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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

A POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO E O “MOSAICO MINEIRO”: REGIÃO,


REGIONALISMO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM MINAS GERAIS NO
ALVORECER DA REPÚBLICA (1888-1910)
MARIA ISABEL DE JESUS CHRYSOSTOMO1
HIGOR MOZART GERALDO SANTOS2

Resumo: Discutimos neste texto a relação entre imigração estrangeira e a questão regional no início
da República em Minas Gerais. Nossa preocupação é demonstrar as estratégias discursivas e o
emolduramento de regiões a partir do uso político da mão-de-obra estrangeira como um elemento
estruturador de novos territórios. Além disso, queremos indagar como determinadas cidades vão se
destacar no nascimento das “regiões do mandar” em Minas Gerais.

Palavras-chave: Região; Política imigratória; Minas Gerais.

Resumen: En este trabajo se discute la relación entre la inmigración extranjera y la cuestión regional
en el inicio de la República, en Minas Gerais. Nuestra preocupación es demostrar las estrategias
discursivas y o “encuadre de las regiones” mediante la utilización política de la mano de obra, los
trabajadores extranjeros como un elemento estructural de nuevos territorios. Además, queremos
preguntar cómo ciertas ciudades se destacan en el nacimiento de las “regiões do mandar” en Minas
Gerais.

Palabras clave: Región; Política de inmigración; Minas Gerais.

1 – Introdução
Designando parcela de território resultante de uma divisão política,
administrativa ou paisagística, a ideia de região foi manejada de forma recorrente no
contexto brasileiro, no findar do século XIX, em virtude da expressiva migração de
estrangeiros para o país. Nesse contexto, a apreensão de Minas Gerais como um
“mosaico de regiões” foi potencializada nos discursos que tanto valorizavam a
diversidade e riqueza ambiental das diferentes áreas quanto atribuíam valores
negativos a algumas delas.
A despeito da palavra “região” ter sido assumida como sinônimo daquilo que
apresenta uma unidade paisagística de uma determinada área, após o surgimento
das Assembleias provinciais (1835) este termo foi alvo de novas semantizações,
sobretudo a partir dos anos 1870. Embalados pelos “ventos republicanos”, alguns
fatores contribuíram para deslocar o significado desse vocábulo, que passou a servir
muito mais para ilustrar as potencialidades sociais e econômicas de determinadas

1
- Geógrafa, Mestre e Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Professora Associada do Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Viçosa – Minas Gerais. E-mail de contato: isachrysostomo@ufv.br
2
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista CAPES. E-mail de
contato: hmozart@gmail.com

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áreas do que necessariamente diferenças na paisagem natural. Evidenciar-se-ia,


nessa medida, um aspecto de importante efeito político: o acirramento dos conflitos
regionais devido à iminência do fim da escravidão e à anunciada crise da lavoura.
Na escala intra-regional essa disputa desencadearia, entre as elites mineiras,
um conjunto de estratégias políticas, entre as quais uma das mais significativas
resultou na forte propaganda regional. Produtores de ideologias sobre o espaço no
qual mantinham sua base política e eleitoral, os difusores dessas imagens se
notabilizariam por disseminar atributos do patrimônio histórico e geográfico de
determinadas áreas. Argumentando, via de regra, a necessidade de aumentar a
mão-de-obra “laboriosa”, estes atores se tornariam centrais na escultura de símbolos
e ícones das várias regiões mineiras.
O recrudescimento da luta entre os estados, após a Abolição dos escravos e
a Proclamação da República, percebida pelo aumento das “disputas regionais”,
colocaria os imigrantes estrangeiros no epicentro desses conflitos, sobretudo porque
estes passaram a ser representados como depositários da modernidade. Tendo em
vista que tal processo provocou vários efeitos, é de nosso interesse entender como
essa operação simbólica, que associava o imigrante ao desenvolvimento, fortaleceu
o poder de algumas cidades e regiões.
Considerando-se que o mencionado processo instaurou uma verdadeira
batalha de representação em torno do “corpo” do imigrante, nossa reflexão
investigará sumariamente os seguintes aspectos: alguns discursos que faziam
alusão às potencialidades e limites do território mineiro; o jogo de representações
espaciais via discurso regional e local e as apropriações políticas do conceito de
região que emergiram neste contexto. A nossa hipótese é a de que as regiões de
Minas Gerais no final do século XIX até 1910 foram esculpidas pelos discursos de
modernização via imigração estrangeira3.
Para realização deste artigo, dividiremos nossa exposição em duas partes: na
primeira, discutiremos como a ideia de região foi moldada pelos políticos no contexto
de afirmação política de Minas Gerais como estado imigrantista. Nosso intuito é
verificar as distintas apropriações do termo e dar visibilidade as concepções de

