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Manchúria - tm 1931, tropas milita- Ouanto mais as costas doíam, mais 0 jovem agricultor sonhava com aquele
res invadiram a Manchúria, província da China,
paraíso tropical no outro lado do mundo. 0uando retornava para casa, naquele final
dando início a um período expansionista que cul-
de tarde, a decisão do esperançoso Kiyoshi estava tomada:
minaria com o envolvinento do Japão na Segun-
Fumie, estive pensando muito e resolvi: nós dois vamos para o Brasil. Não
da Guerra Mundial. A região da Manchúrìa loca-
liza-se no norte da Chìna e faz fronLeira clm a pe-
-
agüento mais continuar vivendo assim. .
"
nínsula coreana e a Sibéria.
Brasil?l
- espantou-se
- 0 Massayuki a esposa.
me disse que lá é uma maravilha. Falou que se a gente traba-
-
lhar cinco an0s dá para v0ltar ric0!
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Saku ra Signifìca "flor de cerejeira", ár-
vore cuja floração é aguardada com ansiedade Mas é tão longe.
todos os anos no Japã0. Nas cidades japonesas
- Tem . .
muitos japoneses c0m0 nós indo para lá. Não iremos sozinhos.
exìstem muitas cerejeiras nas ruas e nls par- -Fumie Íicou calada. AÍinal, ele era seu esp0s0 e a ela cabia respeitar todas as
ques, responsáveis por um verdadeiro espetácu-
0 agricultor s0rriu, t0d0 contente, e peg0u a mã0 da mulher. Fumie nunca o vira
assim, tã0 carinhoso. Kiyoshi fora criado dentro da tradição japonesa, na qual os
homens nunca devem demonstrar aÍeto. Mas naquele momento parecia que tinha
esquecid0 a educação rígida. Estava emocionado:
Nosso filho vai nascer numa terra rica, Fumie, pense nisso. Agora a gente tem
-
mais um motivo para mudar de vida, não fique preocupada.
Kiyoshi achou que já estava na hora de contar tudo à sua Íamília. 0 pai costu-
mava respeitar suas opiniões, mas desta vez 0 filho temia uma oposição aos seus
planos. Na casa, ele fora um dos poucos que tinham conseguido estudar até o
ensino médio. Além disso, como 0 primogênito da família, tinha a obrigação moral
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de cuidar dos pais, sendo o herdeiro natural da autoridade paterna e dos poucos
bens dos Enomoto.
0uando todos estavam reunidos para jantat pediu licença para falar.
Pai. mãe, irmãos, tenho algo a lhes dizer. Eu e Fumie vamos embora do
-
Japão !
cer apenas no dia do casamento. Naquela época era comum o miaiï, casamento ar-
' Mia i - É un casanento arranjado entre as
ranjado entre os pais do rapaze os da moça. fanílias. Esse foi o sistema adotad7 entre os ini-
Após duas horas de viagem, chegaram à casa humilde da anciã. Kimie os rece- grantes japoneses no Brasil, que dur\u até a dé-
''.- i- â-\ - À\, preparOu a reÍeição mais abastada daqueles anos de pObreza.
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Batian, karada ni ki o tsukete kudasai. Sayonara...11 lrBatian, karada ni ki
-Depois, tudo aconteceu rapidamente. tsukete kudasai. Sayonara
o
A viagem ao Brasil estava marcada para o
dia 19 de setembro e o agente Kato-san providenciou todos os documentos neces- - Vovó, por favor, cuide de sua saúde. Adeus. . .
sários e também os exames médicos exigidos para comprovarem que não tinham
problemas de saúde.
'2 Hospedaria dos lmigran-
Kiyoshi e Fumie embarcaram no navio Rio de Janeiro Maru, que estava atraca- IES - Ao chegaren ao Brasil, os imigrantes, ge-
do no porto de Yokohama, à margem da baía de Tóquio. Com eles iam mais de mil ralnente fugindo da críse econômica e social que
assolava seus paÍses de origem, eram prìmeua-
pessoas. Além da esperança, carregavam consigo malas enormes, baús e caixas,
mente recebìdos na Hospedaria dos Inigrantes,
com roupas, objetos pessoais e ferramentas para o trabalho na lavoura.
