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SEGUNDO A PSICANÁLISE
Freud e Lacan
encontram Kant e Descartes
Marcos BULCÃO NASCIMENTO
MARCOS BULCÃO NASCIMENTO é doutor em Filosofia pela Universidade de São
Paulo, com doutorado-sanduíche pela University of South Carolina. Graduou-se em Filosofia também
pela USP, tendo feito seu mestrado em Teoria Psicanalítica na Université de Paris VIII. Fez pós-
doutoramento pela UFBA (PRODOC-CAPES) e pela USP (FAPESP), com estágio de pesquisa na
University of London - Birkbeck College. Atualmente ensina na Université du Québec (UQTR), no
Canadá, onde vive com sua esposa e duas filhas.
Bulcão publicou até aqui cinco livros na área acadêmica:
— La Constitution de la Réalité selon la Psychanalyse (Éditions Universitaires Européennes:
2017)
— Enigmas Freudianos: o problema da consciência e outros paradoxos (KBR: 2016)
— Freud and the problem of consciousness: solution (KDP: 2017)
— O Realismo Naturalista de Quine (UNICAMP/ CLE: 2008)
— A Filosofia de Quine e Outros Ensaios (KDP: 2017)
Estreou em literatura de não-ficção em 2014, com O Filósofo Peregrino, de Londres a Roma a pé –
2.000km na Via Francígena (Editora Record) e mantém um blog — “Penso, logo hesito”
(http://marcosbulcao.wordpress.com) — onde escreve sobre filosofia, psicanálise, viagem e esportes.
E-mail: mbulcao@gmail.com
Copyright @ 2017 by Marcos Bulcao Nascimento
Todos os direitos reservados.
_____________________
Esse livro foi originalmente publicado pela EDUFBA (2007), com o título “A Constituição da
Realidade no Sujeito: Psiquismo, Real e Epistemologia”.
_____________________
1. Realidade
2. Sujeito
3. Psicanálise
4. Epistemologia
5. Psiquismo
6. Princípio do prazer e da realidade
7. Aparelho psíquico
8. Lacan
9. Kant
10. Descartes
SUMÁRIO
PREFÁCIO: POR BENTO PRADO JUNIOR 7
INTRODUÇÃO 9
A realidade na teoria psicanalítica
A especificidade da psicanálise: o sujeito do inconsciente
O caminho lógico da exposição
I. O PSIQUISMO: ENTRE O REAL E O SIMBOLICO 22
Do inanimado à vida
Especificidade humana: a inadequação do objeto
OPERAÇÕES E TENDÊNCIAS PRIMORDIAIS 26
Ligação e psiquismo
As primeiras experiências humanas
O paradoxo do gozo
MEMÓRIA E LINGUAGEM. INTRODUÇÃO DO OUTRO 37
A Carta 52
O aparelho de linguagem
A retranscrição pré-consciente
Retomada da experiência de satisfação
O Outro e a entrada no Simbólico
REAL E SIMBÓLICO 51
Gozo: a satisfação real e o mais-de-gozar
Das Ding: um furo real no aparelho psíquico
II. A REALIDADE VACILANTE 64
Ligação e o eu
QUANDO O CRITÉRIO FALHA 69
Inibição e processo onírico
O problema da qualidade e da motricidade
A PRECARIEDADE IRREMEDIÁVEL 75
A realidade intolerável
A estrutura e seus mecanismos
III. EPISTEMOLOGIA E PSICANALISE 85
REAL X NOUMENON: A ESPECIFICIDADE DA PSICANÁLISE 86
AS DUAS VERDADES: DESCARTES COM LACAN 93
O OBJETO A PERDIDO ENTRE KANT E DESCARTES 102
A alienação e a desaparição do sujeito
O unário e o binário: S1 como fora da cadeia
CONSIDERAÇÕES FINAIS 113
BIBLIOGRAFIA 123
A Nina
e minhas duas filhas, Beatriz e Chloe
PREFÁCIO
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Do inanimado à vida.
Ligação e psiquismo
O Entwurf é uma obra especialmente importante para nosso
propósito. Será a partir dele que nós tentaremos começar a estabelecer
algumas delimitações conceituais. Nele, sabemos, Freud não trabalha com o
conceito de pulsão, mas podemos ver na Qn um precursor legítimo deste
conceito. A pulsão, todavia, não pode ser inteiramente identificada à Qn,
sendo-nos necessário assim examinar onde estão as possíveis diferenças. E
estas, veremos, serão coextensivas à diferença entre Q livre e Q ligada[24].
Qn é vista por Freud como uma estimulação de caráter
endógeno, uma força constante, que, ela apenas, não é suficientemente forte
para despertar a atenção psíquica. Seu efeito no psiquismo se faz por
somação, isto é, é somente após um certo grau de excitação que haverá uma
tendência à descarga, uma urgência que é passível de ser liberada por via
motora. É somente após superado este limite que esta quantidade de excitação
é capturada pelo psiquismo.
Aqui já podemos estabelecer uma leve diferença entre pulsão e
Qn. Sabemos, através de sua definição clássica, que a pulsão é um conceito
limite que articula o psíquico e o somático. A pulsão não é, portanto, estímulo
psíquico. Ela é, antes, um estímulo para o psíquico, algo que, do exterior, faz
uma exigência de trabalho ao psiquismo[25]. Quer dizer, o que é da ordem do
psiquismo é não a pulsão, esta considerada em si mesma, mas o que se deverá
constituir como seus representantes. Contudo, Qn faz irrupção no psiquismo,
trata-se uma carga que circula também no interior do aparelho psíquico[26]. A
pulsão, assim, não poderia ser identificada a Qn a menos que se possa
diferenciar seus aspectos de existência dentro e fora do psiquismo. E isto
pode ser feito através do conceito de ligação e investimento.
Vimos que o aparelho psíquico, pertencendo a um organismo
vivo, é forçado a acumular energia. Não podendo evacuar toda a quantidade
por meio da via reflexa, ele deve capturar e transformar esta força que o
constrange até que a ação específica possa acontecer. Essa transformação
consiste na passagem de energia somática a energia psíquica[27]. A ligação é
equivalente a esta operação de captura e transformação[28].
O que se passa então? Segundo Freud, ligar energia é fazê-la
passar de energia livremente móvel a energia em repouso, estática. Isto quer
dizer que o que consistia num estado de pura dispersão das excitações
integra-se numa rede, num grupo de neurônios ou representações[29]
investidos. O investimento, de seu lado, não é mais do que o fato da Qn
ligada a um grupo de neurônios (ou a um grupo de representações[30]) ou
ainda o fato mesmo da articulação de traços mnêmicos. Ora, o efeito imediato
deste investimento é a ligação disto que até o momento era energia livre. A
partir daí, uma parte da Qn, ao invés de se dirigir à descarga, tem seu
percurso alterado em benefício de seu investimento, ficando aprisionada. A
ligação consiste propriamente em uma contenção ao livre processo de
escoamento das excitações.
Ocorre que esta operação significa também uma redução da
tensão no interior do aparelho psíquico, já que se diminui a quantidade de
movimento interno. Num organismo vivo, que tem necessidade de se
proteger da pressão interior, vemos que a operação de ligação é mesmo um
procedimento primordial de defesa. Ligar Q é a forma primeira e, portanto,
privilegiada de enfrentar o incômodo da tensão, reduzindo seus efeitos[31].
