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Mensagem 

é uma obra lírica, épica, simbólica e mítica. É uma coletânea de


poemas estruturalmente muito cuidado, sobre as grandes figuras históricas
portuguesas. Nela, Fernando Pessoa explica o sentido da sua Pátria que
renascerá da decadência para alcançar a Perfeição.

Introdução
Mensagem foi uma obra que demorou alguns anos a compor.
A ideia de a escrever vinha já do tempo do Orpheu, a avaliar pelas datas de alguns
poemas. Pessoa chamou-lhe 'livro pequeno de poemas', escondendo a ambição que
tinha em contribuir para a mudança no país, que vivia uma grave crise política e de
identidade.
Depois das Descobertas, o país foi gradualmente perdendo o Império e as riquezas
acumuladas, devido em muito às invasões, ao Ultimatum inglês e à hipocrisia de uma
sociedade gananciosa e ociosa. A obra é escrita num contexto social e político de
decadência. Porém, esta circunstância não diminui a importância do seu conteúdo e o
desejo do poeta em mitificar o espírito português.
Mensagem apresenta um plano espiritual e simbólico para que Portugal se cumpra.
Não será um império material, mas um império de valores espirituais e morais, visto
que o assunto da Mensagem não são os portugueses ou os eventos concretos, mas a
essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Pessoa pretende realizar o novo sonho
português, devolvendo à Pátria a grandeza perdida. O objetivo do poeta é,
essencialmente, espiritualista.
Mensagem é o sonho do poeta. Percorre uma espécie de viagem iniciática em busca
de um novo império de valores. Propõe uma nova forma de pensar, o que somos como
Portugueses e o que Portugal poderá vir a ser. O passado é transformado num mito
para que se possa reinventar o futuro.

Estrutura
Mensagem é um livro com 44 poemas agrupados em três partes que correspondem às
etapas da evolução do Império Português: nascimento, realização e morte. Esta
estrutura tripartida relaciona-se com a ideia de que as profecias se realizam três vezes,
ainda que de forma diferente, em três tempos distintos.
Cada uma das partes da Mensagem começa com uma expressão latina, adequada à
parte simbólica a que pertence. Fernando Pessoa inicia o poema com a expressão
latina Benedictus Dominus Deus noster que dedit nobis signum (Bendito o Senhor
Nosso Deus que nos deu o sinal), remetendo, de imediato, para o sentido simbólico e
messiânico que o percorre.
• Primeira parte: 'Brasão'
Bellum sine bello (Guerra sem guerra)
— Pelo jogo dos oxímoros sugere um espaço para ser conquistado por fazer
parte de um desígnio.
• começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo,
procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na
civilização ocidental ('O rosto com que fita é Portugal!');
• define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à
construção da realidade;
• apresenta Portugal como um povo heroico e guerreiro, construtor do império
marítimo;
• faz referências à fundação da nação e às figuras históricas que construíram o
país;
• refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como 'antigo
seio vigilante' ou 'humano ventre do Império'.

• Segunda parte: 'Mar Português'


Possessio maris (Posse do mar)
— o domínio dos mares permitiu expansão e a ligação entre os povos.
• inicia-se com o poema 'Infante', onde o poeta exprime a sua conceção
messiânica da História, mostrando que o braço do herói é movido por Deus
como causa primeira, o Homem como agente intermédio e a obra como efeito;
• evoca a época dos Descobrimentos com os seus heróis, as glórias e as
tormentas, considerando que valeu a pena, ao desbravarem os mares, dando
'novos mundos ao mundo';
• em 'Mar Português' procura simbolizar a essência do ideal de ser português
vocacionado para o mar e para o sonho.
• termina com o poema 'Prece', onde renova o sonho.

• Terceira parte: 'O Encoberto'


Pax in excelsis (Paz nos céus)
— marcará o Quinto Império. O poema termina com um Valete Frates
(Felicidades, irmãos), acreditando no desígnio de um reino de fraternidade,
graças ao Quinto Império, e assumindo um carácter de incentivo ('Força, irmãos')
para a construção desse novo Portugal.
• encontra-se tripartida em 'Os símbolos', 'Os avisos' e 'Os tempos'.
• manifesta a esperança e o 'sonho português' (o Império está moribundo). Mostra
a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição.
• define os espaços de Portugal e anuncia a importância das profecias de
Bandarra e do Padre António Vieira. O poema 'Terceiro' revela a voz do poeta
como o terceiro aviso da realização desse império.
• anuncia o Quinto Império que traduz a ânsia e a saudade daquele
Salvador/Encoberto que deverá chegar, para edificar o Quinto Império, que será
espiritual, moral e civilizacional.

• Conclusão
Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói, o Encoberto, que se apresenta
como D. Sebastião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de mistério,
indecifrável para a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio esotérico (=
oculto/secreto) se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto Império.
Nos poemas de qualquer uma das diferentes fases, nota-se o 'intenso sofrimento
patriótico' e a sua vontade de um Portugal novo. Crente no mito sebastianista 'com
raízes profundas no passado e na alma portuguesa', como o próprio afirma, procura em
cada poema tornar viva uma ressonância do Império que foi e que acredita renovar-se,
pelo menos, civilizacionalmente.

