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Teorias e Abordagens Pedagógicas:

Contextos e Perspectivas

Brasília-DF.
Elaboração

Sandra N. L. P. Dutra

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 6

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8

UNIDADE I
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO
BRASILEIRO................................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1
CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA............................................................ 13

CAPÍTULO 2
BRASIL: A CONSTRUÇÃO DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS............................................................... 17

CAPÍTULO 3
O BRASIL E AS TEORIAS PEDAGÓGICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS............................................ 22

CAPÍTULO 4
A CIENTIFICIDADE DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO.............................................. 29

UNIDADE II
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO......................................................................................................................................... 44

CAPÍTULO 1
O BEHAVIORISMO E A ABORDAGEM CIENTÍFICA DO ENSINO................................................... 45

CAPÍTULO 2
O COGNITIVISMO E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS......................................................... 52

CAPÍTULO 3
JEAN PIAGET E O CONSTRUTIVISMO NA EDUCAÇÃO................................................................ 61

CAPÍTULO 4
LEV VYGOTSKY E O SOCIOCONSTRUTIVISMO NA EDUCAÇÃO.................................................. 65

UNIDADE III
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM........................................................... 76

CAPÍTULO 1
ABORDAGEM TRADICIONAL.................................................................................................... 80
CAPÍTULO 2
ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA..................................................................................... 88

CAPÍTULO 3
ABORDAGEM HUMANISTA....................................................................................................... 97

CAPÍTULO 4
ABORDAGEM COGNITIVISTA.................................................................................................. 102

CAPÍTULO 5
ABORDAGEM SOCIOCULTURAL............................................................................................. 109

UNIDADE IV
AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR...................................................................... 117

CAPÍTULO 1
AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS E SEUS PRESSUPOSTOS DE APRENDIZAGEM............. 119

CAPÍTULO 2
AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS E SEUS PRESSUPOSTOS DE APRENDIZAGEM.. 133

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 144
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Caracterizado por intensa atividade intelectual, o século XVIII, também
denominado como o século das luzes, foi palco da fértil produção dos pensamentos
iluministas. Importante marca do século XVIII e surgido na Europa, o Iluminismo
defendia o uso da razão (luz) contra o antigo regime (trevas) e pregava maior
liberdade econômica e política.

Em detrimento ao poder da fé e da religião, os iluministas exaltavam o poder


da razão, acreditando que poderiam reestruturar a sociedade, ainda presa ao
conhecimento herdado da tradição medieval.

Defendendo o conhecimento racional, com vistas à desconstrução de preconceitos


e ideologias religiosas, os iluministas buscaram estender a crítica racional em
todos os campos do saber humano, por meio da união de escolas de pensamento
filosófico, social e político. Avessas ao absolutismo e aos privilégios da nobreza e
do clero, as ideias iluministas abalavam os alicerces da estrutura política e social
absolutista vigente.

No campo da educação, a tendência liberal e laica, que buscava novos caminhos para
a aprendizagem e a autonomia do educando, estava se fortalecendo.

Nesse contexto histórico não havia mais sentido a educação estar atrelada à
religião, como nas escolas confessionais, nem aos interesses de uma única classe,
a aristocracia. A escola deveria ser leiga e livre: não religiosa e independente de
privilégios classistas, o que sugerem a defesa de algumas ideias, nem sempre
postas em práticas:

»» Educação sob o encargo do Estado.

»» Obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar.

»» Nacionalismo (recusa do universalismo jesuítico).

»» Ênfase nas línguas vernáculas, em detrimento do latim.

»» Orientação prática, voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não mais


privilegiando o estudo exclusivamente humanístico.

Ao mesmo tempo, em consonância às aspirações iluministas, o Marquês de


Condorcet defendia os ideais da educação popular.

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Como podemos perceber, a situação do ensino na Europa era bastante crítica, no
século XVIII. As escolas eram insuficientes e os professores (mestres) não tinham
a qualificação adequada, além das queixas ao conteúdo, extremamente literário.

O dualismo prevaleceu sobre os projetos de estender a educação a todos os


cidadãos, continuando a existir uma escola para o povo e outra para a burguesia.
Vendo com desconfiança a iniciativa do ensino particular, o qual trazia programas
que reviviam o formalismo dos antigos colégios jesuítas, o Estado demonstrava
mais interesse pelo ensino médio, descuidando-se da instrução primária gratuita
e popular, que aos poucos foi retomada pelo clero.

Na Alemanha (1723-1790), surge o importante movimento pedagógico conhecido


como filantropismo, o qual colocou em prática muitas ideias iluministas. Criador
desse movimento, Basedow via na educação a finalidade de proporcionar condições
para o indivíduo ser feliz, motivo pelo qual a aprendizagem deveria ser prática e
agradável, estimulando a atividade racional e a intuição mais do que a memória.

Em Portugal, agindo com rigor na reforma do ensino, o Marquês de Pombal foi


o grande gestor da introdução das ideias iluministas. Instituindo as aulas régias
(régias porque pertenciam ao rei, ao Estado e não à Igreja), o Marquês começou
estruturando os chamados Estudos Menores, os quais correspondiam ao ensino
fundamental e médio (primeiras letras e ensino de humanidades). Com a Reforma
dos Estudos Maiores, quando se reestruturou a Universidade de Coimbra, em
1772, teve início a segunda fase da reforma do ensino.

Embora a administração da escola fosse leiga, ainda era obrigatório o ensino


da religião católica e a inquisição mantinha forte controle sobre a bibliografia
utilizada, rejeitando principalmente as ideias republicanas que solapavam o Antigo
Regime, bem como a bibliografia contra a fé tradicional, a religião natural. Cabe
destacar que o despotismo esclarecido deseja modernizar o país, preservando a
monarquia absolutista e a religiosidade.

O Iluminismo foi um período com muitos reflexos pedagógicos, tendo como uma
de suas marcas a política educacional focada no esforço para tornar a escola leiga
e a função do Estado. As contribuições predominantemente teóricas da pedagogia
do Iluminismo dividem-se em três tendências fundamentais: os enciclopedistas,
o naturalismo de Rousseau e a pedagogia idealista de Kant.

Os filósofos franceses Diderot, D’Alembert, Voltaire, Rousseau e Helvetius não


eram propriamente educadores, mas no espírito do Iluminismo, viam o ensino
como veículo importante na disseminação das luzes da razão e no combate às
superstições e ao obscurantismo religioso.

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Ocupando lugar de destaque na filosofia política, em suas obras Rousseau
antecipa o ideário da Revolução Francesa e seu pensamento produziu uma teoria
da educação que ultrapassou o Século XVIII, constituindo-se em um marco na
Pedagogia Contemporânea. Sem dar muito valor ao conhecimento transmitido,
Rousseau defendia que a criança aprendesse a pensar, não como um processo que
vem de fora para dentro, mas como desenvolvimento interno e natural.

Buscando os fundamentos de uma educação laica e também representando o


Iluminismo, Kant entende que a razão não é capaz de conhecer aquilo que não é
percebido pela nossa experiência sensível, tais como Deus, a imortalidade da alma,
a liberdade e a infinitude do Universo. Segundo Aranha (2006), podemos perceber
os pressupostos da filosofia Kantiana e sua concepção pedagógica, na qual cabe à
educação, ao desenvolver a faculdade da razão, formar o caráter moral, uma vez
que o homem só pode tornar-se homem pela educação, e ele é tão somente o que
a educação fez dele (ARANHA, 2006).

Agora que vimos um pequeno apanhado da educação do século XVIII, sob a ótica
do Iluminismo, iniciaremos nossa disciplina com as características da educação
contemporânea. Mas, antes, vejamos os objetivos desta disciplina.

Objetivos
Analisar os referenciais teóricos que norteiam o processo de ensino e
aprendizagem, considerando a escola, o aluno, o professor e o próprio processo
ensino-aprendizagem a partir das abordagens tradicional, comportamentalista,
humanista, cognitivista e sociocultural.

»» Conhecer as principais abordagens pedagógicas.

»» Analisar, criticamente, os principais referenciais teóricos que balizam o


processo de ensino e aprendizagem.

»» Identificar as características das diversas abordagens pedagógicas.

»» Estabelecer um comparativo dos pressupostos, tanto os comuns quanto


os diferentes, das abordagens de ensino estudadas.

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BREVE HISTÓRIA DAS
MATRIZES FILOSÓFICAS
E EPISTÊMICAS UNIDADE I
DO PENSAMENTO
PEDAGÓGICO BRASILEIRO

Primeiramente, vamos ler um pouco sobre a Idade Contemporânea. Isso nos


ajudará a entender o desenvolvimento da educação brasileira.

Compreendido entre a Revolução Francesa de 1789 e os dias atuais, o período


histórico conhecido como Idade Contemporânea é marcado por profundas
transformações na organização social e também por conflitos de amplitude
mundial.

Essa é uma época de revoluções; movimentos políticos, étnicos, sociais,


tecnológicos ou, ainda, interligados entre si; época da industrialização, dos
direitos, das massas e da democracia.

A Revolução Industrial, na Inglaterra no século XVIII, determinou e disseminou


as fábricas e, consequentemente, a produção em grande escala e um mercado
mundial. Tudo isso acarretou grandes e importantes mudanças sociais: explosões
demográficas, redistribuição da propriedade entre outras.

A Revolução Industrial foi um conjunto de mudanças que aconteceram na


Europa nos séculos XVIII e XIX, caracterizada pela substituição do trabalho
artesanal pelo uso de máquinas. Até o final do século XVIII, a maior parte da
população europeia vivia no campo, produzindo artesanalmente o que consumia.
Apesar da predominância da produção artesanal, Inglaterra e França tinham
grandes oficinas, chamadas manufaturas, nas quais diversos artesãos realizavam
as tarefas manualmente, porém eram subordinados ao proprietário da manufatura.

Dividida em três etapas, também consideradas três revoluções, a primeira


Revolução Industrial começou na Inglaterra do final do séc. XVIII e, segundo
Bezerra (2018), trouxe significativas transformações em quase todos os setores
da vida humana. Com o uso do tear mecânico, surgiram indústrias de tecidos
de algodão, sendo que o aprimoramento das máquinas a vapor contribuiu para

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UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

a continuação da Revolução que, durante a segunda metade do século, atingiu


outros países da Europa.

Ainda de acordo com Bezerra (2018), inovações como a mecanização


ultrapassaram o setor têxtil, atingindo a metalurgia, os transportes, a agricultura,
a pecuária e os demais setores da economia, inclusive o cultural. A Revolução
Industrial estabeleceu, definitivamente, a supremacia burguesa na ordem
econômica, ao mesmo tempo em que acelerou o êxodo rural, o crescimento
urbano e a formação da classe operária. Deu-se, assim, o início de uma nova
era, na qual política, ideologia e cultura giravam entre a burguesia industrial
e financeira, e o proletariado teve influência na aceleração do contato entre
culturas e a própria reorganização do espaço e do capitalismo.

Ao contrário da primeira revolução, que ficou restrita à Inglaterra, a segunda


Revolução Industrial nasceu com o progresso científico e tecnológico ocorrido
na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, por volta da segunda metade do
Século XIX (BEZERRA, 2018). O emprego do aço, a utilização da energia elétrica
e dos combustíveis derivados do petróleo, a invenção do motor à explosão, da
locomotiva a vapor e o desenvolvimento de produtos químicos foram as principais
inovações desse período.

Alguns historiadores têm considerado os avanços tecnológicos dos séculos XX


e XXI como a terceira etapa da Revolução Industrial. O computador, o fax, a
Engenharia Genética e o celular seriam algumas das inovações dessa época.

De acordo com o Portal Mundo Educação (2018), a adoção da Revolução


Francesa como ponto inicial da Idade Contemporânea deve-se ao impacto
mundial dos seus efeitos. Porém, ela também deu início à configuração
do poder político característico da burguesia em ascensão: republicano,
constitucional, representativo, defensor da propriedade e com forças militares
profissionalizadas. Juntamente com o poder político burguês também veio o
desenvolvimento econômico capitalista que, ao longo do tempo, se instaurou
como forma de organização econômica em todos os continentes.

A Idade Contemporânea também se caracterizou pela formação dos Estados


Nacionais e dos nacionalismos, que deram origem a inúmeras disputas territoriais
na Europa e nas áreas coloniais. Cabe destacar que as duas guerras mundiais, que
ocorreram no século XX, tiveram sua origem nesse nacionalismo.

Em oposição ao capitalismo liberal, no início do século XX surgiu uma alternativa


na organização social representada pela União Soviética (URSS), originada com a

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Revolução Russa que, apesar de apresentar o desejo de igualdade entre todos os
seres humanos, acabou reproduzindo a exploração e uma profunda divisão social.

Também ocorreram profundas transformações e inovações no campo científico


(pesquisas em medicamentos e em práticas médicas que acarretaram significativo
aumento tanto da expectativa quanto da qualidade de vida das populações); as
artes experimentaram vários movimentos estéticos, inovações no maquinário
e nas técnicas de produção permitiram a base tecnológica para a expansão do
capitalismo. Porém, na área militar, todo esse desenvolvimento tecnológico gerou
armas cada vez mais letais.

No entanto, apesar de todo esse desenvolvimento tecnológico, essas mudanças não


chegaram a toda a população mundial, havendo ainda grande desigualdade social em
todo o mundo.

CAPÍTULO 1
Características da educação
contemporânea

De acordo com Cambi (1999), a Revolução Francesa, marco do início da idade


contemporânea, foi o evento detonador do desequilíbrio social, econômico
e político na sociedade europeia, levando a uma convulsão e a transformações
profundas na história.

Segundo Gonçalves e Donatoni (2007), é a época da industrialização, dos


direitos, das massas, da democracia e dos movimentos sociais, protagonistas
da sua própria história ao se rebelarem contra a elite do poder, da cultura e
do dinheiro. Diante dessas transformações, de acordo com essas autoras, a
educação e o crescimento “paralelo” da pedagogia como núcleo de mediação da
vida social e dos processos de “reequilíbrio” social, reconstrução e ruptura são
retomados.

O século XX deu início a diversos movimentos, experiências e teorias


educacionais, com o objetivo de renovar os métodos da escola tradicional
permitindo que, por meio dos conhecimentos pedagógicos do século XIX,
chegássemos a um conceito mais pragmático da educação.

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UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

Nos séculos XIX e XX, a educação ganha importância na sociedade, vindo a


ocupar papel mais específico, agindo de acordo com os modelos adequados ao
desenvolvimento histórico da sociedade, no qual a educação social subsidia o
sistema político, se reelaborando conforme um novo modelo teórico, integrando
ciência e filosofia, experimentação e reflexão crítica, em um jogo complexo e sutil
(MOTA, 2013).

Segundo a autora, a pedagogia/educação se coloca um momento no interior das


ideologias, como uma etapa de sua fenomenologia, adquirindo conotações tanto
teóricas e práticas, quanto também reprodutora e divulgadora de ideologia. Marx
(apud Mota, 2013) afirmava que as “ideias dominantes” em um determinado
momento histórico são as “ideias da classe dominante”. A função ideológica não é
apenas reprodutiva, é crítico-reprodutiva (MOTA, 2013).

Nesse mesmo sentido, Gonçalves e Donatoni (2007) se referem à organização


e transformação sociocultural da contemporaneidade como um marco para a
pedagogia/educação em sua posição mediadora nos processos educativo-sociais e
plurais. Por um lado, segundo essas autoras, a dimensão pedagógica assume a tarefa
de difundir a ideologia, o pluralismo e a organicidade necessária à socialização da
vontade e à unificação social, mas, de acordo com Cambi (1999), por outro lado
toda pedagogia e educação são marcadas pela ideologia (especialmente a marxista)
que se impõe como centro de reflexão teórica e histórica da pedagogia.

Nesse caso, a função ideológica deve ser vista de forma crítica, e


não de modo reprodutivo, quanto a inovações e transformações
socioculturais de processos educativos necessários a toda e qualquer
época, como hoje, tempo demarcado pela sociedade contemporânea,
isto é, pela sociedade da informação, do conhecimento e da tecnologia.
E tal visão crítica deve se estender à pedagogia.

Gonçalves e Donatoni (2007)

Após a morte de Stalin, em 1953, as mudanças na política da União Soviética


refletiram diretamente na escola, que passou a ter a ideia central no estreitamento
dos laços entre a escola e a vida, revivendo a educação politécnica, com vistas a
preparar estudantes secundários para o trabalho na indústria e na agricultura.
Essa orientação foi substituída por uma política de universalização da educação
secundária, enfatizando a criação das escolas técnicas secundárias, sem que isso
trouxesse melhorias à qualidade da educação.

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BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Segundo Gonçalves e Donatoni (2007), com o fim da Segunda Guerra Mundial


surgem novas orientações historiográficas que, no campo pedagógico, instauram
uma “crise” nos pressupostos tradicionais de se fazer a história da pedagogia,
como um longo processo para se chegar à história da educação. Nesse período,
ainda de acordo com essas estudiosas, a pesquisa em educação e pedagogia foi
guiada por diversas ciências que se na síntese de um saber interdisciplinar no qual
diversas histórias se entrelaçavam com outros saberes e com as ciências humanas.

A partir daí, na visão de Gonçalves e Donatoni (2007), cada vez mais a pedagogia
se presta à vida social - na formação de indivíduos socializados para as vias
institucionais com múltiplas técnicas, que Cambi (1999) chamava de corpo social
- e a história se orienta por uma construção da totalidade, uma vez que a história
das teorias, das instituições, da didática, da infância, das mulheres e do imaginário
ultrapassa a história das ideias.

Ainda de acordo com Gonçalves e Donatoni (2007), nas décadas de 1950 e 1970,
para estabelecer um modelo aberto e vivo de pesquisa articulada, essa maneira
fechada de fazer história rompe com o modelo ideológico, teórico, unitário e
continuísta. Assim, surgem a história da educação e a pedagogia no Brasil.
Instituída no país em 1939, as autoras apontam que a pedagogia brasileira
sofreria influências dessa fase de transição entre história da pedagogia e história
da educação, sendo que esse novo modelo chega à metade dos anos de 1970
como uma revolução historiográfica, como uma nova imagem do fazer histórico
(GONÇALVES; DONATONI, 2007).

Já na China, entre a revolução comunista e a morte de Mao Tsé-tung, ocorrida em


1976, a educação era voltada à doutrinação ideológica em todos os campos e níveis. O
novo governo pós-Mao tinha como bandeira a modernização, transferindo a ênfase
educacional para atender as quatro modernizações: indústria, agricultura, defesa
nacional e ciência e tecnologia.

No Brasil, Paulo Freire (1996) defendia que o objetivo da educação deveria ser
a libertação do oprimido, permitindo que ele transformasse a realidade social
que o cerca por meio do conhecimento crítico do mundo (conscientização). Esse
pensamento foi colocado em prática no Brasil, pelo próprio autor, entre os anos
de 1958 e 1964 e no Chile, em 1964, tendo obtido bons resultados com seu método
na educação de adultos, a partir da realidade do próprio alfabetizando, das suas
experiências, do valor pragmático do seu cotidiano e situações existenciais.

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UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

O método freiriano obedecia, mas ia além das normas metodológicas e linguísticas,


ao desafiar o homem e a mulher alfabetizados a se apropriarem da escrita para
sua própria politização, fazendo com que esse método pudesse ser visto não
somente como uma metodologia de alfabetização, mas como um processo de
conscientização, uma vez que considera a natureza política da educação.

De acordo com Mota (2013), a contemporaneidade é marcada pelo crescimento


de novos sujeitos da educação que invadiram o campo teórico e implantaram
mudanças radicais. Inicialmente, os novos sujeitos eram as crianças, as mulheres
e os deficientes e, posteriormente, as etnias e minorias culturais. Depois das ideias
de Jean-Jaques Rousseau, a pedagogia passou a dar mais atenção à infância e,
segundo Ellen Key (apud MOTA, 2013), o século XX foi o “século da criança”,
embora ainda restrito e incompleto.

Na visão de Cambi (1999), além de Rousseau (1712—1778), Vico (1668–1744),


Kant (1724–1804) e Dewey (1859–1952) foram alguns dos pensadores que
contribuíram com marcos expressivos para inovar a educação, introduzindo o
ativismo no debate filosófico sobre a educação.

Depois de décadas de exclusão, as mulheres passam a ter seu lugar na educação


enquanto os deficientes foram colocados no centro de uma pedagogia da
recuperação, de acordo com Mota (2013), com o objetivo de normalizá-los.
Posteriormente, a pedagogia de Maria Montessori (apud MOTA, 2013) aperfeiçoa
as técnicas de recuperação, enfatizando a prática de não exclusão, dando início
à pedagogia especial, altamente especializada, gerando uma nova visão sobre a
aprendizagem e a comunicação infantil.

Ainda de acordo com Mota (2013), a mitificação da educação teve início a partir
do momento em que ela se colocou como substituta da política em virtude da
construção do homem moderno. Esse mito se impõe na elaboração cultural, até os
dias atuais, segundo essa estudiosa.

Ao divulgar e enfatizar o mito da infância, a psicanálise o propõe novamente


como centro da ação pedagógica, com o objetivo de liberar suas formas e valores
onde a criança é o centro do processo educativo (MOTA, 2013).

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CAPÍTULO 2
Brasil: a construção das ideias
pedagógicas

De acordo com Cano (1994), a influência e a interferência das organizações


políticas e econômicas globalizadas têm se mostrado presente em todas as áreas
que compõem a sociedade, no decorrer da história brasileira. A isso, Frigotto
(2001) acrescenta que o mesmo ocorreu em todas as reformas educacionais
ocorridas no Brasil.

Nesse sentido, Miranda (2006) diz que as políticas educacionais que


historicamente delineiam o pensamento pedagógico brasileiro, têm sido
inspiradas por ideias que se concretizaram em outros países ou em instituições
não-oficiais. Dessa maneira, para efetivar as políticas educacionais brasileiras,
segundo Freitag (1994, apud MIRANDA, 2006) houve uma relação de submissão
da educação à ação autoritária do governo, tanto na organização quanto na
legislação, no controle, no financiamento e na determinação das atividades que
nortearam o nosso saber pedagógico.

Ainda de acordo com Miranda (2006), as organizações internacionais


coordenam a implantação de políticas nacionais que julgam convenientes e, na
área educacional brasileira, essas políticas são legal e oficialmente consolidadas
e implantadas pelo Ministério da Educação, objetivando a territorialização
de tais políticas por meio de ações institucionais do MEC. Esta adaptação é
aprimorada pelas propostas complementares apresentadas pelas Secretarias de
Educação dos Estados e dos Municípios (MIRANDA, 2006).

No decorrer dos quinhentos anos da história do Brasil, o pensamento


pedagógico brasileiro foi incorporando os conceitos prático-teóricos da
educação que os colonizadores trouxeram, sendo modificado de acordo
com os grupos que se sucedem no poder (MIRANDA, 2006). Dessa forma,
de acordo com a autora a pluralidade dessas influências vem imprimindo
à educação brasileira um desenho bastante peculiar, na qual cada região
implanta e assimila as novas propostas, de acordo com as interpretações e as
singularidades regionais.

Entendendo que a educação brasileira foi evoluindo a partir das descobertas


científicas e com essas inovações foi se recriando, Miranda (2006) menciona a
releitura das heranças históricas do que se entende por educação e da qualidade

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UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

que ela exige e destaca a necessidade de contextualizar o pensamento


pedagógico brasileiro não apenas na atualidade, mas na história que o
construiu, para que ele possa ser analisado. E, de acordo com a autora, essa
contextualização nos leva à maneira como a história foi moldando o modo
de pensar (do ponto de vista cultural) e à forma como a escola e as ações
pedagógicas desenvolvidas no seu interior foram atingidas.

Como consequência da formação da nossa cultura, Miranda (2006) aponta


que a parcela nativa e menos privilegiada da população pouco usufrui do
pensamento pedagógico brasileiro. Com vistas à democratização da educação
no Brasil, diversas foram as propostas, principalmente a partir da segunda
década, tendo se tornado mais expressivas na segunda metade do século XX
e, ainda segundo a autora, aconteciam somente nas grandes cidades, tendo
sido estendidas, precariamente, à maior parte do território nacional apenas
há poucas décadas.

Segundo a mesma autora, no decorrer desses cinco séculos da história


brasileira vários movimentos em prol da educação apresentaram
transformações ideológicas locais, que imprimiram a brasilidade às ideias
pedagógicas importadas de outros países. Dessa forma, à medida que eram
implantadas no Brasil, essas ideias refletiram as transformações mundiais,
de maneira a contribuírem para a disseminação de diversas correntes
pedagógicas e, ainda, para dar origem a outras que atravessaram o século,
com manifestações sociais e ideológicas variadas como, por exemplo
(MIRANDA, 2006):

»» Movimento dos pioneiros da Escola Nova que se tornaram visíveis com


o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (PAGNI, 2000, apud
MIRANDA, 2006).

»» Organização de grupos, como os de defesa da escola pública,


contrapondo-se àqueles que defendiam a escola particular (XAVIER et
al, 1994, apud MIRANDA, 2006).

»» Diversas reformas se destacaram, desde a Reforma Capanema (década


de 40) ao acordo MEC/USAID (que deixou como legado a Lei no
5.540/1968 e a LDB 5.692/1971, entre outras) culminando, no final
do século, com a nova LDB (Lei no 9.394/1996) que é fruto das ideias
neoliberais (MIRANDA, 2006).

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BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

A autora destaca que durante esse movimentado processo tem-se tentado


formar o perfil do cidadão trabalhador, para que sejam atendidas as novas
exigências da Sociedade do Conhecimento Letrado, com sua rápida evolução
para o conhecimento informacional (MIRANDA, 2006).