No entanto, isto instala um paradoxo: embora a ligação reduza
a tensão (pela diminuição da quantidade de movimento), ela acarreta também
um acúmulo de energia no aparelho psíquico (mesmo se há também a
intenção de descarga posterior).
Aqui, vemos então esboçado o que funda a antinomia entre o
princípio do prazer e a repetição, entre o gozo e o princípio do prazer[32]. Em
que sentido? Sabemos que o princípio do prazer não ordena somente a
redução da tensão por meio da ligação, mas ele o ordena preferencialmente
por meio da descarga motora (evacuação real de Q). Contudo, o princípio do
prazer não pode ser completamente obedecido, já que isto implicaria uma
satisfação alucinatória, insuficiente para fazer cessar a tensão interna. Deste
modo, é preciso esperar que se produzam novas percepções antes que se
autorize a descarga das quantidades. Ora, para esperá-las, é necessário
impedir o processo alucinatório e suportar o aumento da tensão interna. Os
dois requisitos são preenchidos pela operação de ligação. É então ela que
permitirá ao aparelho psíquico passar do processo primário ao processo
secundário, do princípio do prazer ao princípio de realidade[33].
Como se faz esta passagem? Para sabê-lo, é preciso investigar
um pouco mais a experiência de satisfação e as marcas que ela deixa no
psiquismo.
A Carta 52[42]
Na Carta 52, Freud comenta com Fliess sua hipótese de que
nosso aparelho psíquico se teria estabelecido por um processo de
estratificação sucessiva, pois “os materiais presentes sob forma de traços
mnêmicos se encontram de tempos em tempos reordenados segundo as novas
circunstâncias”. “O que há de essencialmente novo na minha teoria é a ideia
de que a memória é apresentada não uma só vez, mas muitas, e que ela se
compõe de diversos tipos de signos”[43].
O aparelho de linguagem
Até o momento, vimos que o homem é capaz de gravar os
eventos que o atingem através da criação de grandes complexos associativos
chamados Bahnungen. Ora, o que acontece é que, entre os múltiplos eventos
que serão gravados pela criança, há a experiência do discurso do outro.
Juntamente com o leite, o seio, o homem registra sons, sons de palavras, os
quais ele vai terminar por associar a certos objetos devido à regularidade com
que eles aparecem unidos.
A constituição do aparelho de linguagem se fará assim através
de um processo de associação, o qual vai unir dois grandes complexos
associativos: o complexo das associações de objeto e o complexo das
associações de palavras. Tal associação formará, de um lado, a
representação-objeto (Objektvorstellung) e, do outro, a representação-
palavra (Wortvorstellung)[45].
O que se produz por esta ligação tem consequências nos dois
sentidos: as associações de objeto vão adquirir unidade a partir de sua ligação
com a representação-palavra, formando a representação-objeto; por sua vez, a
representação-palavra obtém sentido através da sua ligação com a
representação-objeto. O aparelho de linguagem é assim um aparelho que
articula representações, e esta articulação tem um efeito de sentido.
A Retranscrição Pré-consciente[50]
Já dispomos neste momento de elementos suficientes para
examinar o que se passa no nível da retranscrição pré-consciente. Nesta, o
material mnêmico será ligado às representações-palavra e com isso ele
ganhará possibilidade de acesso à consciência.
REAL E SIMBÓLICO
A realidade intolerável
Com efeito, acontece que o eu encontra por vezes uma grande
dificuldade em conciliar as exigências pulsionais com a realidade que se
apresenta. Assim, estando na impossibilidade de satisfazer tais exigências, o
eu não encontra outra solução senão alterar a parte da realidade que não lhe é
conveniente. Ou seja, o eu procura — seja no neurótico, seja no psicótico —
substituir a realidade indesejável por uma outra mais conforme a seus
desejos.
O que podemos fazer ver é que este diagrama, na verdade, pode ser
obtido a partir de dois círculos ou dois conjuntos: o conjunto do sujeito,
forçosamente vazio, e o conjunto do Outro, onde se alojam todos os
significantes e símbolos da linguagem.
Diagrama 2
Ora, dizer que o conjunto do sujeito era vazio antes do encontro
com o Outro significa precisamente que o sujeito é criado pelo fato deste
encontro, pelo fato de que ele toma um significante (S1) ao Outro e o utiliza
para se representar junto aos outros significantes (S2). Mas o que isto quer
dizer, que S1 cria o sujeito? “É aí que é preciso ser materialista e colocar que
não há nenhum sujeito no real. Não há sujeito senão pelo significante. O
sujeito ou conjunto vazio não vem ao mundo senão pelo fato de que o
significante para aí carrega seu traço, carrega o traço mínimo que permite
dizer: não há nada”[143]. Em outros termos, o sujeito é fundado sobre esta
nomeação do vazio, sobre esta “materialização” da ausência. É, portanto, o
significante a primeira instância diferenciada, o elemento que retira o ser do
real ao delimitá-lo[144]. Isto quer dizer que o campo do ser se inaugura, se
instaura quando barreiras, limites são impostos à indiferenciação do real. Ora,
são exatamente os significantes que vão primeiramente distinguir um
“dentro” de um “fora”, algo que está presente de algo que está ausente[145],
“de onde vemos que a ontologia nasce com o discurso”. Podemos mesmo
chegar ao ponto de identificar o campo do ser ao campo do discurso[146].
Isto nos conduz a uma conclusão muito importante. Se nós
afirmamos que o campo do discurso, o campo do ser, é aquele do
significante, do Outro, isto quer dizer que o campo oposto, aquele do sujeito,
é, enquanto tal, estritamente condenado ao silêncio, e mesmo à desaparição.
Dito de outra forma, S1, ao mesmo tempo em que ele cria o sujeito, ele o
apaga: quando “o sujeito surge de um lado como sentido, produzido pelo
significante, no outro ele aparece como afânise”[147]. Sua única chance de não
se apagar completamente é então de não escolher a via do sentido, a via da
alienação. Contudo, se ele não a escolhesse, ele terminaria por cair seja no
sem-sentido (non-sense), seja no silêncio[148]. Daí a inversão do cogito, já
mencionada: eu sou onde eu não penso. Eu penso onde eu não sou[149]. Está aí
a condição de sujeito essencialmente dividido, barrado: o fato que o sujeito
enquanto tal não se manifesta senão no intervalo de S1-S2, isto é, antes de o
sentido se constituir, mas depois de um significante ter sido capturado.
***
O que é o fantasma? O fantasma, propriamente falando,
constitui-se como uma defesa contra o real. Ele é uma espécie de tela que
dissimula o encontro com o real e o torna suportável ao sujeito. Em outras
palavras, há algo que vem do real que é intolerável ao sujeito, algo que ele
deve mascarar, obturar. Esta “coisa” é a castração, é a falta primordial que
bate à porta do sujeito desde seus primeiros momentos de existência. Com
efeito, é em razão do fato de que o objeto de satisfação falta (por exemplo, o
seio da mãe), que a criança se torna um sujeito desejante. Se a mãe estivesse
sempre lá, o sujeito não adviria jamais, pois não haveria o movimento
inaugural da demanda. Suprido, o indivíduo permaneceria no estado de
perpétua inércia. Vemos assim que a castração e a alienação se implicam
reciprocamente, pois é a primeira que impulsiona o sujeito a ir de encontro ao
Outro[154].
