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1YOGAS TIBETANOS 1
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1 Tenzin Wangyal Rinpoche 1
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1
OS VOGAS TIBETANOS
DO SONHO E DO SONO
I
1 Tradução do livro
"The Tibetan Yogas of Dream and Sleep"

de
TENZIN WANGYAL RINPOCHE
Editado por Mark Dahlby

Traduzido do inglês por


Elaine Ferreira Batista Gonçalves

óJir DEVIR LIVRARIA


Agradecimentos

Gostaria de agradecer às pessoas que foram essenciais para a publicação


deste livro. Em primeiro lugar e mais importante, a Mark Dahlby, meu
aluno e amigo pessoal, com quem adorei trabalhar e passei muitas horas
discutindo diversas questões nos cafés de Berkeley. Sem ele, este livro não
seria possível.
E também a Steven O. Goodman, colega e amigo, que ajudou a me-
lhorar o manuscrito com inúmeras boas sugestões; a Sue Ellis Oyer e
Chris Baker que fizeram sugestões de edição numa versão preliminar do
livro; a Sue Davis e Laura Shekerjian que leram o livro e ajudaram com
feedbacks; e a Christine Cox da Snow Lion Publications que trouxe para
o texto sua grande experiência como editora, tornando este livro muito
melhor.
As fotos das posições de meditação e do yoga do sonho, nas páginas
97 e 122 respectivamente, foram tiradas por Antonio Riestra e trabalha-
das por Luz Vergara. As ilustrações dos chakras nas páginas 118 e 120
foram criadas por Monica R. Ortega. Também quero agradecer a todos
que não mencionei, mas que ajudaram de muitas maneiras diferentes.

- 11 -
Esse livro é dedicado a Namkhai" Norbu Rinpoche, que tem sido
uma grande impiração em minha vida, tanto na maneira como
ensino os demais, como na minha própria prática.

- 13-
Prefácio

No Tibete, há um ditado popular que diz: "É preciso explicar a linhagem


e a história, a fim de eliminar dúvidas sobre a autenticidade do ensi-
namento e da transmissão". Assim, começo este livro com uma breve
história da minha vida.
Nasci logo depois de meus pais terem fugido da opressão chinesa no
Tibete. As condições eram difíceis e meus pais me colocaram num inter-
nato cristão, onde acreditavam que eu seria bem cuidado. Meu pai era
um lama* budista, minha mãe, uma praticante do Bõn*. Algum tempo
depois, meu pai morreu. Mais tarde, minha mãe casou-se novamente com
um lama Bõn. Tanto ele quanto minha mãe desejavam que eu vivesse in-
serido na minha cultura e, aos 1Oanos, fui levado ao principal monastério
Bõn em Dolanji, Índia, e ordenado monge.
Depois de ter vivido no monastério algum tempo, fui reconhecido por
Lopon (Professor Diretor) Sangye Tenzin Rinpoche como a reencarnação
de Khyungtul Rinpoche, um famoso erudito, professor, autor e mestre
de medicação. Ele era bem conhecido como mestre astrólogo e, no Tibete
ocidental e na Índia setentrional, foi famoso como domador de espíritos
selvagens. Ele era muito procurado por ser um curador com habilidades
mágicas. Um de seus benfeitores foi um rei local de Himachal, no norte
da Índia. Este rei e sua esposa, incapazes de gerar um filho, pediram que
Khyungtul Rinpoche os curasse, o que ele fez. O filho que eles geraram
e criaram é o atual Primeiro Ministro de Himachal Pradesh, Virbhardur.
Quando eu tinha treze anos, meu bom Mestre-raiz, Lopon Sangye
Tenzin, um homem de grande conhecimento e realização, preparava-se
para ensinar um dos mais importantes ensinamentos esotéricos da reli-