Segundo a autora, a soma dessas mobilizações respondeu aos movimentos


de outras áreas da sociedade que, impulsionadas pelos avanços da ciência e
da tecnologia e pelas relações político-econômicas que aceleradamente se
globalizavam, também se agitaram.

Como consequência, de acordo com Miranda (2006), a educação brasileira


envolveu e foi envolvida pelas mais distintas tendências educacionais, sucedendo
a Pedagogia Tradicional e mesclando a ela todas as demais pedagogias que,
desde então, têm influenciado as gerações brasileiras:

»» Pedagogia da Escola Nova (diretiva, não-diretiva e outras modalidades).

»» Pedagogia Tecnicista.

»» Pedagogia Progressista (com suas vertentes).

»» Pedagogia da Qualidade e/ou a Pedagogia de Resultados.

Como consequência da Nova Teoria, Saviani (1984, p. 14) destaca que a Escola
Nova contribuiu para “desorganizar o ensino” nas escolas da rede oficial e
“rebaixar o nível da educação às camadas populares”. Dentre as consequências,
o autor destaca “o aprimoramento da educação das elites nas poucas escolas
experimentais e a não-educação das massas, ao instaurar o afrouxamento
da disciplina e o aligeiramento de conteúdos pela secundarização de sua
transmissão”.

De acordo com Xavier (1994, pp. 215-216, apud MIRANDA, 2006), os anos
iniciais da década de 60 deram continuidade “à tendência modernizadora que
já vinha sendo forjada desde meados dos anos 50”, exigindo a inclusão das
massas no processo econômico e político, por meio de reformas de base. Assim,
de acordo com Xavier (1994, apud MIRANDA, 2006), a primeira metade da
década de 60 ficou conhecida, no cenário educacional brasileiro, como o período
dos Movimentos de Educação Popular, com ênfase na alfabetização de adultos,
na politização das camadas populares e no intuito de esclarecer essas camadas
populares sobre os seus direitos de cidadãos, para que tivessem “voz e vez”.

19
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

Com a ditadura militar, a partir de 1964, de acordo com Miranda (2006, p.


237) “a educação escolar, o ideário pedagógico e a vida de muitos educadores
foram policiados [...] A idade mínima de 12 anos para o ingresso no trabalho
infantil (garantida pela Constituição de1967) dificultou, ainda mais, o acesso e a
permanência das crianças oriundas das camadas populares na escola”. Segundo
a autora, nesse período, as desigualdades se aprofundaram e o analfabetismo
cresceu, apesar do discurso destacando a educação como fator de desenvolvimento.

Nesse contexto, Xavier (1994, p.237 apud MIRANDA, 2006) destaca que tanto
as políticas globais quanto as políticas educacionais adotadas pelo Estado
foram “gradativamente assimilando a terminologia técnica característica
do planejamento consubstanciado pelas ideias de intervenção, controle e
racionalização”. No mesmo período, a alfabetização de adultos foi “tratada de
forma a neutralizar as experiências ocorridas no início dos anos 60, consideradas
de caráter subversivo pelo governo militar” (Ibid, p. 237).

Na tentativa de adequar a educação escolar à questão funcional e organizacional,


bem como aos avanços tecnológicos da época (máquina de escrever mecânica,
mimeógrafos e filmes de rolo), a Pedagogia Tecnicista surgiu como uma evolução
dessa tendência “racionalizadora e planejamentista”, segundo Miranda (2006).

Para a autora, essa pedagogia favoreceu a alienação e a estagnação do aprendizado


de vivência democrática, além de prejudicar a organização e a criatividade do
pensamento literário das gerações que nela foram educadas.

Este prejuízo ocorreu porque esta proposta priorizava a


esquematização das ideias, refletindo na economia de vocabulário, de
organização do pensamento de estilo esquemático, em frases de forma
reduzida e causando grandes prejuízos ao aspecto redacional dos
alunos. O combate à alienação instalada com a Pedagogia Tecnicista
e suas antecessoras, foi denunciado pelas Pedagogias Progressistas.
(MIRANDA, 2006 p. 237)

Nesse contexto, Libâneo (1999, p. 32) aponta que o termo progressista,


“emprestado de Snyders é usado aqui para designar as tendências que, partindo
de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as
finalidades sociopolíticas da educação”. De acordo com Miranda (2006), essas
ideias pedagógicas apresentaram características críticas, político-sociais e se
ramificaram nas tendências:

»» Libertária.

»» Libertadora.

20
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

»» Histórico-crítica.

»» Crítico-social dos Conteúdos.

Com grande destaque nos anos 80 e com ações dentro e fora da escola, segundo
Miranda (2006) essas pedagogias:

»» despertaram e incentivaram o exercício da cidadania;

»» despertaram e estimularam a criticidade e a participação político-social,


principalmente no meio das camadas mais populares, com visíveis
resultados alcançados pela força coletiva organizada;

»» impulsionaram grande avanço, pela mobilização das camadas populares,


em termos de fortalecimento à faceta político-social, despertando o perfil
delineador de cidadão para os brasileiros.

Afirmando que um acentuado viés ético-político foi um marco nas propostas


crítico-sociais, Assmann (1993, p.50 apud MIRANDA, 2006) destaca que faltou
a essas pedagogias avançar na mediação das questões técnico-científicas e
político-econômicas e essa fragilidade continua favorecendo a sua coexistência
no presente “com práticas conservadoras, e pode até servir de cobertura
ideológica para corporativismos privados de sérios propósitos educativos”.

De acordo com Miranda (2006), o prognóstico apontado pelo autor foi


experimentado nos anos 1990, com incentivos a uma “Pedagogia da Qualidade”
como resultado de uma proposta de melhoria da educação, idealizada pelo
setor empresarial brasileiro, representado pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI), em referência à aplicação da Filosofia da Qualidade Total
na educação, a qual é uma filosofia inserida no tema do gerenciamento
administrativo desenvolvido ao longo do século, segundo a autora.

Combatida pelos progressistas, essa proposta se destacou em Minas Gerais e,


embora aparentemente rejeitada em outros estados, à época tal proposta deu
origem a “uma pedagogia eclética nas instâncias governamentais do país e no
ideário dos educadores em todos os níveis do Sistema Educacional” (MIRANDA,
2006 p. 239).

21
CAPÍTULO 3
O Brasil e as teorias pedagógicas
contra-hegemônicas

Saviani (2008) destaca que toda teoria pedagógica é uma teoria da educação, mas
nem toda teoria da educação é uma teoria pedagógica, uma vez que “o conceito de
pedagogia se reporta a uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática
educativa, buscando orientar o processo de ensino e aprendizagem” (SAVIANI,
2008 p. 12). Dessa forma, para o autor, as teorias que analisam a educação sob o
ponto de vista da sua relação com a sociedade, não tendo o objetivo de formular
diretrizes orientadoras da atividade educativa, são teorias da educação, porém,
não são teorias pedagógicas.

A partir dessa visão da relação da educação com a sociedade, as teorias


pedagógicas se dividem em dois grandes grupos: as teorias pedagógicas
hegemônicas e as teorias contra-hegemônicas, segundo Saviani (2008).

De acordo com o autor, correspondendo aos interesses dominantes e tendendo


a hegemonizar o campo educativo, as teorias hegemônicas buscam orientar a
educação no sentido da conservação da sociedade em que ela (a educação) está
inserida, mantendo a ordem existente. Ao contrário, as teorias contra-hegemônicas
correspondem aos interesses dominados e buscam transformar a ordem vigente,
se posicionam contra a ordem existente e procuram orientar a educação com vistas
à transformação da sociedade, segundo Saviani (2008).

No Brasil da Primeira República a educação ocupava posição central e, de acordo


com Saviani (2008 p. 13), se expressava em um “duplo e concomitante movimento:
a crítica à educação burguesa e a formulação da própria concepção pedagógica
que se materializava na criação de escolas autônomas e autogeridas”.

Nesse período da história, os anarquistas brasileiros procuravam praticar as


ideias dos autores libertários (anarquistas) com a criação de universidade
popular, centros de estudos sociais e escolas, com destaque para as escolas
modernas inspiradas no espanhol Francisco Ferrer y Guardia, autor do método
racionalista.

<https://www.biografiasyvidas.com/biografia/f/ferrer_francisco.htm>.

22
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

De acordo com Saviani (2008), em função do desenvolvimento da experiência


soviética, a partir dos anos 20 a hegemonia do movimento operário se dedicou à
educação política e à formação de seus quadros sem, no entanto, explicitar sua
concepção pedagógica.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) seguiu a orientação de uma revolução


proletária de caráter nacional na forma da participação na revolução
democrático-burguesa como condição prévia para se colocar, no momento
seguinte, a questão da revolução socialista, de acordo com Saviani (2008, p.14).

É nesse contexto que o PCB se integra [...] no processo que


desembocou na Revolução de 1930, tendo liderado, em 1935, a
Aliança Nacional Libertadora (ANL). Está aí, talvez, uma possível
explicação do porquê não se chegou a uma formulação mais clara de
uma concepção pedagógica de esquerda por parte dos comunistas.
Com efeito, se o que estava na ordem do dia era a realização da
revolução democrático-burguesa, a concepção pedagógica mais
avançada e adequada a esse processo de transformação da sociedade
brasileira, estava dada pelo movimento escolanovista.

No âmbito das pedagogias do movimento operário, a partir dos anos 30 a


corrente anarquista perdeu bastante da força alcançada na República Velha.
Segundo Saviani (2008, p. 14), a explicação para esse fato está, por um
lado, no refluxo do anarquismo diante do surgimento e da ascensão do PCB
impulsionado pelo advento da Revolução Soviética e, por outro lado, a iniciativa
dos grupos dominantes em “transformar a questão social de caso de polícia em
caso de política, enquadrando, pelas leis trabalhistas, o movimento operário
nas regras do jogo de forças dominante, retirou muito do ímpeto mobilizador
do anarcossindicalismo”, sem que isso significasse o desaparecimento da
pedagogia anarquista.

Ainda no campo da esquerda, Saviani (2008) destaca o Manifesto dos Inspetores


de Ensino do Estado do Rio de Janeiro ao Magistério e à Sociedade Fluminense
(de 1934) que, se referindo ao Manifesto de 1932, foi denominado como “a
reconstrução educacional do Estado do Rio de Janeiro”, cujo texto aponta (explícita
e diretamente) algumas diferenças em relação ao Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova.

[...] na medida em que a concepção escolanovista, tal como expressa


no Manifesto dos Pioneiros, representava a revolução pedagógica
correspondente à revolução democrático-burguesa, compreende-se

23
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

que, na década de 1930, o escolanovismo tenha hegemonizado as


posições progressistas, aí incluídas as correntes de esquerda. Saviani
(2008, p. 17).

Segundo o mesmo autor, com o fim da mobilização da Aliança Nacional


Libertadora, em 1935, o advento do Estado Novo não permitiu o desenvolvimento
de propostas pedagógicas de esquerda e, com a redemocratização, o campo
educacional foi dominado pelas disputas (polarizadas entre a posição liberal e
a posição católica) em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
nas quais as forças progressistas se alinharam em torno da posição liberal, não
havendo mais espaço para a defesa de concepções pedagógicas mais avançadas
(SAVIANI, 2008).

Na década de 1960, de acordo com Scocuglia (1999 apud SAVIANI, 2008),


surge a concepção pedagógica libertadora de Paulo Freire, com seu método de
alfabetização de adultos a partir de situações reais vivenciadas pelo grupo de
alunos, com vistas à ação social e política, que apresentaremos na Unidade III.

Na década seguinte, segundo Saviani (2008), surgem as teorias (teorias da


educação, não teorias pedagógicas) por ele denominadas de crítico-reprodutivas
que, com sua crítica à hegemonia da sociedade capitalista, participam do
movimento contra-hegemônico.

Nos anos 80, viu-se a busca por teorias que se contrapusessem à pedagogia
oficial, surgindo a necessidade da construção de pedagogias contra-hegemônicas,
articuladas com os interesses dos dominados, de acordo com Saviani (2008).
O autor destaca que um conjunto de fatores como a abertura democrática, a
campanha pelas eleições diretas para presidente, a transição do governo militar
para o governo civil, a mobilização e organização dos educadores, as conferências
brasileiras de educação dentre outros marcaram a década de 1980 como um
privilegiado momento para o surgimento de propostas contra-hegemônicas.

Entretanto, o mesmo autor aponta dois fatores limitantes a essas propostas: o caráter
da transição do governo e, ligado a esse caráter de transição, a heterogeneidade dos
participantes e das próprias propostas.

Para Saviani (2008), a transição democrática aconteceu segundo uma estratégia


de conciliação pelo alto, com o objetivo de garantir a continuidade da ordem
socioeconômica.

Diversamente, conforme os interesses dominados, a transição só


pode ser feita por ruptura decorrente da luta por uma forma de
democracia “que assegure à massa popular dos mais ou menos
espoliados e excluídos e aos trabalhadores como classe o direito à
revolução (dentro da ordem e contra a ordem).
(FERNANDES, 1986: 89, apud SAVIANI, 2008, p. 19).

24
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Nesse cenário, de acordo com Saviani (2008, p. 19), as ideias pedagógicas


contra-hegemônicas também eram, de certa maneira, ambíguas, revestindo-se
“de uma heterogeneidade que ia desde os liberais progressistas até os radicais
anarquistas, passando pela concepção libertadora e por uma preocupação com
uma fundamentação marxista”.

Dessa forma, para Saviani (2008) parece apropriado que a expressão


pedagogias de esquerda (e não pedagogia marxista ou revolucionária)
denomine o conjunto das propostas contra-hegemônicas que, de um modo
geral, o autor agrupa em duas modalidades:

1ª Tendência

»» Centrada no saber do povo e na autonomia de suas


organizações, pregando uma educação autônoma e, até certo ponto,
à margem da estrutura escolar (VASCONCELOS, 1989 apud SAVIANI,
2008) e, quando direcionada às escolas, procurava transformá-las em
espaço de expressão das ideias populares e de exercício da autonomia
popular. Inspirada, principalmente, na concepção libertadora de Paulo
Freire, em afinidade com a teologia da libertação e, em segundo lugar,
nas ideias libertárias anarquistas.

2ª Tendência

»» Pautada na centralidade da educação escolar, valorizando


o acesso das camadas populares ao conhecimento sistematizado.
Encontrou na Revista da ANDE um canal de expressão e comunicação e
aglutinou representantes com orientação teórica predominantemente
inspirada no marxismo entendido, porém, com diferentes
aproximações: uns mantinham a visão liberal (interpretando o
marxismo apenas pelo ângulo da crítica às desigualdades sociais e da
busca de igualdade de acesso e permanência nas escolas organizadas
com o mesmo padrão de qualidade); outros se empenhavam em
compreender os fundamentos do materialismo histórico, procurando
articular a educação com uma concepção que se contrapunha à visão
liberal.

Segundo Saviani (2008), em termos teórico-pedagógicos, emergiram tentativas


de elaborar propostas suscetíveis de orientar a prática educativa numa direção
transformadora, as quais o autor divide em quatro modalidades de pedagogias
contra-hegemônicas, apresentadas a seguir:

25
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

a. Pedagogias da educação popular – se enquadrando na primeira


tendência, de concepção libertadora, dentro dos movimentos populares
advogavam a organização de uma educação do povo e pelo povo, para
o povo e com o povo em contraposição à educação dominante (da elite
e pela elite, para o povo, mas contra o povo). Manejavam a categoria
“povo” em lugar de “classe” e tendiam a conceber a autonomia popular
com uma visão um tanto metafísica, cuja validade seria decorrente
de uma virtude intrínseca aos homens do povo (não dependeria de
condições histórico-políticas determinadas). Sua fonte residiria em
uma dimensão transcendente designada como a eminente dignidade
das pessoas unidas em uma “comunidade dos destinos” (MOUNIER,
1970:125-150 apud SAVIANI, 2008).

b. Pedagogias da prática – ainda no âmbito da primeira tendência,


se assumindo como pedagogia da prática, surgiram propostas
libertárias, consoantes com os princípios anarquistas. Expressa uma
tendência de inspiração libertária, em consonância com os princípios
anarquistas que, diferentemente dos adeptos da visão libertadora,
trabalham com o conceito de classe. O saber “gerado na prática social”
é relegado pela escola, porém é esse saber que “deve ser valorizado e
constituir a matéria-prima do processo de ensino” (SANTOS, 1985a:
23 apud SAVIANI, 2008b). Primeiramente, esse saber se manifesta de
forma imediata como prática individual. Em um segundo momento,
ultrapassa essa aparência captando sua natureza como “síntese de
múltiplas determinações” que, “em última instância, é social, é de
classe” (ibidem.). O ato pedagógico também é um ato político (ibidem.).
O eixo da questão pedagógica está na prática social e não no interior da
escola. Aprendizado voltado para uma necessidade prática (ibidem.).
Escola transformada “em uma unidade de produção e distribuição de
conhecimentos articulados aos reais interesses da maioria da população
brasileira” (ibidem.). Também chamada de pedagogia dos conflitos
sociais (SANTOS, 1991 apud SAVIANI, 2008b).

c. Pedagogia crítico-social dos conteúdos – seguindo a segunda


tendência, esta proposta de José Carlos Libâneo foi apresentada no livro
“Democratização da escola pública”, publicado em 1985. Inspirado em
Snyders (1978:309, apud SAVIANI, 2008b) que sustenta a “primazia
dos conteúdos” como critério para distinguir as pedagogias entre si e,
mais especificamente, para distinguir uma pedagogia progressista ou
de esquerda de uma pedagogia conservadora, reacionária ou fascista.

26
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Democratização da escola pública (nos limites da concepção liberal).


A escola tem o papel principal de difundir conteúdos vivos, concretos,
indissociáveis das realidades sociais. Conteúdos culturais universais
que se constituíram em patrimônio comum da humanidade, sendo
permanentemente reavaliados à luz das realidades sociais do aluno,
de acordo com Saviani (2008b), para quem na postura pedagógica
dos conteúdos cabe ao professor garantir a ligação do conhecimento
universal à experiência concreta dos alunos (continuidade) e ajudá-
los a ultrapassar os limites de sua experiência cotidiana (ruptura).
Os métodos de ensino são subordinados à questão do acesso aos
conhecimentos sistematizados, relacionando a prática dos alunos
com os conteúdos propostos pelo professor. A relação professor-aluno
acentua as trocas em que o aluno entra com sua experiência imediata
e o professor com conteúdo e modelos que permitam compreender e
ultrapassar a experiência imediata. Pressupostos da aprendizagem: o
conhecimento supõe uma estrutura cognitiva já existente na qual possa
se apoiar. No entendimento do mesmo autor o aprendizado significativo
parte do conhecimento que o aluno já possui, indo em direção à síntese
na qual o aluno alcança uma visão clara e unificada. No que se refere
à prática escolar, o esforço se concentra na proposição de modelos
de ensino que permitem estabelecer a relação conteúdos-realidades
sociais, com vistas à articulação entre o político e o pedagógico como
forma de colocar a educação a serviço da transformação social.

d. Pedagogia histórico-crítica – tributária da concepção dialética


(versão do materialismo histórico), suas bases psicológicas têm grandes
afinidades com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela Escola
de Vygotsky. Aqui, a educação é entendida como uma mediação no seio
da prática social global, uma vez que ela é compreendida como o ato de
produzir (direta e intencionalmente) em cada indivíduo a humanidade
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens. Dessa
forma, a prática social é o ponto de partida e a prática educativa é o
ponto de chegada, de onde decorre uma prática pedagógica na qual
professor e aluno são igualmente inseridos, mas ocupando posições
diferentes como condição para que tenham uma relação produtiva
na compreensão e no encaminhamento da solução de problemas
apresentados pela prática social (problematização), dispondo de
instrumentos teóricos e práticos para sua compreensão e solução

27
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

(instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos que


integram a vida dos alunos (cartase).

De acordo com Saviani (2008b), apesar do clima favorável às pedagogias


contra-hegemônicas na década de 1980, os resultados não foram animadores,
tendo sido frustradas as tentativas de implantação de pedagogias de esquerda,
por parte de governos estaduais e municipais contrários ao regime militar.

Consequentemente, ainda segundo o autor, o refluxo dos movimentos


progressistas também teve reflexos no nível de adesão às pedagogias
contra-hegemônicas e as pedagogias da educação popular perderam parte
do entusiasmo que tinham naquela década, sendo que nos anos 90 sua
maior visibilidade ocorreu com a Escola Cidadã, formulada pelo Instituto
Paulo Freire, em 1994.

Para Saviani (2008b), é possível observar que a proposta das pedagogias


da educação popular tenta inserir a visão da pedagogia libertadora e os
movimentos de educação popular no neoliberalismo do novo clima político e na
pós-modernidade do clima cultural.

Em 1994, em Belo Horizonte, surgiu a Escola Plural, decorrente das pedagogias


da prática, configurando uma nova concepção de educação que atribui à escola,
entre outras, a função de propiciar “o desenvolvimento das aprendizagens
fundamentais: aprender a aprender, aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver, aprender a ser” (CASTRO, 2000:7 apud SAVIANI, 2008b,
p.26-27), em uma menção aos quatro pilares da educação, (aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser), constantes do Relatório
Jacques Delors (2006 apud SAVIANI, 2008b), também invocados pela Escola
Cidadã.

A pedagogia histórico-crítica continuou atuante, como “resistência à onda


neoconservadora revestida de roupagem ultra avançada em virtude do apelo
ufanista às novas tecnologias”, de acordo com Saviani (2008b, p.27). Também
vêm surgindo novos trabalhos desenvolvendo essa perspectiva pedagógica, no
campo da didática e da psicopedagogia, no ensino das ciências dentre outros.

28
CAPÍTULO 4
A cientificidade do pensamento
pedagógico brasileiro

Considerando a pedagogia como campo epistemológico e também como teoria


e prática da educação e, em sua acepção ampla, de acordo com Saviani (2007),
o pensamento pedagógico no Brasil remete ao início da colonização, com a
chegada dos jesuítas (em 1549), que colocaram em prática determinadas ideias
educacionais, dando forma a certo tipo de pensamento pedagógico.

É desse modo que nos referimos a esse momento com a


denominação de “pedagogia brasílica” para destacar o empenho
dos primeiros jesuítas em ajustar seu pensamento pedagógico às
condições específicas do processo de colonização e catequização
dos indígenas nas terras descobertas por Cabral. Do mesmo modo
podemos dizer que, a partir de 1599, o pensamento pedagógico
no Brasil assumiu a forma das regras enunciadas no Ratio
Studiorum que se configurou como o pensamento pedagógico da
contrarreforma católica. (SAVIANI, 2007, p.14)

De acordo com o autor, com a expulsão dos jesuítas, a partir de 1759 o pensamento
pedagógico incorpora características das ideias iluministas, que podem ser
observadas no despotismo esclarecido que comandou as reformas da instrução
públicas, do Marquês de Pombal. Abrindo espaço para as ideias pedagógicas
laicas, essa orientação esteve presente durante o período imperial com a influência
do ecletismo espiritualista, do liberalismo e do positivismo no pensamento
pedagógico vindo a ser, com a proclamação da república, o vetor da política
educacional brasileira (SAVIANI, 2007).

Assim, se instala um Estado laico que leva à abolição do ensino religioso das
escolas públicas, segundo Saviani (2007, p.15) “até esse momento, só podemos
falar em pensamento pedagógico em sentido geral, como tributário de ideias
políticas, teológicas ou filosóficas, não possuindo autonomia, já que é despido de
especificidade”.

Em 1817, de acordo com Saviani (2008), pela primeira vez na história da


educação brasileira foi utilizada a palavra pedagogia. O autor destaca que, por
desconhecimento do sentido do termo pedagogia, foi feita a opção pela expressão

29
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

“instrução pública” (já mencionada neste texto) e que, ainda nessa época, também
surgiu a preocupação com a formação de professores.

Somente a partir do final da Primeira República que, de acordo com Saviani


(2007), começam a surgir os profissionais da educação, dando início à formação
do pensamento pedagógico brasileiro em sentido próprio, com a fundação da
Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, organizando, a partir de 1927,
as Conferências Nacionais de Educação, ocorridas anualmente.

Desde a fundação até 1931, quando na IV Conferência Nacional de Educação


ocorreu o debate que culminou no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
católicos e escolanovistas conviveram no interior da ABE, segundo Saviani
(2007). Com o lançamento do “manifesto”, em 1932 e antes da V Conferência
Nacional de Educação, de acordo com o autor, os católicos foram se desligando
da ABE fundando, em 1932, a Confederação Católica Brasileira de Educação que
organizou, em 1934, o I Congresso Nacional Católico de Educação.

A partir da hegemonia trazida pelos renovadores, segundo Saviani (2007), o


pensamento pedagógico brasileiro procura se apoiar em bases científicas para
uma concepção pedagógica que pudesse orientar a reconstrução social do país
pela reconstrução educacional. Nesse contexto, o Manifesto proclamou:

[...] os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam


sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se
pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas
educativos, como nos da engenharia e das finanças. (MANIFESTO,
1984, p. 409).

Nesse cenário, em 1931 Lourenço Filho transforma a Escola Normal de São Paulo
no Instituto Pedagógico, o qual é composto pelo jardim de infância, escola de
aplicação, curso complementar, escola normal e curso de aperfeiçoamento
pedagógico (centrado nas ciências básicas da educação, de acordo com Monarcha
(1999 apud SAVIANI, 2007):

»» Fisiologia e aplicação à higiene e ao trabalho.

»» Pedagogia geral e história da educação.

»» Psicologia e suas aplicações à educação.

»» Sociologia.

30
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

No ano de 1932, Anísio Teixeira promove a reforma da instrução pública no


Distrito Federal (Rio de Janeiro) e instala a Escola de Professores, no Instituto de
Educação, que oferecia estrutura de apoio, como mostra a figura abaixo.