3
A escolha deste corte temporal teve como critério de escolha os maiores investimentos destinados à política de
imigração e colonização em Minas Gerais.

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região empregadas. Na segunda seção problematizaremos a ideia de regionalismo


em Minas Gerais e demonstraremos como os embates políticos produziram
diferentes territórios. Como material de suporte utilizaremos relatórios
governamentais, jornais, revistas e dicionários da época, assim como livros e artigos
que discutem o conceito de região.

2 – A região a partir do olhar das lideranças


A diversidade entre as regiões que compõe o estado de Minas Gerais já foi
alvo de análises de alguns estudiosos. A exemplo temos o trabalho de John Wirth
(1982) que utilizou a expressão “mosaico de zonas” para fazer referência a
pluralidade de características do território mineiro e suas implicações no
desenvolvimento socioespacial4.
Considerando a diversidade ambiental como um importante traço da geografia
de Minas Gerais, buscamos saber como os políticos, no final dos oitocentos,
apropriavam-se desse mosaico para alimentar os seus interesses. Para isso,
devemos salientar que ao mensurarem a diferenciação espacial, tais atores traziam
à baila uma visão que entrelaçava concepções de “região natural” e de “região
econômica”. Isso pode ser percebido, por exemplo, quando um texto que discutia o
imposto territorial apresentava a seguinte reflexão sobre a paisagem mineira:
O territorio mineiro é um mozaico de zonas que se differenciam uma das
outras pelo clima, pela producção, pela densidade de população, pelos
meios de viação, pelo adeantamento industrial [...] (MINAS GERAES, 1899,
p. 2, grifos nossos).

Percebemos que as lideranças, ao olharem para esse “mosaico”, deixavam


transparecer diferentes possibilidades de regionalizar o território, sendo que muitas
delas eram complementares. Se por um lado havia regiões demarcadas em função
do predomínio de certas atividades econômicas, outras eram nomeadas em virtude
da posição geográfica. Havia também regionalizações que subdividiam o estado em
três áreas: mata, montes e planalto (ou campo), levando em consideração aspectos
fisiográficos, como abaixo podemos verificar:
A da Matta, assim chamada por causas das immensas florestas que
a cobrem, dando-lhe às vezes a configuração de valles estreitos e de
planicies docemente onduladas; zona do café por excellencia, onde o sólo,

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Historicamente o autor demonstra que essa diversidade foi forjada desde o período colonial em virtude das medidas
restritivas à construção de estradas.

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sob um clima quente e humido é de estraordinaria fertilidade, prestando-se


ás mais variadas culturas. A dos montes, soberba pelos altos picos, alguns
dos quaes attingem a 1.700 metros de altura, como o de Itacolomy, sob o
qual está situado Ouro Preto, Capital, a singular cidade de ladeiras
íngremes [...]. São immensas as riquezas de seu sub-sólo; minas de ouro,
de diamantes, de esmeraldas e topazios, sem contar todos os minerais que
poderiam abastecer a todo o mundo durante muitos annos. Enfim a zona do
planalto que se estende por um bom terço do territorio e que com excepção
de poucas localidades situadas a 500 metros eleva-se a 1.000 metros sobre
o nível do mar. Esta zona, de clima excellente, é geralmente occupada por
campinas, onde é creado o afamado gado mineiro [...]" (MINAS GERAES, 8
jul. 1896, p.6).