O objeto está então faltando, e o sujeito vai justamente
homologar esta perda do objeto formando um fantasma. Neste primeiro
momento, assim, o fantasma não é mais do que a representação imaginária do
objeto perdido. Este objeto que serve de suporte ao fantasma é então o objeto
que causa e coloca em movimento o desejo do sujeito. O objeto do fantasma
é o objeto a, o que é bem indicado por seu matema: $ a[155].
[1]
Apreensão que pode, naturalmente, ser ajudada e enriquecida por intermédio dos instrumentos de
medida e de observação.
[2]
Evidentemente, esta não é a concepção defendida por todo cientista. Há outros que defendem, por
exemplo, a ideia de que as teorias científicas são apenas instrumentos de predição, e não tentativas de
descrição efetiva da realidade (concepção pragmática). Todavia, não é aqui nossa intenção expor as
diferentes concepções epistemológicas, mas somente circunscrever, ainda que brevemente, o ambiente
onde Freud fez sua descoberta. É essa a razão do privilégio concedido à concepção positivista (exposta
de uma forma extremamente simplificada, certamente).
[3]
Freud, S. Zur Auffassung der Aphasien: eine kritische Studie, p. 121; Contribution à la Conception
des Aphasies, une étude critique, p. 127. Este texto apareceu em 1891.
[4]
Cf. Aphasies, op. cit., p. 94-97.
[5]
A significação é produzida na relação entre a representação-palavra (Wortvorstellung) e a
representação-objeto (Objektvorstellung). A este respeito, ver o capítulo dedicado ao aparelho de
linguagem.
[6]
“A periferia do corpo não está contida no córtex ponto por ponto, mas ela aí está de modo menos
detalhado por fibras selecionadas” (cf. Aphasies, pp. 100-1).
[7]
A afasia assimbólica constitui um problema na primeira relação (isto é, um problema na articulação
significante), enquanto a agnosia é o resultado de uma perturbação na segunda relação (isto é, um
problema na associação entre a representação-objeto e o referente exterior, o que se experimenta como
um problema no reconhecimento dos objetos (cf. Aphasies, p. 128)).
[8]
Tanto as representações-palavra quanto as representações-objeto são complexos associativos. As
representações-palavra são formadas a partir das associações de palavra (imagem sonora, de leitura,
escrita, etc.); as representações-objeto, a partir das associações de objeto (as quais não são mais do que
a associação dos diversos elementos das percepções: as imagens táteis, visuais, sinestésicas, etc.). A
este respeito, ver o capítulo I, especificamente a parte concernente à memória e linguagem.
[9]
Realmente, já que a submissão incondicional ao princípio do prazer conduz à alucinação, o princípio
da realidade veio para corrigir ou retificar a interpretação equivocada que o aparelho psíquico possa dar
dos traços de memória. Em outras palavras, o princípio da realidade tem a função de permitir a
distinção entre o objeto real e o objeto alucinado e assim de tornar possível a alteração do mundo
exterior. “O princípio da realidade vem como um princípio de correção, de chamada à ordem. O modo
pelo qual ele opera não é senão desvio, precaução, retoque. Ele corrige, compensa essa inclinação
fundamental do aparelho psíquico: a alucinação” (Lacan, J. Le Séminaire, livre VII, L’Éthique de la
Psychanalyse, p. 37).
[10]
Da realidade material.
[11]
O que está em acordo com Lacan (cf. Le Séminaire, livre II, p. 78).
[12]
Soler, C. “El Síntoma”, p. 31.
[13]
A assimilação da verdade da ciência à verdade do Outro deve-se justamente ao fato de que se
encontram no Outro as condições mesmas de sua enunciação: a materialidade do discurso (os
significantes), os códigos de interpretação e significação (as leis de articulação significante) e também a
possibilidade de troca e transmissão (a comunicação ela mesma e o pacto subjacente a toda instituição
da linguagem).
[14]
O que nós mostraremos é que há duas etapas distintas do cogito: a primeira é o momento em que
surge a verdade primeira do sujeito, pura constatação de sua existência sobre um fundo de dúvida
generalizada; e a segunda é a fase em que Descartes cristaliza, petrifica esta verdade primeira ao lhe
vincular atributos essenciais (“a essência de meu ser é o pensamento”) e constrói assim todo o edifício
do conhecimento a partir de raciocínios feitos em torno destas propriedades.
[15]
Com efeito, o real lacaniano pode referir-se tanto ao “mundo exterior” tomado como indiferenciado
e incognoscível (sentido kantiano) quanto ao “mundo interior” nos conceitos de pulsão e de das Ding
(quando ele toca na questão da particularidade do sujeito).
[*]
A diferença entre um real “interior” e um real “exterior” é uma diferença meramente didática, já
construída no interior do simbólico, e não pretende, assim, reeditar uma outra dicotomia no lugar
daquela entre realidade material e realidade psíquica. Além disso, seguindo a própria definição
oferecida de real — aquilo que permanece indiferenciado, inassimilado e inarticulado —, vemos
realmente que tal conceito não suportaria dicotomias numa abordagem mais pura. Para maiores
esclarecimentos, ver capítulo III.
[16]
O melhor exemplo é a diferença entre o processo de recalcamento e seu resultado, o sintoma. Com
efeito, estudaremos o mecanismo do recalcamento (e da foraclusão também), mas não a formação do
sintoma (ou do delírio).
[17]
A partir do qual o objeto alucinado pode ser diferenciado do objeto real, obtido pela percepção.
[18]
Isto é, manter Q num nível tão fraco quanto possível, para utilizá-la na realização da ação
específica.
[19]
No segundo sentido examinado, a saber, de que não há objeto de satisfação determinado.
[20]
Entwurf einer Psychologie. Ver também as traduções consultadas: Esquisse pour une Psychologie
Scientifique e Projeto de uma Psicologia Científica (tradução direta do alemão e notas críticas de
Osmyr Faria Gabbi Jr.).
[21]
Isto não é totalmente exato. Nós vemos aparecer a ideia de uma quantidade ou tensão
psiquicamente ligada já no Manuscrito E (“Como nasce a angústia”), datado de aproximadamente
junho de 1894.
[22]
Com efeito, esta distinção, Freud a utiliza em vários momentos de sua obra, por exemplo, nos
artigos O Inconsciente, Além do Princípio do Prazer, assim como em seu tardio Esboço de Psicanálise.
[23]
Wortvorstellung, Objektvorstellung e Sachvorstellung, respectivamente.
[24]
Qn é a Q de origem endógena. Q, no vocabulário do Entwurf, é utilizada para se referir seja à
quantidade de origem exógena, seja à quantidade em geral. No presente caso, utilizamos Q no sentido
geral de ‘quantidade’.
[25]
Cf. “Pulsions et ses destins”, pp. 13, 17.
[26]
No interior do sistema ψ, segundo os conceitos do Entwurf.
[27]
Nós veremos que esta “transformação” corresponde à passagem da energia tomada em seus aspectos
quantitativos à energia tomada em seus aspectos semânticos. Quer dizer, o efeito de ser capturado pelo
psiquismo é o de articular a energia pulsional em relações significantes.
[28]
Cf. Lacan, J. Le Séminaire, livre II, p. 78: “Se o psiquismo tem um sentido, se há seres vivos, é pelo
fato de que há uma organização interna que tende até um certo ponto a se opor à passagem livre e
ilimitada das forças e das descargas energéticas tais que nós as podemos supor, de um modo puramente
teórico, se entrecruzando numa realidade inanimada”.
