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‘Rev Med (Sao Paulo) 2013 julset,92(3)-20412, Yoga e Yogaterapia ‘Yoga and Yogatherapy Antonio Cesar Ribeiro Silva Deveza Assim como 0 mondo parece escwo ao cog ¢ brilnante para agueles que tem bors Dion a manna forma o mula chia ce milspla serine pa o fpoante esta ‘hei de elicidade para osabio, araia Upanishad Deveza ACRS. Yoga e yopaterapia / Yoga and yogatherapy. Rev Med (Sto Paulo). 2013 jul-set,02(3)-20412. RESUMO: 0 objetivo desse artigo ¢ apresentar um breve histo ‘co do Yosa, desde a sua histori connec, apresentar as escolas ‘depensamento que influenciaram no seu desenvolvimento, sobre tudo descrevendo as bases metafisicas encontradas na Filosofia, Samia, Apontamos as linhas de Yoga mais importantes que 520 deseritas em textos de grande elevancia do passado, evidenciando ‘96 textos de msior autoridade, Definimos os prineipins basicos 4do Yoga, bem como as evolugdes do pensamento a0 longo do ‘tempo influeneindas pelas novas formas de entender o Yoes, sobretudo apéso surgimento do movimento tinrico. Apontaros ‘com precisdo o tema do Aprisionamento e da Libertagd0 como 0 {peo central do Yous, que actedita que as impressdes latent, ov ‘experigncias acumuladas pelasvivencias cotidianas, sao a causa principal, pelo apego que geram, dos renascimentos constantes Jo consequente aprsionamento. Finalmente, discorremos raph damente sobre o uso do Yoga como terapia, mais modemamente, utlizando as técnisas de purificaslo, 2s posturas, os exercicios respiatirios e de meditagao para tratamento de doengas fsicas e mentais. Estudos em fisiologia integrada com grupos nultidisciplinares devem permitir que as técnicas de Youa sejam mais extensamente utilizadas como complementares nos tratamentos de doengas fisicas e mentais expandindo 08 resultados positivos ja demonstrados em pesquisas realizadas em importantes centros mundiais, DESCRITORES: logs; Meditas0; Relaxamento; Qualidade de vida; Terapias mente-compo: Terapia de relaxamento, ABSTRACT: The scope of this article isto succinctly describe ‘Youa's history, since the beginning, and to bring forward the schools of thought that influenced its development, especially describing the metaphysical bases found in Samkkya Philosophy. ‘We pointed out the most important kinds of Youa, described in relevant ancient texts. The basic principles of Yoga are well marked, as wel as the development of the thought overtime in- fluenced by the new ways to understand Yoss, especially after the emergence ofthe Tantra movement. We pinpointed the theme of ‘mprisonment and liberation as Yoga’s main focus, ait preaches ‘that latent impressions or experiences accumulated through daily experiences are the main cause of attachment, generating the con- sant rebirth and consequent imprisonment. Finally. we discuss the use of yoga as a therapy, more modemly, using purification and. breathing techniques, postures and mediation exercises to weat ‘physical and mental illnesses, Studies in integrated physiology ‘with multdisciplinary groups should allow Yoga tecniques to be ‘more widely used as complementary in physical and mental iliness treatments expanding the positive results already demonstrated in studies performed in major world centers ‘KEYWORDS: Yoga; Meditation; Relaxation; Quality of lif Mind-body therapy; Relaxation therapy. ProSER — Programa de Sale, Espirtualidade e Religiosdade. instinto de Psiquiatia, Faculdade de Medicina, Universidade de Sa0 aul. Enuderego para correspondénela: Antonio Cesar R. S. Devesa, Rua Alvarenga, 616 - Sto Paulo, SP. CEP: 05509000. e-mail: deveza@ ‘volcom. br 208 ‘Devesa ACRS. Yoga e yogaterapa Historico India soften virias invasdes durante a sua historia, mas seguramente a que mais im- ictou sua cultura foi a dos -rvas. pove nomade