À primeira vista, a julgar pelas denominações, a paisagem natural parece


assumir maior destaque nessa última forma de regionalizar. No entanto, apesar de
ser prevalecente, não podemos esquecer que os elementos naturais eram
visualizados quase sempre com fins econômicos. Nessa medida é que, a despeito
de a designação da Zona da Mata fazer menção aos aspectos naturais, a forma de
representar essa região servia para identificá-la como a mais produtiva de Minas
Gerais ou como a mais privilegiada em virtude de suas variadas infraestruturas.
Qualquer fosse a ótica, certo é que esses juízos contribuíram para cristalizar a
imagem de uma riqueza que era vista quase como um dom.
Se há alguma região para onde convergiam as mais decididas energias do
commercio, da indústria e da lavoura é, sem duvida, a Zona da Matta.
Esta zona, em cuja apreciação vamos entrar, dir-se-ia privilegiada: ali,
cahiram as bençams do céo; ali, dir-se-ia, o olhar creador de Deus se
deteve, e, mais longamente do que em parte alguma, a terra teve o tempo
de haurir e de absorver o reflexo magnifico d’esse olhar convertendo-o.
Concretizando-o e apropriando-o á sua existência.
Com efeito, é de maravilha em maravilha que o viajante corre esse recanto
de Minas, ao mesmo tempo tão saudoso e tão idealmente poético quanto
magnifico em sua natureza feracíssima (CAPRI, 1916, p.1).

E de que formas essas imagens de riqueza da Zona da Mata se impunham no


conjunto do território? Seriam os projetos de integração uma estratégia para afirmar
o poder dessa região frente as demais?

2.1 – Olhares ditos integradores e guerra de representações


Os discursos sobre a integração das regiões assinalam como a questão
regional se tornou importante nesse contexto. Em muitos casos essa preocupação
traduzia-se no desejo de “costurar” o território, tornando-o um corpo único e coeso.
Isso pode ser visualizado, por exemplo, quando o presidente Eduardo Ernesto da
Gama Cerqueira, no ano de 1892, dizia ser

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[..] incontestavel a necessidade da approximação das differentes


zonas do territorio mineiro, vasto, cheio de recursos de toda sorte e que
opulentariam nações, entretanto occupado por população laboriosa, mas
insufficiente, energica, mas segregada, e que, quasi estranha, se conhece
mal e por isso não encontra nessa reciprocidade diurna de interesses e
aspirações communs das populações numerosas e compactas os
constantes estimulos de iniciativa, que são a secreta emulação do
progresso por nós proprios admirado entre irmãos, aliás menos
aquinhoados da fortuna (MINAS GERAES, MENSAGEM, 1892, p.17).

Argumentando a necessidade de amalgamar as diferentes áreas, Cerqueira


assinala o isolamento da região norte para exemplificar como tal questão constituía-
se em um entrave ao desenvolvimento das Gerais. No entanto, além dessa
preocupação de viés pretensamente integrador, a insistência em avivar a
diversidade entre as regiões deixava transparecer intenções de cunho regionalista.
Isto é percebido quando os políticos chamavam atenção para a potencialidade
econômica “patrimônio geográfico” de uma dada área.
A ideia básica era afirmar que a região possuiria atributos vantajosos – clima
ameno, solos férteis – que seriam melhores aproveitados a partir da instalação de
determinadas infraestruturas. Através dessa retórica clamava-se pela instalação de
estradas de ferro, de escolas, hospedarias, entre objetos geográficos outros.
Valendo-se de adjetivos como “grande”, “riquíssima” e “povoada” para
designar algumas áreas, e “frágil”, “desintegrada” e “despovoada” para outras, o que
estava se travando com maior ênfase era a disputa para dar visibilidade a essas
regiões. No dizer do deputado estadual David Campista, tal aspecto expressava “[…]
rivalidades entre as differentes zonas de Minas, como se estabeleceram no
congresso federal entre os diversos Estados da União"(MINAS GERAES, 23. mai.
1891).
Através dessa e de outras falas, fica sugerido que ao utilizar o termo “região”
ou “zona”, os políticos sabiam tirar proveito das diferenças paisagísticas com a
finalidade de sustentar seus projetos locais. Levando-se em consideração o
imaginário político, o território e a natureza na construção de regiões (CASTRO,
2006), poderíamos dizer que as práticas regionalistas se fizeram marcantes em
Minas Gerais nesse contexto.
Portanto, as propostas para integrar as diferentes regiões engendraram uma
efetiva guerra de representações na qual quase sempre tais áreas foram

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apresentadas de forma genérica, sendo descritas como muito ricas e donas de


potencialidades inestimáveis. No entanto, certas diferenciações também poderiam
emergir, sobretudo no que diz respeito a associação de algumas áreas a vocações
econômicas singulares, como era notório o caso dos laços entre a Zona da Mata e o
café.
No item a seguir tentaremos refletir como essas querelas regionais se
manifestavam no que diz respeito à imigração.