Figura 1. Estrutura de apoio da Escola de Professores.

Jardim de
Infância
Campo de
experimentação,
Escola demonstração e prática de
Primária ensino para formação de
professores
Currículo
Escola
Secundária
1933
1932
História da Educação
Biologia Educacional
Filosofia da Educação
Psicologia Educacional
Educação Comparada
Sociologia Educacional
Biologia Educacional
Instituto de História da Educação
Introdução ao Ensino • Fisiologia
Pesquisas
• Higiene
Educacionais
Psicologia Educacional
• Testes e escalas
• Orientação profissional
Sociologia Educacional
• Problemas sociais
contemporâneos
• Investigações sociais em
nosso meio
Introdução ao Ensino

Fonte: elaborada pela autora, com base em Vidal (2001) e Monarcha (1999) apud Saviani (2007).

Em 1933, Fernando de Azevedo faz nova reforma da instrução pública no Estado


de São Paulo, mediante a aprovação de um “Código de Educação” que acarretou a
reorganização da formação pedagógica. O Instituto de Educação passou a abranger o
Jardim da Infância, a Escola Primária, a Escola Secundária, a Escola de professores,
o Centro de Psicologia Aplicada à Educação e o Centro de Puericultura. Nesse
cenário, o movimento renovador avança e, como consequência, em 1938 é criado o
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), estendendo a fundamentação
científica ao estudo e à solução dos problemas educativos ao âmbito nacional.

De Acordo com Saviani (2008), o curso de pedagogia foi organizado após a


promulgação do Decreto-Lei nº 1.190/1939 que estabeleceu a Faculdade Nacional
de Filosofia. Esse decreto instituiu um currículo fechado e não vinculado aos
processos de investigação sobre os temas e problemas da educação. O autor destaca
que essa formação perdurou até 1961, quando foi modificada com a aprovação da
primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) – Lei nº 4.024/1961.

31
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

No ano de 1952, Anísio Teixeira assume a direção do INEP (acumulando com a


Secretaria Geral da CAPES) e dá ênfase à promoção das pesquisas educacionais,
abrindo espaço para as Ciências Sociais com a criação, em 1955, do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com o qual articulou os Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs) que foram instalados em Recife,
Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, de acordo com Saviani
(2007), destaca-se o desenvolvimento dos estudos sociológicos da educação,
promovido por essas ações.

Com isso, segundo Saviani (2007), na década de 1950 o embasamento científico


da educação passou a girar em torno da sociologia e não mais em torno da
psicologia, como ocorreu na década anterior. Isso permitiu a complementariedade
do pensamento pedagógico brasileiro, que abrangia tanto o lado dos cientistas
sociais quanto o lado daqueles que se autodenominavam educadores, de acordo
com Pereira (1971 apud SAVIANI, 2007).

Saviani (2008, p.51) destaca que o pedagogo foi rotulado como generalista, uma
vez que se procurou privilegiar a formação de técnicos habilitados em funções
supostamente bem específicas no âmbito das escolas e sistemas de ensino que
configurariam um mercado de trabalho e, consequentemente, demandando
profissionais com uma formação específica que seria sugerida pelo curso de
pedagogia. Segundo o autor, isso resultou na reestruturação do curso para atender,
especificamente, a essa demanda.

Diante do surgimento de temáticas como o papel da educação no


desenvolvimento econômico, a questão do financiamento do ensino e
a relação entre educação e trabalho, na década de 1960 o pensamento
pedagógico brasileiro tendeu à incorporação da economia da educação,
outra área científica (SAVIANI, 2007).

Segundo o mesmo autor, com o debate entre “behaviorismo” e “cognitivismo”,


contrapondo os adeptos de Skinner e de Piaget, a caminhada da pedagogia na
direção científica continua nos anos seguintes e, nesse cenário, em 1970 a Editora
Universidade de Brasília e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do
Ensino de Ciências (FUNBEC) coeditaram a segunda edição da obra “Ciência e
comportamento humano”, de Skinner (1970, p.5 apud SAVIANI, 2007), que
finalizou a apresentação da edição brasileira afirmando que “o Brasil moderno
move-se em uma direção que deve salientar a importância de uma ciência útil
do comportamento. Esta tradução serve, pois, a uma função extra ao acentuar o
caráter do livro de modo particularmente útil”.

32
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Em outro livro, intitulado “Tecnologia do ensino”, Skinner (1972 apud SAVIANI,


2007) aponta para outras figuras que compõem o mundo educativo, além do
comportamento do aluno, que estão sujeitas a contingências de reforço que podem
precisar ser alteradas, com vistas à melhoria da educação como instituição, como
demonstra a figura, a seguir.

Figura 2. Componentes do universo da educação.

Os que
ensinam
Os que Os que se
mantêm a empenham
educação na pesquia
educacional
Os que
aprendem

Os que Os que
estabelecem administram
a política escolas e
educaional faculdades

Fonte: elaborada pela autora, com base em Skinner (1972, p. 217 apud SAVIANI, 2007).

Quanto a Piaget, Lima (1976, p.9 apud SAVIANI, 2007) se voltou para os
estudos piagetianos e, passando a denominar sua visão pedagógico-didática de
“método psicogenético”, veio a se tornar um dos principais divulgadores da
teoria piagetiana nas escolas brasileiras, sob o estímulo da obra Didactique
psychologique de autoria de Hans Aebli, publicado em 1951.

Nesse sentido, de acordo com Aebli apud Saviani (2007) a obra Didática
psicológica pode ser considerada como sendo aquela que abriu caminho de uma
didática ativa (marcadamente operatória) para os educadores. Apesar de haver
outros ensaios e pesquisas nesse sentido, o autor aponta não conhecer outra
obra que dê mais “coerência e unidade aos aspectos teóricos e às aplicações
práticas das pesquisas piagetianas, situando-as no contexto da pedagogia
contemporânea (AEBLI, 1951, p. XV apud SAVIANI, 2007).

Em 1970, a obra Didática psicológica de Hans Aebli foi publicada no Brasil,


coincidindo com o início da implantação dos Programas de Pós-Graduação,
“em cujo contexto a educação experimentou um vigoroso desenvolvimento
33
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

aproximando-se das áreas afins das ciências humanas” de acordo com Saviani
(2007, p.19), dando prosseguimento, por outro lado, à dinâmica dos anos
anteriores, que buscava conferir bases científicas ao pensamento pedagógico,
segundo o autor.

Esse processo desembocou na grande mobilização da década de


1980 marcada pela emergência das teorias críticas que, partindo
das ciências bases da educação (Filosofia, História, Psicologia,
Sociologia), espraiou-se para a didática e para as habilitações
pedagógicas (supervisão, orientação, administração). Parecia, pois,
que o pensamento pedagógico brasileiro havia atingido seu grau
máximo de maturação, estando na iminência de proclamar sua
autonomia epistemológica e conquistar espaço próprio no conjunto
das ciências humanas.

Entretanto, exatamente nesse momento, em que mercê do


adensamento das investigações como fruto da institucionalização da
pós-graduação em educação e da constituição dos grupos de pesquisa,
preenchiam-se as condições para tornar realidade a aspiração
científica do pensamento pedagógico brasileiro, sobrevém grande
inflexão: os anos de 1990 serão marcados pelo abandono daquela
expectativa há décadas acalentada. E a ciência passará de objeto do
desejo dos educadores a motivo de suspeita.

Inflexão do pensamento pedagógico brasileiro


O pensamento pedagógico brasileiro chega a uma nova fase, a qual, segundo
Saviani (2007, p.8), não é fácil de ser caracterizada, por se tratar de “um momento
marcado por descentramento e desconstrução das ideias anteriores, que lança
mão de expressões intercambiáveis e suscetíveis de grande volatilidade”, não
havendo um núcleo que possa definir, de maneira positiva, o pensamento que
passa a circular (já nos anos 1980) e que se torna hegemônico na década de 1990.

Por esse motivo, segundo o autor, a referência a essa nova fase do pensamento
pedagógico brasileiro se encontra fora dele, mais precisamente nos movimentos
que o precederam, fazendo com que sua denominação tenda a ser feita por
meio de categorias precedentes, às quais se antepõem prefixos como “pós” ou
“neo”, a começar pela denominação do clima cultural da época, chamado de
“pós-moderno”. Coincidindo com a revolução da informática, esse momento
se opõe ao moderno.

34
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Figura 3. Características do moderno e do pós-moderno.

• Máquinas mecânicas.
• Conquista do mundo material.

Moderno • Produção de novos objetos.


• Experimentação dos objetos para ver
como a natureza se comporta, para
que seja sujeita ao homem.

• Mundo da comunicação.

Pós- • Informática.
• Máquinas eletrônicas.

moderno • Produção de símbolos.


• Simulação em modelos dos objetos,
feitos em computadores.

Fonte: elaborada pela autora, com base em Saviani (2007).

Assim, os jogos de linguagem entram em cena, as metanarrativas, de acordo com


Lyotard (2002, p. xvi-xvii, apud SAVIANI 2007, p. 21):

Nossa vida fica reduzida ao aumento do poder. Sua legitimidade em


matéria de justiça social e de verdade científica seria a de otimizar as
performances do sistema, sua eficácia. A aplicação deste critério a
todos os nossos jogos não se realiza sem algum terror, forte ou suave:
sede operatórios, isto é, comensuráveis ou desaparecei.

Se opondo à confiança na razão, caracterizada na modernidade, a pós-modernidade


é marcada pela desconfiança na razão, daí advindo a percepção de que também não
se deve confiar na ciência, “um tipo de conhecimento que não merece maior crédito
do que os demais”, de acordo com Saviani (2007, p.21).

O autor aponta que a dificuldade de se caracterizar o tipo de pensamento


pedagógico dessa época justifica-se no fato de a razão ter colocado ordem no
caos, de estabelecer princípios explicativos que permitiriam compreender como o
mundo está constituído (SAVIANI, 2007).

Nesse cenário, Saviani (2007) identifica as linhas básicas do pensamento


pedagógico pós-moderno brasileiro, ordenando-os em três categorias, como
demonstra a figura a seguir.

35
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

Figura 4. Categorias do pensamento pedagógico pós-moderno brasileiro.

NEOPRODUTIVISMO
Subverte as bases sócio-
econômicas que o pensamento
pedagógico buscava encontrar nas
ciências sociais

NEO-ESCOLANOVISMO
Metamorfoseia as bases didáticas
que se procurar definir pela
pedagogia entendida como ciência
da educação

NEOCONSTRUTIVISMO
Faz refluir as bases
psicopedagógicas que se buscava
construir pelas investigações da
ciência psicológica.

Fonte: elaborada pela autora, com base em Saviani (2007).

Neoprodutivismo

Se, na modernidade, a Sociologia e a Economia, como ciências sociais, buscavam


captar o papel do Estado e suas instâncias de planejamento, com vistas a assegurar
que as escolas preparassem a mão de obra do novo mercado que se expandia rumo
ao pleno emprego, segundo Saviani (2007) no neoprodutivismo é o indivíduo que
deve adquirir os meios de se tornar competitivo nesse novo mercado de trabalho.
Nesse novo cenário, o indivíduo obterá na escola apenas a conquista do status de
empregabilidade e não mais o acesso ao emprego (SAVIANI, 2007).

Segundo o autor, a educação passa a ser vista como um investimento no capital


humano individual, de maneira que o acesso aos diferentes graus de escolaridade
aumenta as condições de obtenção de emprego, mas não o garante ao indivíduo,
uma vez que na atual realidade do capitalismo não há emprego para todos
(SAVIANI, 2007, p. 22): “é o crescimento excludente, segundo o autor, no lugar
do desenvolvimento inclusivo [...]”.

Nesse contexto, segundo o autor, a teoria do capital humano foi refuncionalizada


e passa a alimentar a busca de produtividade na educação, justificando, assim,
a denominação de neoprodutivismo, com a pressuposição da exclusão em dois
sentidos:

36
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

»» Na medida em que, preliminarmente, se admite que não há lugar para


todos, na atual ordem econômica.

»» Na medida em que incorpora a automação no processo produtivo, a atual


ordem econômica dispensa a mão de obra, também de forma crescente.

Estimulando a competição e buscando maximizar a produtividade,


isto é, o incremento do lucro, a extração de mais-valia, ela se rege
por uma lógica que estabelece o predomínio do trabalho morto
(capital) sobre o trabalho vivo, conduzindo à exclusão deliberada de
trabalhadores. É isto que se patenteia no empenho constante, tanto
por parte das empresas como por parte dos governos, em conseguir
reduzir a folha salarial e os gastos trabalhistas e previdenciários.
(SAVIANI, 2007, p. 23)

Nesse contexto, segundo o autor, é configurada a pedagogia da exclusão, que visa


preparar o indivíduo para se tornar cada vez mais empregável (mediante sucessivos e
diferenciados cursos), para escapar da condição de excluído. E, ainda segundo o mesmo
autor, caso o indivíduo não tenha sucesso na sua própria inclusão, a pedagogia da
exclusão o terá ensinado a introjetar a responsabilidade por essa condição.

Nessa direção, Saviani (2007) destaca que além do emprego formal, essa pedagogia
da exclusão apresenta ao indivíduo a possibilidade de:

»» Transformação em microempresário.

»» Informalidade.

»» Trabalho por conta própria (empresário de si mesmo).

»» Trabalho voluntário.

»» Trabalho terceirizado.

»» Inserção em organizações não governamentais.

Segundo o autor, essa categoria neoprodutivista intensifica a tendência


economicista de gerar números (dados, estatísticas) para mostrar a exigência de
alcançar níveis cada vez maiores de produtividade, para justificar a redução de
custos e a maximização dos investimentos feitos.

Podemos, então, inferir que no campo educacional, o neoprodutivismo trata-se de


um conceito que enfatiza as capacidades e as competências que o indivíduo deve
adquirir, por meio da educação, para obter melhor posição no mercado de trabalho?!.

37
REFERÊNCIAS

Neo-escolanovismo

De acordo com Saviani (2007), a exigência de constante atualização, imposta à


ampliação da empregabilidade, levou ao resgate do lema “aprender a aprender”
e a mundialização da economia estaria exigindo a gestão do imprevisível, não se
tratando mais de contar com um emprego seguro. Dessa forma, segundo Fonseca
(1998, p. 307 apud SAVIANI, 2007), empresários e trabalhadores “[...] devem
cada vez mais investir no desenvolvimento do seu potencial de adaptabilidade e de
empregabilidade”.

Nesse novo cenário, de acordo com Saviani (2007) o segredo do sucesso estaria
na capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender.
Para atingir níveis flexíveis de operação simbólica, a adaptação à atual sociedade
cognitiva exige novos tipos de raciocínio, “[...] exige abandonar a segurança do
conhecido, do familiar e do habitual e voltar-se para uma aventura do inédito e do
imprevisível” (FONSECA, 1998, p. 320 apud SAVIANI, 2007). Dessa forma, para
alcançar esse objetivo, o papel da educação e da escola passa a ser definido como
“[...] consubstanciando uma maior capacidade de aprender a aprender” (FONSECA,
1998, p. 90 apud SAVIANI, 2007).

Sendo uma teoria pedagógica na qual o mais importante é assimilar determinados


conhecimentos e não ensinar ou aprender algo, Saviani (2007) destaca que o importante
é aprender a aprender, aprender a estudar, aprender a buscar novos conhecimentos e
a lidar com novas situações. Nesse contexto, o professor passa a ter o papel de auxiliar
o estudante no seu próprio processo de aprendizagem e não mais o papel de ensinar.

Assim, o neo-escolanovismo se configura como um forte movimento internacional,


que revigora as concepções educacionais baseadas no lema aprender a aprender.
Nesse cenário, a escola deve transmitir o gosto e o prazer de aprender, a desenvolver
ainda mais a capacidade de aprender a aprender e instigar a curiosidade intelectual.

A inspiração do neo-escolanovismo delineou as bases didáticas e pedagógicas das


ideias que orientam as reformas educacionais que foram desenvolvidas a partir da
década de 1990, tendo sido difundidas em vários espaços, além das escolas (empresas,
organizações não-governamentais, entidades religiosas e sindicais etc), sem maiores
exigências conceituais e rigores científicos, bem característico do pós-modernismo.

Neoconstrutivismo

Desde sua origem teórica, o construtivismo piagetiano tem afinidades com o


escolanovismo, dando base pedagógica ao lema aprender a aprender. Considerando

38
REFERÊNCIAS

que de modo intuitivo os princípios dos novos métodos do escolanovismo podem ser
encontrados nos grandes clássicos da Pedagogia desde a Antiguidade, Piaget (1970,
1984, 1998 apud SAVIANI, 2007) se reporta ao escolanovismo, em vários de seus
trabalhos.

Para o construtivismo, a fonte do conhecimento está na ação e não na percepção:


é a inteligência, tida como um mecanismo operatório, não como um órgão
contemplativo, que constrói os conhecimentos, a ação é o ponto de partida do
conhecimento, de acordo com Saviani (2007).

Assim, segundo o autor, o sujeito epistêmico é um sujeito universal, que constrói


seus próprios esquemas sensório-motores e conceituais de apreensão dos
objetos ou dos acontecimentos à sua volta. Nesse sentido, Ramozzi-Chiarottino
(1984, p. 58 apud SAVIANI, 2007), aponta quatro diferenças entre a inteligência
sensório-motora e a inteligência conceitual, o que explica por que a primeira
não se constitui em pensamento lógico.

Figura 5. Diferenças entre inteligência sensório-motora e inteligência conceitual.

• As conexões establecidas pela inteligência sensório-motora ligam apenas percepções e


movimentos sucessivos sem uma representação de conjunto que domine os estados distintos no
tempo e organize as ações, refletindo-se simultaneamente em um quadro total.

1 • A inteligência sensório-motora funciona como um filme em câmara lenta que representaria uma
imagem imóvel depois da outra, em vez de chegar à fusão de imagens.

• Como consequência, a inteligência sensório-motora tende ao êxito e não à verdade.


• Encontra sua satisfação na conquista do fim prático almejado, não na construção ou na explicação.

2 • É uma inteligência puramente vivida, não é pensada ou representada de forma organizada.

• Como tem seu domínio delimitado pelo emprego de instrumentos perceptivos e motores, a
inteligência sensório-motora trabalha sobre as realiades, os índices perceptivos e os sinais motores,
não sobre os signos, os símbolos e os esquemas representativos ou os conceitos verdadeiros que
3 implicam inclusão de classes e relações.

• A inteligência sensório-motora é essencialmente individual, por oposição aos enriquecimentos


sociais adquiridos graças ao emprego dos signos.

Fonte: elaborada pela autora, com base em Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 58 apud SAVIANI, 2007).

Assim, segundo Saviani (2007), esse entendimento de que a fonte do conhecimento


está na ação e não na percepção, leva à conclusão de que a inteligência é um órgão
que constrói os conhecimentos e não um órgão que imprime, que reproduz os dados
da sensibilidade. Ainda segundo o autor, aí se encontra a origem da denominação

39
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

“construtivismo”, que teve grande visibilidade no campo da Pedagogia e, nessa


condição, teve grande influência sobre os formuladores de políticas educativas, sobre
os pedagogos e sobre grande parte dos professores (ROSSLER, 2006).

Entretanto, assim como o que ocorreu com produtivismo e o escolanovismo, o


construtivismo também se transformou ao ser apropriado por esse novo contexto.
Nos anos de 1990 o construtivismo orientou várias reformas educacionais e práticas
escolares em diversos países e, sendo apropriado nesse novo contexto, o construtivismo
se transformou e se configurou no neoconstrutivismo.

Nesse contexto, na atual pós-modernidade, a ênfase das pesquisas de Piaget e


de seus colaboradores e seguidores, que visando compreender cientificamente o
desenvolvimento da inteligência, dá lugar a uma “retórica reformista”, de acordo com
Miranda (2000, p. 25).

Segundo Lyotard (2002) essa retórica reformista está em sintonia com a visão
pós-moderna na sua “incredulidade em relação aos metarrelatos”, inclusive os de
ordem científica, em benefício de uma narrativa que, “obedece frequentemente a
regras que lhe fixam a pragmática” (LYOTARD, 2002, p. 38).

Tão disseminado atualmente, no discurso neoconstrutivista predomina a


inteligência sensório-motora que, funcionando como um filme em câmara lenta,
tende ao êxito e não à verdade, como foi mencionado, anteriormente.

Nesse contexto, segundo Saviani (2007) as afinidades entre o discurso


neoconstrutivista e a teoria do professor reflexivo de Facci (2004 apud SAVIANI,
2007), que valoriza os saberes docentes baseados na experiência cotidiana, são
compreendidas, assim como se compreende a pedagogia das competências.

De acordo com Saviani (2007) a aquisição de competências (como tarefa


pedagógica) foi interpretada a partir da matriz behaviorista, na qual as
competências se identificavam com os objetivos operacionais, classificadas
por Bloom, nas suas obras “Taxionomia de objetivos educacionais: 1. Domínio
cognitivo” e “Taxionomia de objetivos educacionais: 2. Domínio afetivo” (1972a
e 1972b apud SAVIANI, 2007).

Se apresentando como outra face da pedagogia do aprender a aprender, a


Pedagogia das Competências visa dotar o indivíduo de comportamentos flexíveis
para se ajustar às condições nas quais nem mesmo a sobrevivência é garantida.
Assim, segundo Saviani (2007), o compromisso coletivo é deixado de lado e a
responsabilidade passa a ser dos sujeitos subjugados ao mercado.

40
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

Assim, diante dessa nova realidade, Saviani (2007) levanta o questionamento:


como essa mudança de direção do pensamento pedagógico brasileiro se expressou
no ânimo do professor e no interior das escolas? Segundo o autor, se continua
esperando que o professor seja, da mesma forma que acontecia no período anterior.
A diferença é que agora ele dispõe de mais flexibilidade, não precisa seguir um
planejamento rígido.

Seguindo a tendência em todas as áreas do mercado de trabalho, assim como


ocorre com os trabalhadores de modo geral, os professores também são
compelidos à busca do seu aperfeiçoamento incessante e contínuo, dentro de
um eterno processo de aprender a aprender. Nesse cenário, de acordo com
Saviani (2007, p.30) “acena-se, então, com cursos de atualização ou reciclagem,
dos mais variados tipos, referidos a aspectos particulares e fragmentários da
atividade docente, todos eles aludindo a questões práticas do cotidiano”.

Nesse sentido, o autor aponta para o novo perfil do professor, a partir do anseio do
mercado educacional e dos governantes, que seria um professor ágil, leve e flexível
que, a partir de uma formação inicial ligeira, de curta duração e a baixo custo,
refletindo sobre sua própria prática e eventualmente apoiado por cursos rápidos
(oficinas) que, recorrendo aos meios informáticos, lentamente transmitiriam as
habilidades que o tornariam competente nas pedagogias da “inclusão excludente”,
do “aprender a aprender” e da “qualidade total” (SAVIANI, 2007, p. 30).

Nesse novo perfil docente, exercer essas competências vai além do exercício da
atividade docente propriamente, segundo Saviani (2007), para quem, no espírito
da “qualidade total”, é esperado que o professor não apenas ministre suas aulas,
mas também participe da elaboração do projeto pedagógico da escola; da vida da
comunidade, animando-a e respondendo às suas demandas; participe da gestão
escolar e do acompanhamento dos estudos dos alunos, orientando-os e suprindo
suas dificuldades específicas.

Ainda de acordo com esse estudioso, beneficiadas por uma imensidão de publicações
e pela grande divulgação midiática, as novas ideias atraíram os educadores e, com
isso, a escola foi se esvaziando da sua função específica ligada ao domínio dos
conhecimentos sistematizados.

Nesse cenário, o autor destaca que a descrença no saber científico, decorrente


da nova prática da criação de modelos e não mais da experimentação, somada
à procura de “soluções mágicas” (reflexão sobre a prática, relações prazerosas,
pedagogia do afeto, transversalidade dos conhecimentos etc) estabelece uma
cultura escolar que, além de desprestigiar os professores e os alunos que querem

41
UNIDADE I │ BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO

trabalhar seriamente, desvaloriza a cultura elaborada, uma vez que nesse tipo de
cultura escolar há prevalência do utilitarismo e do imediatismo da cotidianidade
sobre o demorado e paciente trabalho de apropriação do patrimônio cultural da
humanidade (SAVIANI, 2007).

O autor destaca que nos anos de 1980 os professores reivindicaram maior


participação nas decisões, nas ações e na formulação das políticas educacionais e,
agora, estão sendo cobrados pelo princípio da gestão democrática, que removeu os
obstáculos impostos pelo regime autoritário, fazendo com que o êxito da escola e
da política educacional que a orienta, dependam apenas da iniciativa e dedicação
dos professores (SAVIANI, 2007).

Para o autor, parece irônico que estejamos na época caracterizada pela sociedade
do conhecimento e, ao mesmo tempo, vivendo o decreto do falecimento da ciência
como a forma mais avançada de conhecimento, considerando que conhecer não
implica mais voltar-se para a realidade com vistas à sua compreensão e explicação.

Conhecer implica construir e simular virtualmente o funcionamento de modelos


“resulta compreensível o deslocamento da ciência entendida em seu significado
clássico de instrumento construído pelo homem para lhe possibilitar a apreensão
cognitiva do mundo objetivo” (SAVIANI, 2007 p.32). Para o autor, não se trata,
portanto, da exclusão da ciência, trata-se de uma profunda transformação do
seu significado: a função ideológica (expressão de interesses), anteriormente
subordinada à função gnosiológica (conhecimento da realidade), agora se sobrepõe
de modo a tornar-se o elemento que define e propulsiona o empreendimento
científico.

