DISCIPLINA: ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL ALUNO: JORGE LUÍS LIRA DA SILVA
MATERIAL CONSULTADO PARA A RESENHA CRÍTICA:
CHAPLIN, CHARLES. Tempos modernos. Título original: Modern Times.
Preto e branco. Legendado. Duração: 87 min. Warner, 1936.
O filme “ Tempos Modernos”, uma obra do cinema mudo, feito nos
Estados Unidos, por Charles Chaplin, responsável pelo roteiro e pela direção, foi produzido no ano de 1936, no século passado, e pode ser classificado, a princípio, nas categorias de comédia, drama e romance. Essa obra é ambientada no contexto da Revolução Industrial, caracterizada pela mudança do trabalho artesanal ao trabalho assalariado, realizado com o uso das máquinas, nas fábricas, retratando, pois, a vida urbana da sociedade estadunidense, tendo como protagonista o icônico personagem Carlitos. No início do filme, a frase que inaugura uma série de outras chamadas, funcionando como um fio que vai encadear essa narrativa fílmica, já sinaliza sua temática central: “A história do trabalho e do indivíduo. A humanidade em busca da felicidade. Nesse sentido, a primeira cena, na qual é mostrado um rebanho de gados e, na sequência, um grupo de pessoas, numa espécie de metáfora visual, parece revelar o contexto de massificação dos operários, resultante da desumanização presente e imposta pelo trabalho nas máquinas, por meio de concepções e práticas, visando ao controle cada vez mais da produção e do tempo gasto pelo trabalhador na realização de suas atividades fabris. Nesse sentido, a concepção sobre o que é o trabalho, nesse cenário, se modifica com a inserção da máquina. “Quem desempenha a função ativa do decurso produtivo passa a ser a máquina, ou o conjunto delas “ (MARCHI, 2013, p.118), contrariando a lógica, que se dava nos modos de produção anteriores ao capitalismo, na qual “o operário exercia o papel ativo do processo criativo, tendo como fim a natureza a ser trabalhada” (MARCHI, 2013, p.118), ou seja, “a relação adequada para se visualizar o processo de produção pela vista do trabalho é a seguinte: trabalho-instrumento-natureza” (MARCHI, 2013, p.118). Nessa perspectiva, o filme mostra Carlitos como um operário que trabalha em uma fábrica, na linha de montagem, ocupando uma função, cuja tarefa única era a de apertar parafusos, isto é, ele era responsável por uma etapa do processo produtivo, em um modelo de produção baseado na divisão do trabalho, como bem preconiza o Taylorismo e o Fordismo. Por meio de uma excessiva quantidade de ações repetidas no ambiente de trabalho, a narrativa, de forma bem-humorada, mostra como se dá o processo de produção em massa, em tempo recorde. Esse processo gera impactos no operário, mais precisamente, um processo de alienação sobre si mesmo e sobre seu papel enquanto sujeito social, já que, mesmo fora da função exercida na fábrica, Carlitos permanece realizando a mesma repetição de movimentos como se ainda continuasse a trabalhar apertando parafusos, o que parece revelar uma concepção de trabalho na qual o indivíduo não tem consciência sobre a atuação prática que realiza e não construiu habilidades para desempenhar outras funções, para as quais, como por exemplo, àquelas trazidas, ao longo do filme, se mostra incapacitado. Esse mesmo operário, ainda, é monitorado o tempo todo em seu ambiente de trabalho, recebendo ordens, sendo supervisionado para que aumente a velocidade do seu trabalho e não pare. Nesse sentido, concordamos com Marchi (2017), quando afirma que
O capital, em sua essência, transforma tudo em objeto, coisa,
ou, em última instância, mercadoria. Isso não seria diferente quando este passa a se apropriar do processo produtivo. O trabalho – quando passado ao termo de intermediário, meramente instrumental – perde a característica de objetivação de um raciocínio teleológico para se transformar numa ‘coisa’ (MARCHI, 2017, p.118). Essa objetificação dos operários da fábrica parece, ainda, mais contundente quando a narrativa, mesmo pertencendo a estética do “cinema mudo”, confere “voz” às máquinas em quatro momentos do filme, o que parece ilustrar e denunciar, em consequência, a estrutura de poder, própria dessa nova ordem econômica, em uma perspectiva foucaultiana, baseada na obra “Vigiar e Punir: nascimento da prisão (1975)”, através da qual os “mecanismos disciplinares e de controle existentes na fábrica e como eles afetam os corpos” (FACINI, 2017) se impõem.
