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Imaginem uma lista de onco psicanalistas con- temporaneos que realmente fizeram diferenca com Pere ect Re Rie ee induira Thomas Ogden nessa lista. Na minha, com Thomas H. Ogden Peele eieey ope ter aoe Ge Gaede ee are meee raul ue Re=ar eRe [e-| be ek ee ae Cee aes oes een seas i ony Dee eA ORL Rent coke relat Mis sea Ces) recede oe eer etc bens ty p~ ua” revelou-se de enorme importéncia para a Reverie e Interpretagado les ane ee Serer cece ater en ai oe ere Ee eee ne Beles ere erent ns Se ae otha aes Peete ese clea os ee eo noe teeta cee (ee oe ce Mat id Cte Macnee un one ad Cee ee eM Re elton) Pree a eee Eats ene ei ens cos eeu ene er ogee Se ee eee eae cs Cee eee eee ee) eee ete ke an See aes eee tein te ee Sere een ee ec et) eee acre tr cee ee ere tec es es ee i ere Cres ee Ly ee eek ee eee ee dice mais importante do processo analtco, o letor eee eee ce Bre ecstecs oh dun 209? Reverie e Interpretacao Captando algo humano fultur Colegio dirgida por Alberto Moniz da Rocha Barros Neto ¢ lias Mallet da Rocha Barros ‘Thomas H. Ogden EprrorA ‘Maria Cristina Rios Magalies Const Eorroniat Prof, Dr. Henrique Figueiredo Carneiro (UNIFOR) Prof. Dr. Paulo Roberto Ceccarelli(PUC-MG) Prof, Dr. Gisilio Cerqueira Filho (UFF) Prof. Dr, Luis Claudio Figueiredo (USP, PUC-SP) Profa, Dra Elisabeth Roudinesco (Ecole Pratique des Hautes tudes, FR) Profs, Dr Ana Maria Rudge (PUC-RI) Reverie e Interpretagao Captando algo humano Tradugdo de Tania Mara Zaleberg escuta (© by Bator Eeota pare edo em lingua portguest Fist abs inthe United Stats son Areosn, Ie. Lana, Maryland, USA. “Translated and published by persion. Alright serve, Primeira publica nos Estados Unidos, por Jason Aronson, tne, Lanham, Manyand, USA. ermitda sua tadus epublica. Tos os direitos reservados “Thal rial Reverand bterrettin. Sensing Something Human ¥atigioem portugués: ovembrode 2013 ‘Agans capitulo deste to basiam te em publleagies prévias do autor, que tgrudece permisio das soguntes revisas para relmpimir esse materia publica entorormente Capital 2: “Anliando formas de vialidade ede desvalzagiodatransferncs tcontatransferénca", International Journal of Psycho-Anass, 76: 695-70, 1995 (Coprigh © Insitat de Piandise). Capitulo 3: "O euito perverso da anise", Journal ofthe American Psycho fanalytie association, 44: sai-146, 1996 (Copytght © The American Paychoantie Assocation) Capitulos 45: “Resonsiderando tuts aspectos da tenia picanaltca,Inter- atonal Journal of Payee Analysis, 7 883-895, 1996 (Copyright © Insti ‘Se Pian. Capitulo 6: "Reverie intepretacto, The Psychoanalytic Quarterly, 60: 597- 595-1967 (Copyright © The Pyehoanaltc Quarters In) Capitalo7: "Sobre ous dalinguagem em picanilie’,Peychoanalyte Dialogues, ‘7:21, 1997 (Copyright © The Analytic Pres), Capital 8: “Bact: ts poemas de Frost’, Psychoanalytic Dialogues, 7: 619: 69,1997 (Copyright © The Analytic Press). ‘utar agradece também a permissio de elmpeimir: + no Capitulo 2,0 poema de Jorge Luis Borges Poemas Escolidos 1929 — ‘oon de Jorge Las Borges Copyright © 1968, 1969, 1970, 19711972 de Jorge {is Borge, Emece Eatores, Se Norman Thoms DiGiovanni. Usido com ‘ermistdo de Delacorte Pess/Seymor Lawrence, dist da BantamDoubeday Dell PublshingGroup, Ine. no Capito 8, os poems de A Poesia de Robert Pros, edad por Edward ConnerLathes. Copyright, 194, 1942 de Robert Frost © 1970 de Lasley Frost Ballantine. © 1969 de Henry Holt & Co, Ine. Reimpeesso com permisio de Henry Holo, Ine. Em memiria de Jane Hewitt, cuja vitalidade e amor eram tao fortes e tao ternos que nunca mais conhecerei algo semelhante. cara ‘Ana Maria Rios Magalies, com extrato de Caff di note: interno (1888), de van Gogh [PRopUCKO EDITORIAL ‘Araide Sanches. Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) [Ose ‘Opdeg, Thomas Revere fnepmtagi cata algo humana, Tomas Vendacao dns Mara Zale gt ete eae Roch tae Nete Hs MA one Thos, Slo Pal Eoaa 204 Soba cm. (Coleg Kultur) {ell bloga indice ISHN orBetserigs40-20 1 Pile, 2. Inept psc 1. Zakberg Te nia Mare It Baroe Neto, Aber gata da Rocha Baro Ets ta da Rocha 1 Tilo. Sar pu 59 9642 cob sie.80rF ‘ibliotsiris responsive Sarna Leal Araujo ~CRB 10/1507 EpITORA ESCUTA L1Da. ua Ministro Gastio Mesquita, 132 (95012-010 Sto Paulo, SP. Telefax (41) 3865-8950 / 9862-6241 / 3672-8345 e-mail: eseuta@uoleom.br ‘wunneditoraeseuta.com br Sumario Apresentacio da colegio 13 Alberto Moniz da Rocha Barros Neto Blias Mallet da Rocha Barros Prefacio para a edigdo em lingua portuguesa 15, Thomas H. Ogden 1. Sobre aarteda psicandlise 19 2. Analisando formas de vitalidade ede desvitalizagio 35 Ossujeito perverso da anilise 69 Privacidade, reverie e técnica analitica 104 Associagdes de sonhos 125 143, Sobre o uso da linguagem em psicandlise 181 Escuta: trés poemas de Frost. 209 Referencias 237 Reverie e interpreta indice Remissivo 247 Sentada naquela cadeira, balangando ¢ olhando 0 papel de parede, parecia transformar-se em um mero emaranhado de gavinhas, levantando e caindo, que eresceriam dentro de alguns segundos partir do nada até seu tamanha total, para desaparecer entio muito rapidamente dentro de si novamente. Robert Musil, Cinco mulheres, 1924 Apresentagao da colecaio Um elemento que presta unidade as chamadas huma- nidades é a reflexdo sobre a natureza e a cultura humana. Trata-se de um vasto campo, que acaba por atravessar areas Go distintas como a filosofia, a antropologia, a psicanilise, as artes. Em certo sentido, todo humanista detém um pouco de cada um desses saberes em si ou aspira a eles em alguma medida, A Coleco Kultur tem por objetivo divulgar trabalhos contempordneos, das mais diversas areas, que tratam com profundidade daquilo que é chamado de condigdo humana. ‘Trabalhamos em proximidade com os autores que publicamos optamos por convidar tradutores especializados nos temas ‘que vertem para o portugués. O objetivo é fomentar a inter- disciplinaridade e divulgar os trabalhos de autores versados xno pensamento profundo, paciente, complexo. Nossos primeiros langamentos serio trés livros do psicanalista norte-americano Thomas H. Ogden: Reverie and Interpretation: Sensing Something Human; Creative Readings: Essays on Seminal Analytic Works e The Analyst's Ear andl the Critic’ Eye: Rethinking psychoanalysis and lite- rrature (escrito em conjunto com seu filho, Benjamin H. Ogden). A psicandlise consolidou-se ao longo do século pasado como um saber original, inovador e profundamente humano bem como um afiado instrumento para pensar a cultura, 12_Alberto M. da Rocha Barros Neto e Elias M. da Rocha Barros Acreditamos que a psicandlise tenba sido uma das grandes empreitadas intelectuais que marcaram o séeulo XX e consi- deramos um privilégio continuar divulgando-a neste inicio do século XX. Com este intuito, apoiamos com alegria a difusio dos trabalhos de Thomas H. Ogden no Brasil, um dos autores psicanaliticos mais originais da atualidade. Entrar em ‘contato com o pensamento sensfvel e profundo de Ogden € perceber 0 quao vivo e contempordneo pode ser 0 pensa- mento psicanalitico, Em Reverie and Interpretation (1997), Thomas H. Ogden submete o conceito de reverie a uma profunda -ando por que esta nogao se tornou central na psicandlise contemporanea. A funcdo de reverie, em sua perspectiva, engloba a nogio de contratransferéncia, la em que se constitui no processo através do qual metéforas sdo criadas que, por sua vez, do forma & experiéneia do analista das dimensdes inconscientes da sua relagdo com 0 paciente. O autor explora também os processos de *vitalizagao” e “desvitalizagao” dos nossos modos de ser € de nos expressar. Para tanto, faz uso de uma eserita fluida e sutil, capaz de plasmar a experiéneia humana mais genusna do viver e do sentir. Creative Readings (2012) é composto de