[29]
“Neurônios”, segundo o vocabulário do Entwurf. “Representações”, se se toma o resto da obra de
Freud. Contudo, mesmo no interior do Entwurf, nós vemos progressivamente o aspecto semântico
ganhar importância em relação ao aspecto puramente quantitativo. Com efeito, é o que se constata
quando vemos Freud abordar a questão da neurose a partir do recalcamento de certas representações
que são especialmente investidas por causa de sua significação sexual. Quer dizer, o que é objeto do
recalque é propriamente o aspecto semântico da representação, e não seu aspecto quantitativo. De fato,
desde que esta quantidade se liga a uma representação aceitável, não há problema de acesso à
consciência.
[30]
Este grupo de neurônios ou representações constantemente investido é o Freud chamará de “eu”. O
eu será objeto de análise do capítulo dois.
[31]
Cf. Wine, N. Pulsão e Inconsciente, onde se lê: “a transformação mesma do estímulo externo em
uma energia ligada é já sentida como um alívio da tensão, uma forma de satisfação, porque a energia
não faz mais a pressão no sentido da descarga” (p. 125).
[32]
Com efeito, o princípio do prazer ordena a descarga total da excitação, enquanto a ligação reduz a
tensão em tornando-a imóvel (mas retendo-a no aparelho). Se então mostramos que o gozo é a repetição
das vias de satisfação originárias, e que estas vias são fixadas através da operação de ligação, veremos
desde logo por que o gozo permanece associado a um aumento de tensão no aparelho psíquico.
[33]
Para passar do princípio do prazer ao princípio da realidade é preciso inibir o processo alucinatório.
Esta inibição será tarefa do eu, que poderá fazê-lo quando puder orientar a energia psíquica para as
percepções (e não para as representações da memória). Ora, o que acontece é que a própria constituição
do eu se deve ao mecanismo da ligação, o qual permite a existência de um grupo de representações
constantemente investida. Isto será examinado no detalhe em seguida.
[34]
A ação capaz de fazer cessar a estimulação endógena é dita ação específica (cf. Esquisse, p. 336).
[35]
Cf. Esquisse, pp. 336-7; l’Entwurf, pp. 402-3.
[36]
Será apenas num segundo momento, a posteriori, que estas ligações terão a função secundária de
organizar os percursos de satisfação.
[37]
De fato, uma vez que a memória é retenção de informação, retenção à passagem de Q, ela implica
diretamente o mecanismo de ligação.
[38]
“Derivada” porque se não houvesse o fracasso da satisfação alucinatória, esta aliança “inabalável”
não se formaria. Contudo, este fracasso é ‘necessário’ na medida em que a sobrevivência do sujeito
humano implica sempre o socorro do Outro, que ensina ao organismo um meio mais seguro de obter
satisfação.
[39]
“As impressões em si mesmas são inarticuladas. (…) Quando elas são ligadas, as impressões
entram na ordem das representações significantes” (cf. Wine, N., Pulsão e Inconsciente, p. 126).
[40]
Kontaktschranke, segundo a terminologia empregada no Entwurf. No resto de sua obra, Freud não
utilizará mais a noção de barreiras de contato. Contudo, o que é importante frisar é o aspecto de
retenção de energia, de quantidade. Isto perdurará na obra de Freud sob a noção de inscrição. Ou seja,
a retenção de Q torna-se a retenção de traços de impressões ou traços de percepções. O vocabulário
quantitativo dá lugar a um vocabulário “semântico”, e mesmo significante. Esta mudança, como já o
indicamos, pode ser notada já no Entwurf, onde a abordagem da quantidade cede lugar à abordagem das
representações. O que fazemos aqui é mostrar não apenas que o aspecto quantitativo não é antinômico
ao aspecto representativo, semântico, mas também que ele serve ainda a esclarecer certas relações entre
este aspecto semântico, significante, e o aspecto pulsional, como se verá em seguida.
[41]
Cf. Esquisse, p. 321
[42]
Carta 52, de 6 de dezembro de 1896. in: La Naissance de la Psychanalyse, op. cit., p. 153-160.
[43]
Carta 52, pp. 153-4.
[44]
Carta 52, pp. 154-5.
[45]
Cf. Aphasies, p. 127; Aphasien, p. 121.
[46]
“(…) weil mir die Beziehung zwischen Wort und Objektvorstellung eher den Namen einer
‘symbolischen’ zu verdienen scheint als die zwischen Objekt und Objektvorstellung” (Aphasien, p.
123; Aphasies, p. 128).
[47]
“Das Wort erlangt aber seine Bedeutung durch die Verknüpfung mit der ‘Objektvorstellung”,
wenigstens wenn unsere Betrachtung auf Substantiven beschränken”. (Aphasien, p. 122. Aphasies, p.
127).
[48]
Como bem o indica Assoun, Freud reencontra Saussure ainda no fato de que a representação-
palavra (o significante) é representado na cadeia associativa pelos registros acústicos, enquanto que a
representação-objeto (o significado) é principalmente representado pelo registro visual (cf. Assoun, P.-
L. Introduction à la métapsychologie freudienne).
[49]
Cf. De Georges, P., Leçons de Chose, p. 128: “O objeto não tem existência senão pelo fato de cair
sob um conceito. Ele tira seu sentido de sua diferença com a coisa integrada”.
[50]
Cf. Carta 52, p. 155
[51]
Cf. “L’Inconscient”, p. 116. “Das Unbewusste”, p.151.
[52]
“L’Inconscient”, p. 117. “Das Unbewusste”, p. 151
[53]
Com efeito, já que falar de representações implica supor algo como uma unidade. Um complexo
associativo em si mesmo não poderia ser dito uma representação a menos que exista um princípio de
unificação que faça com que as associações de que ele se compõe perdurem, se mantenham juntas. A
representação-palavra (ou o significante), na medida em que ela é uma espécie de invariante lógico,
pode assumir tal função de princípio de unificação. Resta-nos a descobrir o que pode desempenhar esse
papel no caso das representações inconscientes.
[54]
Mais precisamente: as Wahrnehmungszeichen são os traços das percepções, isto é, os elementos que
serão reunidos num complexo associativo pela simultaneidade da ocorrência. Ou ainda: as associações
de objeto são as Wahrnehmungszeichen enquanto reunidas por sua ocorrência simultânea.
[55]
Como vimos, esses traços de percepção formam o primeiro registro mnêmico, o qual “não é ainda
estruturado como uma linguagem, mas é organizado segundo a associação por simultaneidade” (cf.
García-Roza, L.-A. Introdução à Metapsicologia Freudiana 2, p. 162).
[56]
Cf. Miller, J.-A., Ce qui fait insigne, aula de 07/01/1987. Ver também l’Entwurf, onde Freud faz
alusão ao fato de que a ajuda do outro pode ser feita quando a atenção de uma pessoa experimentada é
dirigida à criança a partir de seu grito. Ou seja, o grito da criança é interpretado pelo Outro como
demanda, como uma espécie de pedido de socorro, que isto vai “adquirir assim uma função secundária
de extrema importância: aquela de compreensão mútua (Verständigung)” (L’Entwurf, p. 402; Esquisse,
p. 336;).
[57]
Ce qui fait insigne, 17/12/1986, 07/01/1987.
