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os © EDIPUCRS V edigo: 2009 Preparagado dos originais: Eurico Saldanha de Lemos Revisdio: da Coordemadora Capa: Samir Machalo Eduoracdo ¢ composi¢éo: Suliani Editografia Ltda Impressao ¢ acabamento: Grafica EPECE Texto publicado em 2003 em espanol pela Editora CCS Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagin (CIP) se perpetua a familia’: a transmissio dos modelos fami ares / coordenadora Adriana Wagner. — Porta Alegre EDIPUCRS, 2005. 166 p. ISBN: 85-7430-519-7 1, Relagdes Familiares. 2. Familia - Psicologia. 3. Pais ¢ Filhos. 4. Psicologia Aplicada, 1. Wayner, Aclriana CDD 158.2 Ficha Catalogratica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da BC-PUCRS. Proi ida a reprodugdo total ou parcial desta obra sem autorizagao expressa da Editora fi diossinerane # (anerre pessocd de Ser Senhr = reap > Propensc a7 160055 weer Res EDIPUCRS Ay. Ipiranga, 6681 ~ Prédio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 — Porto Alegre ~ RS Brasil Fonelfax: (51) 3320 3523 www. pucrs.br/edipucrs/ s@puers.br ! E-mail: edipu aN Digitalizado com CamScanner A dinamica familiar eo fendmeno da transgeracionalidade: definigao de conceitos Denise Falcke Adriana Wagner Ezncontamos referencias da forga da familia em sua perptuagio mediante a transmissio de seus legados de geragio a-yeragao-nas culturas mais diversas. Esse fendmeno de transmissio transgeracio- nal, conslituido desde uma perspectiva histérica; nao-s6 daidenti dade a familia, como também, explica o significado das idiossinera- sias e transagdes que caracterizam o funcionamento familiar. das tihiima geragao. Entender esse fendmeno ¢ as diferentes formas de sua expres- so; toma-se, entao, fundamental para a compreensio da dinamica familiar. Partindo da definigao atribuida aos processos de transmissao’ que ocorrem entre as gerayes-sucessivas de uma familia, encontra- mos registros na literatura de trés termos que sio comumente utiliza- dos de forma indiscriminada:-transgeracionalidade, intergeracionali= dade.e multigeracionalidade. Analisando o significado de cada um desses trés termos (Ferreira, 1986), verifica-se que o prefixo Hans (através) resgata os componentes que perpassam a historia familiar ¢ se mantém presentes a0 longo das geragdes» O prefixo interstraz. a nocdo de reciprocidade-(posigdo-intermedidria, entre) que sugere, principalmente, a passagem-de-uma-geragio a outra, em detrimento da idéia de permanéneta de tars processos no cotidiano das sucessivas A nica aia eo fenimann da tanecwrarinabvs drei co rmeine 96 Digitalizado com CamScanner geragdes da familia, Mud: (muito; numeroso), por sua vez, implica oasicamente cm quantidade ¢, desse modo, enfatiza 0 envalvimento je mais de uma geragao, sem privilegiar os fatores que fazem a liga- o entre elas. Além disso, nessas definigdes, encontra lerepetigao, reedigdo ereprise de determinados processos familiares, om diferentes nuances. Tendo em vista tais terminologias ¢ com 0 bictivo de chegar a uma compreensio mais complexa’de tal end- reno, optamos, neste capitulo, por utilizar o termo transgeracionali- de como aquele representativo dos processos que sio transmitidos ela familia de uma geragio a outra ¢ se mantém presentes ao longo historia familiar. Desde esta perspectiva, 0 processo de transmissao transgeracio= 1 bascia-se no pressuposto de que todo-o-individuo-se-insere-em= a historia preexistente, da qual cle ¢ herdeiro e prisionciro (Andr ustier ¢ Aubertel, 1998). Isso ocorre porque a identidade do. indivi- duo se constitui a partir desse Iegado familiar-que, por sua vez, define lugar que ele passa-a assumir na familia Partimos, entio, da idéia de que, em todas-as familias, ocorre-a Bipsmissio de_padrdes de-uma geracio para a outra (Boszormenyi- gy ¢ Spark, 1973; Bowen, 1978; Harvey e Bray, 1991), e que a fluéncia desses transmissores familiares no individuo independe da tteragao dele com a sua familia (Williamson, 1982). = ‘As relagdcs estabelecidas com a familia na qual se nasce so as Thais importantes da vida ¢ vdo representar a base do comportamento MB ituro. tlustrando tal idéia, Groisman (2000) assinala que: “o hoje & 0 BBBontem com outro cenario, outra roupagem, outros personagens, s6 ue a esséncia é a mesma” (p. 33). Neste sentido, o autor postua que desde a infancia, as experiéncias vividas com as figuras significativas BE mundo familiar vio sendo gravadus no individuo. Essas experién- ias, que envolvem a cultura, a moral c os valores das geragdes ante- "SS. 0 influenciando, sem que o sujcito pereeba, as suas decisdes a as suas escolhas afetivas, scxuais ¢ profissionais, entre outras. Figu- rativamente, ¢ como se todas as pessoas tivessem vozes familiares Jgravadas no seu interior. No entanto, a diferenga de uma pessoa para Outra seria a quantidade, a intensidade ¢ 0 grau de compreensio, ou talvez possamos dizer, 0 volume dessas vozes, que daria a dimensi da influéncia na vida do sujcito. -s¢ claramente a idgiar Digitalizado com CamScanner Fem gerapdes sueessivas de uma fii, & comm a atebyi Gio precoce de mandatos aos seus membros. Por exempla, frente g céin-nascido, podem ser dias frases lai como: “Ele vai sep uum campedo” ou "Sera um lutador como 0 pai”. A importincia Familiar desta atribuigdio é que 1 determinar 0 poder e 6 quanto esse mandato passard a fazer parte do modo de viver do sujeito ‘A frustragao da expectativa familiar, na recusa de cumprir deter. minado pape! ou fungao, gera sentimentos de abandono e solidio, 0 individuo vive tal experiéncia como um fracasso c defronta-s¢ com sentimentos de culpa € sofrimento que tal desobediéncia, freqiientemente, provoca em termos pessoais ¢ familiares Em fungao disto, ndo_sdo raros 0s acontecimentos de uma v geragao serem o reflexo dos acontecimentos da yeragao anterior (Breulin, Schwarte © Mae Kune-Kamcer,2000). importante sa. ©”, »” pape) ee Ticntar que a tentativa de rejcicio do_padrdo familiar de origems ¢ cm muitos casos, se da pela busca do modelo oposio, Assim seria? como se encontrar com o outro lado da mesma mocda ¢, inevita- oy Y velmenic, 0 sujeito passa a softer conseqiiéncias semelhantes 0” 6° yp Aguelas do padrao vivenciado na familia de origer. Partindo desta premissa, a desejada liberdade, comumente definida como a capacidade de agir de acordo com a propria von- tade, sem sentimento de culpa, apresenta-se aprisionada as rela- des familiares, devido 4 poténcia e a cficicia dos processos de transmissio transgeracional. Costa (2000, p. 102) utiiza-se de ve uma metélora clucidativa desse fenémeno ao referir: “ainda que 0 oe” ° individuo se considere livre, encontra-se subordinado a uma ver- yi dadeira assembléia de edad, em permanente atividade em seu yt Fa : mundo interno, fornecendo-Ihe pareceres favoriveis ou desfavo- as rivels", Fsta assembléia & composta por pais, irmios, avis Ou gf tros membros significativos da familia de origem que interferem em seus alos, de forma a apoié-los ou condené-los Podemos dizer que existe um “idioma” dentro de cada grupo familiar que estabelece a comunicagdo intergeracional ¢ € por meio dele que as dificuldades e anseios dos pais sio transmitidos aos scus filhos (Costa, 2000). Entretanto, apesar da evidéncia do quanto as experiéncias na familia de origem se fazem presentes M4 ee A ii 7 A dada mae olanmen da taneguacria eo ce ccs 2 Digitalizado com CamScanner vida do individuo, sio relativamente poucas as pessoas conscien- tes de como tais eventos, continuamente, influenciam ¢ controlam seus comportamentos. Metaforicamente, Groisman (2000) utiliza a