada linguistica”, podem vir de outros campos do conhecimento (da Geografia, da 20 Linguistica aplicada ue propriamente da Lin Sociologia, da Comunicagao, por econ sae Pa ed (2006, pa tica (ainda que em um sentido macro). oma a ems, odeuaedi “a linguistica (na maioria de suas yoeaiaiiastes ‘ areca Pe, i dio das questées qué a ior dos casos, tira nossa atengao ia _ a ideia impactante, mas que faz todo sentido em alsa se nod contempordneo de fazer La. Nao quer dizer que carina 10S ie ori i nao vir do campo de estudos sobre linguagem, mas que elas podem ! ticos ou que tais teorizagdes possam ser construidas nos ae io disciplinares. Nas teorizagdes sobre linguagem que tenho cone tem extremamente util, por exemplo, 0 pensamento do gedgrafo Milton S; Devo dizer que nao vejo esse caminho como a tinica construgao po para aa, nem como a principal. E também no estou dizendo que todos d seguir essa cartilha, Como diz Rampton (1997, 2006), a La estd se torn “um espago aberto com miiltiplos centros”, no qual nos deparamos com mo diferentes e proximos de fazer La. Nao hé um cdnone para a La, assim con nao existe também para outros campos de estudos da linguagem, como par: Sociolinguistica e para a Andlise do Discurso, a despeito das gui uma visaio que desequilibra os ali i i quer um nivel m que vivemos (GiDD sean ey NOSSas crencas desaparecel _ ral que @quelas de nature ues Boave aventura g, © Produzir conhegin tS (2006), ecimento re ue seja, Da aplicagéo de Linguistica & Linguistica Aplicada Indisciplinar 2 de politizar a vida social: um paradoxo para muitos que ainda acreditam em ciéncia como produgiio de verdade. Outros, na Sociologia, na Geografia € nos Estudos Culturais (Mitton Santos, 2000; Zizek, 2004; MusHakomt, 1999; Scort, 1999), tém chamado a atengao para a necessidade de ouvir as vozes das periferias ou daqueles que foram alijados dos beneficios da modernidade (os negros, os homossexuais, as mulheres, 0s povos colonizados etc.), nao s6 como uma forma de produzir conhecimento sobre eles, mas principalmente pelo interesse em entender como suas epistemes, desejos ¢ vivéncias podem apresentar alternativas para 0 nosso mundo. Para finalizar, quero pontuar algumas das caracteristicas de uma ta In- disciplinar: Quem é 0 sujeito da La? Enecessario reteorizar o sujeito social em sua heterogeneidade, fluidez e utagdes, atrelando a esse proceso os imbricamentos de poder e desigualdade inerentes. Tradicionalmente, 0 sujeito da LA tem sido um ser sem género, raga e sexualidade, Ou, no maximo, tem sido construido com um género, raga € sexualidade fixos do qual ndo consegue escapar; com a linguagem refletindo o que ele é, ao invés de ser compreendida como um lugar de construgao da vida social e, portanto, dele mesmo. Em que praticas discursivas tal sujeito é construido? E essencial compreender que a racionalidade e os significados nao séo anteriores a seus usos em nossas performances nas praticas discursivas; por- tanto, ndo existem como formas universais e a-hist6ricas. Somos os discursos em que circulamos, 0 que implica dizer que podemos modificé-los no aqui e no agora, A racionalidade tem corpo ¢ historia: é um reino da ideologia. O que é a produgdo de conhecimento? ‘Ao problematizar a produgao do conhecimento e 0 poder por tras de tal pratica, a epistemologia que nos guia deve seguir uma ldgica antiobjetivista e antipositivista. Nao é possivel basear-se em telacdes de causa ¢ efeito, tendo em vista a complexidade das praticas em que vivemos. Nossa preocupagao deve ser criar inteligibilidade sobre a quest&o que estudamos. Como nao separar politica de pesquisa? Em um mundo atravessado pelo poder de forma multidirecionada e que presenta desafios para uma série de significados sobre quem somos, que cons- —— ~~ 22 Linguistica aplicade lade, ¢ crucial pensar formas de fazer pesquis i .e da modernid: ‘ : i eas re modos de fazer politica a0 tematizar 0 que nao é tematizg sejam também sg 4 ao dar a voz a quem nao tem. Por que é crucial pensar a questao ética? Tendo em vista a multiplicidade de discursos com que nos defront atualmente, muitos deles entendidos no passado como ilegitimos, torn 0 crucial submeter todas as nossas praticas, inclusive as de pesquisa, a prinefpi + x . ¥ de natureza ética, uma vez que nem todos os significados sao validos, de outros, assim como nos devem fazer recusar significados que facam soft ‘um parametro do qual nfio podemos nos afastar. 7 Qual é 0 desafio do trabalho indisciplinar? Atravessar fronteiras no campo do conhecimento, assim como na expor-se a riscos. Mas um desafio que se deve encarar com humildade ec alegria de quem quer entender 0 outro em sua perspectiva. A posicao na teira é sempre perigosa, ja que quem esta além da fronteira é aquele que vais sed-lo ou usa-lo incorretamente. M \geiras até hoje, qu: Da aplicagéo de Linguistica & Linguistica Aplicada Indiseiplinar 23 modos de compreender nosso futuro como pesquisadores nesse campo, Bo, passo que também apresenta novas formas de politizar a vida social para além das histérias que nos contaram sobre quem somos: uma indagagdo aqual aLa contempordnea precisa responder. Afinal, fazer pesquisa nesse campo pode ser uma forma de repensar a vida social. Bibliografia ‘ALEX, J.P.B. ConDER, S. Pit (Eds.). Readings for Applied Linguistics. Oxford: O.U.P, 1973. (The Edinburgh Course in Applied Linguistics, v. 1). __-Papersin Applied Linguistics, Oxford: 0.U.P, 1975, (The Edinburgh Course in Applied Linguistics, v.2). ‘Techniques in Applied Linguisties. Oxford: O.U.P, 1974. (The Edinburgh Course in Applied Linguistics, v. 3). ‘Davies, A. (Eds,), Testing and Experimental Methods, Oxford: 0.U.P, 1977. (The Edinburgh Course in Applied Linguistics, v. 4), Beck, U. 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