Valores simbólicos
Mensagem é uma obra simbólica. Foi o próprio Fernando Pessoa quem afirmou
que a sua obra estava cheia de símbolos que ajudavam à sua compreensão. São
vários os símbolos unificadores da obra.
• Símbolos
• Mostrengo: Simboliza as lendas do mar, o desconhecido, os medos, os
obstáculos a vencer.
• Nevoeiro: Traduz a indefinição, a incerteza e a hipótese de revelação de novas
realidades, símbolo de esperança e de regeneração.
• Manhã: Representa a luz, a felicidade, a vida e o mundo novo.
• Noite: Figura a morte e a inércia e implica a hipótese de renascimento.
• Nau: Significa a viagem, as provações, iniciação, o caminho a percorrer para
atingir novos mundos, novos conhecimentos e o heroísmo.
• Grifo: É uma ave mitológica com bico e asas de águia e corpo de leão.
Personifica a união do terreno e do celeste, do humano e do divino; construção
de uma obra de carácter divino realizada pelos humanos.
• Timbre: Traduz o poder legítimo e remete para a ideia de sagração do herói
para uma missão transcendente.
• Coroa: Denota a realeza, o poder e a perfeição.
• Brasão: Expressa a formação do reino e o passado inalterável.
• Castelo: Representa a proteção, a segurança e as conquistas dos heróis,
fundação da nacionalidade.
• Quinas: Apresenta as cinco chagas de Cristo, a imagem do sofrimento e da
redenção dos pecados humanos, dimensão espiritual.
• Campo: Exprime a vida, fecundidade e alimento.
• Ilha: Significa o centro espiritual e primordial, recompensa pela superação dos
obstáculos, promessa de felicidade na terra.
• Terra: Constituiu a casa do homem, símbolo materno, refúgio, regresso ao
elemento natural do ser humano, espelho do céu, paraíso mítico.

• A simbologia dos números


Os poemas que compõem a Mensagem encontram-se agrupados intencionalmente em
blocos de 2, 7, 1, 3, e 12. Esta divisão tem um significado que está associado ao
sentido dos poemas.
• Número um: Reservado ao poema 'Nun'Álvaro Pereira', o único poema do título
'A Coroa', representa a unidade, a totalidade, a comunhão com o transcendente.
• Número dois: Pressupõe a dualidade. Resume o paradoxo da existência
(vida/morte). Na obra liga-se aos princípios antagónicos passivo/ativo, pois os
dois poemas inseridos em 'Os Campos', 'O dos Castelos' e 'O das Quinas' vão
nesse sentido.
• Número três: Remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem -
representa a totalidade (tese, antítese, síntese). Na obra sugere as três fases da
existência: nascimento, vida e morte e a perfeição formal: introdução,
desenvolvimento e conclusão.
• Número cinco: Representa a ordem, o equilíbrio, a harmonia e a perfeição.
• Número sete: Significa o período temporal unificante (semana). Está associado
à ideia de completude de um ciclo. Número mágico que remete para o poder e
para o ato de criação.
• Número doze: Remete para a unidade temporal (ano). Associado aos 12
apóstolos (eleição de um povo), refletem uma forma diferente de estar no
Universo (baseada na fidelidade a Cristo), pela fraternidade e pela paz. O doze é
símbolo das mutações operadas no interior do ser humano e da perpétua
evolução do Universo (final de um ciclo involutivo), a morte dá lugar ao
renascimento.

Sebastianismo e o mito do Quinto Império


O Sebastianismo pertence à tradição portuguesa. Fernando Pessoa aprofundou-o
e transfigurou-o. Dando-lhe uma dimensão pessoal, juntou-o a outro grande mito
tradicional português - o Quinto Império.
• O Sebastianismo
Com a morte de D. Sebastião, em Alcácer Quibir, Portugal foi anexado pela Espanha
em 1580. Portugal passava pelo período mais negro da sua História: perdera toda a
opulência e grandiosidade do início do século. Com a batalha de Alcácer Quibir perdeu
o melhor da sua juventude e dos seus militares, ficou endividado com o pagamento dos
resgates e sofreu o domínio castelhano, que o oprimiu.
Nasce então uma versão particular de messianismo, sobretudo de influência judaica, o
Sebastianismo: crê-se que toda a opressão, todo o sofrimento, toda a miséria, toda a
crise será vencida com o aparecimento de D. Sebastião (numa manhã de nevoeiro...),
que libertará Portugal dos castelhanos e da sua opressão e lhe restituirá a antiga
grandeza.
Acredita-se que D. Sebastião não morreu nem podia ter morrido. E aparecem então os
falsos 'D. Sebastião', tendo sido presos uns e mortos outros. Este sonho é sustentado e
difundido por várias pessoas e de várias maneiras, por exemplo, as Trovas do
Bandarra de Trancoso e a Mensagem de Fernando Pessoa.
Primeiro clandestinamente, depois mais à luz do dia, o movimento sebastianista
influência a revolta do Manuelinho de 1637, em Évora, e vai propiciar o 1.º de
dezembro de 1640, pelo entusiasmo posto na sua execução e pela confiança que a
todos transmite.
O Sebastianismo transforma-se num mito: em épocas de crise, aparece como uma
esperança de melhores dias, de mais justiça e de maior grandeza. O mito (como é
próprio dos mitos) foi sendo adaptado às realidades de cada momento. Em 1640, por
alturas da restauração da independência nacional, era D. João IV o 'Encoberto'.