imagem de uma cruz para mostrar a interagdo entre as experiéncias passadas ¢ as atuais. Na cruz, a haste vertical representa o que foi vivido ¢ transmitido pelos antecedentes - tabus, segredos, lealdades, valo- res, crengas €, principalmente, a histéria vivenciada © comparti- Thada. A haste horizontal, por sua ve: representa a historia que esti sendo construid lanto nas relacdes profissionais, sociais ¢ amorosas, como na familia que 0 sujcito constitui. Neste caso, a intercessio entre as haste: ¢ inevitével ao longo de nossa histéria eo encontro dessas experiéncias tem reflexos em inumeras area de nossas vidas ¢ de nossos descendentes. O impacto das questdes transgeracionais ocorre, prioritaria- mente, em pontos especificos do percurso familiar ao longo do tempo. Assim, exisiem momentos do ciclo cvolutivo vital, nos quais 0 sujcito se depara mais concretamente com as questies da sua familia de origem. eS Momentos, normalmente, sc relacio- nam a periodos de crises, nos quais hi um acimulo de estresse no niicleo familiar, que podem levar a uma estagnagio ou, por outro lado, serem impulsionadores de mudangas evolutivas, Muitas transigdes familiares que geram crises incluem uma combinagdo de estresse cumulativo ¢ de cvolucio (Joselevich, 1988). Eo que acontece, por exemplo, nos momentos cruciais do ciclo evolutivo vital familiar. Um periodo de evolugio familiar que € desejado ¢ planejado cuidadosamente, tal como 0 casamento de um filho, por exemplo, é 0 que se poderia chamar de uma crise previsivel, em vista de que se mantém intactos certos paradigmas que incluem regras, crengas ¢ valores familiares. Entretanto, além dessas crises previsiveis, a familia também enfrenta crises impre- visiveis, que podem ocorter tanto dentro da familia como fora dela, como por exemplo, a perda de status econdmico familiar Nesses casos, quando uma crise imprevisivel ocorre em um perio- do de crise previsivel, a familia fica submetida a um estresse cumulativo que pode gerar um longo periodo de desequilibrio 28 Denise Falcke e Adriana Wagner Digitalizado com CamScanner Na vistio de Carter ¢ McGoldrick (1995), as crises, tanto pre- visiveis como imprevisiveis, sao consideradas como estressores horizontais. A ansiedade provenicnte desses estressores produzida conforme a familia lida com as mudangas ¢ as transigdes do seu ciclo cvolutivo vital. Os estressores verlicais, por sua vez, incluem padres de re- lacionamento ¢ funcionamento que so transmitidos de geragéo a geragio. Si0 compostos pelo conjunto de atitudes, tabus, padrées, mitos (Ferreira, 1963; Andolfi ¢ Angelo, 1989), segredos (Imber- Black, 1994; Carpenter c Treacher, 1993), erengas (Dallos, 1996), valores (Cerveny ¢ Berthoud, 1997), rituais (Imber-Black, Roberts ¢ Whiting, 1991; Bennett, Wolin ¢ Meavity, 1988), legados (Stcinglass ct al., 1989) ¢ lealdades familiares (Boszormenyi- Nagy ¢ Spark, 1973). Esses fatores sio considerados como uma forga “invisivel” que maneja as pessoas. A fundamental importincia desses fenémenos no processo de perpetuagao da identidade familiar requer uma comprecnsio mais minuciosa da definigo que € dada a cada um deles pela lite- ratura especializada na area Lealdades © conceito de lealdade & fundamental para compreender a estrutura relacional mais profunda das familias e de outros grupos sociais. Ela pode ser definida em termos moral, politica e psicolé- gica. Em suas miiltiplas formas de expressiio, a lealdade “institui uma(forga saudavel ou nio,)que cria vinculos de conexio entre gerag es pada € Taras numa familia” (Paccola, 1994, p. 31). A lealdade marca o pertencimento a um grupo aparece, as- sim, tanto como uma caracteristica grupal, como também, sob forma de uma altitude individual. Na familia, bem como em outros grupos, a lealdade mais fundamental tem