uma colegio de ensaios ao longo dos quais Ogden se propde um exercicio ‘que é marca dos grandes intelectuais humanistas: o reen- contro com 0s pensadores do passado. Ao revisitar autores como Freud, Bion e Winnicott (dentre outros), langa nova luz sobre classicos do canone psicanalitieo. Para Ogden, como todo ato de leitura atenta e apaixonada é também (metafori- camente) um ato de “eriagio”, seus ensaios representam uma maneira de “apropriar-se” dos autores revisitados. Por vezes diz-se que a boa tradugdo de um poema é aquela que busca ser fiel ao original o maximo possivel, mas que também funciona como um poema auténtico da nova lingua. Ede modo anélogo que Ogden “incorpora’ e “recria” os autores que tanto admira, Apresentagiodacolegio 13 The Analyst's Bar and the Critic’s Eye (2013) 6 um trabalho “a quatro maos” e que atravessa duas priticas, a psicandlise e a literatura, Thomas H. Ogden, que é também apaixonado pela literatura (como tantos e tantos psicana- listas), “dialoga” com seu filho, Benjamin H. Ogden — um eritico literario profundamente interessado em psicandlise ~ a respeito das interfaces entre as duas disciplinas. Existe uma tradigao de afinidade entre a literatura e a psicandlise, no entanto, Thomas e Benjamin creem que muitas das “interpretacoes psicanaliticas” de textos literdrios tendem a conter aplicagdes rigidas e “desvitalizadas” de conceitos psicanaliticos. O objetivo dos autores ¢ localizar 0 que é € ‘como é uma leitura psicanalitica viva de autores como Kafka, Robert Frost e Philip Roth; bem como indicar o que distingue a interpretacio psicanalitica da interpretaco literatia. Esses livros de Thomas H. Ogden formam uma espécie de triptico: observamos como um interessante autor psica- nalitico escreve, lée como os atos de escrever/ter tém tragos de convergéncia e divergéncia quando psicandlise elitera- tua (dois exercicios humanos que lidam com “narrativas”) sentam para dialogar. A tradugio dos titulos de Ogden esté sob o cuidado de ‘Tania M. Zaleberg, que é psiedloga clinica e psicanalista, ‘membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanilise de ‘Sao Paulo. f também professora de Psicoterapia Psicanalitica de Adolescentes no Instituto Sedes Sapientiae e coordena~ dora editorial do Livro Anual de Psicanéilise. Aproveitamos para agradecé-la aqui por seu auxilio. © outro braco da colecdo Kultur traz para o leitor brasi- leiro temas de outros ramos das humanidades. Iniciamos com o titulo Pursuits of Wisdom: Six Ways of Life in Ancient Philosophy from Socrates to Plotinus, de John M. Cooper. autor, que & professor na Universidade de Princeton (EUA) e editor de Plato: Complete Works (Hackett, 1997), teve papel pioneiro na exploragio do terreno hoje profun- damente valorizado da psicologia moral da antiguidade clissica, aplicando-se a temas como o estudo das emogbes ea 14 Alberto M, da Rocha Barros Neto e Elias M. da Rocha Barros formagio do carter. Esse volume é o resultado de toda uma vida dedicada a investigagao de um traco peculiar &filosofia moral em geral, e ao pensamento antigo em particular: a urgéncia eo interesse intimo da reflexio, Dado que a ética tem como objeto questdes como em que consistem 0 bem viver ea corregio moral, a reflexao sobre esses temas neces- sariamente toca o pensador de modo muito direto: pensar a moral &, a0 mesmo tempo, moldar-se moralmente. Sabemos que os filésofos da antiguidade elissica salien- tavam essa conexio intima entre filosofia moral e formas de viver com euidadosa énfase ao buscarem a convergéncia centre suas vidas e suas filosofias. livro de John M. Cooper a tum s6 tempo se alinha com essa preocupacio e constitu: um detalhado esforgo de esquadrinhamento desse trago distin- tivo da cultura filosofica de nossos predecessores. ‘Também temos interesse em difundir trabalhos na érea da.estética, Com esse intuito, optamos por incluir na colecao olivro: Only