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10/27/2020 PTDFormadoresF: Transcrição da entrevista António Nóvoa

F - Formação de Formadores PTD


Painel do utilizador Os meus cursos PTDFormadoresF

Módulo 4: Metodologias de Formação de Professores em Integração Educativa das Tecnologias

Transcrição da entrevista António Nóvoa

Transcrição da entrevista António Nóvoa

Transcrição da Entrevista do Professor António Nóvoa


feita pela Escola Superior de Educação de Coimbra
 

Titulo: “Os novos desafios na formação de educadores/as e professores/as”


 

Data: 13 Fevereiro 2020

Pergunta 1: Há muito que se fala de a escola acompanhar as mudanças. Como é que se consegue articular o ritmo e
as especificidades do sistema educativo com o ritmo da sociedade?

AN: A escola vai mudar muito nos próximos anos e essa mudança é uma mudança absolutamente inevitável, isto é, a
dimensão das tecnologias, do digital, das transformações sociais, das redes vão abrigar a escola a uma profunda
mudança. Eu gostaria que essa mudança acontecesse na perspectiva de uma metamorfose, isto é, de uma mudança
de forma da escola mas em que a escola mantivesse aquilo que é essencial do ponto de vista do seu núcleo: o
conhecimento, a aprendizagem, a capacidade de aprender a viver uns com os outros; que essas dimensões da
escola se mantivessem e se prolongassem no tempo e que não perdêssemos a escola por incapacidade da sua
transformação. O ritmo de mudança da escola é sempre um ritmo de mudança mais lento do que o ritmo tecnológico
ou do que o ritmo digital, mas isso não quer dizer que a escola não tenha, até pela possibilidade de ter os jovens
lá dentro, ter as novas gerações, um potencial de transformação absolutamente imenso. Eu estou certo que a escola
vai mudar muito nos próximos anos, pode usar no mau sentido, pode mudar no bom sentido, esperemos que seja no
bom sentido.

Pergunta 2: Existem várias especulações sobre como deveria ser o professor do futuro. Na sua opinião, como deveria
ser o professor do presente?

AN: Para mim, aquelas ideias futuristas em que o professor é substituído por umas máquinas ou por uns dispositivos,
etc, eu não digo que isso não seja possível, mas perde-se uma dimensão que é uma dimensão central, para mim, da
educação, que é a dimensão humana; e essa dimensão é insubstituível; não é possível substituir essa relação
humana, essa dimensão humana, por máquinas. Não quer dizer que as máquinas não são importantes, são essenciais
como instrumentos como possibilidade de aceder a conhecimentos que de outra forma não teríamos, mas não
podemos perder esta dimensão humana e por isso o professor para mim é insubstituível e não consigo imaginar nada
que possa substituir um bom professor. Agora, um professor dos tempos presentes não é igual ao professor do meu
tempo, é desde logo um professor tem que trabalhar em equipa é um professor que não trabalha sozinho dentro da
sala de aula, o professor tem que trabalhar com outros, com outros colegas, com outros professores, até com pessoas

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que não são professores, na construção das aprendizagens dos alunos; é um professor que não se pode fechar dentro
do espaço da sala de aula; é um professor que assumirá cada vez mais o papel de alguém que acompanha os alunos
na sua aprendizagem e menos o papel daquele que dá aulas; não quer isto dizer que o conhecimento não é
importante, o conhecimento é central, não há ensino não há educação, não há aprendizagem sem conhecimento.
Mas quer dizer que hoje a relação de um aluno com o conhecimento, até pela facilidade de aceder ao conhecimento,
é muito mais uma relação de ir à procura desse conhecimento, com o apoio do professor, certamente, com
a supervisão do professor sempre, mas também numa relação com os outros colegas, numa relação com pessoas
que estão fora da escola. Há aqui uma mudança enorme no que é a forma de organização do trabalho do professor
que certamente não é, já hoje no presente, ir dar a sua aula de uma hora, e muda para outra turma e dá outra aula de
uma hora e muda para outra turma e dá outra aula de uma hora.  Há uma mudança fundamental na organização do
trabalho docente e isso já se vê em muitas escolas, não estou a dizer nada que não aconteça já, são realidades que
acontecem em milhares e milhares de escolas mas que tem que se estender ao conjunto do sistema educativo e das
nossas escolas.

Pergunta 3: As novas gerações cresceram com outros estímulos e têm outra forma de interagir com o mundo que as
rodeia. Esta nova realidade tem mais vantagens ou riscos?