3 – Como os imigrantes contribuíam para moldar as regiões mineiras?


Imigração e colonização, enquanto propostas políticas de desenvolvimento
econômico de Minas Gerais, assumiram papel destacado nos discursos de várias
lideranças. Tais propostas são, ao mesmo tempo, resultado e resultante do
crescimento das ferrovias. O trecho abaixo, que assinala uma emblemática fala do
presidente do estado de Minas Gerais em 1904, serve para ilustrar essa questão:
Alimento ainda a convicção firme de que o estabelecimento de
colônias agricolas é o maior fator da prosperidade do Estado; e
especialmente as regiões servidas por vias férreas precisam desse
elemento para seu maior desenvolvimento” (Relatório do Presidente do
estado de Minas Gerias, 1904).

Ou seja, o povoamento do território, a diversificação da agricultura e a


introdução de estradas de ferro seriam medidas centrais para dinamizar a economia
mineira e potencializar a riqueza das distintas regiões. Por esse motivo, enquanto
política institucional, a questão da imigração manteve-se indissociável da política de
circulação e da política fundiária durante quase todo século XIX.
Apesar de tímida em termos quantitativos, a imigração estrangeira em Minas
Gerais foi sustentada por várias e criativas “retóricas de perda”, cujos apelos são
percebidos por meio dos exagerados discursos em prol do crescimento da região e,
por extensão, do estado. Esses discursos, provenientes de diferentes áreas, eram
emanados por representantes das principais cidades que disputavam o poder.
Nesse contexto, destacamos três momentos no processo de moldura das
regiões mineiras: o da construção da capital de Minas Gerais, o da instalação das
colônias e de todos os equipamentos necessários a fixação dos imigrantes e, o mais
significativo de todos, o reordenamento do território em função da construção
paralela de ferrovias e estruturas de acolhimento, a exemplo das hospedarias.

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A luta por abrigar os imigrantes e instalar colônias agrícolas simbolizaria o


conflito em torno dos vários projetos de desenvolvimento territorial pensados para
Minas Gerais no final da Monarquia e começo da República. Uma das expressões
desse conflito se manifestou na discussão sobre a sede da nova capital. Nesse
momento, colocaram-se em disputa as localidades de Juiz de Fora, Curral d’El Rey,
Barbacena e Várzea do Marçal (imediações de São João Del Rey) e Paraúna
(imediações de Diamantina)5.
Ainda que a Comissão Construtora da Nova Capital tenha indicado Várzea
do Marçal como a melhor localidade para este empreendimento, alguns arranjos
políticos determinaram que a nova sede deveria ser no Curral Del Rey. Essa
alteração de rumos foi justificada ao se dizer que a centralidade geográfica e
amenidades ambientais desse local permitiram “costurar a colcha de retalhos” que
caracterizaria o território mineiro possibilitando a integração de todas as regiões
(JULIÃO, 2011). A escolha da nova capital daria a essa região central um novo
dinamismo econômico, que sobretudo iria se expressar a partir dos anos de 1930.
À luz das ideias modernas, Belo Horizonte foi também projetada para acolher
imigrantes estrangeiros compreendidos, pelas lideranças políticas, como baluartes
da modernidade. Estes, na proposta das lideranças, atuariam como força-de-
trabalho no processo de construção da cidade e, mais tarde, como novos
moradores. Nasceria, por isso, a preocupação em se criar uma hospedaria para
abrigar provisoriamente as primeiras levas de imigrantes e, além disso, a
necessidade de projetar áreas específicas na nova cidade e no campo para a futura
instalação de suas moradias e atividades econômicas.
Dividida em três principais zonas: a área central urbana, a área suburbana e a
área rural, a nova capital sintetizava dois entre tantos projetos em disputa para o
desenvolvimento territorial de Minas Gerais: o da modernização agrícola do estado e
o da modernização urbana/industrial6. Essa disputa de projetos, por outro lado, deu

5
Tudo isso sem falar dos interesses daqueles que desejavam a permanência da capital em Ouro
Preto.
6
Ver: AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Vastos subúrbios da nova capital: formação do espaço
urbano na primeira periferia de Belo Horizonte. 2006. 443f. Tese de Doutorado em História –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2006.