por objetivo a sobrevi- vencia do proprio grupo (Miermont, 1994). O grau de lealdade dependera da posigo de cada individuo dentro do scu universo, o que se deve ao papel que The & delegado transgeracionalmente pela sua familia, Para ser um membro teal a ‘A dinamvca lamiiar ¢ 0 endmeno da transgeracionalidade: definipfo de conceilos © 29 ‘ | Digitalizado com CamScanner Na visio de Carter e McGoldrick (1995), as crises, tanto pre- visiveis como imprevisiveis, sio consideradas como estressores horizontais. A ansiedade proveniente desses estressores ¢ produzida conforme a familia lida com as mudangas as transigées do seu ciclo evolutivo vital. 0s estressores verticais, por stia vez, incluem padres de re- lacionamento ¢ funcionamento que sio transmitidos de geragio a geracio, Sao compostos pelo conjunto de atitudes, tabus, padrdes, mitos (Ferreira, 1963; Andolfi ¢ Angelo, 1989), segredos (Imber- Black, 1994; Carpenter ¢ Treacher, 1993), crengas (Dallos, 1996), valores (Cerveny ¢ Berthoud, 1997), rituais (Imber-Black, Roberts, ¢ Whiting, 1991; Bennet, Wolin © Mcavity, 1988), legados (Stcinglass et al, 1989) ¢ lealdades familiares (Boszormenyi- Nagy ¢ Spark, 1973). Esses fatores so considerados como uma forga “invisivel” que mangja as pessoas. A fundamental importincia desses fendmenos no proceso de perpetuagdo da identidade familiar requer uma compreensio mais minuciosa da delinigdo que ¢ dada a cada um deles pela lite- ratura especializada na area. Lealdades O conceito de lealdade ¢ fundamental para compreender a estrutura relacional mais profunda das familias e de outros grupos sociais. Ela pode ser definida em termos moral, politica e psicol6- gica, Em suas miltiplas formas de expressio, a lealdade “institu uma(forga saudivel ow ndo.)que cria vineulos de conexio entre soles paca ¢ MUTI familia” (Paccola, 1994, p. 31). A lealdade marca o pertencimento a um grupo e aparece, as- sim, tanto como uma caracteristica grupal, como também, sob forma de uma atitude individual, Na familia, bem como em outros grupos, a lealdade mais fundamental tem por objetivo a sobrevi- véncia do proprio grupo (Miermont, 1994), 0 grau de lealdade dependerd da posigdo de cada individao dentro do scu universo, 0 que se deve ao papel que Ihe é delegado (ransgeracionalmente pela sua familia. Para ser um membro teal a ‘Adinémica familar eo endmeno da ransgeracionalidade: defnigéo de conceitos 29) EEE TE Digitalizado com CamScanner um grupo, o individuo deve interiorizar as expectativas grupais ¢ assumir uma séri¢ de altitudes a fim de cumprir os seus mandatos (Boszormenyi-Nagy ¢ Spark, 1973). Assim, 0 componente de obrigagio ética na lealdade esta vinculado, primeiramente, a0 sentido de dever ¢ de justi¢a compartilhado pelos membros com- prometidos com essa lealdade. A incapacidade de cumprir tis obrigagdes gera sentimentos de culpa € estes, entdo, passam a se constituir numa forga secundaria de regulacdo do sistema A constituigio da Iealdade é determinada pela historia do grupo familiar, pelo tipo de justiga que pratica ¢ por scus milos: Desse modo, a natureza das obrigagdes de cada um dos membros do grupo dependera da sua disposi¢i0 emocional ¢ da sua posigio no chamado “livro-caixa” da familia, em que esta a contabilidade do que cada um pode receber ¢ do que deve dar (Boszormenyi- Nagy ¢ Spark, 1973; Miermont, 1994) Além disso, as lealdades mostram-se estreitamente inter- relacionadas tanto com a configuracd0 como com a estruturagao da familia, criando lagos entre as geragdes. Neste sentido, obser- va-se, por exemplo, que 0 sintoma de um filho pode servir para evitar uma mudanga vivida como perigosa pelos pais. Pode-se, entio, definir a Iealdade como uma forga que torna o sujcito um membro efetivo do grupo e, a0 mesmo tempo, Ihe exige, em