en São Paulo. A hospedaria foi inaugurada en
0 jovem casal ficou um p0uc0 no convés do navio. 0uando o porto de Yo- 1 885 no bairro do Brás, com capacidade para aco-
kohama desapareceu no horizonte, Kiyoshi convenceu-se de quea partir daque- modar 1.200 imìgrantes que, em sua maìoria, eram
KIYOSHI DESAPARECE
Após uma viagem difícil de mais de quarenta dias, o navio dos emigrantes che-
gou Íinalmente, no dia 7 de novembro, ao porto de Santos. :;';i:ìj;li:l$
dos para uma fazenda de café, no interior de São Paulo. Na pressa de partir Kiyoshi que transmite sua mensagen (um conceito, uma
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Apesar de ser uma mulher de espírito forte, Fumie chorou muito nos primeiros
dias. Trabalhavam de sol a sol, sem direito a nada. Mesmo assim, achavam que
Sato-san era bom com eles, p0is os ajudava na medida do possível, fornecendo-lhes
alimentos e algum dinheiro.
Ouando aquichegamos, em 1908, tudo era muito pior- dizia o velho Sato.
-
Tivemos de enfrentar um situação mais difícil que a de vocês.
- Kiyoshi não podia imaginar que existisse algo pior do que aquil0 que estavam
vivendo. A noite, em vez de descansar, Fumie desmanchava 0s quimonos, já rotos,
trazidos do Japão e voltava a costurá-|os. 0 cansaço era tremendo e 0 isolamento,
quase total.
Nas poucas vezes que Kiyoshi foi à cidade, sentiu-se mal. Percebeu que havia
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Precon ce ilo - beia, opinião ou sen- um prec1nceifol4 disfarçado contra 0s imigrantes japoneses. As crianças cOrriam
timento desfavorável formado sem real conhecí atrás dele, zombando:
mento dos fatos, experìência própria ou reflexão
da cara chata come queijo com barata!
crÍtica. 0s imigrantes japoneses e seus descen- -AlémJaponês -
gritavam.
disso,0 jovem casal tinha de enfrentar o chlque culturalls, que nã0 era
dentes, por terem aparência e hábitos culturais
'u Algas e peixes f rescos - e Fumie nunca conseguia saber 0 que ele andava fazendo...
Faz parte da culinárìa japonesa comer peixe to- Assim se passaram dois anos, mas Kiyoshi e Fumie sentiam c0m0 se tivessem
dos os dias. lsso significa que seu consumo é envelhecido dez. No c0meço, ainda se correspondiam c0m seus parentes em Sappo-
bem naior do que a carne de vaca e de frango.
r0, porém com 0 temp0 as cartas foram rareando, até pararem por completo. Não
A alinentação japonesa também é muito saudá-
tinham conseguido guardar praticamente nenhum dinheiro e 0 s0nh0 de voltar ao
vel, con bastantes legumeg verduras, frutas, al-
gas marinhas e frutos do nar Japão ficava cada vez mais distante.
Numa tarde de domingo, Sato-san apareceu para conversar. Perguntou a Kiyoshi
se ele queria comprar um lote de terra na Fazenda Cuiabá, em Cuiabá Paulista.
Comprar? Mas como? Não tenho nem uma moeda respondeu 0 agricultor.
-0 velho Sato então oÍereceu-se para
-
emprestar o dinheiro e disse que terra
a era
muito boa. Kiyoshi nem pensou duas vezes:
Claro que quero! aceitou, feliz.
-Mas ao chegarem à -Fazenda Cuiabá constataram, desalentados, que
aquilo ia
ser um novo pesadelo. 0 lugar estava tomado por jagunços, que ameaçavam as pes-
soas e colocavam fogo nas casas. Ficaram sabendo que 0s pistoleiros não incomo-
davam os vários japoneses que moravam ali, pois eles tinham a documentação de
compra da terra. Mesmo assim, ficaram desconÍiados e com muito medo.
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Kiyoshi e Fumie foram morar numa casinha de pau-a-pique17 infestada de bichos-
" Gasinha de pau-a-pique
barbeiros, que fransmitiam a doença de Chagas,8. A noite, enquanto 0 pequeno - É um tipo de habitação rudinentar, feita con
paredes de varas e tr1ncos amarrados, preenchi-
Koichi dormia, o casal ficava acordado, matando os insetos que tomavam as frestas
das com barro e geralmente coberta con palha
da casa. como nos primeiros dias da chegada, Fumie chorava muito. Estava grávida
de coqueiro.
de novo e temia pelo Íuturo dos seus filhos.
