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Peter Sloterdijk 

(Karlsruhe, Alemanha, 1947) é um dos grandes nomes


do mundo do pensamento. Professor de Estética e
Filosofia na Escola Superior de Design de sua cidade natal, há anos
agita o mundo da filosofia – e o mundo como um todo – com suas obras,
seu novos conceitos e termos, e suas opiniões. Autor de livros cruciais do
pensar de nossa época como Crítica da Razão Cínica, Ira e Tempo e
principalmente sua monumental
trilogia Esferas (Bolhas, Globos e Espuma), em que desenvolve uma
assombrosa teoria do espaço íntimo, Sloterdijk une sua profundidade
intelectual a uma face midiática incomum em seu campo e uma
cordialidade, um humor e uma ironia que o afastam do paradigma do
filósofo alemão usual (Karl Popper, para citar um mal-humorado).
O pensador visitou Barcelona onde se reuniu com várias centenas de
pessoas em uma conversa no Centro de Cultura Contemporânea de
Barcelona (CCCB). Apesar de sua afabilidade e sua aparente
tranquilidade, entrevistar Sloterdijk, cujas páginas um ser humano
comum frequentemente precisa ler várias vezes para conseguir entendê-
las, é um desafio. Com as passagens de Esferas ainda flutuando na
cabeça – “a esfera íntima, consubjetiva, não pode possuir em absoluto
uma estrutura eucíclica e parmenídea: o globo psíquico não tem, com o
filosófico bem arredondado, um único centro que irradia e engloba tudo, e
sim dois epicentros que se interpelam mutuamente por ressonância” –, se
entrevista Sloterdijk como se estivesse diante de Plotino. Um Plotino,
de fato, um pouco desarrumado e sem meias.
A entrevista é de Jacinto Antón, publicada por El País, 05-05-2019.
Eis a entrevista.
Não lhe parece que o pensar, o pensar de verdade, se tornou
uma excentricidade? Ao ler seus livros, tão intensos,
percebemos que o pensamento sério, o que exige esforço e
concentração, não é numeroso. Nós nos desacostumamos.
Sim. Certamente. Isso me lembra uma cerimônia zen em que o mestre
pega uma chaleira, como eu estou fazendo agora, e despeja chá até encher
a taça, e então continua despejando e o líquido derrama. Você não pode
entender nada se a taça não está cheia.
Perdemos a capacidade de pensar?
Não é capacidade como tal. Mas não ocorrem as circunstâncias vitais que
nos permitem afastar e ganhar distância. Para Husserl e sua
fenomenologia era preciso sair do tempo impetuoso da vida, o dispositivo
mais elementar era sempre dar um passo atrás. Essa ação permite que
você se transforme em observador. Sem uma certa distância, sem uma
certa desconexão a atitude teórica é impossível. A vida atual não convida a
pensar.
Hoje a superficialidade se impõe à profundidade.
A Filosofia moderna abandonou mais ou menos a metáfora da
profundidade. Preferimos dizer que tudo está na superfície, e se existe
profundidade é preciso fazer com que ela suba à superfície como se fosse
superficial. Caso contrário, você se transforma em um mistagogo, um
iniciador em mistérios sagrados.
“O filósofo é um pobre diabo condenado a citar a si mesmo
continuamente” - Peter Sloterdijk
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Também é verdade que pensar de verdade é difícil e tem algo de