- 15-
Os rógas Tibetanos do Sonho e do Sono

giáo Bõn: a linhagem da Grande Perfeição (Dzogchen' ) da


Oral de Zhang Zhung (Zhang . . ZhungL Nyan Gyucf-). EmboraTransrnissão
e
fosse novo, rneu pa . drasto v1s1rou opon . Rinpoche e ped·,u que eu ainda
fi
admitido nos ensmamenros
A L que ·Jsenam dados
. diariamente durante u oss,
eríodo e rres anos. opon ·d genn rnenre aceitou, mas pediu queeu ·urn
d
tamente com
P ' . outros can. d1 aros, trouxesse
d d a ele um sonho da none . 'Jun.
an
terior ao intcto
. dos ensmamenros, e mo o que ele pudesse dererminar . ·

nossa pronndao.
Alguns alunos não se recordaram de nenhum sonho, o que foi
· a1 d · ' · d b ' 1 L i:
siderado um sin a ex1srencta e o sracu os. opon rez com que ele,
con-

começassem as práticas de purificação apropriadas e adiou o início do


ensinamento até que cada aluno tivesse um sonho. Outros alunos tiveram
sonhos que foram romados como indicação de que precisavam f.uer de-
terminadas práticas para prepará-los para os ensinamentos - por exem-
plo, práticas que fortalecessem a ligação deles com os guardiões Biin'.
Eu sonhei com um ônibus circulando ao redor da casa de meu mestre,
apesar de não haver de furo nenhuma estrada lá. No sonho, o motorista
do ônibus era meu amigo e eu estava de pé ao seu lado, distribuindo as
passagens para cada uma das pessoas que entrava no ônibus. As passagens
eram pedaços de papel nos quais estava escrita a silaba tibetana A. Isto
aconteceu no segundo ou terceiro ano da minha educação em Dolanji,
quando tinha treze anos de idade e, na época, eu ainda não sabia que o A
era um símbolo de maior significância nos ensinamentos Dzogchen. Meu
professor nunca disse nada sobre o sonho, o que era o jeito dele. Ele fez
poucos comentários sobre o que era positivo, mas fiquei feliz porque me
foi permitido receber os ensinamentos.
É comum nas tradições espirituais tibetanas, os sonhos dos alunos se-
rem usados pelo professor, para determinar se é apropriado para um aluno
smamento. m ora tenha ocorrido algum
receber um determinado en · E b
.d s
tempo antes de eu começar a e t d u ar e prarrcar
. o yoga do sonho, este in-
f, ente
c, · marcou- o começo dom eu rnteresse
. por sonhos. Causou-me uma
orce tmpressao
rdigiáo o quanto
Bõn e como . eo sonho
• e, va1onza . d O na cultura tibetana e na
' as mrormaçoes do in .
mais valor do que aqu l consciente tem com frequência
A

e as que a mente c . ,
Depois dos crês a d . onsCiente e capaz de oferecer.
. d e medicação nos e ensmamento, que me
renros . l wram
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. com
remos que fiz sozinho . . . meus coleg ·
as prattcantes, bem como muitos
, mgresse1 na Escol o·a1 , .
grama e estudo normal I a J enca Monástica O pro
b d mente eva de 9 13 · -
a range o treinamento rradici I A a anos para ser completado e
ona · prende mos as ma rerias , acad'em1cas
.

- 16 -
Prefácio

comuns, como Gramática, Sânscrito, Poesia, Astrologia e Arte e também


matérias específicas, como Epistemologia, Cosmologia, Sutra*, Tantrf'
e Dzogchen. Durante o treinamento monástico, fui exposto a uma série
de ensinamentos e transmissões sobre o sonho, os mais importantes deles
baseados nos textos do Zhang Zung Nyan Gyud, o Tantra Mãe e nos de
Sharb,a Rinpoche. Eu me saí bem no treinamento e aos 19 anos pediram-
me para começar a ensinar os outros, o que fiz. Nesta época, escrevi e
publiquei um resumo da biografia de Lord Shenrab Miwoche, o funda-
dor da religião Bõn. Mais tarde tornei-me o Diretor da Escola Dialética,
cargo que ocupei durante quatro anos, e onde estive muito empenhado
na estruturação e desenvolvimento da escola. Em 1986, recebi o título de
Geshe, o mais elevado concedido na educação monástica tibetana.
Em 1989, a convite da Comunidade Dzogchen de Namkhai Norbu
Rinpoche, na Itália, viajei para o Ocidente. Embora não tivesse planos de
lecionar, fui convidado a fazê-lo pelos membros da comunidade. Um dia,
eu estava distribuindo pedacinhos de papel para serem usados em uma
meditação sobre concentração. Em todos os papéis estava escrita a sílaba
tibetana A. Imediatamente recordei o sonho de quinze anos antes em que
eu distribuía o mesmo papel às pessoas que subiam no ônibus. Foi como
se ele tivesse me atingido a cabeça.
Permaneci no Ocidente e, em 1991, recebi uma bolsa de estudos
da Funda~ão Rockefeller para fazer pesquisa na Universidade Rice. Em
1993, publiquei meu primeiro livro no Ocidente, The Wonders ofNatural
Mind (As Maravilhas da Mente Naturalt no qual tentei apresentar os
ensinamentos da Grande Perfeição (Dzogchen) de uma maneira clara
e simples. Em 1994, recebi uma verba da "National Endowment for the
Humanities" (Fundação Nacional para as Humanidades), para desenvol-
ver uma pesquisa sobre os aspectos lógicos e filosóficos da tradição Bõn,
em colaboração com a professora Anne Klein, da Cadeira de Estudos
Religiosos, na Universidade Rice.
Dessa maneira, meu lado erudito continuou a se manifestar, mas a
prática é sempre mais importante e, durante todo este tempo, mantive
o interesse no sonho e na prática do sonho. Meu interesse não é apenas
teórico. Tenho confiado na sabedoria dos meus sonhos, influenciado des-
de uma tenra idade pelas experiências oníricas de meus professores e de
minha mãe e pelo uso do sonho na tradição Bõn, e tenho praticado o
yoga do sonho intensamente durante os últimos dez anos. Todas as noi-
tes, quando vou para a cama, sinto liberdade. As atividades do dia estão
terminadas. Algumas noites a prática é bem sucedida, outras, não, e isto
1- N.T. : ainda sem edição brasileira.

