O documento apresenta um perfil do filósofo alemão Peter Sloterdijk, destacando sua carreira acadêmica e influência no mundo do pensamento. Ele é conhecido por obras como Crítica da Razão Cínica e a trilogia Esferas. O texto também resume uma entrevista com Sloterdijk, onde ele discute temas como o pensamento sério, a superficialidade, influências filosóficas e a ascensão dos direitos dos animais.
O documento apresenta um perfil do filósofo alemão Peter Sloterdijk, destacando sua carreira acadêmica e influência no mundo do pensamento. Ele é conhecido por obras como Crítica da Razão Cínica e a trilogia Esferas. O texto também resume uma entrevista com Sloterdijk, onde ele discute temas como o pensamento sério, a superficialidade, influências filosóficas e a ascensão dos direitos dos animais.
O documento apresenta um perfil do filósofo alemão Peter Sloterdijk, destacando sua carreira acadêmica e influência no mundo do pensamento. Ele é conhecido por obras como Crítica da Razão Cínica e a trilogia Esferas. O texto também resume uma entrevista com Sloterdijk, onde ele discute temas como o pensamento sério, a superficialidade, influências filosóficas e a ascensão dos direitos dos animais.
(Karlsruhe, Alemanha, 1947) é um dos grandes nomes
do mundo do pensamento. Professor de Estética e Filosofia na Escola Superior de Design de sua cidade natal, há anos agita o mundo da filosofia – e o mundo como um todo – com suas obras, seu novos conceitos e termos, e suas opiniões. Autor de livros cruciais do pensar de nossa época como Crítica da Razão Cínica, Ira e Tempo e principalmente sua monumental trilogia Esferas (Bolhas, Globos e Espuma), em que desenvolve uma assombrosa teoria do espaço íntimo, Sloterdijk une sua profundidade intelectual a uma face midiática incomum em seu campo e uma cordialidade, um humor e uma ironia que o afastam do paradigma do filósofo alemão usual (Karl Popper, para citar um mal-humorado). O pensador visitou Barcelona onde se reuniu com várias centenas de pessoas em uma conversa no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB). Apesar de sua afabilidade e sua aparente tranquilidade, entrevistar Sloterdijk, cujas páginas um ser humano comum frequentemente precisa ler várias vezes para conseguir entendê- las, é um desafio. Com as passagens de Esferas ainda flutuando na cabeça – “a esfera íntima, consubjetiva, não pode possuir em absoluto uma estrutura eucíclica e parmenídea: o globo psíquico não tem, com o filosófico bem arredondado, um único centro que irradia e engloba tudo, e sim dois epicentros que se interpelam mutuamente por ressonância” –, se entrevista Sloterdijk como se estivesse diante de Plotino. Um Plotino, de fato, um pouco desarrumado e sem meias. A entrevista é de Jacinto Antón, publicada por El País, 05-05-2019. Eis a entrevista. Não lhe parece que o pensar, o pensar de verdade, se tornou uma excentricidade? Ao ler seus livros, tão intensos, percebemos que o pensamento sério, o que exige esforço e concentração, não é numeroso. Nós nos desacostumamos. Sim. Certamente. Isso me lembra uma cerimônia zen em que o mestre pega uma chaleira, como eu estou fazendo agora, e despeja chá até encher a taça, e então continua despejando e o líquido derrama. Você não pode entender nada se a taça não está cheia. Perdemos a capacidade de pensar? Não é capacidade como tal. Mas não ocorrem as circunstâncias vitais que nos permitem afastar e ganhar distância. Para Husserl e sua fenomenologia era preciso sair do tempo impetuoso da vida, o dispositivo mais elementar era sempre dar um passo atrás. Essa ação permite que você se transforme em observador. Sem uma certa distância, sem uma certa desconexão a atitude teórica é impossível. A vida atual não convida a pensar. Hoje a superficialidade se impõe à profundidade. A Filosofia moderna abandonou mais ou menos a metáfora da profundidade. Preferimos dizer que tudo está na superfície, e se existe profundidade é preciso fazer com que ela suba à superfície como se fosse superficial. Caso contrário, você se transforma em um mistagogo, um iniciador em mistérios sagrados. “O filósofo é um pobre diabo condenado a citar a si mesmo continuamente” - Peter Sloterdijk Tweet
Também é verdade que pensar de verdade é difícil e tem algo de
