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aula-para-a-fluencia-leitora
Língua portuguesa
A importância da leitura em
sala de aula para a fluência
leitora
Ler por ler é atividade para se fazer na escola. Cada vez mais, professores
têm valorizado as práticas de leitura em sala de aula. Atividades
variadas favorecem a fluência leitora e a compreensão dos textos
Valquiria Pereira
Leitura compartilhada precisa ganhar espaço para promover o intercâmbio de ideias. (Crédito:
Gabriela Portilho)
O trabalho com leitura parece estar em um novo patamar nas escolas nos últimos anos. Os
professores compreendem a função da leitura em suas diferentes modalidades: leitura pelo
professor, leitura pelo aluno, leitura compartilhada, leitura para apresentar aos outros. Ler e
apreciar um texto, atribuir sentido a ele, reler, comentar, comparar com outras leituras, ouvir o
que dizem outras pessoas sobre o mesmo texto e ampliar seu olhar são ações que a escola pode
desenvolver com os alunos em diferentes faixas etárias.
A leitura feita pelo professor alcançou o "horário nobre" em muitas salas de aula e hoje não é
mais vista como uma atividade sem grande importância, que é realizada se sobrar um tempinho
no final do dia, ou ainda para que seja feita outra atividade com base nela. A leitura está se
tornando uma atividade central da aula, ocorre diariamente e, com isso, os professores têm
mostrado aos alunos sua importância. As crianças podem conhecer diversos gêneros textuais,
escritores e suas obras, valorizar diferentes estilos e apreciar textos de qualidade, previamente
selecionados pelo professor, que compartilha com elas os critérios de sua escolha.
Comentar sobre o que leu ou ouviu ajuda a atribuir sentido ao texto. Ao ouvir um conto, notícia
ou lenda, o aluno o interpreta com base em seus conhecimentos de mundo e de outros textos, do
que sabe e conhece do gênero ou do autor, do que antecipou durante a leitura. Quando ouve
outras interpretações sobre o mesmo texto, ele passa a considerar diferentes pontos de vista e
revê os seus, modificando-os, ampliando-os ou reforçando-os. Considerar o que um colega
compreendeu, que caminho percorreu para chegar àquela conclusão e localizar qual parte da
leitura possibilitou sua análise, ajuda-o a buscar sentido, a entender melhor o conteúdo e a
ampliar sua própria interpretação sobre aquele texto e sobre outras leituras.
A leitura feita pelo aluno talvez seja a modalidade que atualmente mais precisa de investimento
na escola, no sentido tratado neste artigo. É comum ouvirmos dizer que o computador, a
televisão e os jogos de vídeo game são os maiores concorrentes da leitura, e que estão ganhando
a disputa. Há uma queixa recorrente dos professores de que os alunos leem pouco, não leem
bem, não entendem o que leem, ou seja, não são leitores fluentes. Mas o que é ler bem? O que
significa fluência leitora?
Ler fluentemente não significa compreender o que se lê, pois é possível ler rapidamente sem
entender o assunto de que trata o texto. A leitura de um texto requer conhecimento de seu
propósito por parte dos alunos, já que fluência também tem a ver com a intenção da leitura: para
que ler, quais estratégias poderão ser utilizadas e o que se espera ao final. E é importante expor
aos alunos esses propósitos em cada atividade. Costumamos "tomar" um texto sempre com uma
intenção e esta não necessariamente está vinculada ao gênero. Dessa forma, nem sempre vou ler
obras literárias apenas para apreciá-las. Também posso ler para fazer um estudo sobre a época
em que se passa um romance, ou para analisar o estilo empregado pelo autor, ou ainda para
traçar um perfil dos personagens. Lemos notícias com intuitos variados, além de nos
informarmos. Podemos ler para conhecer mais sobre outro país, para ampliar nosso
conhecimento sobre um assunto específico, para estudar para uma prova etc. Essa intenção irá
determinar minha leitura e a compreensão que tenho do assunto abordado por aquele texto.
De acordo com Antônio Gomes Batista, em Alfabetização, leitura e ensino de Português: desafios
e perspectivas curriculares, "para que o aluno leia com fluência é fundamental que: possua um
amplo domínio das relações entre grafemas e fonemas na ortografia do Português; automatize o
processo de identificação de palavras (...); seja capaz de realizar uma leitura expressiva, que
envolve uma adequada atenção aos elementos prosódicos, como entonação, ênfase, ritmo,
apreensão de unidades sintáticas".
Falamos, portanto, da fluência leitora para alunos que já conquistaram a base alfabética do
sistema de escrita, aqueles que já dominam a escrita e estabelecem relações entre grafemas e
fonemas.
O leitor que ainda está preso à decifração dificilmente consegue entender o que aborda o texto
lido, pois não utiliza as estratégias mais adequadas para a compreensão. É necessário um
trabalho que o ajude a ir além da leitura "palavra a palavra" ou "sílaba a sílaba" para buscar
outros meios de identificação que permitam tornar a leitura mais fluente, utilizando
paralelamente os processos de decifração e compreensão.
Atividade de leitura não deve ser usada somente para avaliação. (Crédito: Kriz Knack)
Uma grande aliada do trabalho com fluência na escola é a leitura em voz alta, pois permite ao
aluno preparar-se para ler, ensaiar, compreender para comunicar e expressar a outros um
sentido. Ler para outras pessoas requer habilidade, concentração e expressividade, ou seja,
envolve entonação, ritmo e ênfase. Para Goodman (1986), a leitura veloz está associada a uma
alta compreensão.