vindo provavelmente das estepes asiaticas ede al ‘gumas rexives da Europa, que teriam entrado na india pelo teitorio do atual Afeganistao, em busca de areas férteis de ;pastagens para seus rebanhos, par volta do século XX aXV_ AC.. Bstuclos arqueoligicos’ e de genética® tem reforgado essa teoria de ocupacao da India pelos arianos que teria acontecido em etapas sucessivas de ocupacio, chegando a0 sul da Tndia, praticamente dois a ués séculos depois do seu inicio, Os povos autéctones indianos eram compostos ‘por varios reinos distintos que foram gradativamente sendo dominados pelo povo invasor. Esses nomades arianos, a0 que tudo indica, traziam consigo uma religiao politesta, com divindades masculinas, talvez pelo fato de serem uma sociedade némade, patriarcal, patrlineat, guereira, ‘acostumada a conquista de novos teriterios para pastagens de seus rebanhos. Aparentemente também traziam consizo, a onganizagao social em castas, a sacerdoral, a guerreira € 1 de cometciantes. Apos a invasio, 0 povo conquistado passa a compor a quarta casta, a servil. Em contraste, 0 ovo autéctone era essencialmente agricultor e prativava ccultos 8 divindades femininas, esponsiiveis pela fetilidade daterra que semeavam. Embora existam diferentes teorias sobre a miscigenagao entre as das culruras, a imposigao pela forea parece ser a mais léica, j& que um dos textos litirgicos de maior importincia do hindnismo, o Rig Veda, descreve a luta entre 0 lentos catros de boi do povo autéc- tone (dravidas agricultores) ¢0s deis carros de guerra dos arianos, puxados a cavalo nos combates entre os dois povos (p3-6). Embora as escavagses arqueologicas feitas em ‘Mohenjo Daro ¢ Harappa. duas arandes cidades indianas pré arianas do Vale do Rio Indo, tenham preenchido alau- mas lacunas ce conhecinmento, as incertezas e contestagies ainda predominam. Essas cidades apresentavam um nivel de organizacio urbanistica impressionante, inclusive com sistemas separados de aqueltos de dau Limpa © rede de csgoto, sem paralclo cm outras culturas da mesma época Allauns sinetes de barro encontrados na cidade pré ariana de Mohenjo Daro mostram figuras semelhantes as da divindade Giva, 0 patrono do Yoga, em postura de lotus ‘uma das mais importantes posturas de meditacao e outros em posturas utilizadas até hoje entre pratieantes de Yoga (Figuras | e 2). [sso nao representa uma prova definitiva, as reforsa 0s indicios do Yoga ter sua origem na propria, cultura indiana pré-ariana, Uma coisa ao menos parece eevidente ~as priticas psicofisicas do Yoga nao apareceram em nenhuma outra cultura indo europeia fora da india, 0 que aumentam as probabilidades desses conhecimentos serem originarios dos povos dravidieos autéctones e nao dos atianos invasores, padmlseaa-vit Figura 1. Civa Pashupati, “O Senhor dos animais” (Fonte: Allehin B, World Archaeology, p. 211) Figura 2. Divindade de trés faces s ‘Terracota da civilizagho de Mohenjo-Daro (Font _netp/ficka:com/photos/2843376S @N01/3231796606) chin R. The rise of civilization in India and Pakistan. Cambridge sada em postura de Yoga. Selo isponivel Ossistemas ilosoficos da india quese desenvolveram por milénios apés a invasdo ariana forneceram material de base para muitas correntes de pensamento a0 longo do seu desenvolvimento, Eles se organizaram atraves do tempo em seis sistemas especializados de filosofia, considerados ortodoxos pelo bramanismo, tendo por objetivo comum a Emancipagio Espititual, Os seis daarcamas (do sénscrito, “pontes de vista”) qne compoem 1 base ortodoxa sio: Nvava, Vaishesita, Samithva, Yoga, ‘Mimansa € Vedanta, Assim temos 0 Nvava (estudo da logica) ¢ © Vaishesika (atomistica ~ estudo da matéria) se complementando: 0 mesmo acontece com 0 Samiva (estudo da existencia) fomnecendo a base metafisica para as priticas psicofisicas