doloroso e angustiante quando se chega perto dos limites do eu e da autoconsciência. Não estou convencido disso. A filosofia original na antiguidade era algo ambivalente. Temos os dois topos: Heráclito, que chorava, e Demócrito, que ria constantemente. Esse traço comentado de ambos pelas fontes aparece até mesmo em suas estátuas. Para Platão, de uma tradição diferente, pensar é o prazer mais elevado. Isso por uma razão: a essência do pensamento é lembrar e o que devemos lembrar é o fato de que estivemos muito próximos da essência divina e a única coisa que deve ser feita para eliminar os obstáculos que não te permitem alcançá-la é lembrar claramente. Basicamente, deveria se tratar de felicidade. Mas não funciona assim porque, certamente, na antiguidade os pensadores eram conhecidos por ter sempre um rosto triste. Eram mais respeitados por isso, seus compatriotas esperavam que tivessem aspecto melancólico e o cenho franzido (ri). Era um truque muito bom, porque ninguém sentia inveja de alguém triste. É melhor esconder sua boa sorte. O que me lembra uma frase de Walter Serner, o dadaísta, autor de Manual para Enganadores, que dizia que sempre que você se mudar a uma nova cidade deixe que o rumor de que você tem câncer o preceda, isso reduz a inveja. Seus competidores já não te levarão tão a sério. O número de críticos que o senhor teve não é de se desprezar. Habermas, por exemplo, o tachou de “neopagão”, e de coisas piores por suas considerações em Regras para o Parque Humano sobre a biotecnologia e as possibilidades de manipulação genética dos seres humanos. Eu cometi muitos erros. É um erro pressupor que as pessoas irão gostar de você por suas opiniões. Por defender e reivindicar Heidegger, por exemplo? Sim. Mas meu erro principal foi escrever um livro de filosofia divertido de mais de 900 páginas, Crítica da Razão Cínica, um livro com senso de humor e, se me permite, com um bom estilo. Pensar o faz feliz? Às vezes. Tenho a doença crônica da idade avançada, a limitação do tempo e a sensação de que as mulheres bonitas estão ainda mais distantes do que no passado. Olhe essas garotas aí fora. É terrível. O senhor tem uma predisposição ao politicamente incorreto, vejo que não só por Heidegger e Nietzsche. Sim, mas isso passará em algumas décadas e se considerará que era uma moda, da mesma forma que no século XVII ocorreu o movimento do Ridículo. Evidentemente, esse é mais global. Mas estou convencido de que a longo prazo irá parecer absurdo. O senhor reconhece mestres muito diferentes, Bloch, Adorno, Osho, Nietzsche, Lacan, e Valéry e Pavese. Os mestres são encontrados por acaso ou são procurados? Quando eu era muito jovem não tínhamos mestres e não usávamos esse conceito. Depois quando li Adorno, Husserl e Bloch tive a sensação de conhecer verdadeiros mestres. Nos anos 60, viajei à Índia, que era uma forma de autoexploração. Lá conheceu Rajneesh Osho, que era chamado de guru do sexo e dos Rolls Royce e que o senhor reivindica. Sua fama discutível não o preocupa? Em seu caso os escândalos eram uma forma de relações públicas. Citar Osho como uma influência torna você suspeito. Mas sempre me interessaram as possibilidades inaceitáveis. Gosto da capacidade de provocação espiritual de Rajneesh. Faz parte de uma longa tradição de crítica ao ego metafísico. O senhor também destaca Nietzsche como uma grande influência. Sim, desde muito cedo. Sempre me acompanhou em minha evolução em cada etapa. Voltou agora, inclusive. Em sua linha, estou prestes a publicar um ensaio sobre a arte de inventar Deus, chamo isso de teopoesia. “As imagens e as metáforas frequentemente têm um valor conceitual profundo” - Peter Sloterdijk Tweet
Esferas I abre com uma citação de A Poética do Espaço de
