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Resumo: O caráter orquestral das composições de Moacir Santos parecia incompatível com as
possibilidades técnicas do violão. Contudo, no ano de 2015, a leitura das partituras do Cancioneiro
Moacir Santos revelou que suas composições se encaixavam perfeitamente no violão de 7 cordas,
no tom original, como se compostas para esse instrumento. O objetivo deste artigo é descrever alguns
aspectos do processo de transcrição e arranjo da obra de Moacir Santos para violão de 7 cordas. O
estudo justifica-se pelo ineditismo e desafio técnico que representa e pelo fato de essa transcrição da
obra de Moacir Santos inseri-lo na tradição da música escrita para violão no Brasil.
1. Introdução
Todos os músicos profissionais, naquela época, iam estudar música com ele.
Era um professor sensacional, meio metafísico, explicava a harmonia, os
intervalos entre as notas, as dissonâncias, usando como exemplo as estrelas.
Fui estudar com ele essas “sabedorias”. (BADEN POWELL, apud O GLOBO,
2000)
Apesar dessa ligação inicial, nem Baden nem nenhum outro violonista
havia transcrito o repertório de Moacir para violão solo, considerando que, nas
gravações de Baden, o violão atua no acompanhamento dos instrumentos de sopro e
da voz. Sempre me pareceu, no entanto, que havia uma relação, entre Moacir e o
violão, a ser explorada. No ano de 2015, lendo as partituras do Cancioneiro Moacir
Santos (2005), tive a surpresa de ver como elas se encaixavam perfeitamente no
leitura das partituras dessas peças que me fez perceber que não só era possível
tocá-las no violão de 7 cordas como, também, que elas pareciam ter sido compostas
para o instrumento.
Coisa nº 6 na tonalidade de Lá menor, com a sétima corda afinada na
nota lá, e Coisa nº 10, na tonalidade de Dó Maior, com a sétima corda afinada na nota
dó, puderam ser executadas no tom original, sem nenhuma mudança de oitava,
mantendo, assim, as ideias iniciais do compositor.
Um exemplo da influência da partitura no resultado do arranjo está em
Coisa nº 10. A linha de baixo escrita na partitura constante no Cancioneiro Moacir
Santos, sugere uma levada em que se omite o baixo no primeiro tempo do compasso,
fazendo um desenho de duas colcheias no segundo tempo (Figura 1).
Figura 1 – Coisa nº 10, versão Cancioneiro Moacir Santos (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
Para a concepção de meu arranjo para Coisa nº 10, criei uma levada
básica utilizando esse padrão no baixo, como demonstrado na Figura 3.
Um detalhe importante em relação à escrita dessa peça é que muitas
levadas construídas com esse padrão de duas colcheias no segundo tempo do
compasso, na voz do baixo, induzem a antecipação do baixo do acorde seguinte,
quando há mudança de harmonia. Meu primeiro impulso, ao tocar essa peça, foi
realizar essa antecipação no baixo. Tive a oportunidade de tocar Coisa nº 10 em um
show com o violonista de 7 cordas Rogério Caetano, que tocou a peça executando essa
antecipação. Outro exemplo é a gravação dessa peça realizada pelo pianista Hélio
Alves, também tocada dessa forma. O fato de a partitura estar escrita de outra forma,
me inspirou a experimentar tal abordagem, que acabou prevalecendo no formato
final de meu arranjo.
Figura 3 – Coisa nº 10, levada básica para arranjo para violão de 7 cordas (GONÇALVES, 2019).
Figura 4 – Coisa nº 6, versão Cancioneiro Moacir Santos (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
colocou no colo o instrumento, e não saiu mais. [...] Claro, eu toco violão de
6, tudo bem, mas aí eu comecei a desenvolver composições para esse
instrumento. Não tem nem sentido mais tocar o violão de 6. Agora que eu me
dou conta que realmente eu comecei a fazer um repertório para este
Figura 7 – Coisa nº 6, versão Cancioneiro Moacir Santos (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
Figura 9 – Outra Coisa, versão Cancioneiro Moacir Santos (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
Figura 10 – Mãe Iracema, versão Cancioneiro Moacir Santos (ADNET; NOGUEIRA, 2005).
Um arranjo da série focalizada por este artigo que utiliza esse raciocínio
é o da música Amphibious. A melodia original é escrita conforme ilustra a Figura 15:
5. Considerações finais
1
Trecho da música Samba de uma nota só, de autoria de Tom Jobim e Newton Mendonça.
Referências
ADNET, Mario. Senhor violão. Descoberto pelo pop brasileiro, Baden Powell prepara novo
CD. O Globo. Segundo Caderno, p. 1-2, 24 mar. 2000.
ADNET, Mario; NOGUEIRA, José. Cancioneiro Moacir Santos, Choros e alegria. Rio de
Janeiro: Jobim Music, 2005. Partitura.
ADNET, Mario; NOGUEIRA, José. Cancioneiro Moacir Santos, Coisas. Rio de Janeiro:
Jobim Music, 2005. Partitura.
ADNET, Mario; NOGUEIRA, José. Cancioneiro Moacir Santos, Ouro negro. Rio de Janeiro:
Jobim Music, 2005. Partitura.
ADNET, Mario; NOGUEIRA, José. Moacir Santos. [Fonograma] Ouro negro. Rio de
Janeiro: Mpb Discos, 2001. CD.
ADNET, Mario; NOGUEIRA, José. Moacir Santos. [Fonograma] Choros e alegria. Rio de
Janeiro: Biscoito Fino, 2005. CD.
COHEN, Anat; GONÇALVES, Marcello. [Fonograma] Outra coisa. Nova York: Anzic
Records, 2016. CD.
FRANÇA, Gabriel Muniz Improta. Coisas: Moacir Santos e a composição para seção rítmica
na década de 60. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.