- 17 -
Os l'ógas Tibetanos do Sonho e do Sono

é de se esperar até que o praticante esteJ·a mu1to • adi


vou dormir quase todas as noites com a inten çao de antado. real.1 E.ntretant
sonho. Os ensinamentos deste livro provêm da . h zar a práti o,
,. b, d , mm a pr6p . ca do
com a pranca e tam em os tres textos que cite·1antenorm . ria txperiê ncia.
Os Yogas Tibetanos do Sonho e do Sono surgiram d . ente.
·d d' e ensinam
que de1 urante 1versos anos na Califórnia e no Novo Méxi entos ora1·s
parte da informalidade característica destes ensinam entos "ro . co. Grande
1111 •
palavras marcadas com um asterisco na primeira vez que sao tnenc. antida. As
100
no texto podem ser encontradas no glossário que existe no final ~das
, · • do livro
O Yé,oga. do ,son ho e um apoio importante no desenvol · ·
. . , d d v1mento da mi
nh a propna pratica e isto e ver a e para muitos mestres eyo ui? d . -
.. . d oTibe-
te._ Por exemp1o, sempre fi que11mpress1ona o com a história de Sh
'b ardza
Ri npoc h e, um gran d e mestre t1 etano que, ao morrer em 1934 ·e
, mamres-
tou o corpo de luz (jalus*), um sinal de completa realização. Durante sua
vida, ele teve muitos estudantes realizados, escreveu muitos textos impor-
tantes e trabalhou em benefício do país em que vivia. É difícil imaginar
como ele poderia ter sido tão produtivo na sua vida exterior, assumindo
as muitas responsabilidades e realizando os longos projetos que empreen-
dia em benefício dos outros, e ainda ter sido capaz de alcançar tamanha
realização através da prática espiritual. Ele conseguiu fazer isto porque ele
não era escritor durante uma parte do seu dia, professor numa outra e
praticante nas poucas horas que lhe restavam. Toda_ a sua vida era pr~tica,
estivesse ele sentado em meditação, escrevendo, ensmando, ou dormindo.
Ele escreve que a prática do sonho foi de fundamental importância na sua
jornada espiritual e foi parte integrante de sua realização. Isto também
pode ser verdade para nós.