• O mito do Quinto Império


A referência ao Quinto Império surge na Bíblia. Trata-se de uma idade mítica
profetizada pelo profeta Daniel que cumpriria um regresso ao Paraíso com a chegada
de um Império do Espírito. As interpretações feitas ao longo dos tempos
transformaram-no em mito.
Na cultura portuguesa essa aspiração messiânica fundiu-se com um sebastianismo
desenvolvido na obra de vários autores desde Padre António Vieira a António Nobre,
para ressurgir com maior interesse no contexto do início do século XX em autores
como Pascoaes ou Fernando Pessoa.
Na Mensagem, Fernando Pessoa compreende Portugal, nação eleita de Deus, como
sede do Quinto Império, enumerando os indícios, profecias e figuras que anunciam a
sua chegada, com o regresso do Encoberto. Ao criar um herói, o Encoberto, Pessoa
permite uma certa legitimação de um poder absoluto, de um chefe excecional, detentor
do privilégio esotérico, capaz de realizar o sonho do Quinto Império.
São muitas as pontes de ligação possíveis entre as duas obras. Pessoa retoma alguns
dos mitos d'Os Lusíadas na sua obra Mensagem, transformando-os em símbolos,
como é o caso de D. Sebastião e do Quinto Império.

Intertextualidade Mensagem/Os Lusíadas


• A Mensagem e Os Lusíadas
Luís de Camões e Fernando Pessoa cantam a pátria lusitana. São poetas do passado
e do futuro. Ambos mostram que estavam imbuídos duma missão mística e missionária
da História portuguesa. Os Lusíadas, com a intriga dos deuses mitológicos, dão
unidade à ação e transformam-se numa alegoria. Os deuses, seres efabulados pelo
Poeta, representam as forças e as dificuldades apresentadas ao espírito humano e
servem para mostrar que os heróis lusíadas merecem a mitificação. Na Mensagem,
Portugal é apresentado como um instrumento de Deus. A História portuguesa obedece
a um plano oculto. Os heróis são levados a cumprir um destino que os ultrapassa.
Fernando Pessoa ao escrever a Mensagem, pretendeu anunciar um Supra-Camões
(talvez ele mesmo).
Tendo em conta as duas obras, Mensagem e Os Lusíadas, é possível estabelecer-se
uma comparação:
• Os Lusíadas • Mensagem
Intenção Intenção
• Em Camões há uma intenção de • Pessoa uma intenção de
cantar o florescer do império anunciar o fim de um império e a
português. chegada de um outro.
• Camões narra um império real, • Pessoa anuncia-nos o fim de um
gravado na história, possibilitado império em desgraça e a
pela expansão para Oriente. profetização de um outro, de
Opções de escrita ordem espiritual, no qual se
• N'Os Lusíadas há uma encontra o futuro de Portugal.
valorização da narração e da Opções de escrita
descrição que contribuem para o • Na Mensagem há uma
desenrolar da ação, típica de desvalorização dos momentos
uma epopeia. narrativos e descritivos em
Plano da memória detrimento de uma dinâmica de
• Os Lusíadas englobam o símbolos, assumindo assim o
passado e uma esperança num texto uma dimensão mais
futuro excelente para Portugal. simbólica que épica.
D. Sebastião Plano da memória
• Figura de exorna-se inegável • Mensagem dá lugar ao plano da
para ambos os autores a sua esperança transfigurada pelo
extrema importância. sonho e pela utopia.
Heroísmo D. Sebastião
• Em Os Lusíadas, defende-se um • Todavia, na Mensagem, a figura
grande esforço individual. inicialmente tida como a de um
rei sonhador passa a ser aquela
que está ainda para vir numa
crença de regresso redentor.
Heroísmo
• Para Pessoa trata-se de um
esforço de grandeza espiritual.
• Intertextualidade
A relação intertextual das duas obras pode ver-se:
• no tratamento dado à figura de D. Dinis nas duas obras;
• na relação dialógica entre o poema 'O Mostrengo” e o episódio do Adamastor;
• na relação entre o episódio do Velho do Restelo e o poema 'Mar Português';
• na relação entre o episódio Máquina do Mundo e a Ilha dos Amores com o
poema 'Horizonte';
• na relação entre os versos da parte final de Os Lusíadas e o poema 'Nevoeiro';
• no facto de muitos dos mitos de Os Lusíadas serem aproveitados
na Mensagem para serem transformados em símbolos iniciáticos como é o caso
da figura de D. Sebastião, do Quinto Império e das Ilhas Afortunadas.

NOTA: Ambas as obras caminham numa linha de confluência e complementaridade,


na medida em que procuram deixar às gerações vindouras uma identidade digna e
honrosa.

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