Diante desse apanhado da construção científica do pensamento pedagógico


brasileiro, perpassando por diversas adaptações à realidade do nosso país, a
partir dos conceitos e aplicações originados em outros países, Saviani, (2007, p.
33) conclui que

O pensamento pedagógico não pode ignorar essas metamorfoses.


Não se trata, pois, de refugiar-se na concepção moderna de ciência e
limitar-se a denunciar a visão pós-moderna como desvio, negação da
dimensão científica decaindo, pois, na irracionalidade e na barbárie. É
preciso apreender o sentido e o contexto essas mudanças. Ora, isso não
pode ser feito sem resgatar o sentido originário da ciência. Portanto,
o pensamento pedagógico brasileiro não pode abdicar do recurso à
ciência. Do contrário ele estará se rendendo à lógica do desempenho
que beneficia os mais ricos, detentores do monopólio do uso da força

42
BREVE HISTÓRIA DAS MATRIZES FILOSÓFICAS E EPISTÊMICAS DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO │ UNIDADE I

e também da razão. Afinal, a educação como formação e transmissão


de modelos de vida voltados para a emancipação humana é uma
ideia obsoleta que não mais merece figurar entre as categorias
constitutivas do pensamento pedagógico? Se nossa resposta a essa
pergunta for positiva, então podemos desfrutar alegremente do
clima pós-moderno, não fazendo sentido o enunciado relativo ao
estatuto científico da pedagogia. Em contrapartida, se a resposta for
negativa o pensamento pedagógico terá que remover as suspeitas
que hoje pairam sobre a ciência, buscando ancorar-se solidamente
sobre as conquistas históricas da humanidade entre as quais
figuram em posição de destaque a filosofia e a ciência.

43
EDUCAÇÃO MODERNA,
EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA E UNIDADE II
O NASCIMENTO DAS
CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Ensinar e aprender está na essência humana e se constitui em ampla questão


de estudo que envolve várias áreas da ciência, dentre elas a Psicologia, que está
claramente presente na prática de ensino escolar. Cada uma no seu tempo e a ele
adequada, a Psicologia trouxe grandes e diversas contribuições à educação e à
prática escolar.

Nesta unidade, abordaremos a criação de uma ciência da educação no século XX, a


origem e os fundamentos da ideia de uma ciência da educação e a psicologia científica
na educação.

Primeiramente, apresentaremos o behaviorismo e a abordagem científica do


ensino. Também conhecida como Teoria Comportamentalista, é amplamente
usada na educação formal. Nesse capítulo, abordaremos o pensamento de Watson,
o condicionamento operante de Skinner e as influências da Neurofisiologia e da
Neuropsicologia.

No capítulo 2, abordaremos o cognitivismo e as implicações pedagógicas


dele advindas, com o estudo dos processos de aprendizagem e de aquisição de
conhecimento, em resposta ao behaviorismo. O termo cognitivo está relacionado
ao processo de aquisição de conhecimento (cognição). A cognição, por sua vez,
envolve diversos fatores que fazem parte do desenvolvimento intelectual, como o
pensamento, a linguagem, a percepção, a memória, o raciocínio etc.

Assim, a psicologia cognitiva estuda os processos mentais que influenciam o


comportamento de cada indivíduo e o desenvolvimento cognitivo (intelectual). De
acordo com o epistemólogo e pensador suíço Jean Piaget, a atividade intelectual
está ligada ao funcionamento do próprio organismo, ou seja, ao desenvolvimento
biológico de cada pessoa.

44
O terceiro capítulo nos apresentará o construtivismo de Jean Piaget, sua
psicologia e seu pensamento educativo, além das repercussões do construtivismo
piagetiano na pedagogia e na didática. Filosófica e pedagogicamente, o
construtivismo consiste em uma teoria da aprendizagem na qual o indivíduo
(como aluno) participa ativamente do seu próprio aprendizado, por meio de
experiências epistemológicas e interações constantes com o meio em que está
inserido.

Finalmente, o capítulo 4 abordará o socioconstutivismo de Levy Vygotsky na


educação, quando apresentaremos a perspectiva histórico-cultural, o pensamento
educativo e a psicologia Vygotskiana e estudaremos a influência dessa corrente na
pedagogia e na didática.

Então, vamos lá?!

CAPÍTULO 1
O behaviorismo e a abordagem
científica do ensino

Também chamado de Comportamentalismo e Psicologia Comportamental,


de acordo com o Portal Psicoativo (2018) Behaviorismo é um termo que
abrange diversas teorias da Psicologia e tem como principal objeto de estudo o
comportamento.

Fundada por John B. Watson, essa escola de psicologia é baseada na crença de que
os comportamentos podem ser medidos, treinados e mudados. O behaviorismo foi
estabelecido com a publicação do artigo “A psicologia como o behaviorista a vê”, em
1913 (FURTADO, 1999 apud TERRA, 2003).

Os behavioristas rigorosos acreditavam que todos os comportamentos são


resultado de condicionamento, de maneira que qualquer pessoa poderia ser
treinada para agir de uma maneira particular mediante o condicionamento
correto.

45
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

De acordo com o Portal Psicoativo (2018), essa perspectiva da psicologia teve como
precedentes nomes como Vladimir Mikhailovich Bechterev (primeiro a propor
uma Psicologia baseada na pesquisa do comportamento) e Ivan Petrovich Pavlov, o
fisiologista russo responsável pelo condicionamento clássico, que é um processo
de aprendizagem que ocorre por meio de associações entre um estímulo ambiental e
um estímulo que ocorre naturalmente.

Vejamos um pouco da pesquisa de Ivan Pavlov!

A partir de um estudo sobre a fisiologia dos animais, Pavlov percebeu que os


cães começavam a salivar quando o auxiliar do laboratório entrava na sala com
o prato de comida, antes que a comida fosse colocada na boca dos animais, e
fez a correlação entre o estímulo não-condicionado (comida) e a resposta
não-condicionada (salivação) de reflexo não-condicionado.

Então, o pesquisador acrescentou um estímulo sonoro quando os cães eram


apresentados à comida e constatou que esse estímulo era associado à comida,
causando a salivação. A princípio, o estímulo sonoro era um estímulo neutro, pois
não estava associado à comida. Em um momento posterior, o estímulo sonoro é
sincronizado com a apresentação da comida e deixa de ser um estímulo neutro,
passando a ser um estímulo condicionado (reflexo condicionado).

Após ouvir o som diversas vezes imediatamente antes de ser alimentado, o cão
começava a salivar quando ouvia o som: o cachorro tinha sido condicionado a
salivar em resposta ao novo estímulo (som) que normalmente não produziriam
salivação. O cachorro aprendeu a associar o som à comida.

De acordo com o Portal Psicoativo (2018), o behaviorismo clássico de John B.


Watson, também denominado de behaviorismo metodológico, é conhecido
como “Psicologia S-R”, devido à relação entre estímulo e resposta e tem como
fundamento o condicionamento clássico, descrito na figura a seguir. Ainda segundo
o mesmo portal, sob essa ótica “a psicologia é um ramo das ciências naturais que
tem como princípios a objetividade e a experimentação, e como finalidade prever
e controlar o comportamento” (PORTAL PSICOATIVO, 2018).

46
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

Figura 6. Condicionamento clássico.

Condicionamento
Clássico
Estímulo Resposta

ESTÍMULO INCONDICIONADO (EI) RESPOSTA INCONDICIONADA (RI)

Produz a resposta sem nenhuma Reação não aprendida ou inata ao


aprendizagem estímulo incondicionado
(COMIDA) (SALIVAÇÃO)

ESTÍMULO CONDICIONADO (EC) RESPOSTA CONDICIONADA (RC)

Produz a resposta porque foi associado Quando a reação é produzida pelo


(pareado) ao estímulo incondicionado estímulo condicionado
(SOM) (SALIVAÇÃO)

FENÔMENOS

Generalização: quando o estímulo simular ao Estímulo Condicionado (EC)


produz a Resposta Condicionada (RC).
Discriminação: oposto da generalização, refere-se à habilidade de
diferenciar estímulos similares.
Extinção: é um processo de desaprender a resposta já aprendida, devido à
remoção da fonte original de aprendizagem.

• Um estímulo neutro (EN) só ganha poder de provocar respostas incondicionadas se for


apresentado ao mesmo tempo que o estímulo incondicionado (EI).
• Quanto mais o estímulo neutro (EN) é pareado ao estímulo incondicionado (EI), mais ele
terá poder de provocar a resposta por ele adquirida.
• Quanto menor for o tempo de ocorrência entre um estímulo neutro e um incondicionado,
mais eficiente será o condicionamento.
• Em alguns casos, os fatores biológicos podem interferir na capacidade de um estímulo
neutro (EN) se tornar um estímulo condicionado (EC).

Fonte: elaborada pela autora.

Entendendo comportamento como qualquer mudança decorrente de algum


estímulo ambiental, observável em um organismo, segundo o Portal Psicoativo
(2018), a teoria watsoniana tinha a proposta “de abandonar o estudo dos processos
mentais, como pensamentos e sentimentos, e focar no comportamento observável.
Na perspectiva do behaviorismo clássico, um comportamento é sempre resposta
a um estímulo”.

47
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Enquanto o behaviorismo clássico era fundamentado no modelo S-R


(estímulo-resposta), segundo o Portal Psicoativo (2018), o neobehaviorismo
mediacional de Edward C. Tolman (1967 apud PORTAL PSICOATIVO, 2018),
estudioso dos processos mentais, propõe um novo modelo baseado no esquema
S-O-R (estímulo-organismo-resposta, no qual entre o estímulo e a resposta, o
organismo passa por eventos mediacionais, chamados de variáveis intervenientes.

Em resposta às correntes internalistas da psicologia comportamental e


inspirado pelo behaviorismo filosófico, em 1945 Burrhus F. Skinner introduz o
behaviorismo radical, ao defender a análise experimental do comportamento
(TERRA, 2003).

De acordo com o Portal Psicoativo (2018), o behaviorismo radical se contrapõe ao


realismo do behaviorismo metodológico - que acreditava na existência dos processos
mentais - e ao neobehaviorismo mediacional, que dava relevância científica a
variáveis mediacionais.

A teoria de Skinner (1974, apud TERRA, 2003) adota os princípios do


pragmatismo, defendendo a formulação do comportamento operante que,
de acordo com o Portal Psicoativo (2018), é um método de aprendizagem
que acontece por meio de reforços e punições para o comportamento, onde
uma associação é feita entre um comportamento e uma resposta a esse
comportamento. Quando um resultado desejável segue uma ação, é mais
provável que o comportamento volte a ocorrer novamente, ao passo que
resultados indesejados têm menos possibilidade de se repetir.

Nesse cenário, você pode perceber que condicionamento operante é a forma de


aprendizagem na qual as consequências do comportamento alteram a probabilidade
de que o comportamento volte a acontecer. Ou seja, o comportamento que tem bons
resultados tende a se repetir mais frequentemente, enquanto o comportamento
indesejado tende a ser menos frequentemente repetido. O comportamento se
fortalece quando é imediatamente recompensado. Então, o comportamento
operante consiste em um mecanismo que premia a resposta (comportamento)
desejada até o indivíduo ficar condicionado a associar a necessidade à ação.
Exemplo: o rato recebe comida ao acionar uma alavanca, o que o levará a cada vez
mais acionar a alavanca para receber comida e saciar sua forme.

Assim, de acordo com Terra (2003), o comportamento operante reflete no mundo


ao seu redor, de maneira direta ou indireta. Em outras palavras, nesse tipo de
comportamento, a aprendizagem considera a interação sujeito-ambiente, não sendo
apenas um condicionamento de hábitos.

48
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

De acordo com a mesma autora, a diferença entre o comportamento operante e o


comportamento respondente do condicionamento clássico ocorre à medida que o
estímulo reforçador (reforço) assume responsabilidade sobre a ação. Dessa forma,
segundo Terra (2003), o que proporciona a aprendizagem dos comportamentos
é a relação entre a ação do sujeito (emissão da resposta) e as consequências. Ou
seja, a aprendizagem está na relação entre uma ação e o seu efeito, o que significa
que as consequências das respostas às ações são as variáveis de controle mais
relevantes na determinação dos comportamentos subsequentes (TERRA, 2003).

Nesse cenário, concordando com a ideia de que “as revoluções são feitas,
geralmente, contra os grupos que estão no poder”, mas discordando de
revolucionários extremistas que “demolem a velha ordem e não se preocupam
em separar o que existe de certo e errado na mesma”, Staats (1980 apud TERRA,
2003) reivindica a sua posição de representante do behaviorismo social.

Staats (1980 apud TERRA, 2003) afirma que apesar de o programa watsoniano ter
sido uma correção para os abusos da época ele foi radical, rejeitando importantes
áreas de estudos, estendendo esta rejeição aos termos e métodos da introspecção.
Segundo o mesmo autor, a abordagem skinneriana seguiu o extremismo da
revolução original da corrente antecedente, rejeitando os métodos, conceitos,
princípios e observações das ciências sociais, não considerando, em seus princípios,
a forma que diferencia os seres humanos dos animais.

A proposta do condicionamento clássico, segundo Staats (1980, pp. 100-101, apud


TERRA, 2003), não evidencia que o conhecimento social de qualquer outra espécie,
além da espécie humana, tenha sido sistematicamente formulado e tenha valor, o
que na prática significa que “qualquer outra coisa que não seja o condicionamento
operante ou que não possa ser explicado como tal, incluindo muito do próprio
behaviorismo, é rejeitado”.

Considerando a proposta skinneriana, um sistema fechado, restritivo e improdutivo


por considerar como válido apenas a frequência da resposta obtida, Staats (1980 p.
102 apud TERRA, 2003) destaca que essa proposta “radicalizou o conflito entre o
behaviorismo e as ciências humanísticas no que se refere à concepção de homem”, da
mesma maneira que o behaviorismo de watsoniano “fracassou porque não considerou
as pesquisas do comportamento humano que seguiam outras orientações”.

Nesse cenário, Staats (1980, p. 103 apud TERRA, 2003) reivindica a integração e
a união de áreas do conhecimento para a evolução do behaviorismo, destacando a
necessidade de “um paradigma que conduza à unidade todo esse esforço científico no
estudo do homem”, ou seja, uma terceira geração de behaviorismo, o behaviorismo
social.

49
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

De acordo com Terra (2003), a partir das colocações de Staats, os desenvolvimentos


mais significativos do quadro conceitual da Teoria da Aprendizagem Social
englobam, dentre outros, três aspectos:

»» O reconhecimento de que a análise do comportamento deve levar


em consideração os processos simbólicos, tendo em vista que a
capacidade de utilizar a linguagem instrumentaliza a possibilidade
de representação de eventos e de situar o presente com base em
experiências passadas. Como consequência, o interesse se concentra
na análise do pensamento e dos mecanismos que ele (o pensamento)
usa para controlar a ação, ao contrário das duas abordagens anteriores
do behaviorismo.

»» “A concepção de comportamento como uma interação contínua e


recíproca entre fatores ambientais, comportamentais e cognitivos”
(DAVIS, s.d: 77 apud TERRA, 2003). Contrapondo-se à teoria
skinneriana, para a qual o comportamento sujeita o homem
(organismo passivo) à ação do ambiente, o behaviorismo social
enfatiza os processos autorregulatórios, colocando em vigor um
determinismo recíproco entre homem-ambiente. O homem tem a
capacidade de direcionar o curso da sua ação, se transformando em
um organismo ativo, capaz de selecionar e organizar os estímulos
que considera relevantes, dentre os estímulos que determinam as
suas respostas.

»» A aprendizagem por meio da modelação: aquisição de conhecimentos


e comportamentos novos por meio de observação. A característica
fundamental dessa abordagem é a de que “grande parte da
aprendizagem humana depende de processos perceptuais e cognitivos
[...] o reforço direto da própria ação é apenas uma das variáveis que
atuam no processo de aquisição de novos padrões de respostas” (ibid.
p.79). Nesse cenário, de acordo com Terra (2003, p.7) “as expectativas
individuais independem de resultados produzidos pelas próprias ações,
ou seja, as respostas às ações de outros são importantes para guiar o
próprio comportamento”.

De acordo com a mesma autora, a noção de behaviorismo social vai em direção


a uma explicação do comportamento que leva em consideração a interação
homem-ambiente, de maneira mais ampla do que as propostas anteriores.

50
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

Chegamos ao final deste capítulo, no qual você estudou os principais modelos


behavioristas, que têm como características:

»» Behaviorismo metodológico – baseado no realismo, tem Watson como


seu principal representante.

»» Behaviorismo radical – baseado nos princípios do pragmatismo, tem


Skinner como seu maior expoente.

»» Behaviorismo social – se contrapondo aos modelos anteriores,


considerando-os sistemas fechados e reducionistas, tem Arthur W. Staats
como seu idealizador.

51
CAPÍTULO 2
O cognitivismo e suas implicações
pedagógicas

Como abordamos no capítulo anterior, os behavioristas reconhecem a existência


do pensamento, identificado como um comportamento decorrente de estímulos.
Considerando que o behaviorismo negligenciava a cognição, o movimento
cognitivista foi uma resposta à corrente behaviorista. De acordo com Ferrari (2014),
o cognitivismo pode ser definido como uma escola teórica, a qual tem a finalidade
de estudar a cognição, os processos de aquisição, armazenamento e utilização do
conhecimento pelo homem.

Ainda segundo Ferrari (2014), o cognitivismo nasceu na década de 1950,


aproximadamente, com os pensamentos de George Miller que, a partir dos seus
estudos da teoria estatística da aprendizagem, a teoria da informação e os modelos
de mente baseados no computador, que ele comparou ao funcionamento da mente
humana, concluiu que as formulações da teoria behaviorista não se justificavam.

O cognitivismo traz sua grande contribuição ao desenvolvimento da psicologia com


suas críticas aos conceitos behavioristas que enfatizam o estudo do comportamento e
ignoram a cognição, o ato de conhecer, a percepção no processamento de informações
e a compreensão (FERRARI, 2014).

Para os cognitivistas, o modo de pensar não pode ser um comportamento, uma vez que
a maneira de pensar tem impactos sobre o comportamento do indivíduo.

O cognitivismo analisa o indivíduo como um ser funcional. No processo


de aprendizagem avalia-se a estrutura cognitiva, como sendo a
organização e a integração de conteúdos de suas ideias em uma área
reservada de conhecimento, resultando na aprendizagem. (PORTAL
EDUCAÇÃO, 2018)

O cognitivismo enfatiza o processo de aprendizagem no qual o educando está


em contínua construção dos seus conhecimentos, de forma a ampliar esses
conhecimentos para criar novas estruturas articuladas àquilo que ele já conhece,
organizando e administrando as informações recebidas, processando-as em busca
de estabelecer possíveis relações entre elas, com vistas à tomada de decisões
(PORTAL EDUCAÇÃO, 2018).

52
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

Pereira, (2018), define o termo cognição como o conjunto de habilidades mentais


necessárias à construção de conhecimento sobre o mundo. Tendo início ainda
na infância e estando diretamente relacionados à aprendizagem, os processos
cognitivos envolvem habilidades ligadas ao desenvolvimento do pensamento, do
raciocínio, da linguagem, da memória, da abstração etc., segundo a mesma autora.

Vejamos, então, como surgiu o cognitivismo.

A origem da escola cognitivista não é nova, remonta à Grécia Antiga, quando Platão
e Aristóteles já se referiam aos processos do pensamento, quando a psicologia era
uma subárea da filosofia, de acordo com Schultz e Schultz (2012 apud FERRARI,
2014). Até o início do Século XIX a Psicologia foi tratada como uma subdisciplina
da Filosofia, quando dela se torna independente e passa a ser considerada como
uma disciplina científica que tem como objeto principal o estudo dos estados de
consciência, ainda de acordo com os mesmos autores. Até o início do Século XIX, a
Psicologia foi tratada como uma subdisciplina da filosofia.

Como já vimos, o cognitivismo veio se contrapor ao behaviorismo. De acordo


com Santana (2008), no início da década de 1940 estava claro que tanto a forma
fisiológica quanto a forma do behaviorismo eram inviáveis, tendo sido necessária,
segundo Gardner (1995 apud SANTANA, 2008), a legitimidade dos estudos
cognitivos que ocorreram com o advento dos computadores e o surgimento da
teoria da informação. Segundo Ferrari (2014), isso aconteceu com o avanço das
tecnologias da informação e comunicação, inspiradas pelos avanços tecnológicos
da Segunda Guerra Mundial, dos quais decorreram as inteligências artificiais e o
processo de informações dos computadores.

Segundo Santos (2013), é o processo por meio do qual o mundo de significados tem
origem. Para o autor, os significados não são entidades estáticas, eles são pontos
de partida (equivalências utilizadas como uma ponte para a aquisição de novos
significados) para a atribuição de outras significações que, por sua vez, possibilitam
a origem da estrutura cognitiva.

O Portal Educação (2018b) define cognição como sendo “o conjunto dos


processos mentais usados no pensamento, na percepção e na classificação,
reconhecimento e compreensão, para o julgamento por meio do raciocínio, para
o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas”. Em outras
palavras, é a maneira como o cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre
toda a informação que foi captada pelos cinco sentidos.

53
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Mas, vai além: cognição também é um mecanismo de conversão daquilo que


é captado pelos nossos sentidos para o nosso modo de ser. Ela é um processo
por meio do qual interagimos com os nossos semelhantes e com o meio em que
vivemos, sem perdermos a nossa identidade existencial.

A cognição tem início na captação da informação pelos sentidos e é precedida pela


percepção, que ocorre logo em seguida à captação. Podemos dizer, então, que a
cognição “é um processo de conhecimento, que tem como material a informação
do meio em que vivemos e o que já está registrado na nossa memória” (PORTAL
EDUCAÇÃO, 2018b).

Como você pode perceber, os cognitivistas entendem a aprendizagem como um


processo de aquisição de esquemas de resposta e de sucessivas adaptações ao
meio. No entanto, para que haja aprendizagem deverá ocorrer uma mudança da
estrutura cognitiva do sujeito, na forma como ele percebe, seleciona e organiza
os objetos/acontecimentos e nos significados a eles atribuídos pelo indivíduo
(PORTAL IEFP, 2018).

Ainda segundo o mesmo Portal, a capacidade de aprender novos conceitos


depende do conhecimento prévio do sujeito, bem como das estruturas cognitivas
nele já existentes. Nesse ambiente, as novas informações recebidas/percebidas
são relacionadas umas às outras, provocando alterações cognitivas na estrutura já
existente, como demonstra a figura a seguir.

Figura 7. Estrutura da cognição.

Estrutura Percepção e processamento Nova


cognitiva estrutura
prévia cognitiva
da informação

Fonte: elaborada pela autora, adaptado de Portal IEFP.

A motivação é um importante elemento na concepção cognitivista, porém o


que leva um indivíduo a aprender são principalmente as suas necessidades
internas, a sua curiosidade e as suas expectativas. De acordo com o Portal
IEFP (2018), a motivação é um fenômeno intrínseco, interno ao indivíduo
e voluntário, sendo possível estimular o desejo de aprender apelando à
curiosidade e à autonomia do sujeito.

O mesmo portal destaca a complexidade dos processos cognitivos, razão pela qual
não há uma teoria acabada, mas diferentes concepções dentro das teorias dos
diversos teóricos cognitivistas, como por exemplo:

54
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

»» Jean Piaget – Estágio de desenvolvimento da aprendizagem.

»» Lev Semyonovich Vygotsky ─ Psicologia cultural-histórica.

»» Seymour Brunner – Teoria do Ensino.

»» David Ausubel – Aprendizagem significativa e mecânica.

»» Robert Gagné – Transição de comportamental para cognitivo.

»» Albert Bandura – Aprendizagem cognitiva como aprendizagem social.

A abordagem construtivista de Piaget não pretendia criar uma teoria da


aprendizagem, mas responder questões epistemológicas, diante do desejo de
compreender como o ser humano construía seu conhecimento (NUNES; SILVEIRA,
2011a).

Pereira (2018) destaca que o centro da teoria para o desenvolvimento cognitivo de


Jean Piaget (1896-1980) está nas fases de desenvolvimento da criança, constituídas
por uma série de estágios sequenciais e qualitativamente diferentes, por meio dos
quais a estrutura cognitiva seguinte é construída, mais complexa e abrangente que
a estrutura anterior.

Nesse sentido, segundo a mesma autora, a teoria piagetiana considera a


inteligência como sendo o resultado de uma adaptação biológica na qual, para
organizar o pensamento, o organismo procura o equilíbrio entre assimilação e
acomodação. “O que determina o que o sujeito é capaz de fazer em cada fase do
seu desenvolvimento é o equilíbrio correspondente a cada nível mental atingido”
(PEREIRA, 2018).

Na visão do estudioso Henry Wallon apud Pereira (2018), o desenvolvimento


cognitivo é um processo social e interacionista, no qual a linguagem e o entorno
social desempenham um papel fundamental. Assim como na visão piagetiana, a
teoria walloniana também categoriza o desenvolvimento em etapas, mas entende
o sujeito em sua integralidade: biológica, afetiva, social e intelectual (PEREIRA,
2018).

Nesse cenário, de acordo com a mesma autora, o indivíduo está entre as


exigências do organismo e da sociedade e seu desenvolvimento se dá por meio
de uma construção progressiva na qual predominam ora aspectos afetivos ora
aspectos cognitivos, estabelecidos por meio das relações entre o sujeito e o meio
que se modificam reciprocamente.

Também estudaremos, mais à frente, nesta unidade, a abordagem sócio-histórica


de Lev Vygotsky, que defendia a linguagem e as interações sociais como elementos

55
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

cruciais na formação da consciência humana e considerava o ser humano como


uma realidade concreta, que tinha seu desenvolvido originado no psiquismo
(NUNES; SILVEIRA, 2011b).