[58]
“A Bahnung evoca a constituição de uma via de continuidade, uma cadeia, e eu penso mesmo que
isto pode ser aproximado da cadeia significante” (Lacan, L’Éthique, pp. 49-50).
[59]
Com efeito, a passagem da necessidade ao desejo se faz justamente a partir do que se chama “a
mutação significante”, a partir da transformação do grito em apelo, do grito em demanda ao Outro.
[60]
E, naturalmente, justificar a origem de tais diferenças.
[61]
Sempre referida ao significante, que tem um papel de invariante lógico. Com efeito, o significante
permite manter juntos elementos que são, em si mesmos, heterogêneos.
[62]
Dito de outro modo, haveria no inconsciente uma tendência à satisfação alucinatória do desejo, tal
como ela acontece no sonho. Todavia, mesmo esta tendência se distingue já em vários aspectos da
alucinação primitiva da satisfação originária, porque a tendência alucinatória do inconsciente passa já
pela influência do desejo, das articulações significantes.
[63]
Veremos, entretanto, que o psiquismo não é um conjunto consistente no que concerne ao seu
aspecto simbólico. Com efeito, há furos “reais” que o determinam, como a presença de das Ding em
seu interior (cf. infra).
[64]
Enquanto identificada à Qn livre.
[65]
De fato, os dois autores sublinham o fato de que, da pulsão, nós conhecemos apenas seus
representantes, e de que, além disso, o único meio de acessá-los é através da linguagem.
[66]
Se o eixo SC1-SC2 é o eixo real, temos então que as Wahrnehmungszeichen são também da ordem
do real. De fato, não poderia ser de outro modo, já que estes traços de percepção permanecem
desarticulados da rede e, portanto, não assimilados pelo psiquismo. O fato de serem articulados em
Bahnungen é, em consequência, sinônimo do fato de serem assimilados pelo psiquismo.
[67]
Ora, desde que o único objetivo da pulsão é o de se satisfazer, o de chegar a uma descarga, temos a
conclusão de que toda pulsão é, na verdade, pulsão de morte. Se há um destino diferente para a pulsão
além daquele de uma descarga completa, de um retorno ao inanimado puro e simples, isto se deve a
esse desvio que se chama vida e ao simbólico, que se encarrega da organização das múltiplas e novas
vias de satisfação.
[68]
O que é exatamente o resultado da operação de ligação. Esta serve a reter energia (reduzindo os
efeitos nocivos, tornando-a estática) e a indicar o caminho mais conveniente que a energia deve seguir
para atingir a satisfação. A decisão sobre a “conveniência” destes caminhos permanecerá, em grande
parte, a cargo do eu, como veremos mais tarde.
[69]
Este conceito de “aprisionamento” de Q ativa no psiquismo é, sob muitos aspectos, complexo.
Como veremos mais tarde, nos será necessária a distinção entre dois tipos de Q no interior do aparelho
psíquico: a Qn ligada, estática, e uma Qn móvel, circulante. O problema é escapar da confusão com a
Qn “livre”, pulsional.
[70]
O acúmulo de Q implica um aumento da tensão interna, e a tensão interna é vista como
insatisfação, como uma moção que coloca o aparelho em movimento. A tensão é uma demanda ou
mesmo exigência de trabalho. Não é então uma mera coincidência que a definição de moção pulsional
seja precisamente essa: o que exige trabalho ao psiquismo e o coloca em movimento. O resultado é o
desejo que tenta ser satisfeito pelos objetos significantes.
[71]
O que pode ser feito seja através da compra de novas máquinas, seja através do aumento do número
de funcionários, etc. O mais importante a marcar neste caso, segundo a teoria marxista, é a necessidade
absoluta deste reinvestimento da mais-valia. É propriamente o que caracteriza o sistema capitalista.
Com efeito, se se leva mais adiante esta digressão, perceberemos que certas consequências inevitáveis
do capitalismo (as quais ajudariam a conduzi-lo a morte) — como as crises de superprodução — seriam
devidas a esse reinvestimento perpétuo. Segundo Marx, naturalmente.
[72]
A esse respeito, ver por exemplo Nasio, J.-D. Cinco Lições sobre a teoria de Jacques Lacan, p. 27,
onde ele diz justamente que o mais-de-gozar é o gozo que é retido no interior do sistema psíquico. Ele é
“mais” porque este gozo residual implica sempre um excedente, o que amplifica a tensão interna.
[73]
O objeto a pode ser assim definido através desta noção de ‘hiato’, já que é este ‘hiato’ ou
defasagem entre o objeto primeiro e os substitutos que faz com que o sujeito prolongue suas pesquisas
indefinidamente.
[74]
“Assim, o complexo do Nebenmensch se separa em duas partes, uma das quais se impõe por um
aparato constante que permanece unido como coisa — como Ding”. Cf. Lacan, L’Éthique, p. 64 e
também, Freud, Esquisse, p. 376; Projeto, pp. 80-81;.
[75]
Fremde, estranha, estrangeira. Cf. L’Éthique, pp. 64-65.
[76]
O termo criado por Lacan que dá conta dessa “duplicidade” de das Ding é o de extimo (ex-time),
quer dizer, das Ding está ao mesmo tempo dentro e fora do aparelho psíquico. “Pois das Ding está
justamente no centro no sentido de que ela está excluída. Ou seja, na realidade ela deve ser posta como
exterior” (L’Éthique, p. 87). Ela está dentro do aparelho psíquico na medida em que ela é registro
mnêmico da experiência de satisfação; ela está fora, excluída do aparelho psíquico na medida em que
ela é inassimilável à rede significante. É esse o sentido de “extimo”: um furo real na organização
simbólica do aparelho psíquico.
[77]
Como vimos, o conceito de real mais uma vez se define como aquilo que permanece inassimilável,
já que não articulado na e pela rede significante. Contudo, o fato de não ser assimilado (articulado) não
impede sua influência contínua e decisiva na constituição do psiquismo. Vemos então que as duas
delimitações do conceito de real guardam suas características comuns: o real é o que, mesmo sempre
ficando de fora, não cessa de se fazer inscrever, ainda que sempre de modo derivado e substitutivo.
[78]
“Das Ding é o que — no ponto inicial, lógica e cronologicamente, da organização do mundo no
psiquismo — se apresenta e se isola como o termo estrangeiro em torno do qual gira todo o movimento
da Vorstellung” (L’Éthique pp. 71-2).
[79]
Bem como as Objektvorstellungen e Wortvorstellungen.
[80]
Cf. Lacan, J., Le Séminaire, livre XXII, R.S.I., aula de 21/01/1975: “Se eu digo que a é o que causa
o desejo, isto quer dizer que ele não é o objeto. Ele é somente esta causa que causa sempre”.
[81]
Daí a famosa passagem: “o objeto da pulsão (…) é o que há de mais variável” (Pulsions et Destins
des Pulsions, p. 18-9).
[82]
Cf. Lacan, J., Le Séminaire, livre II, p. 125.
[83]
No sentido de que é através dos processos secundários que o sujeito vai procurar a satisfação.
[84]
Isto é, ser capaz de realizar ele mesmo a ação específica.
[85]
“Los dos principios del funcionamiento mental”, p. 495.
[86]
A ideia é a de que a consciência gera qualidade quando há percepção. É esta geração de qualidade
que é utilizada pelo eu como índice da presença de um objeto exterior, um índice de realidade, portanto.