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visibilidade aos conflitos regionais, colocando em cena a figura dos imigrantes como
atores capazes de salvaguardar o progresso no campo e na cidade. Por isso, não
deixa de ser significativo o papel exercido pela colônia de Barreiros, a primeira a ser
instalada em Belo Horizonte. Esta, além de abrigar levas de imigrantes estrangeiros,
tinha como proposta impulsionar o ensino técnico-agrícola.
A disputa por ferrovias é um outro aspecto relevante a ser considerado
quando se discute a moldura das novas regiões em Minas Gerais. Primeiramente,
pelo fato das mesmas produzirem novos espaços e territórios, exercendo forte poder
de transformação nos “fluxos e fixos”. Já tratado por vasta bibliografia, evidenciamos
este aspecto para demonstrar o poder do Sul da Zona da Mata – região que desde
meados do século XIX se notabilizava em virtude do representativo plantel de café e
da mão-de-obra escravizada.
Como indica Blasenheim (1996), os políticos e fazendeiros mineiros
concordavam que seria necessário estimular a exportação da rubiácea matense,
pois além de fortalecer a economia do estado, possibilitaria investimento em novas
vias férreas. Nessa medida, mesmo sofrendo oposição da região central, a Zona da
Mata, que representava apenas 5% da superfície do total do estado, irá abrigar, em
1884, quase 60% da rede ferroviária existente.
Analisando esse mesmo contexto, Soares (2009) dedica-se a compreender o
papel polarizador exercido pela cidade de Juiz de Fora na construção da região
propiciada pela densificação da rede urbana. A autora revela que em função da
economia do café ocorre uma mudança no padrão de urbanização influenciado pelo
forte poder concentrador dessa cidade – a mais destacada em termos econômicos e
populacionais. No entanto, a despeito da dependência dos vários pequenos núcleos
a Juiz Fora, ela assinala que os centros de tamanho intermediário também exerciam
importante papel. Isso contribuiu não apenas para amenizar o comando ultra
concentrador da cidade na região da Mata, como para colocar em destaque outros
centros como o de Leopoldina, Ubá e Ponte Nova.
Nessa perspectiva, um dos aspectos que ficou demarcado nesse jogo de
poder no interior da Zona da Mata foi o permanente reajustamento espacial em
decorrência da economia do café, da cana-de-açúcar e demais atividades. Ressalta-
se que a região da Mata foi a que mais implantou núcleos de colonização,

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evidenciando-se a clássica questão, discutida por Diegues Júnior, entre a imigração