a Promise of Happiness: The Place of Beauty in World of Art (2007) de Alexander Nehamas. O autor um os pesquisadores mais proficuos na drea da filosofia, tendo trabalhos importantes sobre Nietzsche, Plato, Aristételes e temas de filosofia da arte. Only a Promise of Happiness ganhou o prémio de melhor trabalho em filosofia de 2007 pela “Association of American Publishers’. Alexander Nehamas é sempre profundo, mas nunca escreve de modo criptico: ele sempre tem o leitor “culto” em seu horizonte. Em Only a Promise of Happiness ele aborda amplamente um tema central da estética: a natureza do “belo”, em toda sua amplitude. ‘Com este quadro de publicagdes propostas, esperamos ter sublinhado o aspecto multidisciplinar e aberto da colecao Kultur. Também esperamos ter indieado nossa vontade em mobilizar o interesse de leitores que, como nds, gostam da leitura complexa, do slow reading. Alberto Moniz da Rocha Barros Neto Elias Mallet da Rocha Barros Prefacio para a edicaio em lingua portuguesa Quando passo os olhos pelos capitulos que formam Reverie e Interpretagdo: captando algo humano, © que chama minha atengao de modo mais poderoso é que as preocupacdes centrais do livro ~ as experiéncias de “vitalizagao” e “desvitalizacdo”; 0 papel da linguagem em eriar sentido, além de transmiti-lo; os modos comple- ‘tamente inesperados com que interagem as mentes incons- cientes de paciente e analista, engendrando experiéncias que so potencialmente transformadoras para os dois ~ perma- necem para mim, hoje, como aquilo que & mais importante, mais fascinante, mais insondavel a respeito da experiéneia psicanalitica. Um tema que trespassa subliminarmente pelo livro é a ideia de que precisamos eriar a psicanilise para cada paciente. grau de sucesso em atingir esse objetivo determinara se a anélise esté claramente viva de forma a poder ajudar © paciente a vivenciar aspectos nao vivenciados de sua experiéncia,e, em fazendo isso, fornar-se mais genuinamente quemele Para ilustrar 0 que quero dizer po para cada paciente” ofereco a seguinte historia. Se um paci criar a psicanélise nte 16 ‘Thomas H. Ogden ‘meu se tornasse uma mosea na parede do meu consultério, observando-me enquanto eu trabalhava com outro paciente, esperaria que o paciente travestido de mosca na parede sentisse que a andlise sendo observada niio Ihe cairia bem, ‘Talvez sentisse que eu estava sendo paternal demais, dstante demais, fraternal demais, ou que estava me portando, de algum eritre iniimeros modos, que néo era de seu gosto. E, em resposta, imagino-me dizendo: “E claro que a anélise que voce esté observando nao The cai bem. Ela nao tinha voce em vista. E 0 contrario é verdade: a relacao analitica que eu € vocé temos ¢ tal que somente eu e voc’ poderiamos t ctiado, ¢ nfo serviria para qualquer outro paciente.” ‘Ao ler os artigos neste volume, artigos que escrevi hi mais de 15 anos, espanta-me que, em sentido relevante, compreendia ento um boeado de coisas que hoje luto para compreender. Eu pude, nesses artigos, encontrar as palavras «que hoje me escapam, uma linguagem com a qual busquei enfrentar o apelo da “escrita” psicanalitica, isto é, a tentacao de tomar por dogma aquilo que foi escrito por estimados colegas do passado (apesar do fato de que muitos desses colegas do passado nos tenham alertado contra invocé-los para a eriagao de “escolas” psicanaliticas). Quando escrevia 0s capitulos deste livro, estava completamente mergulhado em correntes de pensamento que me levaram a conclusdes «que ainda encontram-se no centro da minha pritica analitica (embora talver.eu nao conseguisse articulé-las tao bem hoje): feito antianalitico da “regra fundamental” (a imposi¢éo da associacio “livre”); a ideia de que o paciente nao tem direito de autoria exclusiva de seus sonhos; o papel indispensével dos “fraeassos” do analista em se coneentrar naquilo que 0 pacignte et dizendo (porque tais “fracassos” constituem 0 lugar de naseimento da reverie). f interessante notar que Freud raramente revisava trabalhos que havia publicado no infeio de sua carreira como autor, porque, creio eu, fazer isso seria distorcer suas conjecturas inicias, e talvez mi profundas, Preficio para a edigdo em lingua portuguesa vy Assim como noto, ao reler Reverie e Interpretagéio que hé coisas que compreendia melhor naquele momento © que hoje luto para compreender; também noto que hé muitas questdes que compreendo melhor agora do que & época. F por essa razlio que ¢ apropriado que a primeira traducdo para o portugués de Reverie e Interpretacdo faga parte de uma série de trés dos meus livros, que inclui também Creative Readings: Essays on Seminal Psychanalytic Works (2012) e The Analyst's Ear and the Critie’s Eye: Rethinking Psychoanalysis and Literature (2013). Esses trabalhos mais recentes contém ideias que tém suas rafzes nos artigos incluidos em Reverie € Interpetacdo, mas, naquela ocasiao, nao podia antecipar as formas vivas que aquelas ideias incipientes tomariam. ‘Thomas H. Ogden ‘io Francisco, Califia ‘28 de outubro de 2043 ge - | ——— Sobre a arte da psicanalise A palavras e frase, bem como a pessoas, deve-se facultar certa impreciséo. Nao pretendo sugerir que palavras, frases (e seres humanos) possam significar (ou set) qualquer coisa que queiramos que elas signifiquem. (ou que sejam). Ao contririo, chamo a atengao para 0 cefeito asfixiante sobre a imaginaco ocasionada por nossos, esforgos de definir, especificar, com preciso cada vez, ‘maior, o que queremos dizer (quem nds somos). A imagi- nagio depende de um jogo de possibilidades. No melhor dos casos, neste volume, palavrase frases s6 estardo frowxa- ‘mente “fixas 8 pgina” (Frost, 1929, p. 73). Usarei palavras como “vitalidade” (aliveness) e “desvitalizacio” (deadness), “humano” e “perverso”, “sincero” e “no auténtico” sem defini-las exceto na forma em que so usadas em frases, 0 que é uma enorme excecdo. Em diversos momentos usarei palavras como “vazio”, “estagnado”, “rangoso” e “natimorto” para falar de uma experiéncia emocional de desvitalizagao. O leitor poderd perguntar, com razao: “Que sentimentos ou estados, se houver, Ogden tem em mente quando fala de desvitalizagao emocional? Além do mais, a propria 22 Reverie e Interpretacao Sobreaarteda psicandlise 23 ideia de vivéncia de desvitalizacéo emocional nfo seria um ‘oximoro?” Pedirei ao leitor que me permita (ea si proprio) ‘um espago em que o senso de vazio possa escorregar para um sentimento de desvitalizacdo, e dat para uma desvita- lizagio de sentimento, e dai de novo para uma experiéneia de vazio, adquirindo nuances de significado ao longo do trajeto. E importante que as palavras sejam usadas (e lidas) de modo a permitir que os significados a elas acrescentados se alterem (e afetem) cada novo contexto emocional em que sto ditas, escritas ou lidas. Parece-me que, cada ver. mais, o senso de vitalidade € de desvitalizagio de um dado momento da sesso ana- Iitiea seja talvez 0 indice mais importante do processo analitico. A tentativa de usar a linguagem para apreender/ transmitir o sentido dessa interagao delicada de vitalidade e de desvitalizacao da experiéncia humana, no setting analitico, representa um importante desafio para a psicand- lise contemporanea e sera uma preocupagio central deste livro. Ainda que esta faceta da experiéncia analitica nao ‘cupe o primeiro plano de cada capitulo, espero que ela seja percebida como presente nos bastidores de praticamente toda frase. Na tentativa de aprender, em palavras, algo da expe- rigneia de estar vivo, as palavras precisam estar vivas. Palavras, quando vivas ¢ respirando, sio como acordes musicais. Deve-se permitir que a ressonancia total do acorde ou da frase seja ouvida em toda sua sugestiva impreeisdo. Em nosso uso da linguagem, tanto para fazer teoria como em nossa prética