É a partir daí que o aparelho psíquico pode distinguir entre o que é interno (as representações, os traços
mnêmicos) e o que é externo (as percepções e o real subjacente). Esta teoria é desenvolvida no Entwurf.
Resumamo-la: quando há percepção, os neurônios ϕ (PHI) transmitem seus períodos a ω (ÔMEGA),
que os interpreta como qualidade. Esta estimulação de ω por ϕ gera signos de qualidade em ψ (PSI), o
que indica a presença real de um objeto exterior. Portanto, estes signos de qualidade funcionam também
como signos de realidade. ϕ é o sistema de neurônios que serve à percepção. ω é o sistema onde
efetivamente a percepção se produz, com a geração de qualidade. É o sistema percepção-consciência. E
ψ é o sistema da memória, onde os eventos são registrados. É então em ψ que as ligações se vão formar
e também o eu.
[87]
Conjunto de neurônios, no vocabulário do Entwurf. Contudo, como já havíamos assinalado, os
neurônios na teoria apresentada no Entwurf servem principalmente à função de suporte das
representações, as quais não eram na origem senão traços reais e inarticulados de percepção
(Wahrnehmungszeichen). Isto quer dizer que a articulação dos neurônios em Bahnungen equivale à
articulação dos traços mnêmicos, cujo resultado é a cadeia significante. Desta forma, o eu pode
legitimamente ser pensado como um conjunto seja de neurônios, seja de traços mnêmicos, seja de
representações, constantemente investido e articulado. Todavia, após Lacan ter elaborado sua teoria do
significante, nos é muito mais útil pensá-lo preferencialmente como derivado da articulação de
representações, de significantes.
[88]
Ou ω, no vocabulário do Entwurf.
[89]
Há ainda um momento intermediário, entre o segundo e o terceiro, que é aquele quando a criança se
dá conta de que seu grito é não apenas a expressão motora de seu desconforto, mas que ele também
pode ter a função de chamar a atenção do outro. É o momento da mutação significante, tratada no
capítulo I.
[90]
Através do pensamento verbal, o eu pode criar estados de expectativas conscientes. Em percorrendo
as vias associativas ligadas ao objeto do desejo e vinculando-as às representações-palavra, o eu pode
permitir o acesso destas representações à consciência. Naturalmente, isto não pode acontecer senão ao
material que experimentou a retranscrição pré-consciente e que foi subsumido a suas leis.
[91]
Cf. Esquisse, pp. 340-4.
[92]
Relembrando: ϕ é o sistema de neurônios que serve à percepção, encarregado, portanto, de
recepcionar os dados provenientes dos sentidos. ω é o sistema percepção-consciência, encarregado da
geração de qualidade.
[93]
E isto vale tanto para o sujeito normal ou neurótico quanto para o sujeito psicótico.
[94]
Freud, S. “La perte de la réalité”, in: Les Psychoses, p. 131.
[95]
“L’Inconscient”, p. 109.
[96]
“La perte de la réalité”, p. 117.
[97]
“Complément métapsychologique”, p. 141.
[98]
“La perte de la réalité”, pp. 120-1.
[99]
De Georges, P.Leçons de Chose, p. 121.
[100]
Idem, ibidem.
[101]
“O que o recalcamento faz é operar uma cisão no universo simbólico do sujeito, em reduzindo
uma parte deste universo ao silêncio, em lhe recusando o acesso” às associações verbais e em
consequência “o acesso à consciência. Contudo, isto não destrói sua potência significante” (García-
Roza, L.-A. Introdução à Metapsicologia Freudiana 3, p. 176).
[102]
“… e que não é nada de outro nesta ocasião além da ameaça de castração”. Lacan, J. Le Séminaire,
livre III, Les Psychoses, p. 21.
[103]
“O recalcado está sempre lá e se exprime de uma forma perfeitamente articulada nos sintomas e
numa multidão de outros fenômenos” (Lacan, J., Les Psychosesp. 21). De fato, tanto os sintomas
quanto os chistes e os atos falhos têm claramente seu lado de articulação à cadeia significante. O que
não é de modo algum contraditório com o fato de que eles têm também seu lado real. Isto fica
demonstrado uma vez que as representações-palavra são retranscrições em cima das representações-
coisa, as quais não são mais do que representantes da satisfação pulsional (como havíamos explicado
no capítulo precedente). E, realmente, isto não poderia ser diferente, já que é precisamente seu lado real
que lhes permite causar distúrbios na ordem do discurso PCs.
[104]
“O nível das Vorstellungsrepräsentanzen é o lugar da Verdrängung. O nível das
Wortvorstellungen é o lugar da Verneinung” (L’Éthique, p. 78).
[105]
Assoun, P.-L. Introduction à la métapsychologie freudienne, op. cit., p. 107.
[106]
Freud, S. “La Negación”, p. 1134. Cf. também García-Roza, L.-A. Introdução à Metapsicologia
Freudiana 3, p. 282).
[107]
Cf. Freud, S. “Complément métapsychologique”, p. 141.
[108]
Contudo, a esse respeito, o recurso a Kant não nos faz senão orientar nossa atenção. Com efeito,
não será a partir dele que iremos examinar propriamente a questão da verdade, mas a partir de
Descartes. O que a remissão a Kant nos ajudará a fazer é a primeira demarcação entre a psicanálise e a
filosofia, no que concerne à inclusão ou exclusão do sujeito do inconsciente.
[109]
Acreditamos poder falar aqui legitimamente de uma “ontologia” . Uma vez que o psicótico crê
verdadeiramente na existência de seu delírio, podemos então dizer que seu mundo de coisas, de
“entidades”, é forçosamente diferente do mundo do neurótico. Além disso, as “regras” ou leis daquele
mundo são também diferentes umas das outras.
[110]
A oposição será, portanto, entre a verdade do sujeito e a verdade do Outro. Nós faremos equivaler
à verdade da ciência a verdade do Outro, apoiados na comparação que o próprio Lacan fez entre o
papel do Deus cartesiano e aquele do Outro, no que concerne à garantia da verdade.
[111]
Cf. L’Éthique, p. 68.
[**]
Relembramos aqui que a distinção entre um “real ‘interior’” e um “real ‘exterior’” é mera e
simplesmente de caráter didático. Feita essa importante ressalva, acreditamos que tal distinção conserva
sua utilidade. De fato, a dicotomia lançada entre interior e exterior, é uma dicotomia que tem lugar na
ordem simbólica. Ora, mas é precisamente na ordem simbólica que a diferença entre ciência e
psicanálise precisa e deve ser feita. Assim, tal dicotomia ou distinção vai apontar para os pontos de
ruptura entre uma e outra. Ao dizermos que a ciência é voltada para a “exterioridade”, para o que se
apresentaria, em princípio, a todo e qualquer olhar, indicamos assim sua preferência pelo que é passível
de prova intersubjetiva, pelo que é comum ao sujeito humano em geral. Inversamente, ao dizermos que
a psicanálise foca-se nessa “interioridade” (sempre entre aspas), chamamos a atenção para o fato de
que ela se preocupa com a particularidade, com o que é contingente e único em cada sujeito.
[112]
O noumenon. Por gosto da homogeneidade na discussão, utilizaremos daqui em diante “real” no
lugar de noumenon. Isto é autorizado pelo fato de que nós vamos defender justamente a ideia de que o
noumenon kantiano é equivalente ao real lacaniano enquanto “exterior” (capturado e recortado pelas
percepções, por exemplo, em oposição ao real “interior” de das Ding e das pulsões).