e sua relação com a urbanização7.
Relevante destacar que nesse movimento de disputa pelo poder regional, a
mão de obra imigrante foi conclamada para potencializar as economias locais.
Nessa medida, queremos discutir como a presença dos imigrantes contribuiu para
mudar as relações de centralidade dos lugares e o acirramento dos jogos de poder.
Isso porque a instalação dos imigrantes redundou na produção de novos artefatos
espaciais com o fim de promover a circulação dos homens, produtos, ideias e
ordens. Podemos dizer que o processo imigratório redefiniu o papel da rede urbana,
engendrando a produção de um novo espaço regional. Este foi redesenhado pelo
novo traçado das linhas férreas, estações de trem, novas divisões de terras e
instalação de hospedarias.
Quanto às hospedarias podemos dizer que eram consideradas, pelos
diferentes atores, como instrumentos que capitalizavam o território, transformando o
valor material e simbólico das áreas. Via de regra, tais acomodações se instalavam
paralelas às linhas férreas, o que possibilitava maior eficácia no transporte do
imigrante ao seu local de destino. Como a edificação das hospedarias deveria ser
aprovada no parlamento mineiro, esse “objeto geográfico” passou a ser alvo de
disputa permanente. Eis abaixo um exemplo desse conflito envolvendo duas
regiões, a denominada Oeste, polarizada por São João Del Rey, e a região da Zona
da Mata que, tal qual mencionamos, tinha Juiz de Fora como cidade motriz.
Espalhou-se ha pouco pela imprensa o boato de que ia se
estabelecer nesta cidade uma hospedaria de imigrantes filial à Juiz de Fora.
Como era natural nenhum protesto se levantou contra a idéa, ainda
em consta, mas cuja realização, consultando muitas conveniências e
prometendo grandes resultados, é da mais alta importância e urgência.
Ha pouco dias, porém, o nosso ilustrado colega d’O Pharol
entendeu que corria-lhe o dever de mostrar que o projecto era de nenhuma
vantagem para immigração e até pelo contrario, era prejudicial, porque
acarretava grandes despesas.
[…]
Não precisamos para defender a nossa causa, buscar taes
argumentos e nem tão pouco queremos attrahir para aqui a colonisação em
detrimento dessa importante fracção da provincia, mas desejamos
convencer ao ilustrado collega de que se formos a distender as conclusões,
chegaremos a isto: que esta como muitas outras cidades do centro estão

7
Válido lembrar que entre 1889 a 1930 foram instalados vinte nove núcleos, sendo a maioria situados na Zona da Mata
e Sul de Minas (MONTEIRO, 1973).

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mais nas condições de ter agencias de immigração do que as da matta,


além de outras razões, porque estão mais distantes da côrte e no seio de
uma lavoura que o colono pode sempre preferir (A VERDADE POLÍTICA, S.
o
João Del Rey, 1 . nov. 1888, p.1).

O que vemos escrito no jornal “A Verdade Política” ilustra a maneira pela qual
os imigrantes passaram a ser concorridos pelas lideranças locais da própria Zona da
Mata e, também, por outras regiões. A matéria, como outras, exemplifica a
insatisfação pela concentração desse serviço em Juiz de Fora. Não por acaso, a
existência de apenas uma hospedaria situada na cidade em questão foi um dos
principais motivos de queixas das outras localidades e alvo de intensos conflitos no
parlamento mineiro. Exemplo disso pode ser visualizado no relato abaixo:
A pratica vae demonstrando que a derrama de imigrantes pela
provincia, unicamente pela hospedaria de Juiz de Fora, traz difficuldades e
despezas ao fazendeiro, de modo a entibiar-lhe o animo, na acquisição
desses auxiliares.
Aquella hospedaria, que póde bem servir á zona da Matta, não está
collocada nas mesmas condições favoraveis em relação à zona do campo e
ás regiões do sul, norte e oeste de Minas (ARAUTO DE MINAS, S. João Del
Rey, 17.nov. 1888, p.1).

Por isso, como nos lembra Monteiro (1973), a municipalização desse serviço
criando outros centros de atração imigratória, constituiu-se em uma nova estratégia
do governo para compatibilizar os diferentes interesses locais. A proposta seria tanto
distribuir os imigrantes de forma mais igualitária por todas as zonas produtivas do
território como possibilitar a diversificação da economia. A fração abaixo, retirada
ainda no Jornal “A verdade Política” de São João del Rey expressa essa questão:
(...) Somos, portanto, a favor dos agentes, da publicidade, mas
sobretudo das agencias n’esta cidade como em todas as outras do centro.
[…]
Sobre isso há a considerarem-se as conveniências do próprio
colono, que quando mais afastado da matta menos rigor encontra no clima
e mais similitude com o de sua pátria.
A nossa cidade, por exemplo, se não entra em paralelo com as da
matta quanto a lavoura sobrepuja-se na amenidade do clima e os terrenos
de seu município adaptando-se a qualquer agricultura proprorcionam ao
colono facilidade de subsitencia e meios de continuar aquellas a que já está
habituado
A vinha, o trigo e quasi todos os produtos agrícolas dão nas zonas
do campo com admirável desenvolvimento, o que não sucede na matta,
onde o café é quasi a lavora exclusiva” (A VERDADE POLÍTICA, S. João
o
d’El-Rey, 1 . nov. 1888, p.1).