Segundo Pereira (2018), o teórico russo Lev Vygotsky (1896-1934) defende que
o desenvolvimento do indivíduo e a aquisição de conhecimentos são resultados
da interação entre o sujeito e o meio, por meio de um processo sócio-histórico
coletivamente construído e mediado pela cultura. De acordo com essa teoria, a
aprendizagem promove o despertar de processos internos de desenvolvimento
que somente ocorreriam por meio das interações estabelecidas com o meio
externo ao longo da vida e, de acordo com a mesma autora, como resultado dessas
trocas e interações, o cérebro tem a capacidade de criar novos conhecimentos,
uma vez que o contato com outras experiências ativa as potencialidades do sujeito
em elaborar seus conhecimentos sobre os objetos, em um processo mediado pelo
outro (PEREIRA, 2018).

A autora destaca que a principal contribuição das teorias cognitivas é permitir


a maior compreensão sobre a forma como as pessoas aprendem, a partir do
princípio de que essa aprendizagem é o resultado da construção de um esquema
de representações mentais que ocorre a partir da participação ativa do sujeito
e que acarreta o processamento de informações que serão internalizadas e
transformadas em conhecimento (PEREIRA, 2018).

Vejamos, então, alguns exemplos das implicações pedagógicas do cognitivismo,


segundo o Portal IEFP (2018):

»» Fazer a introdução no início de cada nova etapa do aprendizado.

»» Contextualizar o novo conhecimento, recorrendo a problemas


concretos ao sujeito, usando linguagem adequada e compreensível
para o aprendiz, citando exemplos, explicando de maneiras diferentes
e usando uma argumentação lógica.

»» Recorrer à diferenciação progressiva, apresentando primeiramente as


ideias mais gerais e, progressivamente, diferenciá-las com detalhe e
especificidade.

»» Apresentar a relação entre cada etapa/tarefa e o processo global da


aprendizagem.

»» Definir os resultados de aprendizagem desejados, subdividindo-os em


resultados mais simples, quando os resultados forem muito complexos.

»» Estabelecer uma hierarquia de resultados.

56
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

»» Identificar as condições internas do indivíduo requeridas (nível de


conhecimentos, motivação, interesse etc).

»» Identificar as condições externas ao formando requeridas (métodos,


técnicas, abordagens e estratégias pedagógicas, meios e recursos de
ensino).

»» Planejar os meios de aprendizagem em função do contexto de


aprendizagem e das características do grupo de formandos.

»» Concretizar o processo de ensino-aprendizagem.

»» Avaliar.

No ensino cognitivista, o aluno deve ser motivado a aprender a partir da análise das
suas necessidades e de suas experiências reais, seguindo o princípio de que a estrutura
cognitiva do sujeito depende da sua visão do mundo e da sua vivência, que devem ser
valorizadas no processo de aprendizagem. Para tanto, devem ser fornecidas informações
que levem o indivíduo a compreender, organizar e reter os conhecimentos de maneira
significativa, relacionando os novos conhecimentos àqueles que ele já possuía.

O quadro, abaixo, apresenta as diferenças das implicações pedagógicas entre as teorias


de alguns estudiosos do cognitivismo.

Quadro 1. Implicações pedagógicas das teorias de Piaget, Vygotsky e Ausubel.

ABORDAGEM
IMPLICAÇÃO ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA APRENDIZAGEM
SÓCIO-HISTÓRICA DE
PEDAGÓGICA DE PIAGET SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL
VYGOTSKY
Ênfase nas interações com o meio e A relação desenvolvimento- O processo de ensino-
nos intercâmbios entre os sujeitos, por aprendizagem acontece de forma aprendizagem acontece por meio
meio de processos de equilibração, intricada, atribuindo importância de organizadores prévios (é
assimilação e acomodação. crucial às práticas educacionais como necessário que a aprendizagem
propulsoras do desenvolvimento ocorra a partir do que o aluno já
humano. sabe) e mapas conceituais
(organizar e representar o
A aprendizagem exige uma
conhecimento) como recursos
prática pedagógica que privilegie
didáticos específicos que põem em
a participação ativa do aluno e do
prática processos do ensino que
professor, por meio de situações
PROCESSO favorecem nos alunos a capacidade
que primem pelo intercâmbio,
ENSINO-APRENDIZAGEM de aprender.
diálogo, expressão criativa e
trabalho em grupo, respeitando as
Atividades discursivas do aluno e sua
singularidade. Deve ser considerada
a Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP) que discorre acerca
do limiar entre desenvolvimento
real (capacidades já completadas)
e desenvolvimento proximal
(capacidades na iminência de serem
efetivadas).

57
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

ABORDAGEM
IMPLICAÇÃO ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA APRENDIZAGEM
SÓCIO-HISTÓRICA DE
PEDAGÓGICA DE PIAGET SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL
VYGOTSKY
Agente ativo e criador com o emprego Sujeito ativo no seu processo de O papel do aluno é integrar novos
de lógicas para solucionar questões. aprendizado e desenvolvimento, pois conteúdos na sua estrutura cognitiva,
é ele quem age sobre o instrumento ampliando e modificando os já
mediador de sua ação. Desta forma, existentes.
PAPEL DO ALUNO ele precisa estar apto a interagir
com esta ferramenta, dominar
suas funções, signos e sistemas de
símbolos para que a sua conduta
seja consciente e planejada.
Agente ativo, que mostra aos alunos Auxiliar no desenvolvimento de Mediar os conteúdos e auxiliar o
que seus esquemas assimiladores são funções psicológicas mais avançadas aluno a primeiramente descobri-
insuficientes para atingir um equilíbrio do aluno, como forma de domínio de los, significativamente, para depois,
permanente, apresentando atividades uma sistemática, levando em conta a incorporá-los em seus esquemas.
PAPEL DO PROFESSOR criativas, instigando-os à reflexão e experiência da criança.
à criação constantes, por meio de
O professor deve mediar, por
questionamento de suas respostas, de
meio de instrumentos e signos,
exemplos e de uma relação dialógica.
e potencializar o processo de
aprendizagem do indivíduo.
Fonte: elaborado pela autora, adaptado de Sousa (2018).

Como podemos observar no quadro acima, Piaget (1975; 1990 apud SOUSA,
2018) defende a construção do conhecimento a partir da evolução de esquemas
cognitivo-afetivos e que essa construção ocorre por assimilação, acomodação e
equilibração do objeto de conhecimento. Ou seja, o indivíduo apresenta esquemas
mentais que absorvem conhecimentos, confronta-nos, e por fim, promove uma
homeostase desses conhecimentos no seu campo intelectual. A aprendizagem é
ativa e singular, ressalvando que, assim como o ensino, a aprendizagem ocorre por
meio das interações sociais, nas quais professor e aluno devem ter uma relação
dialógica e ativa, cabendo ao professor instigar o aprendiz a construir lógicas para
o conhecimento (SOUSA, 2018).

Resumidamente, para entendermos as implicações pedagógicas da teoria


piagetiana, apresentaremos o conceito de equilibração, acomodação e assimilação,
os quais serão abordados, mais explicitamente, ainda nesta Unidade:

»» Equilibração - trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e


a acomodação (WADSWORTH, 1996), sendo considerada como um
mecanismo autorregulador, necessário para assegurar à criança uma
interação eficiente com o meio-ambiente.

»» Assimilação - é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra


(classifica) um novo dado perceptual, motor ou conceitual às estruturas
cognitivas prévias (WADSWORTH, 1996). Na prática, quando a criança
tem novas experiências ela tenta adaptar esses novos estímulos às
estruturas cognitivas que já possui.
58
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

»» Acomodação - por analogia com os “acomodatos” biológicos, é toda


modificação dos esquemas de assimilação sob a influência de situações
exteriores (meio) às quais se aplicam (PIAGET, p. 18, 1996).

Baseado no materialismo dialético de Karl Marx, Vygotsky (1988; 1996 apud


SOUSA, 2018) defende que a linguagem e as interações sociais são elementos
cruciais na formação da consciência humana, na qual conceitos espontâneos e
científicos funcionam, de modo interdependente, no processo de desenvolvimento,
como você pôde observar no quadro 1.

Nessa concepção, a linguagem é o elemento fundamental na interação do sujeito


com o meio e sua relação com o desenvolvimento acontece de forma intricada,
dialógica, intercambista, grupal e ativa, levando em consideração o limiar de
independência que o indivíduo apresenta (limiar imposto pelo conceito de Zona
de Desenvolvimento Proximal – ZDP). Além disso, fatores como mediação,
instrumentos e signos, são adotados nesse processo que promove a ampliação da
visão sociocultural do indivíduo, proporcionando um aumento no seu raciocínio
(VYGOTSKY, 1999 apud SOUSA 2018).

Contrapondo-se ao Behaviorismo e ao Mentalismo Europeu e destacando que


não há dicotomias entre essas abordagens, como podemos observar ainda no
quadro 1, Ausubel (1982, apud SOUSA, 2018) defende que a aprendizagem é uma
modificação apenas do conhecimento e não comportamental (como preceitua o
behaviorismo), e que em conjunto com o ensino a aprendizagem acontece por
meio de conhecimentos prévios e mapas conceituais, favorecendo o aprendizado
do aluno. Esse teórico também defende que o professor deve mediar e auxiliar o
aluno a incorporar o conteúdo em seus esquemas, de modo que o conhecimento já
existente possa ser modificado.

»» O cognitivismo entende a aprendizagem como um processo


interno, que envolve o pensamento e que, portanto, não pode
ser observado diretamente. Ou seja, as mudanças externas e
observáveis são fruto de mudanças internas relacionadas a
mentalizações, sentimentos, emoções e significações do sujeito.

»» Aprender significa adquirir novas estruturas cognitivas e


reconstruir as estruturas cognitivas já existentes.

»» Na perspectiva cognitivista as diferenças interindividuais


são valorizadas, uma vez que os cognitivistas não separam a

59
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

aprendizagem do significado que o aprendiz lhe atribui, da


interpretação pessoal que o sujeito faz da realidade.

»» Se contrapondo ao behaviorismo, as teorias cognitivistas


permitiram ultrapassar a visão redutora da aprendizagem, à
medida em que aprender é, acima de tudo, atribuir um significado
às experiências anteriores do sujeito.

60
CAPÍTULO 3
Jean Piaget e o construtivismo na
educação

Neste capítulo, abordaremos o construtivismo e suas implicações na educação.


Porém, vamos iniciar conhecendo um pouco mais da biografia de Jean Piaget, o
qual nasceu na Suíça, em 1896 e faleceu em 1980. De acordo com Caetano (2010),
ainda adolescente e influenciado pelo padrinho filósofo, Piaget iniciou os estudos,
especialmente interessado pelas questões epistemológicas, que o acompanhariam
por todo o seu trabalho como pesquisador, tendo optado pela biologia, aos 18 anos.

Ainda segundo Caetano (2010), desde adolescente Piaget demonstrou o desejo de


criar uma teoria biológica do conhecimento e buscou na psicologia da inteligência o
meio termo para os seus interesses biológicos e epistemológicos.

Introduzindo o termo construtivismo no século XX, com a publicação da obra


Logique et connaissance scientifique, no ano de 1967, Piaget se dedicou
ao entendimento dos processos de aquisição do conhecimento humano,
fazendo referência aos mecanismos de funcionamento da inteligência e à
construção/constituição do indivíduo a partir da sua interação com o meio em que
vive, na perspectiva de que as estruturas cognitivas não nascem prontas. Para o
estudioso, aí residia a razão pela qual o conhecimento repousa em todos os níveis
onde ocorre a interação entre o sujeito e os objetos no decorrer do processo de
desenvolvimento, segundo Pereira (2018b).

Segundo a mesma autora, a teoria piagetiana sobre o desenvolvimento da


inteligência deixou valiosas contribuições na prática pedagógica e das quais a teoria
construtivista se apropriou. Pereira (2018 b) destaca que a principal contribuição
é a de que a educação deve possibilitar à criança seu pleno desenvolvimento,
durante todos os estágios da sua maturação, que tem início no nascimento, com
os reflexos neurológicos básicos (estágio sensório-motor) e continua até o início
da adolescência, com o desenvolvimento do raciocínio lógico (estágio operatório
formal).

Na área educacional, de acordo com Pereira (2018b) isso significa levar em


consideração os esquemas de assimilação e acomodação da criança, por meio da
promoção de situações didáticas desafiadoras que provoquem os conflitos cognitivos
responsáveis pela construção do conhecimento da criança, por meio da participação
ativa do sujeito cognoscente.

61
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Por meio do seu trabalho de padronização dos resultados de testes de inteligência,


segundo Caetano (2010) Piaget encontrou um privilegiado espaço de trabalho que
o possibilitou analisar não só os resultados dos testes, mas também a regularidade
das respostas e a análise verbal do raciocínio das crianças, dando início à
construção da Teoria da Epistemologia Genética. Piaget elaborou seu próprio
método clínico de pesquisa e iniciou, sistematicamente, as investigações sobre o
desenvolvimento infantil e a construção da inteligência (CAETANO, 2010).

Vamos, então, conhecer as principais características e ideias da Epistemologia


Genética de Piaget, a começar pelo próprio nome da teoria?

De acordo com Caetano (2010), a epistemologia é comumente utilizada para


designar a chamada teoria do conhecimento. Partindo da perspectiva da biologia,
Piaget tinha o objetivo de definir como o sujeito passaria de um conhecimento
menor para um nível de conhecimento maior. Essa busca em entender a construção
do conhecimento pelo sujeito, a partir da biologia, o fez estudar filosofia,
epistemologia, lógica, matemática, física, psicologia, entre outras ciências.

Essencialmente, a Epistemologia Genética de Piaget (1975) é uma resposta à questão


da origem do conhecimento por meio da investigação (em parte empírica), do
nascimento e do desenvolvimento das estruturas cognitivas do sujeito, considerando
que o conhecimento resulta de interações entre o sujeito e o objeto e pela assimilação
dos objetos aos esquemas cognitivos do indivíduo. Em outras palavras, além de ser
construído pela associação entre objetos, o conhecimento acontece também por meio
da assimilação desses objetos aos esquemas que o indivíduo já possui.

Influenciado por sua formação em biologia, de acordo com Caetano (2010), Piaget
desenvolveu sua teoria sob a perspectiva dos instrumentos científicos utilizados por ele
como comprovadores empíricos, sempre baseados em métodos científicos rigorosos.
A autora aponta a concepção de inteligência como algo ligado à ação e à adaptação ao
meio como outra influência da biologia na teoria piagetiana.

Essa teoria “explica o desenvolvimento da inteligência, tendo como


conteúdo básico a ação do sujeito que interage com os objetos,
construindo, a partir dessas ações, formas e/ou estruturas de inteligência
que lhe permitem, cada vez mais, adaptar-se ao mundo em que vive.
Caetano (2010).

Seus trabalhos na psicologia deram a Piaget a ideia de utilizar o modelo


lógico-matemático como meio de análise e instrumento de descrição do

62
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

funcionamento e do desenvolvimento da inteligência, o que faz da sua teoria uma


das referências na compreensão do homem moderno (CAETANO, 2010).

Não houve nenhum cientista depois de Piaget que elaborasse


como ele um modelo formalizado, utilizando a linguagem lógico-
matemática [...] para explicar o desenvolvimento e a organização
das estruturas cognitivas do ser humano. Trata-se de um
modelo universal, refutável, hipotético-dedutivo, para explicar o
funcionamento das estruturas mentais orgânicas (não passíveis de
serem observadas), responsáveis pela inteligência e pela construção
do conhecimento pelo ser humano. (CAETANO, 2010)

Assim, para Caetano (2010) a explicação do título Teoria da Epistemologia Genética


deve-se ao fato de Piaget:

»» Ter pesquisado o desenvolvimento humano a partir do estudo e da


observação de bebês, crianças e adolescentes.

»» Por entender esse estudo como o mais apropriado para as suas


investigações sobre a gênese do conhecimento.

»» Para demonstrar empiricamente e explicar o seu modelo teórico de


construção da inteligência.

Em tributo a Kant, Piaget apresenta o construtivismo como uma alternativa ao


empirismo e ao racionalismo, tidos como tradicionais respostas ao problema da
origem do conhecimento. Segundo Caetano (2010), para Piaget o conhecimento não
é simplesmente um reflexo das propriedades do ambiente (empirismo) nem está
pré-formado do sujeito, aguardando a maturação (racionalismo). O construtivismo
exige a interação entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido, ou seja, o sujeito
é ativo na ação, construindo suas próprias representações de mundo, por meio da
interação com o objeto.

Assim, a teoria piagetiana entende que a construção do conhecimento ocorre por


meio da interação do sujeito com o seu mundo (CAETANO, 2010), por meio da qual
o sujeito constrói não apenas a representação dos objetos, mas também as próprias
estruturas cognitivas e, a partir de novas solicitações do ambiente, o sujeito pode
reorganizar essas estruturas em um constante mecanismo de assimilação de novos
objetos a esquemas pré-existentes e mecanismos de ampliação do conhecimento
(acomodação).

63
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Segundo Caetano (2010), o conceito central da teoria construtivista do


conhecimento está na equilibração, que é o resultado das sucessivas assimilações
e acomodações. A mesma autora destaca que quando as estruturas que o sujeito já
construiu não permitem que ele assimile um novo objeto de conhecimento (objeto
resistente) há uma perturbação no sujeito, desencadeando o desequilíbrio.

Figura 8. Esquema de assimilação, acomodação e equilibração.

Objeto de Objeto de
Sujeito Sujeito
conhecimento conhecimento

ASSIMILAÇAO ACOMODAÇÃO

Incorporação da realidade aos esquemas Modificação e reestruturação dos esquemas ou


existentes, com imposição ao meio. estruturas de assimilação do sujeito, envolvendo
O sujeito age sobre o objeto, mas a mente não esforço pessoal na busca da transformação do
se modifica. objeto, para equilibrar-se com o meio.

Adaptação

EQUILIBRAÇÃO

Equilíbrio entre assimilação


e acomodação

Fonte: elaborada pela autora, com base em Caetano (2010).

Para Piaget, ser humano e objeto se constroem mutuamente na interação. O


conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social: o sujeito
constrói seu conhecimento na interação com o meio. Essa construção depende,
portanto, das condições do sujeito e das condições do meio.

64
CAPÍTULO 4
Lev Vygotsky e o socioconstrutivismo na
educação

Neste capítulo, estudaremos a perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky,


bem como sua psicologia, seu pensamento educativo e a influência do
socioconstrutivismo vygotskiano na pedagogia e na didática. Abordaremos,
também, a comparação entre o construtivismo e o socioconstrutivismo na
educação.

Se o grande nome do construtivismo é Jean Piaget, o socioconstrutivismo tem


como sua grande referência Lev S. Vygotsky (1896-1934). Antes de abordarmos
a teoria vygotskyana, vamos conhecer um pouco da biografia desse psicólogo
bielo-russo que fez várias pesquisas na área do desenvolvimento da aprendizagem
e do papel preponderante das relações sociais nesse processo, dando origem
à corrente de pensamento denominada como Socioconstrutivismo, de acordo
com Frazão (2018).

Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896, na cidade de Orsha, próxima a Minsk,


a capital da antiga Bielo-Rússia. Filho de uma próspera e culta família judia,
segundo Frazão (2018) viveu um longo tempo em Gomel, também na Bielo-Rússia.
Aos 18 anos, ingressou no curso de medicina, se transferindo em seguida para o
curso de direito da Universidade de Moscou, paralelamente estudando Literatura
e História da Arte (FRAZÃO, 2018).

De acordo com a mesma autora, em 1917, ano da Revolução Russa, Lev Vygotsky
se graduou em Direito e apresentou um trabalho intitulado “Psicologia da Arte”,
publicado na Rússia em 1965. Depois de formado, voltou para Gomel, onde
escreveu críticas literárias, proferiu palestras sobre temas ligados à literatura e à
psicologia em várias escolas e publicou um estudo sobre os métodos de ensino da
literatura nas escolas secundárias.

Ainda em Gomel, Lev Vygotsky fundou uma editora, uma revista


literária e um laboratório de psicologia no Instituto de Treinamento
de Professores, onde ministrava cursos de Psicologia. A partir
daí, para auxiliar o desenvolvimento dessas crianças, centralizou
suas pesquisas na compreensão dos processos mentais humanos.
Em 1924, após uma brilhante participação no II Congresso de
Psicologia em Leningrado, foi convidado a trabalhar no Instituto de

65
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Psicologia de Moscou. Nessa época, escreveu o trabalho “Problemas


da Educação de Crianças Cegas, Surdas-mudas e Retardadas”.
(FRAZÃO, 2018)

Frazão (2018) destaca que seu interesse pelas funções mentais superiores, cultura,
linguagem e processos orgânicos cerebrais levaram Vygotsky a trabalhar com
neurofisiologistas como Alexander Luria e Alexei Leontiev, pesquisadores com
importantes contribuições no Instituto de Deficiência de Moscou, entre elas o livro
“A Formação Social da Mente”, que aborda processos psicológicos tipicamente
humanos, analisando-os a partir da infância e do seu contexto histórico-cultural.

Dentre os trabalhos de Lev Vygotsky, Frazão (2018) destaca: “A pedologia de


crianças em idade escolar” (1928), “Estudos sobre a história do comportamento”
(1930, escrito com Luria), “Lições de Psicologia” (1932), “Fundamentos da
Pedologia” (1934), “Pensamento e linguagem” (1934), “Desenvolvimento da
criança durante a educação” (1935) e “A criança retardada” (1935).

Após sua morte, em 1934, as ideias de Vygotsky foram repudiadas pelo governo e,
durante o regime stalinista, suas obras foram proibidas na União Soviética, entre
1936 e 1958, segundo Frazão (2018). Em consequência, seus livros “Pensamento e
linguagem” e “A formação social da mente” foram publicados no Brasil apenas em
1962 e 1984, respectivamente (FRAZÃO, 2018).

A abordagem construtivista de Piaget não intencionava criar uma teoria das


aprendizagens, mas responder questões epistemológicas, mediante o desejo de
compreender como o ser humano construía seu conhecimento (NUNES; SILVEIRA,
2011a apud SOUSA, 2018).

Segundo os mesmos autores, a abordagem sócio-histórica de Lev Vygotsky defendia


a linguagem e as interações sociais como elementos cruciais na formação da
consciência humana, considerando o ser humano uma realidade concreta, que se
originava do psiquismo.

Segundo Resende (2009 apud ROMERO, 2015), a teoria socioconstrutivista,


também chamada de sociointeracionismo, entende o homem e o seu
desenvolvimento sob uma perspectiva sociocultural (o homem se constitui na
interação com o meio no qual vive) e por isso ganhou essa denominação.

Esse autor destaca que a interação entre o homem e o meio é considerada uma
relação dialética, uma vez que o indivíduo não apenas internaliza as formas
culturais, ele intervém e transformas essas formas. Assim, segundo Resende (2009
apud ROMERO, 2015), a obra de Lev Vygotsky é centrada no desenvolvimento

66
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

humano e na aprendizagem, entendidos como dois processos indissociáveis


que se constituem reciprocamente.

Defendendo que o desenvolvimento da inteligência é produto da convivência


social, para a teoria vygotskyana a natureza humana somente pode ser entendida
se for levado em conta o desenvolvimento sociocultural dos indivíduos, que
não crescem fora de um ambiente cultural, no qual desde o berço o indivíduo
é parte integrante de uma comunidade impregnada pela própria cultura, com
seus próprios hábitos, linguagens e tradições específicas, que orientam o
desenvolvimento infantil.

Baseado no materialismo dialético de Karl Marx, Vygotsky (1988; 1996 apud


SOUSA, 2018) defende que a linguagem e as interações sociais são fatores
cruciais na formação da consciência humana. Mais do que meramente auxiliar do
pensamento, a linguagem é entendida como uma poderosa ferramenta cultural,
tendo a capacidade de alterar o desenvolvimento do indivíduo.

Vygotsky afirma que o desenvolvimento da linguagem implica o


desenvolvimento do pensamento, pois pelas palavras o pensamento
ganha existência (MIRANDA; SENRA, 2012). “A linguagem age
decisivamente na estrutura do pensamento e é ferramenta básica
para a construção de conhecimentos. Intervém no desenvolvimento
intelectual da criança desde o seu nascimento (STADLER et al). “A
linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que
constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento”
(FOSSILE, 2010; ROMERO, 2015)

Segundo Sousa (2018), na concepção socioconstrutivista a relação da linguagem


com o desenvolvimento ocorre de forma intricada, dialógica, intercambista,
grupal e ativa, levando em consideração o limiar de independência que apresenta
o indivíduo, imposto pelo conceito vygotskyano de Zona de Desenvolvimento
Proximal – ZDP. Além disso, fatores como mediação, instrumentos e signos
são usados nesse processo que promove a ampliação da visão sociocultural do
indivíduo, por meio de um aumento no seu raciocínio (VYGOTSKY, 1999 apud
SOUSA, 2018).

Destacando que dar voz às crianças é fundamental para que elas exercitem o
pensamento, Romero (2015) aponta as duas funções da linguagem:

»» Intercâmbio social – bem visível nos bebês que, por meio de


gestos, expressões e sons, demonstram seus sentimentos, desejos e
necessidades.

67
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

»» Pensamento generalizante – quando falamos a palavra boi,


por exemplo, independentemente de termos visto um boi nosso
pensamento classifica a palavra na categoria animais e nos remete à
imagem de um boi.

Dentre as manifestações da linguagem, Romero (2015) destaca a fala privada,


que é a fala do sujeito consigo mesmo, considerada por Lev Vygotsky como sendo
uma ligação entre a linguagem e o pensamento, uma vez que à medida que a fala
privada se desenvolve, a criança (sujeito) se torna capaz de orientar e dominar ações
(MIRANDA, SENRA, 2012 apud ROMERO, 2015).