[113]
É interessante ver a palavra “Ding” na formação de um adjetivo muito importante na filosofia
kantiana, aquele de “unbedingt” (incondicional ou incondicionado). “Eine unbedingte Aktion” é
justamente uma ação que não é influenciada por nenhuma motivação patológica ou sensorial, nem
determinada por nenhum evento que a precedeu. É, ao contrário, ela que vai iniciar uma nova cadeia
causal. Assim, em si mesmo, um ato livre está fora do tempo, já que todos os eventos que têm lugar no
tempo devem submeter-se necessariamente à categoria de causalidade, o que implica ser determinado
por alguma coisa que o precedeu. É o paradoxo entre a liberdade e o determinismo, para o qual Kant
encontrou uma solução através de sua diferenciação entre o noumenon e o fenômeno, a coisa em si e a
coisa para nós.
[114]
Esta exposição da filosofia kantiana não tem nenhuma pretensão de ser completa. Ao contrário, ela
tem um caráter forçosamente ilustrativo, isto é, ela não serve senão a indicar alguns pontos de
aproximação e de afastamento entre Kant e Lacan.
[115]
Os juízos a priori são independentes da experiência, suas características principais sendo assim a
universalidade e a necessidade. Contrariamente, os juízos a posteriori são adquiridos através da
experiência, dos dados empíricos. Provindos da experiência, eles não podem ser senão contingentes.
Nós podemos vincular-lhes a probabilidade, mas jamais a necessidade. Isto é muito importante de se
manter em mente no que concerne à filosofia kantiana: a experiência não nos dá nada de universal ou
de necessário.
[116]
Categoria que estabelece que “todo efeito tem uma causa”. Este juízo é o protótipo de um juízo
sintético a priori. Ele é com efeito um juízo sintético, pois do conceito de “efeito” não é possível
deduzir aquele de “causa”, e ele é também a priori, pois jamais um juízo nascido da experiência nos
poderia dar necessidade ou universalidade. Todavia, é exatamente o que se passa com esse juízo, uma
vez que somos conduzidos a ordenar todos os fatos numa sequência causal, e não nos é possível
percebê-los diferentemente.
[117]
Segundo Kant, o fato de sermos capazes de juízos sintéticos a priori justifica nossa pretensão de
atingir um conhecimento seguro. Um conhecimento com limites, certamente, mas que pode ser
estendido com segurança desde que não se extrapole os poderes da razão, ao fazê-la, por exemplo,
trabalhar sozinha na tarefa de conhecer. Para conhecer, a razão deve recorrer às informações oferecidas
pela experiência sensível.
[118]
Com efeito, segundo Kant, um dos ideais da Razão é justamente o de estender a organização e a
determinação da experiência sensível tão longe quanto possível.
[119]
Isto é conforme ao fato de que, na raiz de todo processo representativo, há uma motivação
pulsional. Com efeito, vimos que as primeiras representações (representações-coisa, inconscientes)
tinham como substrato de sua formação as sensações corporais de dor e de satisfação, o que implica
que o corpo pulsional está na raiz mesma de todo processo de representação e, portanto, de
significação. Isto implica então que: (a) não há representação sem uma satisfação pulsional que lhe dê
ocasião de surgir; e, em consequência, (b) não há cadeia significante sem um sujeito que articule as
representações entre elas a partir da intervenção do Outro.
[120]
Uma verdade evanescente, aquela do sujeito, e uma outra eterna, aquela da ciência, ou, como o
veremos, aquela do Outro.
[121]
“Eu penso onde não sou. Eu sou onde não penso”.
[122]
Cf. Méditations métaphysiques, p. 14. Com efeito, no sonho, cremos experimentar coisas que não
correspondem ao que se passa na realidade (de vigília) e, entretanto, nós lhes vinculamos a mesma
crença que aos eventos que se experimentam na vigília. Ora, poderia ser que a vida inteira não passasse
de um sonho contínuo e que, portanto, tudo aquilo que acreditássemos conhecer por seu intermédio não
se mostrasse senão ilusões.
[123]
Méditations métaphysiques, p. 15-17.
[124]
Méditations, p. 19; Discours de la Méthode, p. 27.
[125]
Efetivamente, comentadores como Alquié defendem a ideia de que a formulação do cogito nas
Méditations põe a verdade da existência diretamente a partir da dúvida (cf. Alquié, F. La découverte
métaphysique de l’homme chez Descartes, pp. 185-186).
[126]
Desta vez sobre bases seguras, segundo Descartes.
[127]
Méditations, p. 38.
[128]
Já que a memória se mostrou em outras ocasiões enganadora.
[129]
A perfeição de Deus é importante em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, é a partir de
sua perfeição que Descartes “demonstrará” Sua existência. O argumento, em linhas gerais, é o seguinte:
(a) eu tenho a ideia de perfeição, de infinito; (b) é um fato que a causa deve ter ao menos tanto efeito
que a consequência, isto é, o efeito não pode ser maior na consequência do que na causa (por exemplo,
um bola de bilhar A, de velocidade x, não pode dar a uma outra bola de bilhar B um impulso tal que a
velocidade de B ultrapasse a velocidade original de A — sem uma força extra concorrente, bem
entendido). Ora, eu sou, sem nenhuma dúvida, finito e imperfeito. Portanto, eu não poderia ser a fonte
da ideia de infinito, de perfeição, tal como ela se apresenta na minha mente. Conclusão, deve existir, de
fato, um ser supremo, perfeito e infinito, capaz de imprimir tal ideia no meu espírito. Em segundo
lugar, a perfeição de Deus inclui sua bondade, o que exclui a possibilidade de um Gênio Maligno e
enganador.
[130]
É interessante notar que Descartes não se contenta em fazer de Deus o garante das verdades. É
preciso ainda desculpá-lo de nossos erros. Estes são explicados pelo fato de que o homem tem uma
vontade maior do que seu entendimento. Assim, todas as vezes que o sujeito proferir juízos sobre um
domínio qualquer de que ele não tem saber ou ciência, o erro é um resultado certo.
[131]
Cf. Méditations, p. 38, onde Descartes diz justamente que é Deus que garante o fato de que todas
as coisas que concebemos clara e distintamente são verdadeiras. E Ele pode garanti-lo porque ele é um
ser perfeito (e portanto bom).
[132]
“Perfeita” no sentido de que o primeiro movimento do cogito é um movimento de separação, com
o surgimento da verdade do sujeito, e o segundo um movimento de alienação, com a respectiva
reinserção nas leis do Outro. Em Lacan, ao contrário, o processo de alienação vem em primeiro lugar.
Uma outra observação: não ignoramos que o processo de alienação faz referência antes à filosofia
hegeliana do que à cartesiana. Contudo, isto não invalida nossa tentativa de mostrar a oposição entre a
verdade do sujeito e a verdade do Outro a partir da comparação com a filosofia cartesiana. A filosofia
hegeliana é útil sobretudo para esclarecer a questão do reconhecimento e da implicação do Outro no
desejo do sujeito.
[133]
Poder-se-iam resumir assim as conclusões: “(1) nada de certeza sem engano; (2) nada de “eu
penso” sem uma suspensão de todo saber. Está aí a disjunção do saber e da verdade; (3) pontualidade
deste sujeito no tempo e necessário evanescimento do mesmo” (cf. Cottet, S. “Je pense où je ne suis
pas, je suis où je ne pense pas”, in: Lacan, p. 20).