AN: A realidade das sociedades e das tecnologias e do digital é o que é, nós não podemos que gostar mais ou gostar
menos, mas essa é a realidade. A escola tem que trabalhar com essa realidade, a escola tem que ser capaz de, em
cima dessa realidade, conduzir os alunos e as aprendizagens para o lugar que é o lugar que a escola entende que
deve ser; e a escola e os professores têm uma responsabilidade nisso O filósofo francês Alain [Finkielkraut] no princípio
do século XX é uma coisa extraordinária, ele dizia o professor é aquele que consegue fazer com que os alunos no fim
se agradem com aquilo que no princípio não lhes agradava nada; de facto o professor não está ali para agradar
aos alunos nem está ali para dizer ‘o menino não gosta de matemática e não te dar matemática’, não, o professor
está ali para conseguir que o aluno que não gostava de nada de matemática no princípio, no fim goste de
matemática. E esse trabalho é um trabalho que hoje não pode deixar de recorrer aos instrumentos digitais, às
maneiras de acesso ao conhecimento, não pode deixar de recorrer a relação entre os alunos, à capacidade de uma
formação mútua, de uma cooperação entre os alunos, entre os alunos mais novos e os alunos mais velhos, entre o
que está dentro da escola e que está fora da escola. É essencial, não vale a pena interrogarmo-nos se é bom se é
mau, quer dizer é o que temos, é a sociedade que temos, é a maneira como a sociedade se organizou e a escola tem
que trabalhar com isso; não se pode fechar os olhos e imaginar-se numa escola isolada no meio de uma aldeia ou de
uma montanha como era há cem anos atrás, isso não existe, não é essa a realidade dos nossos alunos, não é essa a
realidade da sociedade do século XXI, não é essa realidade das escolas. Por isso temos de ser capazes de trabalhar
com isto, não para nos deixarmos asfixiar por isto, mas para sermos capazes de com isto conduzirmos todas as
crianças às aprendizagens e conduzirmos aos lugares, aos conhecimentos, às culturas que nós adultos entendemos
que é importante que elas lá cheguem. Nós temos uma responsabilidade perante as próximas gerações, perante as
gerações futuras. Não se trata nunca de ensinar nem de educar nem de aprender aquilo que os meninos
gostam; trata-se de sermos capazes de fazer com que eles gostem eventualmente daquilo que no princípio não
gostavam nada.

Pergunta 4: Continuamos a apostar na formação de futuros bons profissionais, competitivos e produtivos ou começa a
haver uma maior atenção à educação emocional, à formação de seres humanos conscientes e felizes?

AN: Eu não sou capaz de responder a isso de uma forma muito direta porque, durante muito tempo quando dava as
aulas aos professores, aos alunos que iam ser professores, uma das coisas que lhes dizia sempre, e da qual estou
absolutamente convencido, é: sempre que vocês coloquem uma pergunta dicotômica, não respondam; porque não
há resposta possível, isto é, a resposta está numa terceira coisa, não está numa dicotomia; o que é importante, é o
ensino ou a aprendizagem? as duas coisas; o que é que é importante, a autoridade ou a liberdade?; a liberdade é
essencial mas pode haver educação se autoridade? o que é que é importante, o conteúdo o método? como é que eu
posso separar essas duas coisas? o que é que é importante, é dimensão profissional ou a dimensão humana?;
a profissão faz parte da dimensão humana, eu não consigo imaginar o nosso desenvolvimento humano pleno
sem uma relação com o trabalho, sem uma relação com a profissão, portanto é preciso as duas coisas, é preciso esse
equilíbrio e esse equilíbrio muitas vezes tem faltado. Em muitos discursos, há discursos muito centrados sobre a
dimensão quantitativa, profissionalizante, dar uma profissão às pessoas, serem as elites das elites, os melhores dos
melhores, nessa espécie de competição, às vezes até obsessiva, excessiva e que muitas vezes provoca um mal
enorme aos próprios alunos que são os melhores alunos e que num determinado momento se cansam disso. E depois
às vezes parece que há um discurso um bocadinho etéreo, sobre a questão humana como se a dimensão profissional