De acordo com Stadler et al (apud ROMERO, 2015), o pensamento vygotskyano


está baseado em quatro pilares:

I. As funções psicológicas têm um suporte biológico, uma vez que são


produtos da atividade cerebral. Sendo mutável, o cérebro é um sistema
aberto e suas estruturas são moldadas no decorrer da história do sujeito
e de seu desenvolvimento individual.

II. O funcionamento psicológico tem como base as relações sociais (entre o


sujeito e o mundo) dentro de determinado contexto histórico.

III. A cultura é parte essencial do processo de construção da natureza


humana.

IV. A relação homem-mundo é mediada por sistemas simbólicos, havendo


elementos mediadores (ferramentas auxiliares da atividade humana)
entre o homem e o mundo.

De acordo com o pensamento vygotskiano, ao nascer a criança possui apenas


as funções psicológicas elementares (reflexos e a atenção involuntária) e, com o
aprendizado cultural, (consciência, planejamento, e deliberação: pensar, refletir,
organizar, categorizar, generalizar etc), são construídas no decorrer da história
social do sujeito, de acordo com Stadler et al (apud ROMERO, 2015).

O pensamento vygotskyano defende a mediação como conceito central dessa


teoria. Nesse sentido, Romero (2015) diz que o contato do sujeito com o meio
e com outros indivíduos é mediado por um conhecimento e/ou experiência
anterior, uma vez que o sujeito não tem contato com os objetos. De acordo com
Magalhães (2007 apud ROMERO, 2015), aí se explica a denominação da teoria
socioconstrutivista, uma vez que Vygotsky percebe que a interação (sujeito-meio

68
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

e/ou sujeito/indivíduos) é mediada por diversas relações, diferentemente do que


ocorre no construtivismo, em que o sujeito age diretamente com o objeto.

De acordo com Stadler et al (apud ROMERO 2015), entendendo mediação como


sendo a intervenção de um elemento intermediário em uma relação, Vygotsky
aponta a existência de dois elementos mediadores que dão suporte à ação do
homem no mundo: os signos e os instrumentos, como mostra a figura abaixo.

Figura 9. A mediação.

Homem Homem/Objeto

MEDIAÇÃO

INSTRUMENTO SIGNOS
Todo objeto Instrumentos
(externo) criado pelo psicológiscos
homem para facilitar (internos) que,
seu trabalho e sua diretamente, auxiliam
sobrevivência. o homem nos
processos internos.

Fonte: elaborado pela autora, com base em Stadler et al (apud ROMERO, 2015).

A âmbito de exemplo: ao criar uma lista de compras para ir ao mercado, o sujeito


está criando signos: a lista é um instrumento psicológico que, mais tarde, o
auxiliará na realização da ação que são as compras no mercado (STADLER et al,
apud Romero, 2015).

Nesse contexto, de acordo com Romero (2015), as representações da realidade


e a linguagem são sistemas simbólicos que fazem a mediação entre o homem e o
mundo e, segundo Stadler et al (apud ROMERO, 2015), o grupo cultural é quem
fornece as representações e o sistema simbólico: ao interagir com o outro o sujeito
interioriza as formas culturalmente construídas e estas, por sua vez, possibilitam
as relações sociais.

69
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Segundo a teoria socioconstrutivista, sempre que ocorre algum tipo de troca


(relação), há aprendizagem. Ao criar cultura o homem cria a si mesmo, portanto,
não é um ser passivo, de acordo com Stadler et al (apud, ROMERO, 2015).

Nesse cenário, Romero (2015) aponta que a criança não adquire conhecimento
na escola, uma vez que, sem diminuir a importância do ambiente escolar, o
pensamento dela desenvolve seu potencial com todas as trocas ocorridas bem
como no desenvolvimento da língua escrita. Magalhães (2007, apud ROMERO,
2015) destaca que quando o sujeito se familiariza com o mundo da escola
acontece algo novo em seu desenvolvimento, ou seja, a criança sai da sua zona
de desenvolvimento real e, com a ajuda de um mediador (professor ou
correspondente) passa à zona de desenvolvimento potencial, o que caracteriza
a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), mencionada anteriormente.

Observando a figura abaixo, você pode entender a Zona de Desenvolvimento


Proximal (ZDP) como uma ponte que possibilita a passagem do sujeito da zona
de desenvolvimento real para a zona de desenvolvimento potencial? É assim que
a ZDP funciona, na construção do conhecimento.

Figura 10. Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

Zona de
Desenvolvimento
PROXIMAL
• Saber atual • Saber a ser
• Mediação alcançado
Zona de
(ZDP)
Desenvolvimento
REAL
Zona de
Desenvolvimento
POTENCIAL

Distância entre o conhecimento


já existente e o conhecimento a
ser adquirido.

Etapa na qual a criança


Etapa na qual a criança está pronta para
soluciona os problemas compreender problemas
de forma independente, mais complexos, porém
sem ajuda de ainda precisa da ajuda de
mediadores. um mediador.

<https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/bridge-logo-627459212>

Fonte: elaborada pela autora, com base em Romero (2015); Stadler et al (apud ROMERO, 2015).

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EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

De acordo com Magalhães (2007 apud ROMERO, 2015), a zona de


desenvolvimento proximal é uma metáfora criada para explicar como a
aprendizagem acontece. Ela é a distância entre o nível real (o conhecimento
que a criança já possui) e o nível potencial da criança (o novo conhecimento
a ser adquirido).

Há pouco, mencionamos a linguagem escrita. Construída historicamente, no


socioconstrutivismo a escrita é tida como um produto cultural que ultrapassa
o domínio da grafia. Segundo Resende (2009 apud ROMERO, 2015), a escrita
é uma representação simbólica da realidade, que faz a mediação da relação do
homem com o mundo.

Você deve lembrar que, no início deste capítulo, vimos que Lev Vygotsky trabalhou
com importantes neurofisiologistas, como Alexander Luria e Alexei Leontiev. O
pensamento luriano entende que antes de adquirir a idade escolar a criança já tem a
capacidade de assimilar técnicas que preparam seu caminho para a sistematização
da escrita e, ainda, que a memória é precursora da escrita.

O socioconstrutivismo vygotskyano, por sua vez, critica a maneira como as


escolas fazem o processo da escrita, por meio de um ato puramente mecânico de
desenho das letras e construção das palavras sem ensinar a linguagem escrita,
ignorando os aspectos psíquicos da criança, de acordo com Romero (2015),
destacando que “aprender a escrever é construir nova inserção cultural, é
aprender uma forma de interagir com o meio no qual está inserido” (RESENDE,
2009 apud ROMERO, 2015).

Mais que isso, nesse cenário o socioconstrutivismo defende que para aprender a
escrever a criança deve primeiramente entender a linguagem falada; seu ingresso
no mundo da escrita ocorrerá quando ela perceber que pode desenhar o que se
fala, de acordo com Resende (2009 apud ROMERO, 2015).

O socioconstrutivismo também defende que o ambiente de ensino seja estimulador


e favorável à aprendizagem, com um educador paciente e afetuoso. Além disso,
segundo Romero (2015), o educador deve procurar conhecer seus alunos, o meio
em que vivem, as relações que eles têm com o meio e compreender o conhecimento
que eles já possuem.

O autor destaca a grande importância de o professor alfabetizar o aluno


ensinando-o a ler e escrever no contexto das suas práticas sociais, ao que Resende
(2009 apud Romero, 2015) completa dizendo que, assim, a aprendizagem poderá
ser significativa e satisfatória, de maneira a completar o ciclo de desenvolvimento
do aprendiz.

71
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Destacando o valor da educação e da escola como um todo, Romero (2015) mostra


que, sendo contra uma pedagogia diretiva e autoritária, o socioconstrutivismo
entende que a intervenção no desenvolvimento da criança deve se preocupar mais
com o meio cultural e as relações com o sujeito, defendendo a reelaboração e a
reconstrução do conhecimento, segundo Resende (2009 apud ROMERO, 2015).

Você deve ter percebido que os sistemas simbólicos têm grande importância,
sendo poderosos instrumentos para o pensar, e que o processo de aquisição de
todos esses instrumentos depende do conjunto de interações da criança com os
outros, em especial com aqueles que dominam as diversas linguagens simbólicas.

O mesmo acontece com outros sistemas simbólicos, como a aprendizagem da


matemática, por exemplo. No início, as crianças não têm a capacidade de entender
os números e as operações matemáticas/aritméticas, porém experimentarão
incontáveis situações escolares e extraescolares nas quais começarão a usar esses
símbolos (números e operações) até que dominem seu uso e essa atividade adquira
um caráter espontâneo na solução de problemas, incorporando a linguagem
matemática característica da cultura em que estão inseridas.

Assim como ocorre no processo de aquisição da linguagem escrita - a partir da


interação com o meio, com outros indivíduos, do diálogo (com seus pares e com os
professores), de instruções e da observação de como seus pares agem - o sujeito se
apropriou (internalização) de um processo social, que então passa a ser parte da
atividade psicológica desse sujeito.

Com outros indivíduos e com o ambiente sociocultural, o desenvolvimento da


inteligência humana é um produto dessa interação (convivência).

»» Conhecimento é sempre intermediado.

»» Para que o homem deixe de ser um ser biológico e se transforme em


um ser humano é crucial que ele viva em sociedade.

»» A criança nasce dotada de funções elementares e desenvolve as


funções superiores a partir da interação com o meio e com seus pares.

»» O conhecimento é fruto da interação (sujeito-meio e/ou sujeito/


indivíduos), sempre (inter)mediada (explícita ou implicitamente)
por diversas relações carregadas de significados sociais, históricos e
culturais, não é absorvido diretamente do meio (ação com o objeto).

72
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

»» O conhecimento já existente é mediado e, reelaborado, se


transformando em novo conhecimento.

»» Linguagem: principal instrumento de mediação do conhecimento,


tem relação direta com o desenvolvimento psicológico do sujeito.

»» O conhecimento é construído na interação com o meio e com outros


indivíduos e não pelo sujeito sozinho.

»» O meio é sempre revestido de significados culturais, os quais são


aprendidos com a participação dos mediadores.

»» O ambiente cultural é crucial para o desenvolvimento do sujeito.

»» O desenvolvimento mental é fruto do processo de aprendizagem, o


qual movimenta vários processos de desenvolvimento que, de outra
forma, seriam impossíveis.

»» O educador tem o papel de mediador da formação do conhecimento,


para transformar os conceitos espontâneos do sujeito (adquiridos
com a interação social com o meio e outros indivíduos) em conceitos
científicos.

Para finalizar esta unidade, abordaremos algumas das diferenças e semelhanças


entre o construtivismo de Piaget e o socioconstrutivismo de Vigotsky. Nesse
sentido, Lemos (2011) destaca que em ambas as teorias o processo de aprendizagem
ocorre de modo semelhante, usando termos diferentes para tratar de assuntos
iguais, quando descrevem a aprendizagem. Ou seja, o construtivismo menciona
a assimilação, a acomodação e a equilibração, enquanto o socioconstrutivismo
menciona a zona de desenvolvimento real, a zona de desenvolvimento proximal
(ZDP) e a zona de desenvolvimento potencial.

Ainda nesse sentido, o mesmo autor enfatiza que o construtivismo trata de estágios
e que o conhecimento é construído gradualmente, de acordo com o estágio onde
o sujeito se encontra. O socioconstrutivismo, por outro lado, não se refere a
estágios e sim à mediação e, ainda, que a relação do indivíduo com o mundo e com
a aprendizagem precisa da intervenção de alguém para que ocorra: tudo o que
sabemos é aprendido socialmente. Segundo Kohl (2000 apud LEMOS, 2011), essa
mediação remete ao pressuposto vigotskyano de que a relação do homem com o
mundo é indireta, necessitando da mediação dos sistemas simbólicos, que são os
elementos intermediadores do sujeito com o mundo.

73
UNIDADE II │ EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Vejamos mais algumas semelhanças e diferenças entre as duas teorias.

Semelhanças:

»» Ambas as teorias enfatizam a compreensão da origem e o


desenvolvimento dos processos cognitivos.

»» Estudam o desenvolvimento humano.

»» Enfatizam o fator biológico.

»» O sujeito é um ser ativo, que age em meio.

»» As duas teorias são construtivistas, do ponto de vista do


desenvolvimento intelectual: o conhecimento é construído a partir
da interação do homem com o meio.

»» Se opõem ao empirismo (o conhecimento/inteligência é fruto apenas


da ação do meio sobre o sujeito) e ao racionalismo (o homem nasce
com o conhecimento/inteligência pré-formado).

Diferenças:

»» No socioconstrutivismo, para o sujeito o meio é sempre repleto de


significados culturais, que são apreendidos por meio da ação de
mediadores. No construtivismo, o fator social é pouco enfatizado.

»» No socioconstrutivismo a aprendizagem gera o desenvolvimento


mental, enquanto no construtivismo ocorre o contrário: é o
desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais que torna o
sujeito capaz de aprender.

»» A teoria vygotskyana enfatiza a interação do sujeito com o ambiente


social, enquanto a teoria piagetiana enfatiza a ação individual do sujeito.

»» O socioconstrutivismo defende que desenvolvimento e aprendizagem


são processos que reciprocamente se influenciam (quanto mais
aprendizagem, mais desenvolvimento). O construtivismo defende que
a aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento e tem pouco
impacto sobre ele, o que minimiza o papel da interação social.

»» No construtivismo o desenvolvimento resulta de reorganizações


internas do indivíduo, baseadas em suas manipulações objetivas, sem
a necessidade da ajuda de uma fonte externa. No socioconstrutivismo,

74
EDUCAÇÃO MODERNA, EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO │ UNIDADE II

o desenvolvimento está relacionado à internalização contínua dos


meios e recursos cognitivo-culturais que o sujeito adquire por meio da
interação com o meio.

»» O socioconstrutivismo distingue o desenvolvimento natural do


desenvolvimento cultural, ao passo que o construtivismo rejeita esse
contraste, destacando a divergência sobre a importância que a cultura
exerce nas duas teorias.

»» O construtivismo entende o sujeito como unificador do contraste


social vs biológico. O socioconstrutivismo é baseado em conceitos
contrapostos, como o amadurecimento (crescimento biológico) vs
aprendizagem (desenvolvimento cultural).

»» A teoria piagetiana tem o indivíduo como unidade de análise e o fator


social é entendido como uma variável que influencia os processos. O
pensamento vygotskyano tem o ambiente sociocultural como unidade
de análise, entendendo que os aspectos individuais são variáveis que
influenciam o contexto social no qual o sujeito está inserido.

»» O construtivismo entende que o desenvolvimento caminha no sentido


de uma maior socialização: a partir de aspectos internos, o sujeito
caminha na direção de uma concepção sobre a realidade. Ao contrário,
o socioconstrutivismo entende que o conhecimento está fora do sujeito
que, por meio de processos de internalização, transforma o ambiente
sociocultural em algo individual.

75
AS ABORDAGENS
DO PROCESSO UNIDADE III
DE ENSINO E
APRENDIZAGEM

Nesta unidade, apresentaremos as cinco abordagens pedagógicas que norteiam o


processo de ensino e aprendizagem, a partir dos conceitos de Mizukami (1986),
para quem as diferentes opções pedagógicas poderiam fornecer à ação docente as
diretrizes, mesmo levando em consideração que cada professor a elabora de forma
individual e intransferível.

Várias abordagens pedagógicas foram difundidas ao longo da história da educação.


Cada abordagem, a seu tempo, foi influenciada por diferentes teóricos, que
defenderam e puseram em prática seus posicionamentos didáticos.

O processo de ensino e aprendizagem vem sendo estudado sob diferentes pontos


de vista, levando-se em consideração as diferentes correntes teóricas que procuram
entender e explicar esse processo por meio de diferentes enfoques, muitos dos quais
estão relacionados com o momento histórico em que foram criados e, também, com o
desenvolvimento da sociedade em que se inseriam (SANTOS, 2005).

Segundo o autor, essa reflexão ajuda a entender o papel da didática na formação


do educador e sua importância nas atividades do ato de ensinar e aprender. Esse
estudioso destaca que as correntes teóricas têm como pano de fundo a busca contínua
da identificação dos pressupostos explícitos ou implícitos que fundamentam a ação
docente nas situações de ensino e aprendizagem.

Ainda de acordo com Santos (2005), o processo de ensino e aprendizagem é


composto de duas partes: ensinar e aprender, sendo que:

»» Ensinar exprime uma atividade.

»» Aprender envolve um grau de realização exitosa de determinada tarefa.

Assim, é imprescindível conhecermos e estudarmos as diferentes abordagens,


fazendo uma análise crítica de cada uma delas, identificando suas características
(individuais e comuns) e a maneira como os principais elementos didáticos são

76
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

utilizados como forma de pensarmos a escola, o processo ensino-aprendizagem,


a relação professor-aluno, a metodologia de ensino aplicada e a avaliação da
aprendizagem e da gestão escolar.

Como sabemos, é comum que professores que atuam na mesma realidade


educacional utilizem processos pedagógicos diferentes, de maneira que são usadas
e mescladas diversas tendências pedagógicas para o mesmo cenário educativo.

Fundamentada por uma teoria de aprendizagem, a instrução pode se estruturar de


maneira a tornar a aprendizagem mais eficaz. No decorrer desta disciplina, vamos
conhecer algumas características das principais abordagens pedagógicas.

As teorias da aprendizagem não são um tema novo, elas vêm sendo formuladas
desde a Grécia antiga. Na educação contemporânea, diversos autores que estudam as
abordagens pedagógicas do processo ensino-aprendizagem as classificam e agrupam
seguindo critérios diferenciados, dentre os quais podemos destacar, de acordo com
Santos (2005):

»» Libâneo ─ “a posição que as teorias adotam em relação às finalidades


sociais da escola” (LIBÂNEO, 1982 p. 12).

»» Bordenave ─ classifica e diferencia as diversas “opções pedagógicas


segundo o fator educativo que elas mais valorizam” (BORDENAVE, 1984,
p. 41).

»» Saviani ─ utiliza como critério de classificação “a criticidade da teoria em


relação à sociedade e o grau de percepção da teoria dos determinantes
sociais” (SAVIANI, 1984 p. 9).

»» Mizukami ─ apesar de reconhecer a existência de diversas variáveis


e diferentes combinações possíveis, considera que o fundamento das
teorias do conhecimento envolve três características básicas, que são o
primado do sujeito, primado do objeto e primado de interação sujeito-
objeto (MIZUKAMI, 1986 p. 2).

Esses critérios determinaram a forma como esses quatro estudiosos denominam as


várias abordagens de ensino, como podemos ver na tabela abaixo.

77
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Tabela 1. Principais abordagens pedagógicas.

Autor Denominação Versões

Conservadora
Pedagogia liberal Renovada progressista
Renovada não-diretiva
Libâneo (1982)
Libertadora
Pedagogia progressista Libertária
De conteúdos

Pedagogia da transmissão
Bordenave
Pedagogia da moldagem
(1984)
Pedagogia da problematização

Pedagogia tradicional
Teorias não-críticas Pedagogia nova

Saviani Pedagogia tecnicista

(1984) Sistemas de ensino como violência simbólica


Teorias crítico-reprodutivistas Escola como aparelho ideológico do Estado
Escola dualista

Abordagem tradicional
Abordagem comportamentalista
Mizukami
Abordagem humanista
(1986)
Abordagem cognitivista
Abordagem sociocultural

Fonte: elaborada pela autora, adaptada de Santos (2005).

Para a nossa disciplina, usaremos a denominação e a conceituação de Mizukami


(1986, p.1), por considerar o fenômeno educativo como “um fenômeno humano,
histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão humana quanto
a técnica, a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e a cultural”.

Nesse sentido, Santos (2005) entende o fenômeno educativo como um objeto em


permanente construção, que apresenta diferentes causas e efeitos, dependendo da
dimensão que enfoca.

Mas, antes de iniciarmos o estudo das teorias ou abordagens pedagógicas,


apresentaremos os componentes analisados pelos autores mencionados, exceto
Saviani que não explicitou em seus estudos todos os componentes do processo de
ensino e aprendizagem.

78
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

Tabela 2. Componentes do processo ensino-aprendizagem analisados por alguns autores.

Mizukami Bordenave Libâneo


Homem Consequências individuais
Mundo
Sociedade-cultura Consequências sociais
Conhecimento Conteúdos de ensino
Educação
Escola Papel da escola
Manifestações na prática escolar
Ensino e aprendizagem Situações de ensino e aprendizagem Pressupostos da aprendizagem
Professor-aluno Relacionamento aluno-professor
Metodologia Incentivos para motivação Métodos de ensino
Fonte: elaborada pela autora, adaptada de Santos (2005).

79
CAPÍTULO 1
Abordagem tradicional

O termo pedagogia tradicional, como já conhecemos dos cursos de formação inicial


e continuada, remete ao estudo das concepções antigas de educação. Essa teoria ou
concepção pedagógica formada a partir dos pontos recorrentes nas práticas de ensino
evidenciadas ao longo da história da educação, de onde vem o termo Pedagogia
Tradicional, para explicitar a sua recorrência e sua origem histórico cronológica.

A denominação “concepção pedagógica tradicional” ou “pedagogia


tradicional” foi introduzida no final do século XIX com o advento do
movimento renovador que, para marcar a novidade das propostas
que começaram a ser veiculadas, classificaram como “tradicional”
a concepção até então dominante. Assim, a expressão “concepção
tradicional” subsume correntes pedagógicas que se formularam desde
a Antiguidade, tendo em comum uma visão filosófica essencialista de
homem e uma visão pedagógica centrada no educador (professor),
no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos transmitidos pelo
professor aos alunos, na disciplina, na memorização. Distinguem-se, no
interior dessa concepção, duas vertentes: a religiosa e a leiga. (Verbete
elaborado por Dermeval Saviani)

Caracterizada pela transmissão do conhecimento, essa corrente pedagógica tem


como objeto a aquisição de conhecimento, com ênfase nas situações ocorridas em
sala de aula, na instrução e no modelo do professor, que detém as ações de ensino,
centradas na exposição dos conhecimentos que ele possui e transmite aos alunos
que, por sua vez, recebe o conteúdo pronto. O professor detém os meios coletivos
de expressão, ou seja: as relações entre os alunos em sala de aula são longitudinais,
ocorrendo em função do professor e sob o seu comando.

A maioria dos exercícios (de controle e de exame/avaliação) é orientada para a


confirmação dos dados e informações anteriormente fornecidos pelos manuais
ou pelos apontamentos dos cursos. O papel do professor é transmitir o conteúdo
predefinido e que constitui o próprio sentido da existência escolar. Do outro lado, está
o aluno, de quem é exigida apenas a repetição automática da informação fornecida
pela exploração racional desses dados/informações/conhecimentos.

Sendo a busca pela essência do homem, essa abordagem tem o professor como o
centro de todo o processo de ensino e aprendizagem. A ação do professor independe

80
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

do interesse dos educandos quanto ao conteúdo estudado. Nesse sentido, de acordo


com Mizukami (1986, p.17), o professor tem uma missão “catequética e unificadora da
escola”.

Figura 11. Características da abordagem tradicional.

A ESCOLA O CONTEÚDO DE ENSINO


- Tem o papel de promover uma formação - Acunulado ao longo do tempo e, nesse
puramente moral e intelectual, lapidando o momento,é trasnsmitido como verdade
aluno para a convivência social, tendo como absoluts, sem chance de questionamentos ou
pressuposto a conservação da sociedade em levantamentos de dúvidas da sua veracidade.
seu estado atual (status quo).
- Nâo são considerados os conhecimentos
- Tem como foco apenas a cultura, sendo os prévios do aluno, sendo transmitido apenas o
problemas sociais resguardados apenas à que está no, sem interferências ou ‘perdas de
própria sociedade. tempo’.

A METODOLOGIA DE ENSINO A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO


- Exposição verbal por parte do professor e a - Marcada pelo autoritarismo do professor em
preparação do aluno, tendo como foco prIncipal relação ao aluno.
a resolução de exercícios e a memorização de
fórmulas e conceitos. - Somente o professor possui conhecimento
para ensinar.
- O professor prepara o aluno, em seguida
formula a apresentação do conteúdo, - O papel do aluno é o de receber o
correlacionando-o a outros assuntos e, por conhecimento transmitido pelo professor.
último, faz-se a generalização e aplicação de - O silêncio em sala de aula é imposto pela
exercícios. autoridade docente.

OS PRESSUPOSTOS DA
APRENDIZAGEM
- Fundamentados na receptividade do conteúdo e na
mecanização de sua recepção.
- A aprendizagem se dá por meio da resolução de
exercícios e da repetição de conceitos e
recapitulação do saber adquirido, para memorização.
- A avaliação também é mecânica e ocorre por meio
de resolução de tarefas enviadas para casa, provas
arguitivas e escritas.
Fonte: Elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986).

Nesta abordagem há grande preocupação com a sistematização do conhecimento,


apresentado de forma acabada, envolvendo “programas minuciosos, rígidos e
coercitivos”, além de “exames seletivos, investidos de caráter sacramental”, segundo
Mizukami (1986, p.17).

Não podendo se manifestar, pois não tem nada a acrescentar, apenas a aprender,
o aprendiz é visto como depósito de informações o que nos leva à conclusão de
Freire (1996, p. 68), de que “a educação bancária tem por finalidade manter a
divisão entre os que sabem e os que não sabem, entre oprimidos e opressores”.

Denominada por Bordenave (1984 p.41) como pedagogia da transmissão, uma vez
que está centrada nos conhecimentos e valores que serão transmitidos e, como
consequência social, essa pedagogia forma alunos passivos e cidadãos obedientes,

81
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

além de preparar o terreno para o Ditador Paternalista, “a sociedade é marcada


pelo individualismo e não pela solidariedade”.