Gaston Bachelard. Esse livro o influenciou? Sim, acredito que as imagens e as metáforas frequentemente têm um valor conceitual profundo, e de que não só o discurso conceitual pode levar consigo introspecções importantes. O senhor se afasta do modelo de filósofo majestático. O filósofo está condenado a citar a si mesmo continuamente e é um pobre diabo porque precisa compartilhar suas opiniões o tempo todo. Na Índia diriam que o filósofo tem um karma horrível e por isso é filósofo. Seria por isso que Karl Popper era tão antipático? Uma vez me tratou horrivelmente. Mas certamente eu merecia. Era um austríaco frustrado. Foi à Grã-Bretanha, mas nunca esteve disposto a aprender bem o inglês. Seu verdadeiro problema era que Wittgenstein sempre estava ali e Wittgenstein estava cercado por uma aura de gênio. Precisou fazer um grande esforço para manter o tipo. é necessário perdoá-lo. Como a filosofia lida com a ascensão dos animais no discurso social? Isso demonstra que o espírito da humanidade se movimenta em círculos, porque começamos como animistas e agora as teses dos animalistas voltam a estar regidas por esse princípio. Mas ter uma alma significa ser portador de exigências legais. De modo que não estamos falando somente de animismo e de dar um tratamento adequado, e sim do que significa reconhecer os animais como sujeitos. E não unicamente os animais. Li em algum lugar que na Nova Zelândia deram a um rio a categoria de sujeito e que pode contratar um advogado. O feminismo é um retorno do matriarcado? Não, o novo feminismo é um movimento mais ou menos intelectual. Mas as mulheres que tiveram a experiência de maternidade não se sentem representadas. Deveria perguntar melhor sobre o feminismo a Judith Butler e a Beatriz. Beatriz? Minha mulher. O senhor sustenta que a arena romana voltou, assim como um novo teatro da crueldade. Uma nova arena geral e virtual da sociedade midiática de entretenimento. Uma metarena totalitária. Algo que vai muito mais além da sociedade do espetáculo de Guy Debord e que serve para dirigir o ressentimento das massas. Eu mesmo, ao cair um dia em descrédito, fui um desses cristãos primitivos com problemas no momento da ressurreição porque havia sido devorado pelos leões e excretado por seus intestinos. Recuperar a forma original nessas condições é muito difícil.
"Fartamente ilustrado, o volume oferece ao leitor, em reproduções não
muito boas, obras religiosas e obras profanas, todas relacionadas ao tema tratado por Sloterdijk, mas elas não são comentadas (com uma ou outra exceção), cabendo ao leitor fazer a ligação entre texto e imagem e tirar as suas conclusões", escreve Sergio Medeiros, poeta, ensaísta, tradutor, professor na UFSC e autor de 'A Idolatria Poética ou A Febre de Imagens' e 'As Emas do General Stroessner', ambas da Editora Iluminuras, em artigo publicado por Estado de S. Paulo, 19-03-2017. Eis o artigo. A obra Bolhas é o primeiro volume da trilogia Esferas, do filósofo alemão Peter Sloterdijk. O segundo volume, ainda não traduzido para o português, intitula-se Globos, e o terceiro, Espumas. O leitor curioso não terá dificuldades para percorrer as 2.500 páginas da trilogia, que lerá com prazer, da primeira à última página, pois se trata de uma obra acessível e fascinante. Não apenas porque o autor reflete com originalidade e agudeza sobre a lei das esferas ou da globalização, mas também porque a sua escrita colabora enormemente para que o leitor se sinta à vontade em meio à impressionante massa de dados de diferentes fontes do passado e do presente sobre a “existência esférica”; esses dados lhe são entregues generosamente, às vezes em pequenos resumos, às vezes extensamente, sempre acompanhados de comentários argutos do autor. Sloterdijk apresenta o mundo redondo intimamente compartilhado e propõe uma análise das bolhas bipolares, situando sua reflexão no universo das microesferas ou das esferas íntimas; traz assim à tona vários exemplos do que ele denomina de relações de intimidade, as quais descreve como a coexistência “de algo com algo no interior de algo” (o feto que recebe no útero as boas-vindas da mãe). Sloterdijk contesta a visão dogmática de uma solidão primária do ser humano, a qual, segundo ele, apresenta-se de maneira mais triunfal do que nunca na modernidade. Para o autor, a relação com o outro é que é fundadora e imemorial. Ele pede que o leitor se liberte do espírito anticristão dos últimos séculos e reavalie sem preconceitos a possibilidade de acessibilidade ao outro, essa experiência fundamental da esferologia antiga (o cristianismo dos primeiros tempos): “Quem quiser reconstituir hoje experiências fundamentais de comunhão e de comunidade precisa estar livre de reflexos antirreligiosos”. Fartamente ilustrado, o volume oferece ao leitor, em reproduções não muito boas, obras religiosas e obras