- 18-
Prefácio da Edição Brasileira

O valor dos raros ensinamentos e práticas contidos neste livro é muito


claro: a possibilidade de que no sono e no sonho o ser perceba sua verda-
deira natureza, profunda e vasta. No entanto, a chegada desta tradução
ao público brasileiro representa muito mais do que um manual contendo
precioso conhecimento oriental sobre aspectos da vida humana. Ele é
fruto concreto de esforços convergentes pelo bem de todos os seres, pois
a intenção de sua tradução surgiu em meio a um sonho auspicioso: o de
fundar a ABCT - Associação Brasileira de Cultura Tibetana.
Inspirados pelo Movimento Rimed, no qual todas as escolas espiri-
tuais tibetanas são estudadas e praticadas com o mesmo comprometi-
mento e entrega, um grupo de pessoas no ABC Paulista motivou-se a
iniciar uma organização não sectária, ecumênica. Seu foco é renovado
e quer estar além das diferenças, embora as preservando, e em prol das
semelhanças, enriquecendo-as. A equipe da ABCT vem sendo formada
por pessoas das mais diversas áreas e especialidades, tratando-se de pra-
ticantes de linhagens tibetanas geralmente distantes entre si. Na ABCT
elas convivem entre si.
A ABCT passou por uma dura gestação, veio à luz e começa a enga-
tinhar. Este livro é a primeira marca de sua vida e coincide, ainda, com o
momento histórico em que pela primeira vez seu autor, o mestre Tenzin
Wangyal Rinpoche, bem como a tradição da qual é herdeiro, aportam na
América do Sul. Isso representa uma bênção imprescindível para que no
Brasil se consolidem e se perpetuem a paz, a lucidez e o amor nos corações
de todos os seres.

-19 -
Os Yogas Tibetanos do Sonho e do Sono

Esta tradução foi realizada com sólido profissionalismo e conhe .


mento em idiomas: mas tam bem ' com edu~açao - n~ l'ingua universal ci-
do
r e da sabedona. Logo, tomou-se o cmdado nao apenas de aI·
re~
bo a adaptação das palavras para o português, senão que t d
uma . . . . o o este
trabalho foi O tempo mteuo abastecido por uma motivação profund
de que O seu conteúdo resulte em uma real transmissão espiritual. Viva~
Elevada. Positiva.
Há muito ainda a fazer para que a ABCT venha a se firmar como
um centro de aglutinação e disseminação dessa preciosa e infalível espi-
ritualidade outrora fulgurante na Terra das Neves, o Teto do Mundo
0 Tibete. Os elementos culturais decorrentes de milênios de existência
'
deste antigo povo são muito ricos para serem devidamente reunidos em
pouco tempo.
Entretanto, a próspera interdependência já começou a se manifestar
e, além de contar com uma sede própria, já dispomos de uma encanta-
dora área rural, na qual em breve se concretizará um templo, projetado
conforme a arquitetura sacra tibetana e cuja intenção é a de abrigar retiros
e manter uma escola de ensino e prática da espiritualidade tibetana em
todos os seus aspectos.
Portanto, ao ler este livro, tenha em mente o que há nos bastidores:
um grupo humano vivo e pulsante, que precisa de mais gente de valor
para preservar, praticar e espalhar toda a positividade e consciência da
cultura tibetana, com o estilo brasileiro de ser eternamente adaptável e
naturalmente feliz.

Rafael Roldan
(Secretário da ABCT/ Tradutor)

-20-
Nota do Tradutor

A Associação Brasileira de Cultura Tibetana começa a existir por inspira-


ção destes preciosos ensinamentos transmitidos pelo Venerável Mestre, o
Geshe Tenzin Wangyal Rinpoche. Ele vem desenvolvendo um belíssimo
trabalho, reconhecido e louvado pelo próprio Dalai Lama que nos fala da
importância de se divulgar estes ensinamentos do Bõn, antiga tradição es-
piritual do Tibete, para que este patrimônio cultural da humanidade não
se perca. Sua trajetória de vida nos mostra o que é realmente a Bodichita,
estimulando-a em nossos corações, despertando em nós o desejo sincero
de beneficiar os demais seres até a liberaçáo. Divulgar estes ensinamentos
é mais uma maneira de fazê-lo, oferecendo a todos, técnicas e métodos de
práticas para o dia e para a noite que, paralelamente às práticas religiosas
(todas elas, sem exceção), propiciarão a almejada liberação.
É impossível falar de todo este processo sem falar da orientadora es-
piritual da nossa Associação, a querida mestra e monja Ani Sherab Uang-
mo que, com sua capacidade de integração e sensibilidade soube apreciar
o valor destes ensinamentos. De seu coração brotou o impulso genuíno
e compassivo de convidar este grande mestre para vir ao Brasil para que
recebêssemos diretamente ("de lábios a ouvidos") sua transmissão oral dos
mesmos. Isto foi feito e, para nossa imensa alegria, ele aceitou.
Assim surgiu a ideia de traduzir o livro que seria o tema do primeiro
retiro em São Paulo: The Tibetan Yogas of Dream and Sleep (Os Yogas
Tibetanos do Sonho e do Sono). A mestra Sherab solicitou-me então que
fizesse a tradução do mesmo. Já havia traduzido outros textos do budismo
tibetano para ela, mas nada tão extenso quanto um livro. Foi um gran-

-21 -
Os fogas Tibetanos do Sonho e do Sono

de desafio, uma grande responsabilidade e também um . .


