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Crise do paradigma da ciência moderna
Segundo Santos, o paradigma da ciência moderna é um paradigma em crise.
Para ele, o próprio aprofundamento do conhecimento propiciado pela ciência “permitiu
ver a fragilidade dos pilares em que se funda”. Os cientistas “chegámos a finais do
século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o
conhecimento das coisas com […] o conhecimento de nós próprios”.
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um holocausto nuclear; e, no âmbito da organização do trabalho científico, a
estratificação e proletarização da comunidade científica e o aumento da desigualdade
entre os países centrais e periféricos em virtude da investigação capital-intensiva. Entre
as facetas sociológicas da crise, menciona reflexões feitas por cientistas, nunca antes tão
interessados em problematizar suas práticas, sobre questões a respeito das condições
sociais de produção da ciência, que antes eram tratadas por sociólogos.
O paradigma emergente
Santos apresenta um conjunto de teses que conformariam o “paradigma
emergente”, por ele também chamado de “paradigma de um conhecimento prudente
para uma vida decente”. Ao assim proceder, assumidamente adota uma “via
especulativa” que, segundo ele, é a única possível para abordar a “configuração do
paradigma que se anuncia no horizonte”. Em suas palavras, o paradigma emergente que
identifica decorre de uma especulação “fundada nos sinais que a crise do paradigma
atual emite” e é também “produto de uma síntese pessoal impregnada na imaginação
sociológica”.
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do paradigma da ciência moderna. A ciência pós-moderna, ao revés, será local,
i.e., se constituirá a partir de temas importantes para os grupos sociais e seus
projetos de vida; e será total, elegendo como horizonte “a totalidade universal de
que fala Wigner ou a totalidade indivisa de que fala Bohm”. Sendo total, será
também local, pois assume-se como analógica e como tradutora, incentivando o
uso de conceitos e teorias fora do seu contexto de origem. A ciência pós-moderna
contará com conhecimento “relativamente imetódico”, “pluralidade
metodológica”, “fusão de estilos”, “interpenetrações entre cânones de escrita”,
“uso de vários estilos segundo o critério e a imaginação pessoal” e “constelação
de métodos” para “captar o silêncio que persiste entre cada língua que pergunta”.
3. “Todo conhecimento é autoconhecimento.” Para Santos, a distinção entre
sujeito e objeto nunca foi pacífica nas ciências sociais, tendo sido questionada
também nas ciências naturais. Nestas, em suma, o sujeito teria regressado “na
veste do objeto”. Sinais disso são: a mecânica quântica, ao mostrar que o ato do
conhecimento e o produto do mesmo são inseparáveis; os avanços da microfísica,
da astrofísica e da biologia; a verificação de que a tecnologia nos separou da
natureza ao invés de nos integrar a ela, e que a exploração da natureza, tendo sido
veículo da exploração do homem, consolidou uma “nova dignidade da natureza”.
Segundo ele, a validade da ciência decorre de um juízo de valor e, sendo assim,
não há nenhuma razão científica para considerar a ciência melhor do que
explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da
poesia. A ciência, natural ou social, é necessariamente subjetiva e autobiográfica:
“o objeto é a continuação do sujeito por outros meios”, e a subjetividade do
cientista (seus pressupostos metafísicos, sistemas de crenças, juízos de valor) é
parte integrante de sua explicação da natureza ou da sociedade. “A ciência não
descobre, cria”. Diferentemente da ciência moderna, a ciência pós-moderna
assume-se como autobiográfica e autorreferenciável. Ademais, preocupa-se
menos com sobreviver, e mais com “saber viver”; busca ser “uma outra forma de
conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo” que nos une
pessoalmente ao que estudamos; vê a incerteza como “chave do entendimento”;
entende que, mais do que controlado, o mundo deve ser contemplado; avalia o
conhecimento menos pelo que ele controla e mais pela satisfação pessoal que ele
gera em quem lhe acede e partilha; aproxima-se das criações artísticas, porque
subordina a transformação do real à contemplação do resultado.
Santos considera que o paradigma emergente é ao mesmo tempo científico
(conhecimento prudente) e social (vida decente), e que isso resulta do fato de que a
revolução científica que daria azo ao novo paradigma seria uma revolução numa
sociedade já transformada pela revolução científica do século XVI.