troca, © compromisso de obedecer as regras do sistema e cumprir os mandatos que Ihe sio delegados, mesmo que nio sejam conscien- tes. j Sendo assim, os compromissos:de-lealdade sio como fibras __ invisiveis, mas muito resistentes, que mantém unidos fragmentos complexos de conduta relacional, tanto nas familias como na so- ciedade em conjunto (Boszormenyi-Nagy ¢ Spark, 1973). Nesta perspectiva, torna-se imprescindivel compreender os Antigos vinculos de lealdade frente a familia de origem. S6 assim, € possivel buscar o equilibrio entre a autonomia individual ¢ as Contas multigeracionais de Iealdade familiar. 30 denise Fatekee Adina Wagner 7 [MitIEeeneees Digitalizado com CamScanner Valores Os valores familiares comumente sio definides como sinénimo as familiares. Cerveny e Berthoud (1997), entretanto, dio uma definigao mais abrangente, indicando que os valores familiares so aspectos da vidi ~ individual ¢ coleliva - transmitidos, implicita ou explictamente, entre os componentes do sistema. Neles esto inseridos sepredos, tabus, mitos ¢ crengas, rituais © ceriménias realizadas pela familia, que correspondem a xlcalogia do sistema familar. De forma geral, os valores familiares perpassam temas que his- toricamente tém sido cunsiderados como relevantes para as familias cou que vém sendo incomporads devido aos avangos sociais. Man- tém-se, por exemplo. a tradigio do casamento, mas ampliam-se as xigéncias relacionadas ao estudo, devido a uma necessidade atual de ‘maior competitividude profissional, Neste sentido, o conceit de valor ¢ utilizado para indicar os _aspectos: que a amilia: ou yrapo:social se preocupam em transmitiP aos seus descendentes, Crengas O conceito de renga tem sido delinido a partir de aspectos re- ligiosos, morais, cognitivos e pessoais (Dallos, 1996). Neste concei- 10, esti inserida uma série de interpretagdes premissas com relago quilo que se considera como certo. Além disso, © que alicetgaca: crenga-¢-um-componente-emotivo-acerca, do. que deve'ser-certo. Por exemplo, & possivel que em uma familia cxista a crenga de que “somos uma familia unida”, Essa erenga contém a premissa de que tal alirmagio ¢ certa ¢ também esta implicito 0 quanto se considera desejavel que seja assim. Desafid-la ocasionard uma reagdo de defesa pelos demais membros da familia Observamos que, apesar de nem sempre os membros de uma mesma familia concordarem, eles possuem um conjunto de crengas acerca do que vale a pena estar ou nao de acordo. Assim, a conscién- cia do ipo de crenga existente no niicleo familiar favorece as rela- ges de poder que podem surgir em tomo desta, pois assumir deter- minadas crengas familiares fica sendo to significative quanto con- (estd-las, De uma forma ou de outra, a crenga define a identidade familiar, ‘Acinica familia eo fndmeno da ansgeraconalidade: delnigé de conceées 31 Digitalizado com CamScanner » » Nesta perspectiva, Steinglass et al. (1989) constatam que a identidade da familia esta baseada em uma estrutura cognoscitiva subjacentes isto é, uma série de crengas, de atitudes ¢ de atribur- gdes fundamentais que a familia compartilha a respeito de si mesma. Como tal, a identidade familiar ¢ um fendmeno psicoldgi- co grupal que tem como base um sistema de crengas compartilha- da relagdes ¢ de valores que governam (regulam) a interagdo nas familias ¢ grupos E neste ponto que ocorre a aproximacao do conceito de cren- ga com a defini¢ao de outros constructos transgeracionais. O sis- tema de crengas compartilhadas tem recebido muitas denomina- gacs, de acordo com diferentes autores, tais como temas de fami- S. regras da familia e mitos familiares. Encontram-se também s. Sistema este que inclui questées a respcito de fungdes, de descritos com crengas familiares muitos aspectos relacionados aos conceitos de valores ¢ de padrées da familia. Como se pode observar, entretanto, o conceito de crenga re- fere-se a um conjunto de pressupostos que a familia define em telago ao que ¢ cerlo ou crrado ¢, com isso, ao que deve ser se- guido ou nao pelos seus componentes. Mitos Popularmente, 0 termo- me € utilizado para se referir a his- térias fabulosas ou herdicas. comum relacionar-se a aspectog inacreditaveis, fantasiosos e irreais, como sendo 0 oposto a0 pen. samento légico ¢ racional. BD “Todevia,o mito, em sentido amplo, é um sistema explicative WD dos mais diferentes fendmenos da vida. Ele busca fornecer exp; cagdes para temas relativos, desde a origem do mundo, do fone : ¢ da familia, até as transigGes do ciclo de vida familiar one nascimento, 0 casamento ¢ a morte (Miermont, 1994), : No ambito da Terapiasde-Familia, Ferreira (1963 miliarsque Se originam-em-pensamentos.defensivas.e 18m. a. fnalidade 4 ede garantir-a-coesao interna’e protegao externa.da-familia [oe enise Falcke e Adriana Wagner 2 " ) foi © pri meiro a utilizar 0 termo mito-familiar: Ele propss este conor, com 0 objetivo de definir algumas atitudes:do-zrupo. fa Cettom ee y Digitalizado com CamScanner Levando em conta a origem-dos mitos em pensamentos de- fensivos do grupo familiar, verifica-se que eles servem para es- curecer ou negar uma realidade penosa ¢ complexa, cuja aceitagio pela familia seria muito dolorosa (Rios Gonzalez, 1994). Podemos considerar, ainda, que 0 mito*indica’ um segredo, uma crenga-inconsciente ou uma atitude-que-se-perpetua na de- lerminago de condutas ¢ respostas desse sistema, através de uma ampla accilagdo pelas yeragdes sucessivas de uma familia ou gru: po social (Pincus e Dare, 1981). O mitoxésentio, um elemento organizador, um totem, baseado em um conjunto de erengas acerca das supostas qualidades do gru- po,uma espécie de saga, desenvolvida conforme os aspectos do grupo nos quais seus membros investem.ou deixam de investir: (Neuburger, 1999). A partir dessas crencas, sio-estabelecidas regras de-comportamento que guiam o tipo de retagdes que os membros da familia devem estabelecer entte si ¢, igualmente, o tipo de relagdo i que se espera que cada um estabeleca com o mundo exterior. Andolfi ¢ Angelo (1989), tentando definir-o rau de realismo dos mitos, afirmam que cles colocam-se em “uma area intermedia- ria onde a realidade ¢ a estéria se-mesclam a fantasia. para.criar, novas situagdes'em que os clementos originais sio utilizados e-co- nectados arbitrariamente entre si"’ (p. 77). Assim, no-mito:coexis- wl 2 tem elementos que favorecemya construgo de uma realidade que visa suprir necessidades albtivas. A riagio de um sentido qualquer ) “S ee oe, para acontecimento{ambiguos.e casuais tomna-os menos: ameacado- | res do que nio ser possivel atribuir nenhum significado a eles. ee sf af 0 mito.seoriginae-evoli, assim, sobre. vazios, taouss- opr cassez de dads e explicagdes plausiveis (Andoli, Angelo, 1989). 8? ot Além disso, sio.os.padrdes rigidos.de.comunicagio que mais. fa- we fc vorecem.a construgio: de mitos familiares (Prado, 1996). Os mis ¥ tos, entdo, sio construgdes que vio se estabelecendo como verda: des 20 longo do tempo, visando preencher necessidades da familia possuindo um poder muito grande sobre seus membros, podendo até determinar seu destino. Como condutores dus historias fami- liares, os mitos, metaforicamente, deixam claro que tipos de.com= pportamentos. so esperados. dos. membros: familiares, quais-sio accitaveis ¢ quais sio proibidos, tabus. A Grea amare o lermeno de tansyeracnalade: delice conceios 33 Digitalizado com CamScanner wwwwe wr ee ee ~~~ - Para ficar clara esta idéia, podemos pensarna.infidelidade con jugal, como um tema=favorecedor a0 desenvolvimento de mitoses Pittman (1994) identifica uma séric de mitos