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DIREITO PROCESSUAL PENAL II

APONTAMENTOS PRÁTICOS
2.º SEMESTRE
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Os seguintes apontamentos teóricos foram disponibilizados pelas estudantes


Andreia Vidal, Patrícia Ribeiro e Tânia Lima no âmbito da disciplina de Direito
Processual Penal II e das aulas lecionadas pela Professora Doutora Sandra Maria
Oliveira e Silva.
Enquanto material auxiliar ao estudo, estes apontamentos não dispensam a
consulta da bibliografia obrigatória, indicada no SIGARRA.

Qualquer dúvida, sugestão ou correção poderá ser submetida em:


cc4fdup2122@gmail.com

Bons estudos!

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

CASO N.º 1

Quando levantava dinheiro numa caixa multibanco, A foi assaltado por um


desconhecido que lhe levou o dinheiro, a carteira e o telemóvel. Um mês depois, o
telemóvel foi localizado na posse de C. C negou a autoria do roubo, explicando que
comprara o telemóvel em segunda mão numa plataforma de vendas da internet.
Não indicou quaisquer provas em inquérito, não requereu abertura de instrução e
não deduziu contestação no momento próprio.

Em julgamento, A e a sua namorada B, que o acompanhava à data dos


factos, reconheceram C como o agente do crime. O defensor do arguido requereu
então a notificação da instituição bancária para que juntasse aos autos cópia da
gravação efetuada pela câmara de videovigilância do multibanco, mas o juiz
indeferiu o requerimento com os seguintes fundamentos:

1.º - O arguido não requereu a produção daquele meio de prova durante o


inquérito e nem na contestação – que não deduziu –, sendo o seu requerimento,
portanto, intempestivo;

2.º - As declarações do ofendido e da testemunha indicada pelo MP são prova


suficiente da autoria.

3.º - O prazo legal de conservação das gravações já se esgotou, razão pela qual a
diligência se afigura inócua.

Comente.

O artigo 340.º CPC está na secção relativa à Audiência de Julgamento, pelo que
é este que se aplica ao caso, sendo este um artigo de natureza epistemológica.

▪ Quanto ao 1º fundamento: por força do nº1 pode sempre adicionar prova se


considerar relevante para a descoberta da verdade, mesmo que oficiosamente
(princípio da investigação). Neste sentido, não se preclude. Mas em que sede é
que se exerce a defesa do arguido? Pode defender-se durante o inquérito, mas
não tem o dever de o fazer, isto porque a produção de prova no inquérito não é
sujeita a contraditório, sendo que a investigação feita durante este é com o
intuito de tentar perceber se há fundamento para sujeitar a pessoa a julgamento
ou não, sendo o julgamento a fase nuclear do processo penal, sendo aí que se
exerce a defesa do arguido sujeita ao princípio do contraditório. Assim sendo,

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até pela natureza do inquérito se justifica que o arguido possa requerer a


produção de tal meio de prova. A contestação é o momento para a indicação da
prova, mas mesmo não tendo aí sido indicada pode ser requerida oficiosamente.
Na versão anterior temos o artigo 340.º/4 alínea a) que sublinhava a função da
contestação (mas este deve ser lido juntamente com o nº1), mas com a nova
alteração esta alínea a) desapareceu. Ou seja, o argumento na 1º parte não colhe,
mas quanto à questão da contestação tem alguma razão. Mas isso não impede o
juiz de, se achar que a prova é necessária à descoberta da verdade, a juntar nos
termos do nº1.
▪ Quanto ao 2º fundamento: se se tiver seguido o formalismo do artigo 147.º do
CPP pode ser atendido como prova. Se não tiver seguido não vale como meio de
prova, nem sequer se pode dizer que houve reconhecimento porque é ilegal. As
imagens das camaras são sem dúvida uteis e pertinentes para o caso, estando
assim a relevância em abstrato preenchida. Para além disso, temos de verificar se
a relevância em concreto se encontra preenchida. Para isso, temos de ver se a
prova é necessária e não é supérflua, pois quando no enunciado já temos dados
em suficientes, certas provas já não vão acrescentar informação necessária à
descoberta da verdade. Neste caso em concreto, o juiz diz que as declarações do
ofendido e da testemunha são prova suficiente pois reconheceram o C como
autor do roubo. As imagens da câmara de vigilância podem ser admissíveis uma
vez que o reconhecimento de um individuo poderia ser importante numa
perspetiva do MP. Quando se destina a infirmar, não se pode dizer que a prova é
supérflua, ou seja, a prova sob reconhecimento não tem eficácia probatória
plena, pelo que se admitem outros meios de prova.
▪ Quanto ao 3º fundamento: o prazo é de 30 dias, nos termos da lei nº 46/2019. O
prazo legal de declaração é de 30 dias, passados esses 30 dias há uma obrigação
de destruição de imagens. Ao conservar as declarações mais do que o tempo
permitido, pode incorrer em contraordenação. Se seguíssemos de facto as regras
legais, diríamos isto. Contudo, podemos ser sensíveis à situação e perceber se, se
as declarações existirem, então poderíamos admitir na prática.