[134]
Uma das definições do objeto a, como nós o vimos no capítulo I.
[135]
Lacan, Le Séminaire, livre IV, La relation d’objet, p. 189.
[136]
L’Éthique, p. 42.
[137]
A demanda de satisfação se transformará mais tarde em demanda de amor.
[138]
Lacan, J. La relation d’objet, p. 182.
[139]
É neste sentido que Miller diz que o verdadeiro significante primeiro é S2, já que ele precede
logicamente a constituição de S1. Isto quer dizer que S1 não é significante senão por causa de S2. “O S2
é o significante da resposta. É S2 que opera a transformação do grito em apelo e que, a este respeito, faz
emergir um sujeito lá onde originalmente era apenas uma ausência” (Insigne, aula de 07/01/1987).
[140]
Em Freud também, a dimensão do significante, do sentido, pertence ao território da articulação
entre as representações. Ver capítulo I.
[141]
O processo de alienação consiste precisamente em que o sujeito se faça representar por um
significante para outros significantes. A chave está na preposição “para”, preposição que indica o
assujeitamento às leis do Outro.
[142]
Lacan, J. Les Quatre Concepts, p. 236.
[143]
Insigne, aula de 28/01/87. É neste sentido que se pode considerar, sem contradição, que o conjunto
do sujeito é vazio ao mesmo tempo em que ele se refere ao organismo enquanto vivo. Isto quer dizer
que o organismo vivo, antes da entrada no simbólico, está do lado do real, e o real não se presta a
formar um conjunto. Um conjunto é uma formação já simbólica. É necessário haver elementos distintos
que estão dentro e outros que estão fora (já que é preciso ao menos um elemento fora para que haja um
conjunto). Desta forma, antes da união com o conjunto do Outro, o conjunto do sujeito era vazio, não
podendo conter nenhum elemento destacável que se pudesse opor a outros elementos.
[144]
Em uma palavra, o significante é a primeira substância. Segundo a teoria de Lacan, somos
conduzidos a concluir que a substância, o ser, está do lado do significante, e não do lado do sujeito (o
que corrobora nossa leitura de Descartes, a qual estabelece que não é senão no tempo dois do cogito
que há a petrificação do sujeito em uma substância, a saber, quando Descartes determina que a essência
do meu ser é o pensamento (articulado). O segundo tempo é, portanto, o tempo da alienação, tempo da
desaparição do sujeito enquanto tal.
[145]
Realmente, a oposição presença-ausência é possivelmente a oposição mais importante da ordem
simbólica. Com efeito, é graças a esta distinção que a criança passa da ordem da necessidade àquela da
demanda. Se a mãe não se ausentasse jamais, não haveria chance para que a criança começasse a
desejar, a conceber algo como faltante.
[146]
Este mesmo resultado poderia ser atingido por uma outra via, a saber, por intermédio dos termos
freudianos. Com efeito, o resultado da captura do real, do pulsional, indiferenciado e desordenado, é a
própria construção de Bahnungen, cuja articulação em rede equivale à cadeia significante. Ou seja, aqui
como lá, há, como resultado da imposição de uma estrutura determinada ao real, a produção de sentido.
De fato, ser é sobretudo ser nomeado, ser distinguido, ser posto como diferente de uma outra coisa
qualquer. Assim, em Freud, a produção de sentido vem como produto da articulação das
representações; em Lacan, a produção do sentido vem como resultado da articulação dos significantes.
[147]
Les quatre concepts, p. 235. Conclusão que já havia sido sugerida na ocasião do exame da
filosofia de Descartes: quando ele passa ao tempo dois do cogito, ele apaga ao mesmo tempo a verdade
primeira do sujeito, seu caráter evanescente e puramente existencial.
[148]
Descartes também atinge a verdade primeira do cogito através de uma escolha do sentido. Com
efeito, é a partir da decisão de duvidar que o edifício do conhecimento pode ruir e dar ocasião à
aparição do cogito na sua primeira formulação. Contudo, contrariamente a Lacan, o que Descartes
procura, a verdade, é justamente o movimento de alienação, movimento em direção à garantia do
Outro.
[149]
Cf. Lacan, J. Le Séminaire, livre XIV, La logique du fantasme, aulas de 14/12/1966; 11/01/1967,
inédito. Como já havíamos observado, “pensar” é utilizado aqui no sentido da articulação significante
entre S1-S2. Isto respeita também o texto freudiano, para quem pensar era sobretudo articular as
representações. Assim, “eu sou onde eu não articulo” equivale a “S1, quando separado de S2, desvela
$”. Mas se a desaparição do sujeito é condicionada à articulação de S1 e S2, isto quer dizer que S1
sozinho não basta para apagar $, o que parece contradizer o que foi dito algumas linhas acima. Este
paradoxo será resolvido a partir da noção de separação, que dá um estatuto especial à condição de S1
sozinho, não articulado a S2.
[150]
Insigne, aula 12/11/1986.
[151]
A noção de reconhecimento é, com efeito, essencial. Ela implica a ideia de um pacto, de um
consenso ao redor de alguns princípios ou leis, que devem ser obedecidos.
[152]
Insigne, aula de 21/01/87.
[153]
Este “tornar-se pequeno a” é propriamente o que Lacan elaborou sob a noção de “travessia do
fantasma”.
[154]
Cf. Lacan, J. La logique du fantasme, aula de 18/01/67. Ver também o último capítulo, sobre o
processo de alienação.
[155]
Leia-se: sujeito barrado punção de pequeno a.
[156]
Sobre esse laço entre desejo, realidade e fantasma, ver, por exemplo, La logique du fantasme: “O
que carrega o fantasma tem dois nomes que concernem uma só e mesma substância: desejo, realidade”.
“O desejo é a essência da realidade”. “A realidade (...) é o prêt-à-porter do fantasma” (aula de
16/11/66).
[157]
De Georges, P.Leçons de Chose, p. 157.
[158]
“A realidade inteira não é nada de outro que uma montagem do simbólico e do imaginário” (La
logique du fantasme, aula de 16/11/66).
[159]
Este duplo aspecto (imaginário e real) do objeto a justifica-se, de uma parte, pelo fato de que todos
os objetos que pretendem assumir o lugar do objeto faltante desempenham um papel de suplência e
portanto um papel imaginário de preenchimento. De outra parte, o aspecto real do objeto a torna-se
evidente quando é lembrada sua definição enquanto mais-de-gozar, quer dizer, enquanto resto
inassimilável e entretanto ativo no psiquismo.
[160]
Pois o objeto do fantasma é, num certo sentido, também o objeto da pulsão, o objeto a. Entretanto,
o objeto do fantasma não coincide totalmente com aquele da pulsão, já que o objeto da pulsão não deve
ser confundido com as formações imaginárias do fantasma. O objeto pulsional deve ser abordado antes
do lado do prazer da boca, do que do lado do seio imaginário que o suscita.
[161]
O que é perfeitamente compatível com a doutrina freudiana, pois, para Freud, a realidade inclui
sempre o discurso da ordem educativa e da ordem social.
[162]
Isso quer dizer que o eu vai substituir a realidade intolerável colhendo no mundo fantasmático o
material que suas novas formações de desejo exigem. (Freud, S, “Névrose et Psychose”, in: Les
Psychoses, p. 131).
[163]
L’Éthique, p. 113.