Destacando que o papel da escola é formar os alunos intelectual e moralmente,


para que eles sejam capazes de assumir seu papel na sociedade, Libâneo (1982),
por sua vez, entende essa abordagem como a versão conservadora da pedagogia
liberal.

Na versão conservadora, a pedagogia liberal se caracteriza por


acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é
educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização
como pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação
professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno
e muito menos com as realidades sociais.
(LIBÂNEO, 1982, pp. 12-13)

Nesse mesmo contexto, Saviani (1984) denomina essa abordagem como pedagogia
tradicional, tendo em vista que a escola surge como um antídoto à ignorância e,
portanto, é um instrumento para resolver o problema da marginalidade, tendo o
papel de disseminar a instrução e transmitir o conhecimento humano logicamente
sistematizado.

A figura, abaixo, apresenta os elementos relevantes da abordagem tradicional, que


tem em Èmile Chatier (1978) um dos seus principais defensores.

Figura 12. Elementos relevantes na abordagem tradicional.

A ESCOLA
• Lugar ideal para realizar a educação.
• Organizada com funções claramente definidas.
• Normas disciplinares rígidas.
• Prepara os indivíduos para a sociedade.

O ALUNO
• É um ser passivo, que deve apenas assimilar o conhecimento transmitido pelo professor.
• Deve dominar o conteúdo cultura universal, transmitido pela escola.

O PROFESSOR
• É o transmissor do conhecimento aos alunos.
• Predomina como autoridade.

ENSINO E APRENDIZAGEM
• Os objetivos educacionais obedecemà sequência lógica dos conteúdos.
• Os conteúdos são bseados em documentos legais, selecionados a partir da cultura
universal acumulada.
• Predominância de aulas expositivas, com exercícios de fixação, leituras-cópia.

Fonte: elaborada pela autora, adaptada de Santos (2005).

82
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

Na concepção tradicional, a escola é, por excelência, o lugar onde se realiza a


educação que, na sua maior parte, se restringe a um processo de transmissão de
informações em sala de aula, funcionando como uma agência sistematizadora de
uma cultura complexa.

De acordo com Chartier (1978), a escola é, por excelência, o lugar onde essa
concepção pedagógica (o ato de aprender) é vista como uma cerimônia, havendo a
necessidade de o professor se manter distante dos alunos.

De acordo com o Mizukami (1986), para essa abordagem a escola não tem o papel
de mediador entre o aluno e os modelos e a relação social é vertical, ou seja, o
professor é a autoridade intelectual e moral para o aluno. No que diz respeito à
cooperação entre os alunos, ela é bastante reduzida, tendo em vista que a maioria
das atividades exige a participação individual dos alunos.

Ainda de acordo com essa autora, uma das vertentes dessa concepção
pedagógica atribui à educação a função de ajustamento social, cabendo a ela
oferecer os elementos dominantes em determinado momento sociocultural
garantindo, assim, a continuidade das ideais, sem rupturas nem crises.

Como você já estudou, o processo de ensino e aprendizagem enfatiza as


situações de sala de aula, onde os alunos são instruídos e ensinados pelo professor,
considerando a aprendizagem como um fim em si mesmo: os conteúdos e as
informações devem ser adquiridos e os modelos imitados, segundo Mizukami
(1986).

Nesse sentido, analisando as concepções psicológicas e as práticas


educacionais do ensino tradicional, Aebli (1978) aponta que seus elementos
fundamentais são imagens estáticas que serão impressas (progressivamente)
na mente dos alunos. Em consequência, essa abordagem de ensino propicia a
formação de comportamentos estereotipados e hábitos automatizados, isolados
entre si e na maioria das vezes aplicáveis apenas nas situações idênticas àquelas
nas quais foram adquiridos.

Grosso modo, o processo ensino-aprendizagem tradicional se preocupa mais


com a variedade e a quantidade de noções/conceitos/informações do que com a
formação do pensamento reflexivo o que, consequentemente, reduz o ensino a um
processo de pura receptividade, por parte do aluno.

Também caracterizado pelo verbalismo do professor e pela memória do


aluno, nesse tipo de ensino há grande preocupação com a sistematização dos

83
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

conhecimentos, que são apresentados de forma acabada, como já foi mencionado.


Nessa mesma direção, na maioria das vezes as tarefas de aprendizagem são
padronizadas, permitindo que se recorra à rotina para que o aluno tenha êxito
na fixação de conhecimentos/conteúdos/informações.

Na abordagem tradicional o professor detém total poder para decidir sobre a


metodologia, conteúdo, avaliação, forma de interação dos alunos na aula etc. Como
já foi mencionado a relação professor-aluno é vertical, o aluno não tem espaço
para se manifestar e, em situações mais extremas, segundo Mizukami (1986), as
relações sociais são quase totalmente supridas pelo professor o que acarreta a total
dependência intelectual dos alunos ao professor.

Nesse cenário, o mestre tem o papel de mediador entre cada um dos alunos
e os modelos culturais existentes, predominando uma relação individual
professor-aluno. Ainda de acordo com a mesma autora, nessa expectativa a
classe é apenas a justaposição dessas relações duais (na maioria das vezes,
paralelas), não existindo a constituição de grupo nos quais haja interação
entre os integrantes da classe.

Nessa mesma verticalidade, os objetivos da aprendizagem são estabelecidos pela


sociedade ou pela escola, cabendo ao professor informar e conduzir seus alunos na
direção desses objetivos. Em outras palavras, os objetivos são externos ao sujeito do
processo de aprendizagem (o aluno), uma vez que não são escolhidos por ele.

Se, como já foi visto, o ensino é caracterizado pela transmissão do patrimônio


cultural, pela confrontação com modelos e raciocínios elaborados, a metodologia
é fortemente baseada na aula expositiva e naquilo que o professor apresenta aos
seus alunos, vistos praticamente como um auditório, uma vez que o professor traz o
conteúdo pronto cabendo ao aluno escutar (passivamente) a exposição do professor.

Diante do que já foi estudado, você pode perceber que o ponto fundamental desse
ensino é o produto da aprendizagem, na qual o aluno reproduz automático e
invariavelmente o conteúdo, sendo essa reprodução considerada como um poderoso
(e suficiente) indicador de que a aprendizagem (produto) aconteceu. Pode-se dizer,
então, que nesse cenário a didática praticamente poderia ser resumida em dar a
lição (professor como agente) e em tomar a lição (aluno como ouvinte), sendo
frequentemente reprimidos todos os elementos da vida emocional ou afetiva, uma
vez que são considerados como fatores que impedem o bom andamento do processo
de ensino, de acordo com Mizukami (1986).

84
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

No cenário da transmissão do conhecimento, a atividade intelectual do aluno


começa com a realização dos exercícios propostos pelo professor, após a sua
exposição: uma situação preparada e, portanto, artificial, por meio de uma
metodologia na qual a aprendizagem é baseada no exercício do aluno.

Observe que a motivação para a realização da atividade escolar é extrínseca


e depende das habilidades pessoais do professor para manter a atenção
e o interesse do aluno na sua exposição e no conteúdo que está sendo
apresentado.

Nesse ambiente preparado e controlado pelo professor, o conteúdo estudado


é concluído quando o mestre termina sua exposição, prolongada apenas pelas
atividades (exercícios) de repetição, aplicação e recapitulação. A atividade planejada
continua mesmo sem que o aluno tenha compreendido o conteúdo, de modo que o
professor somente saberá se os alunos compreenderam o tema estudado mediante
uma verificação posterior à atividade desenvolvida.

Nessa concepção de ensino prevalece a tendência de que todos sejam tratados


da mesma forma, tendo em vista a dificuldade de o professor saber quem está
precisando de algum tipo de ajuda com o conteúdo, uma vez que os alunos são
passivos diante da autoridade do professor que comanda a comunicação em sala
de aula, sem a participação dos alunos. Dessa forma, todos devem seguir o mesmo
ritmo de trabalho, determinado pelo professor.

Analisando o currículo nesse ensino, percebe-se que algumas disciplinas têm


maior carga horária, caracterizando ser dada maior importância a determinadas
disciplinas e, da mesma forma, há privilégio à expressão verbal (escrito e oral), às
atividades intelectuais e ao raciocínio abstrato.

Historicamente, sucessor do ensino verbalista e uma das vertentes do ensino


tradicional, no que se refere ao ensino intuitivo, de acordo com Mizukami (1986),
também se observa problemas na metodologia. Essa estudiosa destaca a intenção
de provocar certa atividade do aluno, porém, a psicologia sensual empirista não dá
respaldo teórico à fundamentação dessa atividade, uma vez que a ignora.

O ensino tradicional utiliza o método maiêutico (método socrático), o qual se


baseia na ação do professor para dirigir os alunos a um resultado desejado, por
meio de uma série de perguntas que, por sua vez, representam os passos para se
chegar ao objetivo proposto, no entendimento de Mizukami (1986, p. 17), para
quem “os defensores do método maiêutico pensam que ele provoca a pesquisa
pessoal do aluno. Ainda, atualmente, tal tipo de metodologia é frequentemente
encontrado em nossas salas de aula”.
85
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

No método maiêutico, a matéria é dividida em vários elementos, a cada um deles


há perguntas correspondentes, as quais o aluno deve responder. De acordo com
Mizukami (1986), é evidente uma intensa troca verbal entre professor e alunos
(o professor pergunta e os alunos respondem), até que se alcance o resultado
proposto. Dessa forma, como os alunos chegam ao resultado desejado, deduz-se
que tenham compreendido o conteúdo proposto.

Maiêutica ou Método Socrático consiste em uma prática filosófica


desenvolvida pelo filósofo grego Sócrates no qual, por meio de perguntas
sobre determinado assunto, o interlocutor é levado a descobrir a verdade sobre
algo. Entendendo que todo conhecimento é latente na mente humana, o filósofo
defendia que, por meio de respostas a perguntas feitas de maneira perspicaz,
o interlocutor (aluno) pode ser estimulado a apreender o conhecimento,
uma vez que, segundo a maiêutica, o conhecimento está presente em todo
indivíduo, devendo apenas ser paulatinamente despertado, com a ajuda de
alguns estímulos de orientação.

Como você já estudou, no ensino tradicional o aluno deve alcançar os objetivos


propostos pelo professor, sem críticas ou intervenções. Nesse contexto, Mizukami
(1986) destaca que a avaliação visa à reprodução exata do conteúdo apresentado
em sala de aula, de maneira que a medida do conhecimento apreendido se dá a
partir da quantidade e da exatidão de informações que o aluno consegue reproduzir:
provas, exames, chamadas orais, exercícios e similares, que comprovam a exatidão
da reprodução da informação.

Nesse cenário, “o exame passa a ter um fim em si mesmo e o ritual é mantido. As notas
obtidas funcionam, na sociedade, como níveis de aquisição do patrimônio cultural”,
segundo Mizukami (1986, p.17).

Figura 13. O ensino tradicional.

• Parte do pressuposto de que a inteligência é uma faculdade capaz de


Conhecimento acumular/armazenar informações.
• O conhecimento é acumulado por meio da sua transmissão, pelo professor.
• Compete ao aluno memorizar informações e definições oferecidas pelo sistema de educação.

• Restrita à ação da escola.


Educação • Educação como produto, uma vez que os modelos e objetivos a serem alcançados são
pré-estabelecidos.
.

• Verticalizada: professor detém a verdade e o conhecimento, inexistência de


Escola cooperação entre os alunos.
• Atribui à educação o papel de ajustamento social.
• O ato de aprender é uma cerimônia, sendo necessário que o professor se mantenha

86
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

• Enfatiza as situações de sala de aula, com os alunos instruídos/ensinados pelo professor.


Ensino- • Conteúdos e informações devem ser adquiridos e os modelos imitados.
aprendizagem • Propicia formação de reações estereotipadas.
• Ignora diferenças individuais dos alunos.
• Preocupação com a variedade e a quantidade de noções/conceitos/informações em

• Inserido em um mundo que irá conhecer por meio de informações que a ele serão
Homem fornecidas.
• Receptor passivo.

Mundo • É a realidade externa ao indivíduo, principalmente pelo processo de educação formal,


mas também, por outros agentes (família, igreja etc).

Sociedade e • Os programas estabelecem os níveis culturais que devem ser adquiridos na educação
formal.
cultura • Visão individualista do sistema educacional.

• O professor é imprescindível na transmissão do conhecimento.


Características • O adulto é considerado o homem pronto, o aluno é um adulto em miniatura, que precisa
ser atualizado.
gerais • O aluno é passivo, devendo apenas receber o conteúdo e executar os comandos dados
pelo professor.

• Relação verticalizada: professor detém total poder de decisão.


Professor-aluno • O professor detém os meios coletivos de expressão.
• A maioria dos exercícios de controle e de exames/avaliação é orientada para a
confirmação dos dados e informações fornecidas.

• Baseada em aulas expositivas e nas demonstrações que o professor faz à classe.


• Professor traz o conteúdo pronto, cabendo ao aluno apenas ouvir o professor e
Metodologia memorizar o assunto.
• Professor é o agente e o aluno é o ouvinte.
• A atividade educativa continua mesmo sem que o aluno tenha compreendido.
• Dificuldade no atendimento individual, tende a tratar a todos como iguais.

• Visa a exatidão da reprodução do conteúdo transmitido.


Avaliação
• Notas obtidas funcionam como níveis de aquisição do patrimônio cultural.

Fonte: elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986).

87
CAPÍTULO 2
Abordagem comportamentalista

Também caracterizada pela ênfase no objeto do conhecimento, o ensino


comportamentalista utiliza artifícios motivacionais, os quais Santos (2005) define
como uma sofisticada “engenharia” comportamental e social, para moldar os
comportamentos sociais esperados. A abordagem comportamentalista entende que
o desenvolvimento das habilidades é determinado por suas relações com o meio em
que se encontram.

Da mesma forma que os teóricos instrumentalistas e os positivistas lógicos,


os comportamentalistas ou behavioristas consideram a experiência ou a
experimentação planejada como a base do conhecimento, evidenciando sua origem
empirista, uma vez que o conhecimento é o resultado direto da experiência.

Também conhecido como comportamentalismo, o behaviorismo é uma


área da psicologia que tem o comportamento como objeto de estudo. O
behaviorismo surgiu como oposição ao funcionalismo e estruturalismo, e se
constitui em uma das três principais correntes da psicologia, juntamente com a
psicologia da forma (Gestalt) e psicologia analítica (psicanálise). O behaviorismo
entende o comportamento como uma forma funcional e reacional de
organismos vivos e não aceita qualquer relação com o transcendental, com a
introspecção e com aspectos filosóficos, mas pretende estudar comportamentos
objetivos que podem ser observados. Resumidamente, a preocupação dos
comportamentalistas é prever a resposta quando se conhece o estímulo e
identificar o estímulo quando se conhece a resposta.

Figura 14. O comportamento, segundo o behaviorismo.

Resposta do organismo
COMPORTAMENTO a um extímulo externo
(meio ambiente)

Toda alteração do
ambiente, que seja ESTÍMULO
captada pelo individuo

Alterações que
RESPOSTA acontecem no
organismo, em função
dos estímulos externos
recebidos

Fonte: elaborada pela autora.

88
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

De acordo com Mizukami (1986) o estudo do comportamento deve explicar


a relação entre estímulo e resposta (S-R), da qual ele (o comportamento) é
resultado, cabendo aos comportamentalistas descobrir quais estímulos provocam
determinado comportamento. Para os teóricos desta abordagem pedagógica,
ainda segundo essa estudiosa, o comportamento (animal ou humano) é sempre
uma adaptação aos estímulos, às alterações que se processam no ambiente.

Diante disso, você deve estar se perguntando qual é o papel da aprendizagem para
esta abordagem? Então, vamos lá: para os comportamentalistas a aprendizagem
ocupa um papel central e o mais importante na determinação do comportamento,
são as experiências apreendidas durante a vida do indivíduo, segundo Mizukami
(1986). A preocupação básica do comportamentalismo é explicar como os
comportamentos são aprendidos.

Essa abordagem tem em Skinner o principal representante da “análise funcional”


do comportamento. Esse teórico se preocupa em fornecer uma tecnologia capaz de
explicar como fazer o aluno estudar e que seja eficiente na produção de mudanças de
comportamento e não em justificar por que o educando aprende.

Figura 15. Tipos de condicionamento, segundo Skinner (1972).

Condicionamento é o processo
de associar, pela repetição, um
estímulo a uma reação não
natural do estímulo, de maneira
que a exposição a esse estímulo
passe a provocar essa reação.

CONDICIONAMENTO CONDICIONAMENTO
CLÁSSICO OPERANTE

Quando determinado
estímulo externo Baseado em
provoca determinado comportamentos
comportamento emitidos pelo próprio
organismo que são
seguidos de uma
consequência
Envolve uma relação (reforçadores).
do organismo ao meio
e não uma ação do
organismo sobre o Reforçadores
meio. modelam o
comportamentos do
indivíduo, criando
hábitos.

Fonte: elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986).

De acordo com Mizukami (1986), qualquer estratégia institucional baseada nesta


abordagem de ensino deve levar em consideração a preocupação científica que a
caracteriza. Dessa forma, segundo a autora qualquer estratégia institucional deve estar
baseada nos princípios da tecnologia educacional.

89
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Considerando o ser humano como um produto do meio em que vive, por


consequência, essa abordagem entende que o homem pode ser manipulado e
controlado por meio da transmissão do conhecimento, que é definido pela sociedade
ou pelos seus dirigentes, segundo Mizukami (1986), para quem o homem é uma
consequência das influências ou das forças do meio ambiente em que vive.

Nesse sentido, Skinner (1972 apud MIZUKAMI, 1986) destaca que a realidade é
um fenômeno objetivo e o mundo já é construído, enquanto o homem é produto
do meio. Entendendo que o meio pode ser manipulado e o comportamento pode
ser mudado se os elementos ambientais forem alterados, esse teórico aponta que
o ambiente social é uma cultura que, por sua vez, é quem forma e preserva o
comportamento dos indivíduos que vivem nesta cultura. Assim, nessa abordagem,
a cultura é o espaço experimental usado no estudo do comportamento, é um
conjunto de contingências de reforço (MIZUKAMI, 1986).

Nessa abordagem o ensino é composto por padrões de comportamento, de acordo


com objetivos pré-fixados. Segundo Mizukami (1986) os objetivos de treinamento são
categorias de comportamento ou habilidades a serem desenvolvidas, sendo que as
habilidades são compreendidas como as respostas emitidas, caracterizadas por formas
e sequências especificadas.

De acordo com a autora, esse tipo de ensino supõe e visa que o professor aprenda
a analisar os elementos específicos de seu comportamento e seus padrões de
interação para, então, ter controle sobre eles (comportamentos) e, quando
necessário, modificá-los em determinadas direções ou desenvolver novos padrões
comportamentais.

Nessa mesma direção, Bordenave (1984, p.41) entende que “se o fator é o efeito ou
resultado obtido pela educação – quer dizer, as mudanças de conduta conseguidas
no indivíduo -, isto definiria o tipo de educação comumente denominado Pedagogia
da Moldagem do Comportamento, ou pedagogia condutista”.

Identificando essa abordagem como parte da pedagogia liberal, na versão


renovada progressista, Libâneo (1982, pp. 12-4) enfatiza o enfoque sociológico da
educação, dando atenção ao movimento da tecnologia educacional, destacando
que prefere no que se refere a esse movimento “situá-lo aqui, e não junto às
tendências de tipo behaviorista, embora tenha base teórica nessa corrente”.

A tecnologia educacional foi-se introduzindo nos sistemas públicos


de ensino a partir da tradição progressista que privilegia o ensino
sob o ângulo dos aspectos metodológicos, em contraposição à ênfase
nos conteúdos das matérias. Assim, os recursos fornecidos pela

90
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

tecnologia da educação (instrução programada, planejamento


sistêmico, operacionalização de objetivos comportamentais, análise
comportamental e sequência instrucional) foram incorporados à
prática escolar.
Libâneo (1982, pp. 120-4).

Nessa mesma direção, Saviani (1984, pp. 15-9) denomina a abordagem tradicional
como sendo a pedagogia tecnicista, na qual o autor vê como elemento principal
a organização dos meios, tendo o professor e o aluno uma posição secundária no
processo de ensino e aprendizagem. De acordo com esse estudioso “[...]é o processo
que define o que professores e alunos devem fazer, e assim também quando e como
o farão [...] marginalizado será o incompetente (no sentido técnico da palavra), isto
é, o ineficiente e improdutivo”.

Santos (2005) destaca que para que essa moldagem do comportamento seja
realizada, o ensino deve fazer uso de reforços e recompensas para, então, por meio
do treinamento, alcançar os objetivos previamente estabelecidos. Ainda segundo
esse estudioso, o ensino precisa de tecnologias oriundas da aplicação de pesquisas
científicas, como por exemplo “máquinas de ensinar”, instrução programada,
computadores, manuais tutoriais de treinamento etc.

Com base no que já foi apresentado neste capítulo, a figura a seguir mostra os
elementos relevantes da abordagem comportamentalista.

Figura 16. Elementos relevantes na abordagem comportamentalista.

A ESCOLA
• Agência educacional.
• Escola no modelo empresarial.
• Divisão entre quem planeja e quem executa.
• No limite, a sociedade poderia existir sem escola.
• Uso da teleducação, ensino a distância.

O ALUNO
• Elemento para quem o material é preparado.
• O aluno eficiente e produtivo é o que lida "cientificamente" com os problemas reais.

O PROFESSOR
• Como educador, seleciona, organiza e aplica um conjunto de meios que garantam a
eficiência e a eficácia do ensino.

ENSINO E APRENDIZAGEM
• Os objetivos educaionais são operacionalizados e categorizados a partir de
classificações gerais (educacionais) e específicos (instrucionais).
• Ênfase nos meios: recursos audiovisuais, instrução programada, tenologias de ensino,
ensino individualizado (módulos instrucionais), computadores, hardwares, softwares.
• Os comportamentos desejados são instalados e mantidos nos alunos, por condicionantes
e reforçadores.

Fonte: elaborada pela autora, adaptada de Santos (2005).

91
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Para Mizukami (1986), essa abordagem entende que a experiência planejada é a


base do conhecimento que, sendo o resultado direto da experiência, deixa clara a
orientação empirista desse tipo de ensino.

Ainda de acordo com essa estudiosa, a educação está intimamente ligada à


transmissão da cultura e deve transmitir conhecimentos, comportamentos
éticos, práticas sociais consideradas habilidades básicas para a manipulação e
o controle do ambiente.

Nesse sentido, a autora destaca que essa abordagem tem como finalidade básica
a promoção de mudanças nos indivíduos, de forma a levar tanto à aquisição de
novos comportamentos quanto à modificação de comportamentos pré-existentes.

A escola é considerada e aceita como uma agência educacional que, de acordo


com os comportamentos pretendidos, deve se adaptar cabendo a ela manter,
conservar e de certo modo modificar os padrões comportamentais aceitos como
úteis e desejáveis à sociedade, levando em consideração determinado contexto
cultural e, ainda, atendendo aos objetivos daqueles que conferem poder a ela
(MIZUKAMI, 1986).

Segundo essa estudiosa, a escola está ligada a outras agências controladoras da


sociedade, do sistema social (governo, política, economia etc), da mesma forma
que depende dessas agências para sobreviver. Uma vez que a escola é a instituição
que forma as novas gerações, essas agências, por sua vez, precisam da escola, que
é a agência que educa formalmente.

No entendimento de Mizukami (1986), não é necessário que a escola ofereça


condições ao sujeito para que ele explore o conhecimento, explore o ambiente, invente
e descubra. A escola procura direcionar o comportamento humano às finalidades de
caráter social, sendo essa a condição para sua sobrevivência como agência. Assim,
o conteúdo pessoal passa a ser o conteúdo socialmente aceito (MIZUKAMI, 1986).

De acordo com Rocha (1980, p.28 apud MIZUKAMI, 1986), para os behavioristas, a
aprendizagem pode ser defendida como “uma mudança relativamente permanente
em uma tendência comportamental e/ou na vida mental do indivíduo, resultantes
de uma prática reforçada”.

Desse modo, no contexto do processo ensino-aprendizagem, de acordo com


Mizukami (1986), de um lado ensinar consiste em um arranjo e planejamento
de contingência de reforço sob os quais os estudantes aprendem, sendo
responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento. Por

92
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

outro lado, ensinar também consiste na aplicação do método científico tanto


na pesquisa quanto na elaboração de técnicas e intervenções que, por sua vez,
buscam mudanças comportamentais úteis e adequadas, de acordo com algum
centro decisório. Para a estudiosa, o grande problema da pesquisa aplicada está
no controle de variáveis do ambiente social.

Segundo Mizukami (1986), os comportamentos dos alunos são instalados e


mantidos por condicionantes e reforçadores arbitrários como, por exemplo, elogios,
graus, notas, reconhecimentos do professor e dos colegas, prêmios, prestígio etc.
Na mesma direção, Skinner (1972 apud MIZUKAMI, 1986) aponta que o ensino
corresponde ao arranjo ou à disposição de determinadas contingências para uma
aprendizagem eficaz.

De acordo com Mizukami (1986), esse arranjo depende de elementos observáveis,


na presença dos quais o comportamento ocorre: um evento antecedente, uma
resposta, um evento consequente (reforço) e fatores contextuais, sendo necessário,
no entanto, levar em consideração a complexidade e a fluidez do comportamento
humano, muitas vezes sujeito a diversas causas (presentes e passadas) que podem
mascarar os verdadeiros fatores que afetam o comportamento em determinado
momento. Ainda segundo a autora, isso pode trazer inúmeras e enormes
dificuldades aos analistas de comportamento, no que diz respeito ao planejamento
de contingências.