profanas, todas relacionadas ao tema tratado por Sloterdijk, mas elas não são comentadas (com uma ou outra exceção), cabendo ao leitor fazer a ligação entre texto e imagem e tirar as suas conclusões. O leitor talvez tenha a impressão de ter acesso a uma transcrição daquelas apresentações acadêmicas contemporâneas em que o autor lê no computador um ensaio erudito enquanto atrás dele, num telão, vão passando imagens mais ou menos casuais que “ilustram” aspectos de sua fala. Esse caráter descontraído e meio improvisado, entre imagem e texto, confere vivacidade ao livro de Sloterdijk e contribui para criar uma “relação de intimidade” com o leitor. “O que aparece como novo só pode ser, nestes assuntos”, afirma o pensador alemão, “a clareza crepitante, talvez demoníaca, da apresentação”. Ao defender uma lógica universal de estar-no-espaço- partilhado, Sloterdijk propõe equações saborosas, como a que une teologia com surrealismo (o leitor deparará com locuções como “interpessoalidade surreal”), ou arte de vanguarda com criações mitológicas arcaicas. Heidegger e Andy Warhol estão perfeitamente integrados nesta esferologia contemporânea (um modelo de união), assim como Santo Agostinho e o astro pop, entre numerosas outras personalidades que nem sempre o leitor espera ver juntas num livro de filosofia. A menção à música pop não é uma mera concessão ao contemporâneo e à cultura de massa; um dos capítulos mais impressionantes de Bolhas é o que se chama O Estágio das Sereias: sobre a Primeira Aliança Sonosférica, em que a pesquisa dos pares e a teoria do espaço dual desemboca no conceito de canto e desenvolve o conceito de ouvinte contra o de consumidor de imagens. “Quando os padres não estão por perto, fica evidente que os homens não querem se tornar Deus, mas um hit musical”, conclui Sloterdijk, que passa então a analisar a cena musical pós-moderna: “Mas a histeria dos tenores e a agitação pop não seriam tão atraentes se não estivessem sempre oferecendo projeções mais impressionantes desses poderes arcaicos que efetuam as formações do EU através do ouvido”. Os humanos não querem se parecer a algo, mas soar como algo, e seu autor denuncia: “Foi preciso o desencadeamento da moderna maquinaria de imagens que, desde o Barroco, imprime seus clichês na população para ocultar essa relação fundamental e submeter as massas ao encantamento do individualismo visual, com seus instantâneos, seus espelhos e suas revistas de moda”. A isso Sloterdijk denomina teoria da comunicação emotiva nas grandes sociedades (homens são animais que se ouvem uns aos outros), e ao fazer o elogio do ouvido, refuta a tese da solidão primária do ser humano e afirma o fundamento da receptividade dos indivíduos às mensagens de seus semelhantes. Sua conclusão não é surpreendente: “Só com base no grande desenvolvimento emotivo da audição foi possível à existência humana tornar-se estadia em uma estufa sonosférica”.
Peter Sloterdijk é um dos filósofos mais conhecidos da atualidade,
também ativo como autor de livros e artigos para conceituados jornais e revistas alemães. Ao lado do colega Rüdiger Safranski, ele apresenta na TV o programa Das Philosophische Quartett (O quarteto filosófico), onde dá ao público acesso a temas filosóficos, e filosofa sobre assuntos que movimentam a opinião pública. Há dez anos ele é reitor da Escola Superior de Design, em Karlsruhe. Entre os docentes da instituição encontram-se não apenas designers e artistas de novas mídias, como também filósofos e sociólogos. Ainda assim, Sloterdijk classifica como marginal o papel da filosofia no século atual. Em entrevista à Gaby Reucher do sítio Deutsche Welle, 11-05- 2011, ele fala sobre a função do filósofo em nossa época de reviravolta social. Eis a entrevista. O senhor tem um programa de televisão, Das Philosophische Quartett, e cada vez mais somos confrontados com a filosofia nos cadernos culturais dos jornais e no rádio. Por que essa área do conhecimento anda novamente tão solicitada? Não sei se concordo com este seu diagnóstico. Se você pensar no tempo em que autores como Albert Camus ou Jean-Paul Sartre estavam vivos e no ápice da sua produtividade – digamos, nas décadas de 1950 e 1960 – nessa época, pode-se afirmar que a filosofia desempenhava uma função oficial. No momento ela me