Historicamente, a leitura em voz alta feita pelos alunos servia para a escola avaliar seu
desempenho nessa atividade, atribuindo-lhes nota pela clareza e os erros cometidos - devia ser
uma leitura rápida e eficaz, sem tropeços. Tomar leitura na escola era escolher o aluno "de
surpresa", sem preparação prévia, muitas vezes sem ter lido o texto antes. De pé, o aluno lia para
todos ouvirem. Os demais ficavam acompanhando para não perder o fio da leitura, com receio de
serem os próximos a serem chamados e não saberem onde o colega havia parado. Se houvesse
condições, os alunos decoravam o texto e apenas o reproduziam na hora da chamada, sem ler.
Ler em voz alta para outras pessoas ouvirem é um trabalho fundamental para desenvolver a
fluência leitora e não para servir de avaliação. Definir a atividade, selecionar o que se lê, escolher
a forma que será feita a leitura (em grupos, individualmente, divisão por personagens, por
trechos etc.), ler e reler, ensaiar a apresentação, apresentar para um grupo menor (a própria
classe) para ajustar alguns aspectos necessários e, por fim, apresentar a um público o que foi
planejado.
Preparar a leitura envolve procedimentos específicos que devem ser socializados e explicitados.
Ao definir o que cada um lerá na apresentação, os alunos podem grifar os trechos que serão lidos
e destacar a última parte do colega para saber de onde partirá. Pode-se fazer um ensaio
individual, outro ensaio coletivo, a apresentação para a turma e a retomada dos critérios
necessários.
Ler e reler não significam de modo algum repetir várias vezes o que se leu sem ver sentido
algum, apenas para tornar a leitura veloz e garantir fluência. O propósito dessa atividade é
favorecer a compreensão de modo a dar mais ênfase a determinados trechos ou escolher o ritmo
da narração.
São raros os projetos didáticos em que a leitura é considerada produto final. (Crédito: Alexandre
Rezende)
Há atividades que propiciam a fluência leitora e que merecem espaço na escola: o sarau poético
ou literário, o teatro lido ou a leitura dramática de textos e a leitura para gravação de CD. Estas
atividades devem estar vinculadas a projetos ou sequências didáticas para seu desenvolvimento.
Ainda são raros os projetos didáticos cujo produto final seja somente uma atividade de leitura. É
comum vermos projetos que envolvem leitura, mas o produto é sempre uma produção escrita. E
esse é outro ponto importante a ser abordado: nem toda proposta de leitura precisa envolver
uma proposta de escrita. Ler por ler é também atividade da escola e ler para apresentar a outras
pessoas é um grande desafio.
Há práticas recorrentes de desenhos após a leitura - sejam de trechos que o aluno mais gostou,
de personagens da história, de cenários ou do desfecho -, além de questões para serem
respondidas a título de "interpretação do texto". As práticas de leitura se tornam chatas, sem
sentido para os alunos, que preferem não ler por terem que cumprir uma tarefa posterior.
Dentre as atividades que favorecem o trabalho com fluência leitora, o sarau envolve a escolha
dos textos e a preparação da apresentação, considerando um público externo. Pode contar com
música de fundo, apresentações de vários grupos ou pessoas em horários alternados, e deve
considerar um único gênero - por exemplo, sarau de poesias ou de contos.
A leitura dramática - também chamada de teatro lido - é a leitura em voz alta de uma obra teatral
para o público e exige interpretação por meio de expressões faciais, gestos e entonação. A leitura
dramática pode contar com uma direção (como em uma peça teatral), trilha sonora, figurino e até
mesmo cenário ou alguns objetos de cena. Pode também ser uma leitura sem outros recursos
além das falas dos personagens, marcadas por pessoas diferentes ou diferentes vozes. Os alunos
podem estar sentados ou em pé, um ao lado do outro.
Outra proposta é a leitura de contos para a gravação de um CD a ser entregue para outra turma
ou a uma instituição. Os alunos selecionam os textos de acordo com seus ouvintes, ensaiam a
leitura e leem para a gravação, o que requer muitas idas e vindas. Gravam, ouvem, corrigem e
gravam novamente, atentos ao tom de voz e às entonações dadas, podendo haver músicas de
fundo ou sons de efeito.
A prática deve estar estar presente em toda a trajetória do estudante. (Crédito: Marina Piedade)
As atividades de leitura para fluência não se relacionam a atividades em que os alunos precisam
decorar textos. A leitura deve ser a atividade central da proposta. A preparação da leitura
dramática não deve direcionar esforços para confecção de cenários ou figurinos, pois corre-se o
risco de envolver outros aspectos que não estão relacionados à leitura fluente. O ensaio é que
deve ocupar lugar de destaque nessa atividade, uma vez que é necessário ensaiar várias vezes
para que a apresentação atinja seu propósito. A intenção é garantir fluidez na leitura e não avaliar
a capacidade do aluno de decorar com facilidade.
O trabalho com fluência leitora na escola deve ganhar um novo olhar por parte dos professores,
visando promover momentos e atividades variadas a depender da turma, da experiência leitora e
da faixa etária dos alunos. É preciso contar com propósitos claros e objetivos definidos em
variadas séries/anos.
Trabalhar fluência leitora na escola é o desafio proposto para ampliar a experiência dos alunos
com os textos e colaborar na compreensão do que se lê, ajudando-os a interpretar e a
argumentar a favor de seu ponto de vista. Trabalhar a argumentação é outro ponto que precisa
ser ampliado nas escolas, mas isso deve ser tema para outro artigo.
BRÄKLING, Kátia Lomba. Sobre a leitura e a formação de leitores. São Paulo: SEE: Fundação
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