do Yoga. Completanco © quado, temos 0 Mimansa (ritualistica) introduzindo além da parte linirzica, © pensamento filosofico desenvolvido no Vedanta (Finalidades do Veda ¢ da vida). Embora alguns “antores afirmem que os seis sistemas eram independentes. ¢ isso tem em parte alguma verdade, quando estudamos, ais atenta e profimdamente cada um deles, vemos que embora haja algumas conradigoes em alguns conceitos, poderiam ser considerados mais complementares do que antagénicos, cada um fornecendo subsidios para a construgtio de tum sentido maior ou teforgando conceitos dos outros’, Sobretudo se forem estudados. agrupados dois 1 dois, trazem a huz explicagdes de conhecimentos que complementam ou introstuzem ensinamentos fornecidos por ambos. A posigao do Yaga entre 0s darcanas Frequentemente a palavra Yoga aparece citada. associada @ palavra Samihva, em textos de grande relevincia na historia filosofica da Iudia. Samiina-Toga & mencionado no Mahabharard?, um dos grandes épicos da literatura mundial, composto para cxaltasao ¢ gléria das conqnistas da casta auerreira, por volta do século VI a.C. periodo em que a india sofrera inimeras invasdes de seu territorio, dando maior relevancia a essa casta, Em um de seus capitulos, o Blagavad Git, atraves do dislogo entre Krishna, um avatar do Deus Fishin, ¢ Arjuna, 0 arquetipo do homem e do guerreiro perfeito, é ensinada toda uma disciplina de dominio total do corpo ¢ da mente, para aquisicao da emancipacao total do espirito. Essa doutrina conlhecida como Karma Yoga, ou youa da agao cometa, A proptia raiz ctimoldgica da palavra sanscrita YU. que forma o termo Yoga, reforga esse conceito por sigmificar, ~submeter ao jugo, controlar, colocara canga em animais ¢ também juntar”. Esse tltimo sentido talvezfique mais caro no final desse parigrafo. Assim, o iogue seria aquele que ‘tem sob seu dominio todas as suas facades mentaiseseus pensamentos ¢ se encontra plenamente adaptado e supera 1 tudo que compée a realidade, conforme & enumerada nos textos do Samba’, Embora muitas hipéteses sejam aventadas sobre as préticas do Youa ¢ alsumas citacoes Rev Med (Sto Paulo). 2013 jul-set,.92(3):204-12, sejam encontradas em textos védicos da cultura ariana, os vérios autores preferem acreditar, como ja dissemos, que © Yoga derive de priticas autéctones anteriores ao periodo vedico (periodo ariano). Nao existem documentos pre védicos que possam nos informar das origens do Youa, por quea grande massa de conhecimento que chegou aos dias de hoje foram, em sua maior, produzida pelos bramanes, representantes arianos da casta saccrdotal. Textos como 0 Taittirva (vA, pS)! e 0 Katha Upanishad (1. p.1)’, do sécillo Va V a. nos falam do Yoga como 0 blogueio mantido dos sentidos. Outro texto do budismo, Digha nikayz?fala do estado de Samadi. que corresponde a0 mais, elevado estado de controle dos sentidos, emi que 0 iogtte, absorvendo toda. sua atensao, se isola completamente de qualquer estinmlo trazdo de fora pelos sentidos funde sua conscincia a Consciencia Absolta, explicando o dino sentido da raiz sinscrita YU, “junta” Diferencas entre o Yoga e 0 Samkhya E importante citar que a grande maioria dos preceitos do Sambinva sio compartithados pelo Yoga e que suas diferengas nao os colocam mma posigao de oposigao ‘Uma das principais diferengas que enquanto 0 Samia se abstém de discutir 0 conceito de Deus, o Yoga € teista © descreve a Consciéneia Absoluta, ou simplesmente 0 Absohito, como 0 objetivo a ser alcangado, Patarjal, 0 srande compilador do conhecimento do Toga que viveu por volta do século I a.C. descreve Jevara, “o Senhor” dla seguinte forma: “wn Ser Iicondicionada diferente dos outros por ser intocado pelo residuo das afticdes, das cagdes e da maturagdo dos seus frutos; Nele, a semente da onisciéncia néo pode ser