Apesar de todas essas dificuldades, começaram a trabalhar duro, sem sábado,
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domingo ou feriado. 0 solo era realmente bom, dando a esperança de uma ótima Doença de Ghagas - Doença
transmi lida pelo paraslta Trypanosom a cruzi, en-
colheita de milho e amendoim. Mas a vida não ficou mais fácil. Fumie deu à luz seu
contrado nas fezes do ìnseto conhecido popular-
segundo filho, Eiti, novamente sem a ajuda de ninguém; havia a malária1e, que ata- nente como barbeiro, chupança, procotó e bìcho-
cou toda a família, e a penúria comiam apenas um pouco de arroz sem sal, mrs- de-parede, entre \utr\s. Como o barbeiro costu-
soshiru e tsukemono.
- na habitar as frestas de paredes de barro ou de
madeira, habitações c0m0 as casas de pau-a-
Kiyoshi continuava com aquela sua mania estranha de desaparecer por algumas pique são as maìs visadas.
horas, sem contar a Fumie para onde ia ou o que Íazia.
0 trabalho pesado na roça acabou dando seus frutos: a primeira safra foi exce-
lente. Conseguiram até pagar 0 empréstimo de Sato-san eÍazer uma pequena pou-
pança. A segunda safra foi melhor ainda. Kiyoshi Íicou entusiasmado:
Mais duas colheitas iguais a esta e finalmente conseguiremos voltar ao Japão!
-anunciou elea Fumie, fazendo as contas num caderno.
- A esposa quase explodiu de alegria:
Oue coisa maravilhosa!
-Trabalharam c0m0 nunca naquele ano, pensando n0 retorno ao Japã0. 0 resul-
tado foi fantástico: aquela safra era maior do que as duas primeiras juntas. Barbeiro, agente causador da doença de
Chagas.
Numa certa manhã, receberam a visita de Hirata-san. Era um conterrâneo que
costumava servir de intermediário entre os agricultores japoneses e os comprado-
t' M a I á ri a
res brasileiros, ganhando uma comissão para isso. Hirata-san falava bem o portu- - Doença ìnfecciosa, febril, não-
'00 Brasil entrou na Segun- no, as aulas de japonês foram proibidas e os jornais editados nessa língua deixaram
da Guerra Mundial -ouandoo de circular. Kiyoshi enterrou seus livros sobre a história japonesa e proibiu que
Brasil ranpeu as relações dipllmáticas clm as
Fumie falasse o idioma natal na frente de brasileiros.
Forças do Eixo- Alenanha, ltália e Japãl -, de-
clarando guerra a esses ÍÍés países en 22 de eu nã0 podia falar na volta a0 nosso país... Agora tenho de esquecer
-Antes
agosto de 1942, alemães, italìanos e japoneses que sou japonesa. Não posso falar! Não posso pensaÍ! desesperou-se a mulher.
que aqui residiam coneçaram a ser persegui- Não chore, Fumie tentou consolar o marido.
- Um dia tudo isso vai
dos. No caso dos imigrantes japlneses e seus -
terminar...
- -
desce nde ntes, várias propri edades f o ra m conf i s-
cadas, diversas escolas fechadas, a língua japo- Realmente terminou. Mas a guerra iria deixar uma marca definitiva na vida do
nesa proibida, etc. A perseguiçãT s1nente ter- casal, enterrando de vez os sonhos de Kiyoshi e Fumie: o Japão ficara destruído.
minou com o fim da guerra.
arrasado. Como voltar?
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Apesar da desilusão de não poder mais retornar ao Japã0, a vida dos Enomoto " N i kke i s - Segunda geração de descen-
prosseguia em sua rotina. Afinal, tinham dois filhos para cuidar e que tempo tinham dentes de japlneses nascidos no Brasil.
mais silvestres, como caplvaras, antas e onças-pintadas. mlrar datas inpoftantes do calendário do Japã0.
Nada porém podia desanimar aquela Íamília que após tanto sacrifício podia tra- Tanbém é o local onde se ensina a língua japone'
É claro que seus pais já sabiam, pois era a comunidade que organizava esses
eventos culturais. 0 casal observava, com satisfaçã0, Eitifalar do filme sem parar,
pois eles trabalhavam muito para que seus Íilhos pudessem ter um p0uc0 de lazer " 0toosan, 0kaasan - Papai,
mamãe.