Mapas contendo os núcleos coloniais, ferrovias, hospedarias, os distritos de


imigração e demais equipamentos urbanos, demonstrariam a maneira como a figura

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do imigrante foi acionada para moldar as regiões de Minas Gerais em diferentes


contextos. Sua presença contribuiu para conferir uma nova centralidade aos lugares
e transformar política e economicamente o papel exercido por algumas cidades e
regiões.
A moldura dessas novas áreas foi um processo complexo e dinâmico, pois
manter o status de espaço central implicou em uma permanente negociação junto ao
Parlamento Mineiro. Tornar-se região no contexto republicano exigiu, portanto, o
acionamento do imigrante estrangeiro que se transformou em mais um ingrediente
na proposta de integração do território.

4 – Considerações Finais
As propostas de imigração estrangeira, no período analisado, abriram-nos
possibilidades para desvendar as singularidades do conflituoso processo de
organização do território e de criação de uma região – entendida aqui como um
recorte forjado e moldado pelos homens de poder, a partir das relações de
dependência ambiental, comercial, jurídica e política de uma dada cidade.
Como pressuposto assumimos que as políticas imigratórias implicaram em
um amplo debate sobre as formas de constituição de um poder gerador, por
excelência, de contra-poderes. Consideramos ainda que a iniciativa de identificar
uma cidade como “cidade de imigrantes”, é fruto da manipulação discursiva dos
chamados recursos naturais e da construção da ideia de vocação regional.
Nessa medida, o uso da palavra região e suas apropriações, contemplava,
sobretudo, os elementos de uma área que eram passíveis de serem utilizados para
a produção da riqueza. Exemplo disso pode ser visualizado através da associação
da Zona da Mata, via de regra, às lavouras cafeeiras e das demais regiões à
diversificação agrícola. Ou seja, as regiões que em termos econômicos possuíam
um papel marginal, eram representadas especialmente como áreas que
apresentariam um enorme potencial para contribuir com a soma geral da riqueza do
estado. Tratar-se-ia de regiões do devir, acalantadas por uma natureza ainda não
aproveitada. Em ambos os casos, o regionalismo, enquanto discurso apoiado na
natureza, foi sobremaneira acionado pelos líderes políticos para a realização de
seus interesses.

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Como nossas últimas palavras, baseamo-nos em Foucault (2008) ao


assinalar que a construção dessas regiões resulta de projetos para ampliar a
capitalidade de algumas cidades. Considera-se, nessa linha, que as cidades moldam
as regiões.

5- Fontes Primárias
ARAUTO DE MINAS (1888).
A VERDADE POLÍTICA. São João Del-Rei (1888).
CAPRI, Roberto. Minas e seus municípios. Bello Horizonte, Zona da Matta, 1916.
MINAS GERAES. Ouro Preto, Minas Gerais (1890-1899).
Mensagens dos Presidentes do Estado de Minas Geraes (1890-1899).
O ESTADO DE MINAS GERAES. Ouro Preto, Minas Gerais (1890-1899).

6 – Referências
BLASENHEIM, Peter L. As ferrovias de Minas Gerais no século
dezenove. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v.2, n.2, 1916. S. Paulo: Pochi
Weiss & Comp.
CASTRO, Iná Elias de. Do imaginário tropical à política: a resposta da geografia
brasileira à história da maldição. Scripta Nova, Barcelona, v.X, N. 218 (11), 2006.
Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-218-11.htm>. Acesso em: 26. fev.
2014.
FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. Curso no Collège de
France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
JULIÃO, Letícia. Sensibilidades e representações urbanas na transferência da
Capital de Minas Gerais. In: Dossiê: Capitais sonhadas, capitais abandonadas,
História (São Paulo) v.30, n.1, p.114-147, jan/jun 2011
MONTEIRO, Norma Góes. Imigração e Colonização em Minas: 1889-1930. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.
SOARES, Josarlete Magalhães. Das Minas às Gerais: um estudo sobre as origens
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Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
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WIRTH, John. O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira, 1889-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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