.
mim. Entrar em contato com estes ensmamemos e prátic Privilégio
_ Para
as tao pre .
e desafiadoras, tentar encontrar as palavras que transmitis fi Ciosas
. . sem elrne
as ideias e ensmamentos deste grande mestre fo1 uma experi , . . nte
. enc1a enn u
cedora e realizadora que fez com que eu estabelecesse uma f; . q e-
com o mestre. orre 1igação
Gostaríamos de agradecer imensamente à Devir Livraria e
a seus re
Presentantes, em_ particular
.
ao Luis Mauro F. B. Gonçalves
_ - por suas
-
dicas, informaçoes e onentaçoes sobre o complexo (para nós) processo d
publicação de um livro e pelas negociações junto à Snow Lion Publica~
tions (N.Y). Gostaríamos de agradecer especialmente ao Douglas Quinta
Reis que - com sua expertise como revisor - fez uma excelente e deta-
lhista revisão da tradução, demonstrando imenso respeito e cuidado com
o texto, aperfeiçoando-o ainda mais para o leitor brasileiro.

Elaine Ferreira Batista Gonçalves


(Tradutora e membro da ABCT)

-22-
Introdução

Passamos um terço de nossas vidas dormindo. Não importa o que faça-


mos, por mais virtuosas ou não-virtuosas que sejam as nossas atividades,
quer sejamos assassinos, santos, monges ou libertinos, todo dia termina
do mesmo modo. Fechamos os olhos e nos dissolvemos na escuridão. Fa-
zemos isso sem receio, mesmo sabendo que tudo que conhecemos como
"eu" desaparece. Depois de um breve período, imagens surgem e nosso
sentido de identidade ressurge com elas. Nós existimos novamente no
aparentemente ilimitado mundo dos sonhos. Toda noite nós participa-
mos destes mistérios profundos, mudando de uma dimensão de experiên-
cia para outra, perdendo o nosso ~enso de identidade e reencontrando-o.
No entanto, não damos o devido valor a tudo isso. Acordamos na manhã
seguinte e retomamos a vida "real", mas de certo modo continuamos dor-
mindo e sonhando. Os ensinamentos nos dizem que podemos continuar
nesse estado ilusório de sonho, dia e noite, ou despertar para a verdade.
Quando nos dedicamos aos yogas do sono e do sonho, tornamo-nos
parte de uma longa linhagem. Homens e mulheres durante séculos rea-
lizaram estas mesmas práticas, depararam-se com as mesmas dúvidas e
obstáculos e receberam os mesmos benefícios que nós podemos receber.
Muitos dos grandes lamas e yoguis realizados transformaram os yogas do
sono e do sonho em suas práticas principais e, através delas, alcançaram a
realização. Refletir sobre estes fatos e lembrar-se dos seres que dedicaram
suas vidas aos ensinamentos - por meio dos quais nossos ancestrais es-
pirituais nos transmitem os frutos de sua prática - vai gerar fé e gratidão
pela tradição.