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CASO N.º 2

O Código de Processo Penal estabelece, nos artigos 147.º e 148.º,


respetivamente, o formalismo a que está sujeito o reconhecimento de pessoas e de
objetos.

Analise o referido regime e discuta se serão legítimas as atuações oficiais


que a seguir se descreve:

a) A e a sua namorada, B, caminhavam junto à Foz do Douro quando foram


abordados por dois jovens, que desconheciam, e que lhes pediram os
telemóveis e as carteiras, sob ameaça de uma navalha. A polícia recebeu a
queixa e pediu-lhes que procurassem descobrir a identidade dos autores do
roubo pesquisando nas redes sociais. A descobriu C, que se aparentava com
as pessoas que o haviam abordado e indicou-o à polícia, que procedeu, a
seguir, ao reconhecimento como prescrito no artigo 147.º

A pessoa vai reconhecer quem procurou nas redes sociais se for apresentada uma
foto. Por a pessoa a procurar ativamente nas redes sociais pode oferecer uma garantia de
fidedignidade muito menor. O reconhecimento fotográfico não é procurar na internet,
mas sim pedir as características ao sujeito e, depois, mostrar fotografias de pessoas
parecidas.

Não é proibido fazer a pergunta e pode servir para saber se se pode acreditar. Mas
não se pode perguntar, para que a resposta valha como prova de reconhecimento.

b) Ao aproximar-se do seu automóvel, A viu uma pessoa, que lhe pareceu ser
do sexo masculino, a forçar o fecho da porta do condutor. Nada mais viu,
porque a pessoa em causa fugiu rapidamente por uma rua esconsa. No local
havia câmaras de vigilância, que captaram o rosto do autor da tentativa de
furto e permitiram identificar B. Não foi feito o reconhecimento a que se
refere o artigo 147.º. Em julgamento, durante a inquirição de A, o juiz
perguntou-lhe se reconhecia o arguido, ali presente, como o autor do furto
tentado.

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O proibido não é fazer a pergunta, uma vez que esta até pode ajudar para que se
possa acreditar. O que não se pode é perguntar para que a resposta valha como prova de
reconhecimento.

No reconhecimento há duas etapas e, uma delas, é descritiva, em que se descreve a


pessoa que poderá ser o sujeito, tendo em conta que pode ou não ser cabal. Por
exemplo, há um suspeito louro, com 180 cm, 25 anos. A polícia está convencida que
aquela pessoa é o sujeito autor do facto. Se a pessoa diz que acha que o autor dos factos
tem 160 cm e 50 anos, aí é cabal pela negativa, mas se as semelhanças forem muito
grandes, segue-se na mesma para a segunda fase. Pode não se seguir quando haja um
traço muito característico no sujeito como uma cicatriz no rosto com 2 metros. Aqui, no
limite, seria dispensável a 2ª fase.

Agora, quando a pessoa nada viu ou pouco viu, pode ser irrelevante fazer prova por
reconhecimento.

A prova por reconhecimento não é única, as câmaras de vigilância podem ser outro
meio, pelo que a polícia fez bem em procurar as câmaras de vigilância.

c) A foi agredido, à saída da discoteca, por antigo colega de trabalho com


quem se incompatibilizara. Não se lembrava já do nome completo do antigo
colega, mas apenas da alcunha. Feitas algumas diligências, foi identificado
B como possível autor dos factos. O magistrado do MP responsável pela
investigação chamou A, perguntando-lhe se tinha sido B a agredi-lo.

Há dúvida sobre a identidade do autor dos factos? Não, apenas sobre os


elementos de identificação daquele. Portanto, fazer uma prova por reconhecimento não
seria necessária já que a pessoa está convencida, ainda que em erro, que foi um antigo
colega de trabalho que o agrediu, logo quando fizer o reconhecimento vai identificá-lo a
ele. Portanto, não sendo necessária a prova por reconhecimento, a pergunta não é
ilegítima.

d) Na investigação de um homicídio, a testemunha A referiu que o homicida


envergava um sobretudo castanho de determinada marca muito conhecida,
que referiu. Esse sobretudo, notou a testemunha, apresentava um rasgão na
manga direita. Em buscas à casa de B, foi encontrado um sobretudo que

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correspondia à descrição feita pela testemunha A, que foi chamada à


esquadra da polícia e pergunta sobre se aquele era o sobretudo que havia
visto.