no país que a família acabou adotando c0m0 sua segunda pátria. Afinal, fora nela
que 0s Enomoto conseguiram criar seus filhos. E como não puderam retornar a0
Japã0, a colônia'o passou afazer parte da vida deles, preservando a cultura japone- 'n C o I ô n i a - Grupo de migrantes ou indi-
sa, sua língua, seus costumes e seus hábitos alimentares. víduos de una nação que se estabelecem em
até no Amazonas. No Estado de São Paulo eles até fundaram na capital um bairro
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Jornal nipo-brasileiro -
Com o aumento do número de imigrantes japo-
japonês, o bairro da Liberdade, que Kiyoshi teve a oportunidade de conhecer e
neses, surgiram no Brasil vários jornais da colô-
achou lindo, tudo lembrava o Japão de forma exagerada, mas era gostoso ver as
nia japonesa, orìginalmente de circulação regìo-
pessoas vendendo produtos japoneses nas bancas e nos supermercados, e o idioma nal, mas atualmente de alcance nacional. 0 ter-
falado livremente em todos os lugares. no também se aplíca aos jornais publicados pe-
nascente
Uma estranha missão na tena do sol
1l
'6 0rigami - É a ane da dobradura de pa- Apesar de ele ter essa consciência a colônia era bem fechada, tanto que os
pel, amplamenti: dìfundida por quase todo o mun-
nikkeis, em sua mai0ria, se casaram entre eles e alguns, c0m0 0 própri0 Eiti, que,
do. Com o origami podem ser criados flores, obje-
apesar de ser extrovertido, se casaram ao estil0 japonês, por miai.
tls utìlitários, figuras geonétricas e decorativas.
0uando 0s netos vieram, 0s tempos começaram a ficar novamente difíceis; os
empréstimos n0 Banco mais 0s juros quebraram a mai0ria dos pequenos agricultores,
que se mudaram para 0utras regiões, vendend0 suas terras, 0 que acabou esvaziand0
também o kaican e tudo 0 que ele representava para a vida socialda comunidade.
Kiyoshi e Fumie eram persistentes e lutavam muito para preservar sua proprie-
dade. Trabalhar na terra era 0 que sabiam Íazer e era nela que havlam criado raízes.
Apesar de toda a situação desfavorável, Kiyoshi e Fumie sempre mantinham acesa
a chama das tradições japonesas dentro de casa.
Era uma alegria só quando 0s netos pediam:
faz um origamì'z6 n0v0 pra mim e depois me ensina, tá?
0 Isuru {grou} é uma das Íiguras mais po-
pulares e belas da arte do 0rigami.
- Batian, faz um kazaguruna2s (cata-vento) para mim?
-LogoDitian'?t,
ambos estavam envolvidos com 0s netos e uma das coisas que mais gosta-
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KazagurulÍtâ - Cata-vento de brìn- NOVO PAfrAíSO
quedo. Presente na cultura japonesa há séculos,
é passado de uma geração a outra, fazendo un 0uarenta anos se passaram. Ouarenta longos anos. Um velho japonês cuida de
interessante clntraste con a nodernidade e o um viveìro de orquídeas2e. Um chapéu de palha protege a cabeÇa e 0s cabelos bran-
avanço tecnológico do país.
cos e ralos.0 corpo está encurvado, mas as mãos ainda guardam uma habilidade
quase mágica para tratar da terra.
Ditian! Ditian!
-Kiyoshi Enomoto se volta sorrindo a0 reconhecer a moça que corre para ele. É
Naomi, filha de Eiti, seu filho mais n0v0. Pele m0rena queimada de sol e cabel0s
negros brilhantes que chegam até as costas, Naomi é uma bonita sanseide22anos,
A neta abraça o avô com carinho:
Ditian, venha, venha! Preciso lhe contar uma coisa... diz, puxando-o pela
- -
mã0 em direção a uma cadeira de balanço colocada sob uma mangueira frondosa.
Só depois de vê-lo sentad0 na cadeira é que revela, feliz.
O kazaguruma (cata-vento) é um dos brin-
quedos preÍeridos das crianças iaponesas, Ditian, o senhor não vai acreditar... Eu, Hiromi e Shoji estamos indo para o
nas Íestas de verão. -
Japão !
las suas características, as orquídeas precisam temp0, principalmente Shoji, que planeja se casar c0m Satik0, sua namorada há
ser cultivadas à sombra, em viveìros apropria- mais de quatro anos.
dos. Dentre os imigrantes japoneses e seus des-
Pro Japã0, ditian- confirma Naomi. E começa a contar, entusiasmada, que
cendentes são muitos os orquidófilos apaixona- -
ela e 0s irmãos iriam trabalhar numa grande indústria japonesa, por dois v0l-
dos por essas plantas e suas flores, considera- anos, e
das por eles as mais belas do planeta. tariam ao Brasil com bastante dinheiro.