doloroso e angustiante quando se chega perto dos limites do eu
e da autoconsciência.
Não estou convencido disso. A filosofia original na antiguidade era algo
ambivalente. Temos os dois topos: Heráclito, que chorava,
e Demócrito, que ria constantemente. Esse traço comentado de ambos
pelas fontes aparece até mesmo em suas estátuas. Para Platão, de uma
tradição diferente, pensar é o prazer mais elevado. Isso por uma razão: a
essência do pensamento é lembrar e o que devemos lembrar é o fato de
que estivemos muito próximos da essência divina e a única coisa que deve
ser feita para eliminar os obstáculos que não te permitem alcançá-la é
lembrar claramente. Basicamente, deveria se tratar de felicidade. Mas não
funciona assim porque, certamente, na antiguidade os pensadores eram
conhecidos por ter sempre um rosto triste. Eram mais respeitados por
isso, seus compatriotas esperavam que tivessem aspecto melancólico e o
cenho franzido (ri). Era um truque muito bom, porque ninguém sentia
inveja de alguém triste. É melhor esconder sua boa sorte. O que me
lembra uma frase de Walter Serner, o dadaísta, autor de Manual para
Enganadores, que dizia que sempre que você se mudar a uma nova
cidade deixe que o rumor de que você tem câncer o preceda, isso reduz a
inveja. Seus competidores já não te levarão tão a sério.
O número de críticos que o senhor teve não é de se
desprezar. Habermas, por exemplo, o tachou de “neopagão”, e
de coisas piores por suas considerações em Regras para o
Parque Humano sobre a biotecnologia e as possibilidades de
manipulação genética dos seres humanos.
Eu cometi muitos erros. É um erro pressupor que as pessoas irão gostar
de você por suas opiniões.
Por defender e reivindicar Heidegger, por exemplo?
Sim. Mas meu erro principal foi escrever um livro de filosofia divertido de
mais de 900 páginas, Crítica da Razão Cínica, um livro com senso de
humor e, se me permite, com um bom estilo.
Pensar o faz feliz?
Às vezes. Tenho a doença crônica da idade avançada, a limitação do
tempo e a sensação de que as mulheres bonitas estão ainda mais distantes
do que no passado. Olhe essas garotas aí fora. É terrível.
O senhor tem uma predisposição ao politicamente incorreto,
vejo que não só por Heidegger e Nietzsche.
Sim, mas isso passará em algumas décadas e se considerará que era uma
moda, da mesma forma que no século XVII ocorreu o movimento do
Ridículo. Evidentemente, esse é mais global. Mas estou convencido de que
a longo prazo irá parecer absurdo.
O senhor reconhece mestres muito diferentes, Bloch, Adorno,
Osho, Nietzsche, Lacan, e Valéry e Pavese. Os mestres são
encontrados por acaso ou são procurados?
Quando eu era muito jovem não tínhamos mestres e não usávamos esse
conceito. Depois quando li Adorno, Husserl e Bloch tive a sensação de
conhecer verdadeiros mestres. Nos anos 60, viajei à Índia, que era uma
forma de autoexploração.
Lá conheceu Rajneesh Osho, que era chamado de guru do sexo
e dos Rolls Royce e que o senhor reivindica. Sua fama discutível
não o preocupa?
Em seu caso os escândalos eram uma forma de relações públicas.
Citar Osho como uma influência torna você suspeito. Mas sempre me
interessaram as possibilidades inaceitáveis. Gosto da capacidade de
provocação espiritual de Rajneesh. Faz parte de uma longa tradição de
crítica ao ego metafísico.
O senhor também destaca Nietzsche como uma grande
influência.
Sim, desde muito cedo. Sempre me acompanhou em minha evolução em
cada etapa. Voltou agora, inclusive. Em sua linha, estou prestes a publicar
um ensaio sobre a arte de inventar Deus, chamo isso de teopoesia.
“As imagens e as metáforas frequentemente têm um valor
conceitual profundo” - Peter Sloterdijk
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Esferas I abre com uma citação de A Poética do Espaço de