superada, sendo de fato também ‘o mestre dos precedentes, por ndo ser linitado pelo tempo e tendo como sua designacao a silaba OM” (p. 12-4): Muitos autores dizem que substancialmente, a diferenga entre ambos é que o Samkinaoferece pressupostos tebricos ¢ o Yoga € a sua pritca (p43), Na realidade, Igvara. “O Senhor” do Yoga, é um modelo de perfeicao aque orienta a ditesao que o iogue deve seguir com stias préticas, diferenciando o que & Absoluto, de todo orestante que tem uma existéncia apenas relativa, O Absoluto & eterno, incondicionado. imaculado, nao pode ser explicado ou compreendido pela mente, apenas experimentado por profndos estados de consciéncia, despertados pelos exercicios de meditagio. De outro lado temos a realidade relativa que € temporal, sujeita a constantes mudangas, multivariavel ¢ serve apenas para criar as experiéncias sensoriais e mentais, que quando adequadamente vividas, Jevam o espirito ao estado de emnaneipagao, Nos textos do Samithya, 0 Absoluto & chamado de Purusha e 0 relative, Praivitt; para o Yoga, sobretudo o tantrico, o Principio Absolute € representado pela fizura masculina de Civa e a realidad relativa adquire a figura do principio feminino de Gatti, Quando a experigncia relativa nos aprisiona atraves 206 ‘Devesa ACRS. Yoga e yogaterapa dos constantes desejos que desperta na mente, induz transmigracdo da alma em sucessivos renascimentos, que 6 cessam com arealizagao do Etemo Absoluto que em Si possui todas as coisas e quando alcangado,nvio deixa nada ais para ser desejado. Miveka, ou discriminacao entre 0 Absoluto eo relative, pode seralcangada pela graca divina, como afimiam as escolas devocionais do Bhakti Yoga, pelo conbiecimento correto, segundo escolas de Jiiana Yoga, © Yoga do Conhecimento, ou pelas praticas realizadas por longos e ininterruptos periodos, com dedicagio reveréncia, como nos afima Pataijali, no texto mais importante do Raja Yoga, ou Yoga Classico (p.7)*. Essas ngs linhas de Yoga - Raja, Bhakti € Jaana Yoga - sto as ais antigas ¢ relevantes escolas descritas em textos de ‘antoridade, Soma-sea elas o Karma Yoga, 0 Yoga da acho. deserito principalmente no Bhagavad Gita, 4 citado e © Tantra Yoga, sistematizado mais tarce no periodo medicval, com varias escolas de técnicas e ideias que infiuenciaram nuitas outras escolas de pensamento, como o Budisto € o Jainismo, Textos 0 Yoga Sutra‘, escrito por Pataijalt, ¢ a obra de referéncia do Youn Clissico e o primeiro texto que foi preservado desde a sua elaboracao. Pataijali nto foi o inventor do Yoga, mas foi um compilador de todas as tGeuicas ¢ tabalhos que existian no seu tempo (aproximadamente século I ow II a.C.). Sua obra foi composta em aforismos (sutras), uma forma sucinta de texto que facilita amemorizagao de seu contetde. O texto é dlividido em quatro capitulos (pada) com os aforismos que ‘compoem o sistema floséfice do Toga. Sao cles: Aabsorga0 dos componentes da mente no Absoluto (Samadhi). os ineios eas paticas para esse fim (Sadhana), a realizagao da discriminagio entre o rlativo eo Absohuto. como despertar dos poderes (Vibinti) € a emancipagio ou isolamento do espirito no Absohito (Katvalva). Paranal era um brémane ¢ auxiliou na “bramanizagao” do Youa que por ser fruto da ‘cultura autdctone, nao foi bem aceito nos mieios ortodoxos ogo de imediato. Com a popularizagao de suas técnicas, ‘mesmo entre bramanes que saiam das grandes cidades em busca do conhecimento ensinado pelos ascetas das florestas, 0 Youa comecon a adquirir 0 status de darcama ortodoxo. Esses brimanes, categorizados no proprio Veda ‘como “os cabeludos” (echava), eram assim chamados por que, diferentes dos sacerdotes bramanes cosmopolitas que faziam o corte ritualistico do cabelo, deixavam seus cabelos

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