-23-
J 5 h edo Sono
,r.·betanos ao on o
Os }0gas 11

•betanos podem achar estranho o fato de eu


uns mestres t1 · . _ . estar
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, . as a ocidentais que nao realizaram certas pra't·
icas
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r inares ou que
não detêm determinados conhecimentos. Os e .
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pre im e ntidos secretos, tanto em smal de respeito, como p
encos roram ma d" . or
natn diluição através do enren 1menro equivocado de pr
reção contra a . a-
pro d e arados. Eles nunca foram ensinados publicamente nem
ticanres espr ·al
P ente mas eram reserva d os param · d"1v1'd uos que tinham
dados superfi c1 m '
se preparado para recebê-los.
,. na'o são menos eficazes e valiosas do que já foram mas as
As prancas '
. - d mundo mudaram, e por isso estou tentanto algo diferente
cond 1çoes o . ·
Espero que, ensinando o que é eficaz de modo franco e simples, a tradição
venha a ser melhor preservada e mais pessoas possam se beneficiar dela.
No entanto, é importante respeitar os ensinamentos, tanto para protegê-
los como para avançarmos na nossa própria prática. Por favor, tentem
receber a rransmissão direta destes ensinamentos de um professor au-
têntico. É bom ler sobre estes yogas, mas é melhor receber a transmissão
oral, que cria uma ligação mais forte com a linhagem. Também é comum
encontrar, no caminho, obstáculos difíceis de superarmos sozinhos, mas
que um mestre experiente pode identificar e ajudar a remover. Este é um
ponto importante que não deveria ser esquecido.
Nossa existência humana é preciosa. Possuímos corpos e mentes in-
tactas, com pleno potencial. Podemos ter conhecido mestres e recebido
ensinamentos e remos uma vida na qual desfrutamos a liberdade de seguir
o caminho espiritual. Sabemos que a prática é essencial para a jornada
espiritual, bem como para a nossa aspiração de ajudar os demais. Também
sabemos que a vida passa rapidamente e a morte é certa, contudo em
nossas vidas ocupadas achamos difícil praticar tanto quanto gostaríamos
de poder. Talvez mediremos durante uma hora ou duas horas por dia,
mas isso deixa vinte e duas horas para sermos distraídos e sacudidos pelas
ondas do samsara*. Mas sempre há tempo para o sono; o terço das nossas
vidas que passamos dormindo pode ser usado para a prática.
Um tema essencial neste livro é demonstrar que, através da prática,
podemos cultivar uma maior consciência em cada momento de nossas
vidas. Se O fizermos, liberdade e flexibilidade aumentarão continuamente
e seremos menos dominados pelas preocupações e distrações habituais.
Desenvolvemos
. uma presença estave
' l e v1v1
, "d a que nos permite
· escolh er
com. mais habilidade respostas posmvas •• para o que quer que venha a
surgir, respostas q ue melh or benefi c1am
. os demais e a nossa própria jor-

-24 -
lntroduáo

nada espiritual. No fim, acabamos desenvolvendo uma continuidade de


presença que nos permitirá manter plena consciência durante O sonho
e também no estado acordado. Então seremos capazes de responder aos
fenômenos do sonho de maneiras criativas e positivas e conseguiremos
realizar várias prátic~ no estado de sonho. Quando desenvolvermos ple-
namente essa capacidade, perceberemos que estamos vivendo a vida no
sonho e no estado acordado com mais facilidade, conforto, clareza e gra-
tidão. E estaremos também nos preparando para atingir a liberação no
estado intermediário (bardo*) depois da morte.
Os ensinamentos nos fornecem muitos métodos para melhorar a qua-
lidade da vida comum. Isso é bom, pois essa vida é importante e digna de
ser vivida. Mas a finalidade última desses yogas é sempre nos levar à libe-
ração. Com esse propósito, é melhor ver este livro como um manual de
prática, um guia para os yogas das tradições Bõn-Budistas do Tibete que
usam os sonhos para atingir a liberação do estado de sonho da vida coti-
diana e usam o sono para despertar da ignorância. Para usar o livro deste
modo, você tem de estabelecer uma conexão com um mestre qualifica-
do. Depois, para estabilizar a mente, realize as práticas de calma mental
(zhiné*), descritas na Terceira Parte. Quando sentir que está preparado,
comece as práticas preliminares e dedique-se a elas durante algum tempo,
integrando-as à sua vida. Então, dê início às práticas principais.
Não tenha pressa. Temos vagado pelas ilusões do samsara desde um
tempo sem princípio. Ler simplesmente mais um livro sobre espirituali-
dade e depois esquecê-lo, vai mudar pouco a nossa vida. Mas se seguirmos
estas práticas até o fim, despertaremos para a nossa natureza primordial
que é a iluminação em si mesma.
Se não conseguimos permanecer presentes durante o sono, se nos
perdemos todas as noites, quais são as chances de ficarmos conscientes
quando a morte chegar? Se entrarmos em nossos sonhos e interagirmos
com as imagens da mente como se fossem reais, não deveríamos esperar
obter a liberdade no estado após a morte. Examine a sua experiência nos
sonhos para saber como você vai se sair na hora da morte. Examine como
você dorme para descobrir se você está ou não realmente desperto.