analitica, precisamos tentar fazer misica em vez de tocar notas. Para isso, pouco se pode escolher, a nfo ser aceitar que uma palavra ou frase nao tenha um significado ‘nico fixo e nao soe da mesma maneira, nem tenha mesmo significado no instante seguinte. Quando um paciente me pede para repetir-o que acabei de dizer, posso dizer-Ihe que no conseguirei porque ‘aquele momento passou. Acrescento que ele e eu podemos, tentar dizer algo que comece do sentimento dele a respeito do que acabou de acontecer. Palavras e frases, como pessoas, esto em constante ‘movimento. A tentativa de fixar significados de palavras, ede sentencas transforma-as em efigies sem vida, células iméveis tingidas e preservadas em laminas de laborat6rio, que apenas remotaiente sugerem o tecido vivo do qual vieram. Quando a linguagem do analista ou do analisando fica estagnada, perde a utilidade na tarefa de transmitir 6 sentido da experiéneia humana viva. Minha aspiragio para o uso da linguagem, no diilogo analitico, apreende-se por meio da comparagao que A. R. Ammons (1968) faz da linguagem viva da poesia com o andar: “Andar envolve a pessoa inteira; nao pode ser reprodutivel; sua forma ocorre, se desenrola; tem o movimento caracteristico do andarilho” (p. 118). Na escrita, o significado de trazer A vida uma pessoa, ‘um sentimento, uma ideia, deve ser encontrado na expe- riéneia do leitor de ler ou de escutar as palavras ou frases sendo ditas (eseritas) pelo escritor. Esse 6 0 desafio de toda a literatura e toda a escrita analitica, jé que ambas se preocupam fundamentalmente com a tarefa de usar a linguagem para apreender a experiéncia humana. Se nés, enquanto leitores, nao conseguirmos sentir algo humano, ainda que ténue, na experiéncia de ler um artigo analitico, ‘um poema, um ensaio, ou um romance, vamos embora de mis vazias. 0 trabalho do escritor analitico, como 0 do eseritor de poesia ou de fiego, comeca e termina com, esse esforgo de criagdo na linguagem da experiéncia de vitalidade humana. Se o eseritor analitico se contenta em falar “sobre” vitalidade ou desvitalizagao (aquela “palavra estélida sobre” [William James, 1890, p. 246]), com certeza seus esforcos serio em vio. Para que este livro possa realizar alguma coisa de seu objetivo de aprender algo da experigncia humana no setting analitico, deve tentar, a 24 Reverie e Interpretacio todo instante, ser um experimento em que o escritor no ato de escrever ¢ 0 leitor no ato de ler vivenciem a vitalidade existente na linguagem usada. Este livro sera valioso, no sentido que descrevo, se o leitor puder viver, cada vez mais, a experiéncia de sentir o que é vitalidade ao ler as frases, ou como Frost (1962) gostava de dizer: “ao recitar os versos” (p.90). O leitor deve fazer ao menos metade do trabalho, para obter da linguagem deste livro o sentido do que € estar vivo. "O processo de leitura nao é um semiadorme- cimento, mas no sentido mais elevado, um exercicio, 0 esforgo de um ginasta. (..) 0 leitor deve fazer algo por si, precisa estar alerta, necessita realmente orientar 0 poema, argumento, histéria, ensaio metafisico — enquanto o texto fornece as insinuacdes, a pista, a largada ou o pano de fundo” (Whitman, 1871, p- 992). As formas pretas e brancas na pagina, e 0 espago branco que cerea essas marcas, sio inertes. O leitor precisa fazer algo com elas, compro- metendo-se ativa e até apaixonadamente com as palavras, no ato de usar-se para criar algo humano proprio, em seus proprios termos. Afinal, que termos estao dispontveis, a nao '8eF110850s proprios, para se eriar uma experiéncia humana? Um dos comentarios mais perspicazes a respeito do significado de uma andlise estar viva nio veio (como se poderia esperar) de um analista, mas de um romancista € ensaista, falando sobre a arte da fic¢ao, em 1884: ‘A_boa satide de uma arte que se proportha a repro-

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