Nesse tipo de ensino, de acordo com Mizukami (1986), cabe ao aluno o controle
do processo de aprendizagem, um controle científico da educação, enquanto o
professor é o responsável pelo planejamento e o desenvolvimento do sistema
ensino-aprendizagem, de maneira a maximizar o desempenho do educando, que
é visto como um recipiente de informações e reflexões. A autora destaca que no
processo ensino-aprendizagem o importante é que o ensino permita que o aluno
incorpore o controle das contingências de reforço, dando lugar a comportamentos
autogerados.

Considerando a prática educacional, na abordagem comportamentalista não há


modelos ou sistemas ideais de instrução, sendo que a eficiência na elaboração
e na utilização dos sistemas e modelos de ensino depende, igualmente, das
habilidades do planejador e do professor (MIZUKAMI, 1986). A autora aponta os
elementos mínimos que devem ser levados em consideração para a consecução
de um sistema instrucional: o aluno, um objetivo de aprendizagem e um plano
para alcançar o objetivo proposto.

93
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Nesse sentido, Skinner (1972 apud MIZUKAMI, 1986) aponta que é possível
programar o ensino de qualquer disciplina tanto quanto o de qualquer
comportamento, de acordo com os princípios da teoria do reforço, desde que seja
possível a definição prévia do repertório final desejado.

Sendo a aprendizagem garantida pela sua programação, essa abordagem enfatiza


a organização (estruturação) dos elementos para as experiências curriculares,
sendo essa estruturação a responsável por direcionar os alunos pelos caminhos
adequados para que eles desenvolvam o comportamento final desejado, no
entendimento de Mizukami (1986).

Inovadora, nessa abordagem a metodologia inclui tecnologia educacional,


estratégias de ensino e reforço na relação professor-aluno. Com uma instrução
individualizada por meio de máquinas de ensino, o professor está mais liberado e
respeita as características individuais dos seus alunos, segundo Mizukami (1986).

Incluindo tanto a aplicação das tecnologias educacionais e estratégias de ensino


quanto as formas de reforço no relacionamento professor-aluno, a metodologia
é uma categoria bastante ampla nessa abordagem pedagógica, segundo a mesma
estudiosa.

De acordo com Mizukami (1986), nessa abordagem a individualização do ensino


surge em decorrência de uma coerência teórico-metodológica. Tal individualização
implica:

»» Especificação de objetivos.

»» Envolvimento do aluno.

»» Controle de contingência.

»» Feedback constante que forneça elementos que especifiquem o


domínio de uma determinada habilidade.

»» Apresentação do material em pequenos passos.

»» Respeito individual de cada aluno.

Dessa forma, a instrução individualizada consiste em uma estratégia de ensino


que tem a finalidade de adaptar procedimentos instrucionais para que se ajustem
às necessidades individuais de cada aluno, maximizando sua aprendizagem,
desempenho e seu desenvolvimento, o que pode ocorrer tanto em grupo quanto na
aprendizagem completamente individualizada (MIZUKAMI, 1986).

94
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

Ainda de acordo com a estudiosa, essa estratégia de ensino permite variações no


ritmo de aprendizagem, objetivos propostos, métodos e matérias de estudo, nível
exigido de rendimento e desempenho, podendo ser utilizada em todas as matérias,
com todos ou alguns alunos.

Nessa abordagem, há ênfase ao uso de estratégias que permitem que o maior


número possível de alunos atinja altos níveis de desempenho. Mizukami (1986)
destaca a estratégia do ensino para a competência e tem fundamentação no fato
de que a aprendizagem é um fenômeno individual e favorecida pelo conhecimento
preciso que o aluno tem do que se espera dele, assim como dos resultados que ele
atingiu, de acordo com Houston e Howsam (1972, p. 4-6 apud MIZUKAMI, 1986).

Figura 17. Características do ensino baseado na competência.

Especificação dos objetivos em


termos comportamentais

Especificação dos meios para


determinar se o desempenho
está de acordo com os níveis
indicados nos critérios

Fornecimento de uma ou mais


formas de ensino pertinentes
aos objetivos, critérios, formas
de alcançá-los e atividades
alternativas

Fonte: elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986).

Frequentemente usando um módulo de ensino considerado um conjunto de


atividades que facilitam a aquisição de um ou vários objetivos de ensino, essa
abordagem pedagógica se preocupa em fornecer uma tecnologia capaz de explicar
como fazer o estudante estudar e que seja eficiente na produção de mudanças
comportamentais e não em explicar por que o aluno aprende (MIZUKAMI, 1986).

De acordo com a estudiosa, metodologicamente grande ênfase é dada à


programação, de maneira que a instrução Programada, decorrente da proposta
skinneriana, consiste em um corpo de conceitos que resumem as ideias básicas
sobre a apresentação de estímulos para a aprendizagem, condensando o
planejamento, a implementação e a avaliação do ensino. Oliveira (1973, p. 54
apud MIZUKAMI, 1986) destaca que é “um esquema para fazer efetivo uso de

95
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

reforços, modelagem e manutenção de comportamento, de maneira a maximizar


os efeitos de reforço”.

Os objetivos de ensino desempenham importante papel no planejamento do


processo instrucional e de acordo com Mager (1971 apud MIZUKAMI, 1986) três
elementos devem ser levados em consideração na elaboração dos objetivos: o que
deseja ensinar, em que nível deseja que o aluno aprenda e quais as condições
(matérias, procedimentos e estímulos) as quais o aluno deve responder.

Partindo do pressuposto de que o aluno tem seu próprio ritmo de aprendizagem


(em pequenos passos e sem cometer erros), diferentemente da abordagem
tradicional, de acordo com Mizukami (1986) no ensino comportamentalista
a avaliação consiste na constatação de que o aluno aprendeu e alcançou
adequadamente seus objetivos, durante a condução do programa educativo até
o seu final.

Diretamente ligada aos objetivos estabelecidos e com o objetivo de conhecer


os comportamentos prévios dos alunos, a partir dos quais serão planejadas e
executadas as próximas etapas do processo de ensino e aprendizagem, Mizukami
(1986) destaca que, na maioria das vezes, a avaliação inicia o próprio projeto de
aprendizagem.

Sendo estabelecidos objetivos finais e parciais (intermediários), além de


acontecer no final do processo, a avaliação também é realizada no decorrer do
processo de ensino e aprendizagem, de acordo com Mizukami (1986), a avaliação
é um elemento da própria aprendizagem, pois fornece dados para o arranjo de
contingências de reforços para os comportamentos que serão modelados.

Nesse caso, segundo a autora, a avaliação surge como parte integrante


das próprias condições para que a aprendizagem ocorra, uma vez que
os comportamentos do aluno são modelados à medida em que ele toma
conhecimento dos resultados de seu comportamento.

96
CAPÍTULO 3
Abordagem humanista

Com enfoque no sujeito, essa abordagem de ensino é centrada na pessoa do


educando. Centrada no indivíduo humano, valoriza a experiência pessoal e a
orientação autônoma da vida social, na qual professor e aprendiz desenvolvem
uma relação de confiança e respeito mútuos, mas com algumas características de
interação sujeito-objeto (aluno-conhecimento). Partindo do educando e visando o
seu bem-estar social, a aprendizagem é significativa e transformadora.

Figura 18.18.Características
Figura do ensino
Características do ensino humanista.
humanista.

- Construção e
Relações Desenvolvimento da
personalidade do
organização pessoal
da realidade.
interpessoais aluno - Atuação como
pessoa integrada.

Vida - Visão autêntica de


psicológica e - Orientação interna.
si mesmo.
- Orientada pela
emocional do - Autoconceito.
realidade individual e
grupal.
aluno

Professor Não transmite


conteúdo
Facilitador da
aprendizagem

Advém das Consiste em


Conteúdo experiências do
aluno
experiências que o
aluno reconstrói

Processo natural que


Atividade se realiza pela
interação com o meio

Fonte: elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986) e Roger (1972).

Como demonstrado na figura acima, essa abordagem dá ênfase às relações


interpessoais e ao crescimento resultante dessas relações, sendo que esse
crescimento é centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo
(aluno), em seus processos de construção e organização pessoal da realidade
e em sua capacidade de atuar como uma pessoa integrada de acordo com
Mizukami (1986).

97
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Nessa mesma direção, de acordo com a autora essa corrente pedagógica tem
seu referencial teórico oriundo do trabalho de Rogers (1972). Elaborado para
tratamento terapêutico e não voltado à educação, o enfoque rogeriano dá
ênfase às relações interpessoais, com vistas ao crescimento do indivíduo em
seus processos internos de construção e organização pessoal da realidade, de
maneira que esse indivíduo atue como um ente integrado à sociedade (ROGERS,
1972 apud SANTOS, 2005).

Segundo Mizukami (1986) e Santos (2005), o professor deixa de ser um


transmissor do conteúdo e passa a atuar como facilitador da aprendizagem,
criando condições para que o aluno aprenda, sendo que o conteúdo advém das
próprias experiências do aluno (que ele reconstrói) e, considerada um processo
natural, a atividade se realiza por meio da interação com o meio.

Nesse contexto, a escola respeita o aluno como ele é, oferecendo condições


para que ele se desenvolva no seu processo de vir a ser, dando condições que
possibilitem a autonomia do aluno, de acordo com Mizukami (1986).

Esse tipo de ensino, centrado na pessoa, usa técnicas de dirigir a pessoa à sua
própria experiência para que ela possa se estruturar e agir: o método não diretivo,
que é um conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e
respeito pelo aluno, de acordo com Mizukami (1986). A não diretividade é um
método não estruturante do processo de aprendizagem, não havendo intervenção
direta do professor nos campos cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores,
objetivos etc, “constituindo-se apenas um método informante do processo, não
dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar a comunicação
do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento
experimental” (PUENTE, 1978, p.73, apud MIZUKAMI, 1986).

Assim, segundo Mizukami (1986) o processo ensino-aprendizagem na


abordagem humanista consiste em um produto de personalidades únicas,
respondendo a circunstâncias também únicas, em um tipo especial de
relacionamento. Esse ensino leva a uma aprendizagem significativa, que Rogers
(1972 apud MIZUKAMI, 1986) entende como a aprendizagem que envolve toda a
pessoa, assumindo um significado especial.

A qualidade de um envolvimento pessoal – a pessoa, como um


todo, tanto sob o aspecto sensível quanto sob o aspecto cognitivo,
inclui-se de fato na aprendizagem. Ela é auto-iniciada. Mesmo
quando o primeiro impulso ou estímulo vem de fora, o senso
da descoberta, do alcançar, do captar e do compreender vem

98
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

dentro. É penetrante. Suscita modificação no comportamento,


nas atitudes, talvez mesmo na personalidade do educando. É
avaliada pelo educando. Ele sabe se está indo ao encontro de suas
necessidades, em direção ao que quer saber, se a aprendizagem
projeta luz sobre a sombria área de ignorância da qual ele teve
experiência. O lócus da avaliação, pode-se dizer, reside afinal,
no educando. Significar é a sua essência. Quando se verifica a
aprendizagem, o elemento de significação desenvolve-se, para o
educando, dentro da sua experiência como um todo. (ROGER,
1972, p.5 apud MIZUKAMI, 1986).

Nesse cenário, segundo a mesma autora, o professor é, primariamente, uma


personalidade única, considerado como um ser humano que aprendeu a usar de
maneira efetiva e eficiente, para a realização de seus próprios propósitos e os da
sociedade, a educação dos outros. Dessa forma, não é possível ensinar ao professor
um repertório de estratégias de ensino: cada professor desenvolverá suas próprias
estratégias, decorrente da base perceptual de seu comportamento, de acordo com
Mizukami (1986) o professor não precisa, necessariamente, obter competências e
conhecimentos, pois estes se desenvolverão somente em relação às concepções do
próprio professor e não decorrentes de um currículo que lhe é imposto.

Na visão de Mizukami (1986), nessa abordagem o processo de ensino dependerá


do caráter individual do professor, como ele se relaciona com o caráter individual
de cada aluno, não sendo possível especificar as competências de um professor,
uma vez que elas dizem respeito a uma forma pessoal e única de relacionamento
professor-aluno.

A competência básica consistiria, unicamente, na habilidade de


compreender–se e de compreender os outros. Treinar os professores
implicaria ajudá-los a desenvolver um self adequado, a desenvolver
formas fidedignas de percepção de si próprios e dos outros e
habilidades de ensinar conteúdos, quando isso for necessário.
(MIZUKAMI, 1986)

Ainda de acordo com a estudiosa, nessa abordagem o professor tem a função


de facilitador da aprendizagem e, nesse clima facilitador, o aluno entrará em
contato com problemas vitais que repercutem na sua existência, de maneira
que o professor, no papel de facilitador, deve ser autêntico (aberto às suas
experiências) e congruente (integrado).

99
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Figura 19. Qualidades do professor facilitador.

COMPREENSÃO
AUTENTICIDADE
EMPÁTICA

COMPREENSÃO DA APREÇO
CONDUTA DO OUTRO Aceitação e confiança em relação
A partir do referencial desse outro ao outro

Fonte: elaborada pela autora, com base em Mizukami (1986).

Mizukami (1986) destaca que nesse ensino o aluno deve se responsabilizar


pelos objetivos referentes à aprendizagem, os quais têm significado para ele,
sendo esses os objetivos mais importantes. A autoconstrução do indivíduo
se fundamenta na tendência pela sua procura de autorrealização e na sua
capacidade de regulação. Nesse cenário, segundo a mesma estudiosa, o aluno
deve ser compreendido como um ser que se autodesenvolve e cujo processo de
aprendizagem deve ser facilitado.

No que se refere à metodologia, segundo Mizukami (1986) as estratégias


instrucionais têm importância secundária, não enfatizando técnica ou método
de facilitação à aprendizagem.

Em sala de aula essa abordagem se caracteriza, basicamente, pela ênfase


atribuída à relação pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento dos
indivíduos e ao desenvolvimento de um clima que permita a liberdade para
aprender (MIZUKAMI, 1986), em decorrência do incondicional respeito pela
pessoa do outro, considerado capaz de se auto dirigir.

Segundo a mesma autora, na abordagem humanista os objetivos


educacionais não são tratados em seus aspectos formais e, mesmo
criticando a transmissão de conteúdo, essa proposta pedagógica não
defende a supressão do fornecimento de informações, que devem ser
significativas para os alunos e entendidas como mutáveis. A pesquisa
dos conteúdos é feita pelos alunos que, por sua vez, devem ser capazes de
criticá-los, aperfeiçoá-los ou até mesmo de substituí-los, de acordo com
Mizukami (1986).

Defendendo a autoavaliação, Rogers (1972, apud MIZUKAMI, 1986) considera


algumas proposições referentes ao processo de avaliação, uma delas é o fato

100
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

de que somente o próprio indivíduo pode conhecer realmente sua experiência,


e esta apenas pode ser julgada a partir de critérios internos do organismo,
enquanto critérios externos ao organismo podem propiciar o seu ajustamento.
Em consequência, o aluno deve assumir a responsabilidade pelas formas de
controle de sua aprendizagem, além de definir e aplicar os critérios para avaliar
até onde os objetivos pretendidos estão sendo atingidos, no entendimento de
Mizukami (1986).

101
CAPÍTULO 4
Abordagem cognitivista

Como já foi mencionado, a abordagem cognitivista tem como objeto a elaboração


do conhecimento, dando importância ao processamento das informações e aos
comportamentos inerentes à tomada de decisões. Assim, diante de situações sociais,
o aluno é levado a solucionar problemas reais e significativos, dando ênfase ao
conhecimento, de forma prática e objetiva, de acordo com Mizukami (1986).

O termo cognitivista se refere a psicólogos que investigam os processos centrais


do indivíduo, dificilmente observáveis, tais como: organização do conhecimento,
processamento de informações, estilos de pensamento ou estilos cognitivos,
comportamentos relativos à tomada de decisões etc.

Nesse sentido, segundo Mizukami (1986) uma abordagem cognitivista


implica estudar cientificamente a aprendizagem, dentre outros aspectos,
como sendo mais que um produto do ambiente, das pessoas ou fatores que
são externos ao aluno. O desenvolvimento do ser humano ocorre por meio
de fases que se inter-relacionam e se sucedem até atingirem estágios de
inteligência caracterizados por maior mobilidade e estabilidade. Segundo
a autora, o conhecimento é produzido a partir da interação entre homem e
mundo.

De acordo com a mesma estudiosa, essa abordagem pedagógica enfatiza os


processos cognitivos e a investigação científica dissociada dos problemas sociais
contemporâneos e considera as emoções em suas articulações com o conhecimento.

O ensino cognitivista leva em consideração a forma como as pessoas lidam com os


estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem
conceitos e empregam símbolos verbais, segundo Mizukami (1986).

Apesar da preocupação com relações sociais, segundo a mesma autora essa


abordagem, predominantemente interacionista, dá ênfase à capacidade do aluno de
integrar e processar as informações.

Mencionando a teoria piagetiana, Mizukami (1986) aponta que a escola deveria


começar ensinando a criança a observar e que a verdadeira causa dos fracassos
da educação formal decorre, essencialmente, do fato de a educação formal ser
iniciada pela linguagem, quando deveria começar pela ação real e material.

102
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

Nesse contexto, a escola deveria dar ao aluno a possibilidade de aprender por


si mesmo e oportunidades de investigação individual, possibilitando a ele todas
as tentativas e ensaios que uma atividade real pressupõe. Isso significa, segundo
Mizukami (1986), que a motivação não vem de fora, ela é intrínseca à própria
capacidade de aprender, para que seja possível a construção de estruturas do
ponto de vista endógeno.

Assim, a escola deve possibilitar que o aluno desenvolva suas possibilidades de


ação motora, verbal e mental, de maneira que posteriormente ele possa intervir
no processo sociocultural e modificar a sociedade. A escola deve possibilitar
que o aluno tenha o interesse intrínseco à sua própria ação, de acordo com
Mizukami (1986).

Segundo a autora, a teoria piagetiana estabelece relações entre a cooperação e


a formação/desenvolvimento intelectual, de forma que a verdadeira atividade
intelectual baseada em ações, investigações e pesquisas espontâneas somente é
possível se houver livre cooperação dos alunos entre si e não apenas entre professor
e alunos.

Como forma de cooperação e desenvolvimento, no trabalho em grupo é


indispensável que os indivíduos se agrupem espontaneamente e que o tema
estudado/pesquisado/investigado seja um problema real para o grupo (motivação
intrínseca), de acordo com Mizukami (1986). Assim, deve oferecer liberdade de
ação, ao mesmo tempo em que propõe trabalho com conceitos compatíveis ao
estágio de desenvolvimento do aluno, em um processo de equilíbrio-desequilíbrio,
sendo inconcebível, segundo a autora, que a atividade do aluno e o modo de
trabalhar os conceitos sejam dirigidos, ou seja, a forma de solução deve ser
peculiar a cada aluno.

Segundo a autora, as diretrizes norteadoras de uma escola piagetiana são:


trabalho em grupo, diretividade sequencial (criar situações para operacionalizar
conceitos que façam a criança se esforçar no sentido de uma reequilibração) e
consecução de alto nível de interesse pela tarefa. Assim, cada reequilibração
significa a aquisição de um novo conceito, pelo menos no sentido operacional.

Nesse cenário, as principais atividades escolares são os jogos de pensamento para


o corpo e os sentidos; os jogos de pensamento lógico; as atividades sociais para o
pensamento (teatro, excursões, jogos de faz de conta, por exemplo); ler e escrever;
aritmética; ciência; arte e ofícios; música; educação física (MIZUKAMI, 1986).

103
UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Sendo um ensino que busca desenvolver a inteligência, deve priorizar as


atividades do sujeito, levando em consideração que esse sujeito está inserido
em uma determinada situação social, na visão da mesma autora, para quem na
concepção piagetiana a aprendizagem tem caráter de abertura e comporta
possibilidades de novas indagações, assim como toda a sua teoria e epistemologia
genética. Assim, segundo Mizukami (1986), aprender significa assimilar o objeto
a esquemas mentais e essa abordagem pedagógica inclui um processo mais amplo
de desenvolvimento de estrutura mentais.

Na abordagem cognitivista o ensino deve assumir diversas formas no decurso do


desenvolvimento, uma vez que, segundo a mesma estudiosa a maneira como o
aluno aprende depende da esquematização presente, do estágio atual, da forma
de relacionamento atual com o meio. Uma vez que essa abordagem segue a teoria
piagetiana, a autora destaca que o ensino deve ser baseado no ensaio e no erro, na
pesquisa, na investigação, na solução de problemas por parte do aluno e não tem
aprendizagem de fórmulas, nomenclaturas, definições etc (MIZUKAMI, 1986).

A descoberta garante que o sujeito compreenda a estrutura fundamental do


conhecimento, de maneira que os processos pelos quais a aprendizagem ocorreu
têm papel preponderante nesse tipo de ensino, que consiste em processos e não em
produtos de aprendizagem, segundo a mesma autora.

Ainda segundo a autora, embora a teoria piagetiana não se preocupe com uma teoria
de instrução, há a preocupação com a aprendizagem que, por sua vez, acontece no
exercício operacional da inteligência. Ela apenas acontece quando o aluno elabora
seu próprio conhecimento. No sentido estrito, a aprendizagem diz respeito às
aquisições relacionadas com informações e acontece no decorrer do desenvolvimento
do indivíduo, ao passo que a inteligência é o instrumento de aprendizagem mais
necessário.

Ainda no entendimento da autora, evitando a formação de hábitos (que


constituem a fixação irreversível e dissociada de uma forma de ação) o ensino
deve, progressivamente, levar ao desenvolvimento de operações. Dessa forma,
fica evidente a diferença entre aprendizagem e desenvolvimento, que se refere aos
mecanismos gerais do ato de pensar/conhecer, inerentes à inteligência, em seu
sentido mais amplo e completo.

A autora destaca que nessa abordagem o ensino das relações deve substituir o
ensino dos fatos, desenvolvendo a inteligência, uma vez que ela é um mecanismo
de fazer relações e combinações.

104
AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM │ UNIDADE III

Como pode ser observado, na abordagem cognitivista professor e aluno são


vistos de forma diferente da convencional, no que se refere a um transmissor e
um receptor de informação/conhecimento, cabendo ao professor criar situações
e condições para estabelecer reciprocidade intelectual e cooperação ao mesmo
tempo moral e racional, de acordo com Mizukami (1986).

Evitando rotina, fixação de respostas e hábitos, o professor deve propor


problemas aos alunos, sem ensinar as soluções. Para a estudiosa, a função do
professor consiste em provocar desequilíbrios e fazer desafios, orientando e
dando ao aluno ampla margem de autocontrole e autonomia. O professor
desempenha o papel de investigador, pesquisador, orientador e coordenador,
de maneira a levar o aluno a trabalhar de forma mais independente possível
(MIZUKAMI, 1986).

Ainda segundo a autora, o professor deve conviver com os alunos, observar seus
comportamentos, conversar com eles, perguntando e sendo interrogado por eles de
maneira a auxiliar a aprendizagem e desenvolvimento deles, participando das suas
experiências.

Nessa abordagem, o aluno deve ser tratado de acordo com as características


próprias da sua fase evolutiva e o ensino precisa ser adaptado ao desenvolvimento
mental e social do educando. O aluno tem um papel essencialmente ativo uma vez
que, de acordo com Mizukami (1986), a atividade é uma forma de funcionamento
do indivíduo e suas atividades básicas devem consistir em observar, experimentar,
comparar, relacionar, analisar, justapor, compor, encaixar, levantar hipóteses,
argumentar etc.

Como você já deve ter percebido, cabe ao professor a orientação necessária para
que os objetos sejam explorados pelos alunos, sem jamais oferecer a eles a solução
pronta. Porém, a autora destaca que é indispensável que o professor conheça o
conteúdo e a estrutura da sua disciplina, para que possa propor situações realmente
desafiadoras aos alunos (MIZUKAMI, 1986).

No tocante à metodologia, para essa autora existe uma teoria do


conhecimento, de desenvolvimento humano que traz implicações para
o ensino e não um modelo pedagógico piagetiano. Uma das implicações
fundamentais é a de que, por meio das ações do indivíduo, a inteligência
se constrói a partir da troca do organismo com o meio em que ele vive.
Segundo Mizukami (1986), a ação do indivíduo é o centro do processo e o
fator social (ou educativo) é uma condição de desenvolvimento. Assim, o
ensino deve atender à construção de operações pelo aluno, sendo baseado

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UNIDADE III │ AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

na investigação, aqui entendida como uma atividade intelectual durante a


qual se formam as novas operações.

Nesse cenário educativo, o problema é autorregulador da investigação e


consiste em um projeto de ação, cuja ação não consiste, no entanto, em uma
ação qualquer, mas, sim, em um sistema de movimentos impregnados de uma
finalidade, segundo Mizukami (1986).

A autora destaca que, como estratégia, o trabalho em equipe é decisivo no


desenvolvimento intelectual do ser humano e o ambiente no qual o aluno está inserido
precisa ser desafiador, de maneira a sempre causar desequilíbrios, uma vez que a
motivação é caracterizada pelo desequilíbrio, necessidade, carência, contradição,
desorganização etc. Um ambiente desse tipo será favorável à motivação intrínseca
do aluno (MIZUKAMI, 1986).

No entendimento da autora, o jogo aplicado ao ensino tem importância


fundamental, uma vez que tem o objetivo de descobrir novas estratégias; cada
fase de desenvolvimento do ser humano é caracterizada por uma conformação
única especial, que vai desde o jogo individual, o jogo simbólico, o jogo pré-social,
ao de jogo de regras (jogo social). Da mesma forma, as regras do jogo social são
necessárias