Se nós quisermos dar como provado que era o mesmo sobretudo, a lei exige que
se faça o reconhecimento em termos paralelos ao feito para o reconhecimento de
pessoas. Caso nos bastássemos com o facto de que é um sobretudo parecido, que
corresponde aos elementos descritos, não é necessário esse reconhecimento. Mas
trata-se, note-se, sempre de um mero indício, aquele primeiro mais forte e este segundo
menos.

CASO N.º 3

A, que está a ser julgado por três crimes de abuso de confiança qualificado,
pede a suspensão do processo, alegando sofrer de Alzheimer e estar, por isso,
impedido de exercer com propriedade a sua defesa. Como deverá proceder o
tribunal?

A lei diz que a perícia psiquiátrica é obrigatória, não se podendo substituir por
outro meio de prova. Mas a lei, para a perícia psiquiátrica na questão da
inimputabilidade, diz que a prova pericial é obrigatória quando a apreciação/valoração
de certos factos é necessária.

Não há normas nem critérios sobre a questão da incapacidade processual. Há 2


ou 3 normais no CPP, mas não respondem à questão. A Professora entende que numa
situação de grave incapacidade, que é continua, mas em que se pode traçar uma
fronteira em que já sabemos que a pessoa não consegue sequer comunicar com a defesa.
De todo o modo, há casos claros, como alguém que está em coma.

Nestes casos pode ser necessária a prova pericial. Quando está em causa uma
doença mental, fazendo apelo a conhecimentos científicos, assim o meio de prova de
que se pode socorrer é a perícia. Temos que perguntar ao perito se a incapacidade está
preenchida ou não. Parece que, definido o critério primeiro, o juiz deverá ordenar prova
pericial.

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CASO N.º 4

Chamada ao local de um homicídio, a PJ foi abordada por A, marido da vítima,


que afirmou ter sido ele o autor do crime e se dispôs a contar mais pormenores
sobre a forma como as coisas sucederam. Àquela hora, não havia nenhum
magistrado do MP ou JIC de turno para sujeitar o suspeito a interrogatório, nos
termos previstos no artigo 141.º. Uma vez que as declarações prestadas perante a
polícia não podem ser valoradas em audiência (cf. art. 357.º, n.º 1, al. b), a
contrario), os inspetores da PJ decidiram realizar uma reconstituição do facto (art.
150.º). Poderá este elemento de prova ser valorado em julgamento?

O artigo 357.º nº1 alínea b) do CPP prevê que as declarações anteriormente


prestadas pelo arguido, só podem ser reproduzidas quando feitas perante autoridade
judiciária com assistência de defensor ou o arguido tenha sido informado. Uma coisa é a
prova poder ser aproveitada no inquérito, outra é poderem ser aproveitadas em
audiência de julgamento por não cumprirem os requisitos deste artigo. Ora, agora
estamos a discutir um meio de prova que eventualmente até pode ser valorado no
inquérito, mas a questão está em saber se o poderá ser em audiência de julgamento.
Aquela gravação, reconstituição de facto pode ou não ser aproveitada?

Nos termos do artigo 150.º do CPP, a reconstituição do facto serve para


comprovar a verisimilhança de um determinado enunciado factual, para verificar se as
coisas poderiam ter acontecido assim. Aqui o que a PJ queria era cristalizar as
declarações dadas pelo arguido porque, caso contrário, posteriormente poderia não ter
essa disponibilidade para confessar.

O que se quis foi, portanto, contornar as formalidades que a lei impõe que se
cumpram em interrogatório, para que as declarações possam valer em julgamento, nos
termos daquele primeiro artigo enunciado. Ora, se se permitir-se que se usasse a
reconstituição de facto como interrogatório, no fundo, seria defraudar a lei, pelo que não
poderia ser valorada em julgamento. É a tal ideia da não fungibilidade, em que não se
pode usar um meio de prova com uma determinada finalidade justificativa de um
determinado formalismo para obter a finalidade prevista para outro meio de prova.

Bem, em sede de inquérito, tendo existido consentimento do arguido e uma vez


que os formalismos seriam idênticos aos dos artigos 141.º a 144.º do CPP, não parece
que se justifique a proibição da sua valoração.

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CASO N.º 5

A, suspeito de vários crimes de burla, foi notificado para ser ouvido como
arguido pela PSP. Nos minutos que antecederam o interrogatório, B, agente da
PSP das relações de A, convidou-o para tomar um café e fumar um cigarro e
perguntou-lhe o que se passava. Estas declarações, que não seguem os formalismos
dos artigos 141.º e 144.º, podem ser consideradas como prova para, no inquérito,
de decidir sobre a medida de coação a aplicar a A?