COMO RECEBER OS ENSINAMENTOS


A melhor abordagem ao receber ensinamentos espirituais orais e escritos,
é "ouvir, concluir e experimentar", isto é, entender intelectualmente o
que é dito, chegar a uma conclusão sobre o que se queria dizer e aplicá-lo

-25-
Os ¼ga.r Tibetanos do Sonho e do Sono

rática. Se a aprendizagem é feita desce modo, o processo d


na P fi e aprend·1
zado é contínuo e ininterrupto, mas se car no nível intelectual
, pode se
-
,.
cornar uma barreira para a pratica.
Com relação à maneira como se ouve ou recebe os ensin
amentos
bom estudante é como um muro co berto de cola: as ervas l
0 , ançadas'
d
contra ele aderem. Um mau escu ante e como um muro seco· 0
' • - · que é
lançado contra ele escorrega e cai no chao. Quando . os ensiname _
ntos sao
recebidos, não devem se perder n;m ser despe~d1çados. O estudante deve
retê-los em sua mente e trabalha-los. Os ensmamentos não penetrados
pela compreensão são como as ervas lançadas contra o muro seco; elas
caem ao chão e são esquecidas.
Chegar a uma conclusão quanto ao significado dos ensinamentos é
como acender uma luz em uma sala escura: o que estava oculto torna-se
visível. É a experiência_do "a-hà' quando as peças se encaixam de repente
e são compreendidas. E diferente da simples compreensão conceituai, no
sentido de que é algo que sabemos em vez de alguma coisa da qual me-
ramente ouvimos falar. Por exemplo, ouvir falar que uma sala tem duas
almofadas, uma amarela e outra vermelha, é como adquirir uma compre-
ensão intelectual delas, mas, se entrarmos na sala com as luzes apagadas,
não conseguiremos distinguir uma da outra. Compreender o significado é
como acender as luzes: então saberemos em primeira mão qual a vermelha
e qual a amarela. O ensinamento, então, não será mais alguma coisa que
somos apenas capazes de repetir, será parte de nós.
Com "aplicar-se à práticà' queremos dizer transformar o que foi
conceitualmente entendido - o que foi recebido, ponderado e tornado
significativo - em experiência direta. Este processo é análogo a experi-
mentar o sal. Pode-se falar sobre o sal, entender sua natureza química,
etc, mas a experiência direta só se consegue quando ele é experimentado.
Esta experiência não pode ser apreendida intelectualmente e não pode
ser expressa em palavras. Se tentarmos explicá-la para uma pessoa que
nunca provou sal, ela não conseguirá saber o que é que nós experimen-
tamos. Mas quando falamos dela com alguém que já viveu a experiência,
então ambos sabemos ao que estamos nos referindo. É a mesma coisa
com os ensinamentos. É desse modo que devemos estudá-los: ouvir ou
ler a respeito deles, refletir sobre eles, chegar a uma conclusão sobre o seu
significado e encontrar esse significado na experiência direta.
No Tibete, as peles de couro novo são colocadas ao sol e esfregadas
com manteiga para torná-las mais macias. O praticante é como a pele de
couro nova, resistente e duro, com visão estreita e rigidez conceituai. O

- 26-
lntroduáo

ensinamento (dharma*) é como a manteiga, esfregada através da prática,


e O sol é como a experiência direta; quando ambos são aplicados, o pra-
ticante se torna dócil e maleável. Mas a manteiga também é armazenada
em bolsas de couro, e quando ela é deixada em uma bolsa durante alguns
anos, o couro da bolsa se torna duro como madeira e por mais manteiga
nova que venhamos a esfregar, não conseguimos amaciá-lo. Alguém que
passe muitos anos estudando os ensinamentos, intelectualizando demais
com pouca experiência prática, é como esse couro endurecido. Os ensina-
mentos podem amaciar a pele dura da ignorância e dos condicionamen-
tos, mas quando eles ficam guardados no intelecto e não são esfregados
no praticante com a prática, nem aquecidos com a experiência direta, essa
pessoa pode se tornar rígida e dura em sua compreensão intelectual. No-
vos ensinamentos, então, não conseguirão mais amaciá-lo, não vão mais
penetrá-lo e transformá-lo. Devemos estar atentos para não acumularmos
os ensinamentos apenas como conhecimento intelectual, para que ele não
se torne um bloqueio para a sabedoria. Os ensinamentos não são ideias a
serem colecionadas, e sim um caminho a ser seguido.

-27-

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