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do trabalho não estivesse também dentro da dimensão humana. É preciso equilíbrios. A escola é um espaço de muito
equilíbrio, é um espaço de muito bom senso e é bom que não haja fundamentalismos na escola, é bom que não haja
pessoas que pensam que sabem tudo, que têm as soluções para tudo e que desenvolvem uma espécie de um
discurso em que só veem um dos lados. Eu uso muitas vezes um texto de escrevi, e que acho que é aquele que tem o
título mais bonito, e não é meu, por isso é que eu digo que ele é o mais bonito, o titulo é de um conto do
João Guimarães Rosa, o grande escritor brasileiro, chama-se A Terceira Margem do Rio, e o João Guimarães Rosa diz
não vale a pena estarmos numa margem ou na outra, nas dicotomias, o movimento, o processo, o caminho, a viagem
faz-se na terceira margem do rio, e a terceira margem do rio é o próprio rio. Aí é que está o movimento e eu julgo que
na escola é a mesma coisa; precisamos de encontrar essas dinâmicas de movimento sabendo que essas dinâmicas
são diferentes de uma criança para outra criança para outra criança, que nem todas trabalham ao mesmo ritmo, que
nem todos aprendem da mesma maneira, que nem todas querem as mesmas coisas, mas é preciso encontrar essa
dinâmica de equilíbrio num discurso que nos conduza ao movimento, à viagem e não em dicotomias que não nos
ajudam a pensar nem a escola do presente nem a educação do futuro.

Pergunta 5: Considera que ser educador / professor atualmente num mundo que muda a um ritmo vertiginoso é
assustador ou uma grande oportunidade?

AN: É muito assustador; hoje os professores vivem muito assustados, assustados por muitas razões; pelo desprestígio
da profissão por um excesso de burocracia, a carga burocrática sobre o trabalho dos professores, a carga
de prestação de contas, de formulários, de papéis é absolutamente assustadora; a quantidade de coisas que
os professores são supostos ensinar é imensa; há um nível de exigências enorme sobre os professores, imenso sobre
os professores sem que lhes tenha sido usada a capacidade de eles poderem exercer plenamente isso. Nós estamos a
pedir imenso aos professores e não lhes estamos a dar os instrumentos, instrumentos de autonomia, instrumentos a
formação, instrumentos de bem estar até do ponto de vista profissional; estamos num momento muito difícil e
em cima disto os professores têm a consciência de que a profissão está a mudar muito; já não se é professor hoje
como se era professor há 30 ou 40 anos atrás, há relações que estão a mudar muito, que a que ideia do que é ser
professor, do próprio horário do seu trabalho, tudo está a mudar a um ritmo vertiginoso e portanto isto é um momento
assustador para os professores, é um momento difícil para os professores. E é por isso que é preciso que os
poderes públicos que as instituições como as universidades ou as instituições de ensino superior, como as
associações, consigam perceber este momento da vida dos professores e sejam capazes de lhes dar o apoio que
permita transformar este susto, ou esta angústia, estes dilemas, em qualquer coisa de positivo. É por isso que chamar
a atenção sistematicamente para a ideia da importância dos professores, para a ideia de que os professores não vão
ser substituídos por máquinas, para a ideia de que os professores continuarão a ter um papel decisivo no futuro é
muito importante e é por isso que é também muito importante escrever, publicar coisas sobre experiências de
professores. A UNESCO, onde estou agora como sabe, tem uma revista, acabou de dedicar uma dessas revistas ao
tema ‘os professores que mudam o mundo’, com experiências de todo o mundo de professores extraordinários, que
estão a fazer coisas extraordinárias às vezes em condições dificílimas; porque é também a partir desta mostrar o que
se faz que também vamos tendo inspiração para outras coisas. Os professores são um grupo, uma classe, são
pessoas, são profissionais absolutamente indispensáveis para o futuro; não há ninguém mais importante para o
futuro, para a formação das próximas gerações, para a formação das gerações que já estão e que continuam a
querer formar-se e a querer ter novas oportunidades de formação; não há nada mais importante que os professores.
Agora, os professores não se podem fechar, não podem ficar uma atitude defensiva, não podem ficar numa
atitude excessivamente angustiada e têm que ser capazes de se apresentar ao mundo, de se expor publicamente, de
serem capazes de dizer ‘nós não podemos resolver tudo mas  estamos a fazer coisas, estamos a trabalhar de outra
maneira, estamos a construir novos caminhos’ e este prestígio, e este reconhecimento público que lhes virá desta
capacidade de avançar com novas ideias e novas capacidades, é absolutamente central. Quando digo isto – eu sei
que fiz muito da minha vida a pensar e a refletir sobre os professores e posso ter aqui e uma atitude parcial – mas eu
estou absolutamente convencido que não há nada na educação, não houve no passado não há no presente e não
haverá no futuro, não há nada que substitua um bom professor. Essa é uma matriz, do ponto de vista da
relação humana, que é absolutamente imprescindível e isso é uma coisa que os professores têm que guardar dentro
deles e têm que saber, em cada momento, que no meio de tantas dificuldades nada, mas mesmo nada, substitui um
bom professor.   

Última alteração: domingo, 27 de setembro de 2020 às 22:30

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