Gaston Bachelard. Esse livro o influenciou?
Sim, acredito que as imagens e as metáforas frequentemente têm um
valor conceitual profundo, e de que não só o discurso conceitual pode
levar consigo introspecções importantes.
O senhor se afasta do modelo de filósofo majestático.
O filósofo está condenado a citar a si mesmo continuamente e é um pobre
diabo porque precisa compartilhar suas opiniões o tempo todo.
Na Índia diriam que o filósofo tem um karma horrível e por isso é
filósofo.
Seria por isso que Karl Popper era tão antipático? Uma vez me
tratou horrivelmente. Mas certamente eu merecia.
Era um austríaco frustrado. Foi à Grã-Bretanha, mas nunca esteve
disposto a aprender bem o inglês. Seu verdadeiro problema era
que Wittgenstein sempre estava ali e Wittgenstein estava cercado por
uma aura de gênio. Precisou fazer um grande esforço para manter o tipo.
é necessário perdoá-lo.
Como a filosofia lida com a ascensão dos animais no discurso
social?
Isso demonstra que o espírito da humanidade se movimenta em círculos,
porque começamos como animistas e agora as teses dos animalistas
voltam a estar regidas por esse princípio. Mas ter uma alma significa ser
portador de exigências legais. De modo que não estamos falando somente
de animismo e de dar um tratamento adequado, e sim do que significa
reconhecer os animais como sujeitos. E não unicamente os animais. Li em
algum lugar que na Nova Zelândia deram a um rio a categoria de sujeito
e que pode contratar um advogado.
O feminismo é um retorno do matriarcado?
Não, o novo feminismo é um movimento mais ou menos intelectual. Mas
as mulheres que tiveram a experiência de maternidade não se sentem
representadas. Deveria perguntar melhor sobre o feminismo a Judith
Butler e a Beatriz.
Beatriz?
Minha mulher.
O senhor sustenta que a arena romana voltou, assim como um
novo teatro da crueldade.
Uma nova arena geral e virtual da sociedade midiática de entretenimento.
Uma metarena totalitária. Algo que vai muito mais além da sociedade do
espetáculo de Guy Debord e que serve para dirigir o ressentimento das
massas. Eu mesmo, ao cair um dia em descrédito, fui um desses cristãos
primitivos com problemas no momento da ressurreição porque havia sido
devorado pelos leões e excretado por seus intestinos. Recuperar a forma
original nessas condições é muito difícil.

"Fartamente ilustrado, o volume oferece ao leitor, em reproduções não


muito boas, obras religiosas e obras profanas, todas relacionadas ao tema
tratado por Sloterdijk, mas elas não são comentadas (com uma ou outra
exceção), cabendo ao leitor fazer a ligação entre texto e imagem e tirar as
suas conclusões", escreve Sergio Medeiros, poeta, ensaísta, tradutor,
professor na UFSC e autor de 'A Idolatria Poética ou A Febre de Imagens'
e 'As Emas do General Stroessner', ambas da Editora Iluminuras, em
artigo publicado por Estado de S. Paulo, 19-03-2017.
Eis o artigo. 
A obra Bolhas é o primeiro volume da trilogia Esferas, do filósofo
alemão Peter Sloterdijk. O segundo volume, ainda não traduzido para o
português, intitula-se Globos, e o terceiro, Espumas. O leitor curioso não
terá dificuldades para percorrer as 2.500 páginas da trilogia, que lerá com
prazer, da primeira à última página, pois se trata de uma obra acessível e
fascinante.
Não apenas porque o autor reflete com originalidade e agudeza sobre a lei
das esferas ou da globalização, mas também porque a sua escrita colabora
enormemente para que o leitor se sinta à vontade em meio à
impressionante massa de dados de diferentes fontes do passado e do
presente sobre a “existência esférica”; esses dados lhe são entregues
generosamente, às vezes em pequenos resumos, às vezes extensamente,
sempre acompanhados de comentários argutos do autor.
Sloterdijk apresenta o mundo redondo intimamente compartilhado e
propõe uma análise das bolhas bipolares, situando sua reflexão no