[...] É como se as vozes se descolassem dos corpos dos seus
verdadeiros possuidores e se ligassem de algum modo a esses dispositivos mecânicos que as envolvem. As máquinas intensificam e potencializam os efeitos das vozes, ao mesmo tempo em que colaboram para as inserir dentro de uma estrutura de poder bastante delimitada e controladora, seja dentro da fábrica, seja dentro da prisão. [... ] as falas [...] atuam como mais um mecanismo de poder, que se integra aos demais e trabalha para um “bom” resultado nas atividades objetivadas (FACINI, 2017, p.86).
Dois outros momentos destacam-se no filme: Carlitos, confundido
com um líder comunista, quando sai da internação psiquiátrica, é acusado de agitador e é preso. Essa cena demonstra o contexto de luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, através de um cenário de tensões entre empregados e patrões, ou seja, revelando que os modos de produção capitalista não eram aceitos, pacificamente, por todos os operários. Nesse sentido, o filme retrata da luta de classes, escancara a realidade e a ordem burguesa, contestando-as. Noutro momento, o filme retrata o envolvimento de Carlitos com Ellen, a jovem órfã, que foge das autoridades policiais e vai vier nas ruas. O romance entre os dois parece “pano de fundo” para mostrar os desejos, as vontades e os ideais de felicidade baseados nas práticas culturais impostas pela burguesia. Um exemplo disso é quando Ellen consegue um emprego em uma cafeteria da cidade e, quando vai encontrar Carlitos fora da prisão, está vestida de acordo os padrões ditados pela sociedade da época, fato que não passa despercebido por ele. Outra situação bastante ilustrativa do ideal de felicidade, baseado nos bens de consumo determinados pela burguesia, está na ideia de “lar” que o casal assume em seu comportamento fantasioso, quando se muda para a casa “nova”. Essa subordinação também se dá, quando Carlitos arruma um emprego de segurança em uma loja de departamento, e o casal se sente seduzido pelo modo de vida da classe burguesa mais abastada. Tempos Modernos é uma obra cinematográfica atemporal, por permitir a atualização de sua leitura nos tempos atuais. A sociedade contemporânea, embora, reconhecidamente, com todas as suas mudanças paradigmáticas, ainda, e, mais fortemente, é regida por um sistema capitalista perverso, que, todos os dias, amplifica as desigualdades sociais e potencializa os abismos de acesso e de oportunidades. Por exemplo, neste cenário atual de pandemia mundial, em função do COVID-19, que tem provocado milhares de mortes no mundo, evidencia-se, nos discursos e práticas do governo brasileiro atual, um olhar muito mais preocupado com a economia, sob a perspectiva do empresariado, descredenciando e descredibilizando, assim, todas as orientações dos órgãos nacionais e mundiais de saúde quanto aos meios necessários para preservar às vidas humanas. Sob a lógica do capitalismo selvagem e genocida, divisor de classes e banalizador da vida, vivemos uma lógica desumana e irresponsável da necropolítica, no melhor estilo “salve-se quem puder”. Continuamos sendo coisificados nas fábricas, como operários-zumbis, assujeitados enquanto sujeitos, não apenas nas primeiras décadas, do século passado, como visto em “Tempos Modernos”, mas também, na atualidade, quando, aproximadamente, 7.000 pessoas, no Brasil, foram mortas por um sistema capitalista que não quer perder um real.
Referências:
FACINI, Diogo Rossi Ambiel. Corpos modernos: uma reflexão sobre controle e resistência em Tempos Modernos. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá-MT, vol. 4, n. 1, jan/jul., 2017.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel
Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2014, pp. 134-135. MARCHI, Guilherme Sávio. O Trabalho na Sociedade Industrial: um breve entendimento da racionalização do modo de produção capitalista. Aurora, Marília, v. 7, p. 115-128, 2013.