relacionados avinfideli- dade, que acabam por dar as diretrizcs do que*¢-esperado-no relacio-, namento-conjugal. Por cxemplo, se-para-um-casal- “uma relagio- ex traconjugal-destréi-o- matrimonio® fica evidente o»quanto-se-espera queelandorocorra. Por outro lado, um casal pode aderir ao mitorde que “todas-as-pessoas’siovinfidis” ou de que “os-relacionamentos extraconjugais-podem-fazer bemrevivendo un-casamento monéto- »no”. Nestes casos, a infidelidade fica sendo aceitavelsna vida conju- gal. E neste sentido que os mitos-acabam por determinar quais-com- portamentos'sao accitaveis ou nde-nos rclacionamentos familiares. Outro aspecto importante na construcao ¢ desenvolvimento dos mitos é a constatagao de que cles podem ser-iniciades por um unico membro-da-familia*(Pincus ¢ Dare, 1981). No entanto, assim como tudo que acontece na familia, cles:ndo permanecem como proprieda- de-de-um-sé individuo: Os demais'membros da familia iniciam um processo.de-resposta que vai fortalecer-ou enfraqueccr.os efeitos dos mitos Sendo assim, os mitos dizem respeito a todos os membros do} sistema familiar, 0 que no permite a sua contestago por nenhum| destes, apesar de, muitas vezes, cles conterem claras distorgdes di realidade (Pincus e Dare, 1981; Andolfi ¢ Angelo, 1989; Miermont, 1994). Entretanto, Rios Gonzalez (1994) afirma que, apesar de pare- cer-algo irracional-¢ irreal, quando visto de fora, 0S mitos familiares s&o parte integrante da realidade familiar. O mito serve, assim, como um organizadoreque cumpre uma fungao-homeostatica. Por isso, quanto‘maior-for o sofrimento, a crise: a ameaga-d-familia, mais.o grupo se apegara ao mito; j4 que ele funciona como o sistema de explicacao operante (Miermont, 1994). No entanto, Andolfi e Angelo (1989) consideram que, se a finalidade do mito fosse apenas-homeostatica, naovhaveria evolugio, mas uma repetigo estereotipada dos mesmos problemas relacionais de forma transgeracional. Eles assinalam que, na-realidade, ocorrem mudangas Na trama mitica, no decorrer do tempo, ja que tendem a ecorrer modi ficagdes nas fungdes designadas a algum membro da familia ao lone go do ciclo vital, nos momentos em que a familia cumpre etapas evolutivas ¢, com isso, muda 0 projcto relaciorial. 34 Denise Falcke e Adriana Wagner Digitalizado com CamScanner O mito pode, ainda, apresentar uma conolagao-intensamente psicopatoldgica se estiver bascado em crengas:falsas, regras-dise simuladas-de comportamentos cotidianos ¢ interagdes estercotipa- das, Assim, a fungio homeostatica do mito vai deteriorando-se até ser uma defesa do grupo, transmitida de geragio para geragdo. E nesta.dindmica que a familia passa a ser oprimida por sua prd-» pria mitologia (Miermont, 1994). De forma sintética, podemos dizer que o mito é um sistema ex- plicativo de aspectos da vida que, conscicntemente, sio dificeis de serem compreendidos ou accitos. Segredos Frente a alguma atitude-ndo-aceita pela cultura familiar, os se gredos surgem como forma de esconder determinados fatos que nao correspondam as exigéncias estabelecidas pelos padrdes familiares, bem como, aos-tabus-sagrados: que se.mantém. entre as” geragdes (Imber-Black, 1994; Prado, 1996). Em um grupo familiar, um segredo-viola-as.regras sobre a posse comum das informagies, 0 que modifica-a-relagio-entrevos’ 6% membros do grupo e provoca, pelo menos, algum sentimento-der culpa ocasionado pelo engano (Carpenter e Treacher, 1993). Assim, quando 05 relacionamentos encontram-se- marcados Por um segredo, todo o estilorde-€ortumicdaa de uma familia pode ficar alteradovem prol da manutengfo-do segreda, até mesmo, em areas: totalmente alheias-ao-componente-original (Imber-Black, 1994), Dessa forma, tanto as mentiras:quanto as informagdes omitie

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