universo das microesferas ou das esferas íntimas; traz assim à tona vários
exemplos do que ele denomina de relações de intimidade, as quais
descreve como a coexistência “de algo com algo no interior de algo” (o feto
que recebe no útero as boas-vindas da mãe). Sloterdijk contesta a visão
dogmática de uma solidão primária do ser humano, a qual, segundo ele,
apresenta-se de maneira mais triunfal do que nunca na modernidade.
Para o autor, a relação com o outro é que é fundadora e imemorial. Ele
pede que o leitor se liberte do espírito anticristão dos últimos séculos e
reavalie sem preconceitos a possibilidade de acessibilidade ao outro, essa
experiência fundamental da esferologia antiga (o cristianismo dos
primeiros tempos): “Quem quiser reconstituir hoje experiências
fundamentais de comunhão e de comunidade precisa estar livre de
reflexos antirreligiosos”.
Fartamente ilustrado, o volume oferece ao leitor, em reproduções não
muito boas, obras religiosas e obras profanas, todas relacionadas ao tema
tratado por Sloterdijk, mas elas não são comentadas (com uma ou outra
exceção), cabendo ao leitor fazer a ligação entre texto e imagem e tirar as
suas conclusões. O leitor talvez tenha a impressão de ter acesso a uma
transcrição daquelas apresentações acadêmicas contemporâneas em que o
autor lê no computador um ensaio erudito enquanto atrás dele, num
telão, vão passando imagens mais ou menos casuais que “ilustram”
aspectos de sua fala. Esse caráter descontraído e meio improvisado, entre
imagem e texto, confere vivacidade ao livro de Sloterdijk e contribui
para criar uma “relação de intimidade” com o leitor. “O que aparece como
novo só pode ser, nestes assuntos”, afirma o pensador alemão, “a clareza
crepitante, talvez demoníaca, da apresentação”.
Ao defender uma lógica universal de estar-no-espaço-
partilhado, Sloterdijk propõe equações saborosas, como a que une
teologia com surrealismo (o leitor deparará com locuções como
“interpessoalidade surreal”), ou arte de vanguarda com criações
mitológicas arcaicas. Heidegger e Andy Warhol estão perfeitamente
integrados nesta esferologia contemporânea (um modelo de união), assim
como Santo Agostinho e o astro pop, entre numerosas outras
personalidades que nem sempre o leitor espera ver juntas num livro
de filosofia. A menção à música pop não é uma mera concessão ao
contemporâneo e à cultura de massa; um dos capítulos mais
impressionantes de Bolhas é o que se chama O Estágio das Sereias:
sobre a Primeira Aliança Sonosférica, em que a pesquisa dos pares
e a teoria do espaço dual desemboca no conceito de canto e desenvolve o
conceito de ouvinte contra o de consumidor de imagens. “Quando os
padres não estão por perto, fica evidente que os homens não querem se
tornar Deus, mas um hit musical”, conclui Sloterdijk, que passa então a
analisar a cena musical pós-moderna: “Mas a histeria dos tenores e a
agitação pop não seriam tão atraentes se não estivessem sempre
oferecendo projeções mais impressionantes desses poderes arcaicos que
efetuam as formações do EU através do ouvido”. Os humanos não
querem se parecer a algo, mas soar como algo, e seu autor denuncia: “Foi
preciso o desencadeamento da moderna maquinaria de imagens que,
desde o Barroco, imprime seus clichês na população para ocultar essa
relação fundamental e submeter as massas ao encantamento do
individualismo visual, com seus instantâneos, seus espelhos e suas
revistas de moda”.
A isso Sloterdijk denomina teoria da comunicação emotiva nas grandes
sociedades (homens são animais que se ouvem uns aos outros), e ao fazer
o elogio do ouvido, refuta a tese da solidão primária do ser humano e
afirma o fundamento da receptividade dos indivíduos às mensagens de
seus semelhantes. Sua conclusão não é surpreendente: “Só com base no
grande desenvolvimento emotivo da audição foi possível à existência
humana tornar-se estadia em uma estufa sonosférica”.

