Você está na página 1de 2

Num post, falei das visões de um corpo no chão.

Jan Moura, da Confraria dos Atores, grupo


teatral de pesquisa de Cuiabá, comentou o tema, lembrando o treinamento corporal de
Eugenio Barba, mestre das composições que perfazem uma corporeidade exra-cotidiana.
Coisas que são próximas e distantes. Atravessando a questão, volto à visão daquele post,
em busca do corpo anômalo:

PARA UM TEATRO FÍSICO, PÓS-DRAMÁTICO E EXPERIMENTAL, NÃO


COMPORTA MAIS A DISTINÇÃO ENTRE UM CORPO COTIDIANO E UM CORPO
EXTRA-COTIDIANO, de tal modo que este último estaria somente do lado do que se
poderia chamar de corpo-artista, para usar o termo criado por Christine Greiner (2005) para
designar uma experiência em criação estética.

Um corpo artista possui habilidades ou treinamentos que o sustentam como tal. Porém, os
teatros pós-dramáticos, quando introduzem o real na cena (tudo aquilo que foi excluído do
campo da percepção pelo teatro de ilusão), validaram as corporeidades não-artistas (não
treinadas numa disciplina artística). Tal corpo pode entrar em estados singulares e
anômalos. Dito de outro jeito: há corpos não-artistas em estado de poesia.

Assim como os pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari dizem que “a arte não espera o
homem para começar, podendo-se até mesmo perguntar se ela aparece ao homem só em
condições tardias e artificiais”, também pode-se dizer que a arte não espera o ofício da arte.
A arte contemporânea não cessa de trazer à tona experiências corpóreas não restritas ao
corpo artista, tomando este como habilitado pelos ofícios e treinamentos. Ou seja, outros
corpos podem entrar na cena por uma via estética, isto é, em criação.

Busco obsessivamente a observação daquilo que chamo de corpóreo anômalo, na trilha


apontada por outro pensador, José Gil, numa apropriação do conceito de anômalo em
Deleuze e Guattari (1997,b).

SÃO CORPOREIDADES OUTRAS, QUE O TEATRO DE REPRESENTAÇÃO NÃO


PODE CONCEBER. Não porque seja pior ou melhor que um teatro não-representacional.
Mas em função de cada um criar a sua própria paisagem. Você dirá: pode um teatro não ser
uma representação? Teatro-fábrica em oposição ao teatro-interioridade: é essa distinção que
se deve fazer, apesar das coisas serem, sempre, passíveis de todas as misturas.

O ANÔMALO NÃO É UMA CATEGORIA NEM DE INDIVÍDUO E NEM DE


ESPÉCIE. E também não se diz do anormal, mas antes do desigual (DELEUZE e
GUATTARI, 1997). Esses pensadores o conectam à multiplicidade e ao corpo atravessado
por afectos: “é um fenômeno, mas um fenômeno de borda”.

A questão passa a ser: como um corpo-artista pode produzir uma corporeidade anômala?
Que treinamentos? Por enquanto, somente uma resposta: que o corpo não seja, na cena,
apenas um significante para um significado ulterior. Arrisco uma pista: um corpo que
produz seus próprios experimentos de esvaziamento de todos sentido que seja prévio. E isso
não quer dizer neutralidade. Vale a pena ler Deleuze e Guattari sobre o CsO, o Corpo sem
Órgãos.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. E GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4.
Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997.
GIL, José. GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. Tradução de Miguel Serras
Pereira. São Paulo: Iluminuras, 2005.
GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Anna Blume,
2005.
DRAMATURGY BEYOND REPRESENTATION:TEXTS, BODIES, SPACES IN
CONTEMPORARY EUROPEAN THEATRE

Você também pode gostar