parece muito, muito marginalizada. Temos um sistema artístico que floresce com força. Temos uma cena cultural jovem que tomou dimensões gigantescas, uma cena de cultura de massa. Na minha percepção, a filosofia só representa aqui um papel decorativo, à margem. É claro que vez por outra se convidam filósofos, mas geralmente só dentro de uma rubrica como "extra" ou "o olhar de fora". Assim o senhor está apagando o próprio brilho. A tarefa do filósofo, hoje, não é outra? Ele não mais é o escrivão introvertido, que fica meditando de si para consigo, mas sim alguém como o senhor, que vai até o público e é percebido através de suas opiniões sobre política e engenharia genética. Isso está correto. Mas eu procuro descrever a situação como ela seria, se eu não existisse. No momento, sou a ave rara desse bosque, que assume posições totalmente atípicas. Se observar todo o resto do bosque, a senhora vai ter que constatar que não há muito mais acontecendo. Nos últimos 20 anos, nós – Rüdiger Safranski e eu – fundamos em solo alemão um novo tipo de filósofo não acadêmico, literário. Mas excluindo nós dois: o que resta, então? Temos um punhado de publicistas que oferecem um pouco de filosofia e, no geral, temos uma filosofia acadêmica. Meio de mau humor, ela vai tocando o seu trabalho, mas justamente sem conseguir completar a ponte para com os questionamentos gerais. Este é o verdadeiro estado de coisas. Então o que o filósofo de nossos tempos precisa saber fazer? Acredito que só faz sentido praticar filosofia hoje reavivando a tradição sofista de poder participar de qualquer debate. Quer dizer, precisaríamos de mais formação retórica, precisaríamos reunir nos seres humanos muito mais conhecimento geral de vida, de política, de ciência, de arte. Precisamos voltar a atrair filósofos que sejam decatletas da disciplina teórica. O senhor também poderia ser conselheiro num tempo de desencanto político, de esgotamento religioso? Tudo isso abre uma palheta muito ampla de novas competências. Acho que o espectro das opções profissionais nunca foi tão grande para os filósofos quanto hoje. Eles podem fazer quase tudo, desde consultoria de gerenciamento até dirigir um banco. Mas esse filósofo também precisa saber desenvolver ideias, ou não? Ele não faz outra coisa. Filósofos são produtores de conceitos, é esse o seu ofício. Eles vivem numa oficina onde se leva adiante o desenvolvimento de concepções que já existem. E essa é a relação interna com a atividade de designer. Pois design jamais significa inventar algo do zero, mas sim repensar mais uma vez objetos já existentes radicalmente – a partir das moléculas, por assim dizer –, de modo que sua aparência possa se transformar de novo. Embora o princípio da utilização, como tal, pareça ter chegado ao grau definitivo de desenvolvimento. Aparentemente, a maioria dos conceitos num vocabulário genérico já existe há muito. Mas olhando-se um conceito de perto e o reprocessando, é possível dar seguimento à sua construção. Esse tipo de trabalho tem que estar sendo sempre recomeçado. Por isso, vivemos na era do design e do trabalho conceitual: a permanente reinvenção do mundo, partindo do princípio de que ele já existe e ainda assim não basta. De modo que sempre temos uma razão para começar tudo de novo. Hoje em dia talvez seja necessário achar conceitos e palavras totalmente novos. No momento ocorre muita coisa no mundo – catástrofes como a de Fukushima – que se pensava ser totalmente impossível. Aí geralmente faltam conceitos e palavras. De início faltam conceitos no sentido em que tudo que é avassalador tira a fala. As catástrofes netunianas vindas do mar, as catástrofes vulcânicas vindas das entranhas da terra: são coisas que desde sempre nos deixaram mudos. Nesse sentido, todo trabalho cultural é um trabalho pós- catastrófico. Há 5 mil anos os seres humanos tentam superar o que aconteceu na época do dilúvio, nessas grandes catástrofes da Idade do Bronze. Todo o processo civilizatório é uma elaboração de cesuras catastróficas. E quando nada acontece durante um tempo mais longo, cria-se essa espécie de calma ilusória da qual estamos sendo convidados a acordar, no momento. Neste sentido, tem-se que dizer que vivemos numa época boa, pois ela contribui muito para o imperativo do despertar.