Enquanto a neta continua a falar, 0s pensamentos do velho Kiyoshi voam até o
passado. Lembra-se de todo 0 sofrimento, do roubo de Hirata, da guerra e de como
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ç-s:
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fora difícil, para ele e Fumie, se recuperarem de tudo aquilo. Lembra-se dos sacrifÊ
cios que tiveram de fazer para comprar o sítio em Campinal, no oeste de São Paulo,
onde estavam morando até hoje. Fora ali, naquele lugar bem cuidado, com pomar,
horta, muitas orquídeas e animais domésticos, que eles tinham conseguido criar os
filhos, Koichi e Eiti, dentro dos costumes japoneses.
Ah. Japã0, quantas ilusões perdidas... Alguns anos antes, estivera a ponto de
ir paralá. Desistiu p0Í causa do relato de Kikuchi-san. Kikuchi era seu amigo e tin-
ha a mesma idade dele. Há três anos Íora visitar o Japão e voltara arrasado: "0 nos-
so Japão não existe mais...", dissera-lhe Kikuchi-san, com lágrimas nos olhos.
0 amigo nunca mais foi o mesmo depois daquela viagem. Todos diziam que ele
estava morrendo, pouco a pouco, de tristeza. 30
Aeroporto internacional
Ouando os pensamentos de Kiyoshi voltam ao presente, Naomi ainda Íala, entu- dg Narita - Principal aer0p0rÍ0 interna-
siasmada: cional do Japã0, localizado a 66 km a noroeste
da capital, Tóquio.
Não vejo a hora de embarcal ditian. Não é engraçado? 0 senhor e a batian
-
vieram para cá porque estava muito difícil viver no Japã0, agora é o Brasil que está
numa situação parecida e nós, seus netos, é que vamos ao Japão para tentar melho-
É
rar de vida.
É... o destino é engraçado diz Kiyoshi, pensativo. 0uando vocês
-
viajam?
- -
que os documentos ficarem prontos.
- Assim chegarem lá, eu queria que me fizessem um favor...
- Ouando
Oue Íavor, ditian?
-0 ancião - indaga Naomi, curiosa.
não diz nada, apenas sorri.
Seu avô é cheio de mistérios, minha querida comenta a velha Fumie, que
- -
chegara naquele instante e ouvira parte da conversa.
acredita que seu avô tinha 0 costume de sumir de vez em quando e até 0 aeroporto de Narita é o mais movimen-
-Você tado do Japão, com grande Íluxo de passa-
hoje nunca me contou o que Íazia? diz a avó, sorrindo.
-
Foram24 horas de viagem. Ouando desembarcaramno aeroplrto internacional
geiros e mercadorias.
seguis c0m0 se fossem coisas e não pessoas. Foram fichados, pesados e medidos. dos brasìleiros descendentes de japoneses.
Mais tarde, já liberados, tiveram de se virar sozinhos para encontrar um lugar onde
almoçar. Para sorte deles, havia um McDonald's nas redondezas. 33
Em p re ite il a - Empresa laponesa res-
Nunca me senti tão humilhado em toda a minha vida! disse
do,
-já na lanchonete. - ponsável pelo recrutamento sobretudo de dekas-
t'Byo Era noite quando chegaram ao seu destiRe, E aí uma nova decepçã0. Foram dei-
-Aloiamento.
xados num ry035 precário, uma construção de madeira, velha e imunda, isolada e dis-
tante do centro da cÌdade, pertencente à empreiteira. Cada quarto, pequeno, tinha
tt issei
N -0 mesmo que nikkeì.
de ser dividido com até seis pessoas. Ao lado do alojamento. funcionava uma
madeireira, cujas serras elétricas faziam um barulho infernal.0 cansaço e o desâ-
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bem que a gente fala japonês. Já pensou? Você chega num país estra-
-Ainda
nho e não entende uma palavra do que falam? sussurrou Hiromi para a irmã.
Vocês todos vieram de muito longe para
-
compor nosso quadro de emprega-
-
dos continuou o gerente. Sabemos que têm outra cultura e 0utro modo de
vida,
-porém
-
para
chegaram aqui trabalhar e terão que se adaptar aos nossos hábi-
tos e, principalmente, ao trabalho que oferecemos a vocês.
Em seguida 0 gerente mostrou o uniforme que passariam a usar, composto de
um colete de náilon, sapatos de plástico branco e um crachá com 0 nome do empre-
gado. Depois foram encaminhados a um grup0 de operários mais experientes, que
lhes dariam um treinamento rápido do serviç0. Naomi e Hiromi ficaram juntas e
II 'ip;1'1r;;