Peter Sloterdijk é um dos filósofos mais conhecidos da atualidade,


também ativo como autor de livros e artigos para conceituados jornais e
revistas alemães. Ao lado do colega Rüdiger Safranski, ele apresenta na
TV o programa Das Philosophische Quartett (O quarteto filosófico), onde
dá ao público acesso a temas filosóficos, e filosofa sobre assuntos que
movimentam a opinião pública.
Há dez anos ele é reitor da Escola Superior de Design, em Karlsruhe.
Entre os docentes da instituição encontram-se não apenas designers e
artistas de novas mídias, como também filósofos e sociólogos. Ainda
assim, Sloterdijk classifica como marginal o papel da filosofia no século
atual. Em entrevista à Gaby Reucher do sítio Deutsche Welle, 11-05-
2011, ele fala sobre a função do filósofo em nossa época de reviravolta
social.
Eis a entrevista.
O senhor tem um programa de televisão, Das Philosophische
Quartett, e cada vez mais somos confrontados com a filosofia
nos cadernos culturais dos jornais e no rádio. Por que essa área
do conhecimento anda novamente tão solicitada?
Não sei se concordo com este seu diagnóstico. Se você pensar no tempo
em que autores como Albert Camus ou Jean-Paul Sartre estavam
vivos e no ápice da sua produtividade – digamos, nas décadas de 1950 e
1960 – nessa época, pode-se afirmar que a filosofia desempenhava uma
função oficial. No momento ela me parece muito, muito marginalizada.
Temos um sistema artístico que floresce com força. Temos uma cena
cultural jovem que tomou dimensões gigantescas, uma cena de cultura de
massa. Na minha percepção, a filosofia só representa aqui um papel
decorativo, à margem. É claro que vez por outra se convidam filósofos,
mas geralmente só dentro de uma rubrica como "extra" ou "o olhar de
fora".
Assim o senhor está apagando o próprio brilho. A tarefa do
filósofo, hoje, não é outra? Ele não mais é o escrivão
introvertido, que fica meditando de si para consigo, mas sim
alguém como o senhor, que vai até o público e é percebido
através de suas opiniões sobre política e engenharia genética.
Isso está correto. Mas eu procuro descrever a situação como ela seria, se
eu não existisse. No momento, sou a ave rara desse bosque, que assume
posições totalmente atípicas. Se observar todo o resto do bosque, a
senhora vai ter que constatar que não há muito mais acontecendo. Nos
últimos 20 anos, nós – Rüdiger Safranski e eu – fundamos em solo
alemão um novo tipo de filósofo não acadêmico, literário. Mas excluindo
nós dois: o que resta, então? Temos um punhado de publicistas que
oferecem um pouco de filosofia e, no geral, temos uma filosofia
acadêmica. Meio de mau humor, ela vai tocando o seu trabalho, mas
justamente sem conseguir completar a ponte para com os
questionamentos gerais. Este é o verdadeiro estado de coisas.
Então o que o filósofo de nossos tempos precisa saber fazer?
Acredito que só faz sentido praticar filosofia hoje reavivando a tradição
sofista de poder participar de qualquer debate. Quer dizer, precisaríamos
de mais formação retórica, precisaríamos reunir nos seres humanos muito
mais conhecimento geral de vida, de política, de ciência, de arte.
Precisamos voltar a atrair filósofos que sejam decatletas da disciplina
teórica.
O senhor também poderia ser conselheiro num tempo de
desencanto político, de esgotamento religioso?
Tudo isso abre uma palheta muito ampla de novas competências. Acho
que o espectro das opções profissionais nunca foi tão grande para os
filósofos quanto hoje. Eles podem fazer quase tudo, desde consultoria de
gerenciamento até dirigir um banco.
Mas esse filósofo também precisa saber desenvolver ideias, ou
não?
Ele não faz outra coisa. Filósofos são produtores de conceitos, é esse o seu
ofício. Eles vivem numa oficina onde se leva adiante o desenvolvimento de
concepções que já existem. E essa é a relação interna com a atividade de
designer. Pois design jamais significa inventar algo do zero, mas sim
repensar mais uma vez objetos já existentes radicalmente – a partir das
moléculas, por assim dizer –, de modo que sua aparência possa se
transformar de novo. Embora o princípio da utilização, como tal, pareça
ter chegado ao grau definitivo de desenvolvimento.
Aparentemente, a maioria dos conceitos num vocabulário genérico já
existe há muito. Mas olhando-se um conceito de perto e o reprocessando,
é possível dar seguimento à sua construção. Esse tipo de trabalho tem que
estar sendo sempre recomeçado. Por isso, vivemos na era do design e do
trabalho conceitual: a permanente reinvenção do mundo, partindo do
princípio de que ele já existe e ainda assim não basta. De modo que
sempre temos uma razão para começar tudo de novo.
Hoje em dia talvez seja necessário achar conceitos e palavras
totalmente novos. No momento ocorre muita coisa no mundo –
catástrofes como a de Fukushima – que se pensava ser
totalmente impossível. Aí geralmente faltam conceitos e
palavras.
De início faltam conceitos no sentido em que tudo que é avassalador tira a
fala. As catástrofes netunianas vindas do mar, as catástrofes vulcânicas
vindas das entranhas da terra: são coisas que desde sempre nos deixaram
mudos. Nesse sentido, todo trabalho cultural é um trabalho pós-
catastrófico. Há 5 mil anos os seres humanos tentam superar o que
aconteceu na época do dilúvio, nessas grandes catástrofes da Idade do
Bronze. Todo o processo civilizatório é uma elaboração de cesuras
catastróficas. E quando nada acontece durante um tempo mais longo,
cria-se essa espécie de calma ilusória da qual estamos sendo convidados a
acordar, no momento. Neste sentido, tem-se que dizer que vivemos numa
época boa, pois ela contribui muito para o imperativo do despertar.

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