Podem aproveitar-se as informações que o arguido prestou numa conversa com o


agente da PSP sob pretexto de se tratar de uma prova atípica ou não? É verdade que nos
termos do artigo 125.º CPP podem existir provas atípicas, mas estas têm limites. Ora,
neste caso não foram respeitados os formalismos que o legislador expressamente previu
com o propósito de garantir a liberdade de declaração do arguido, formalismos estes que
não podem ser desrespeitados sob pretexto de se tratar de uma prova atípica, porque isso
seria defraudar a intenção do legislador e aquela tutela garantistica.

Conclui-se, portanto, que estas “conversas informais” não podem ser valoradas
de todo, nem em sede de inquérito nem em sede de audiência de julgamento, uma vez
que não preenchem os formalismos dos artigos 141.º e 144.º do CPP e,
consequentemente, do artigo 357.º do CPP.

CASO N.º 5

No decurso de uma busca regularmente ordenada à residência de A, sobre quem


recaía a suspeita de se encontrar a preparar um atentado terrorista, foram
encontrados e apreendidos os seguintes objetos:

a) um caderno com a inscrição “Diário” na capa, onde A anotou, na 1.ª


página, endereços de sites onde podiam encontrar-se vídeos e outras
informações sobre massacres em escolas e, na 3.ª página, o esboço do plano
criminoso que alegadamente pretendia levar a cabo no dia seguinte;
b) vários papéis manuscritos colocados entre os livros numa estante, entre eles
uma carta nunca enviada (e que não se destinava a sê-lo porque era dirigida
aos avós entretanto falecidos), em que o arguido relatava as suas vivências

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durante a infância, a dificuldade de se relacionar com outras crianças e as


saudades de estar com eles, por quem se sentia amado e acarinhado.

Diga se e em que termos poderão ser valorados como prova os elementos


recolhidos.

A polícia faz uma busca, que é regular e os documentos foram bem apreendidos,
logo não há proibição de produção, mas a informação tem natureza privada, assim pode
haver uma proibição de valoração. Há uma proibição de valoração independente de
acordo com direito alemão? Isto é, ela resulta de um atentado a direitos fundamentais –
reserva da vida privada. Quando contende com provas de valoração privadas, pode ter
haver com a valoração independente e não com a ponderação, antes de chegar à
ponderação temos de ver a valoração, aqui tem de se ver se há interesses de privacidade
ou não, se houver não pode haver ponderação. Para fazer a ponderação temos de ver se
o crime é mais grave ou menos grave. Se, por fim, a informação for mais reportada à
camada interior pode valorar-se, sendo que isto é o que defende o tribunal alemão.

Este diário era da camada intermédia, mas era de valorar, pois tinha relevância
para a o caso. Temos de compaginar a vontade de reserva com o interesse de reserva.

Relativamente aos documentos da alínea b), do ponto de vista do interesse da


reserva temos de ver se há uma justificação acrescida e se é razoável atribuir esta tutela
da vida íntima, porque era necessário que houvesse uma razão, não bastava que se
quisesse esta proteção. Isto será em princípio matéria da vida íntima, não sujeita a
ponderação. Se considerássemos da vida privada tínhamos de fazer a ponderação, aqui
mostra que provavelmente não haveria interesse porque não é por dizer que quer ser
rico, que se pode associar à droga. Ainda que entendêssemos que era da esfera da vida
privada e não íntima, tínhamos de ter a perspetiva, a gravidade e o relevo da
informação, que neste caso era frágil. Pois só com muita criatividade é que ia servir para
alguma coisa e assim sendo não seria de não valorar.

CASO N.º 6

A foi morto a tiro no interior do seu apartamento em Lisboa e as suspeitas


recaíram sobre B, com quem a vítima mantinha uma relação conflituosa por causa
de partilhas. Logo no dia seguinte, o MP ordenou uma busca à residência do

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suspeito, em Sintra, para serem localizadas e apreendidas as roupas usadas no dia


dos factos, a arma do crime e quaisquer objetos que pudessem estar com ele
relacionados e servir como prova. Encontraram-se apenas as roupas, que foram
mais tarde examinadas e revelaram vestígios de pólvora.

Confrontado com os mandados, B não se tinha oposto à realização da busca,


mas na semana seguinte o seu defensor alegou perante o JIC que a busca tinha sido
realizada sem autorização judicial, circunstância que configurava uma proibição
de prova e tornava inutilizáveis os resultados do exame às roupas. O MP contrapôs
que a falta de despacho judicial gerava apenas uma nulidade sanável, vício que
deveria ter sido arguido no decurso do próprio ato e que em todo o caso não se
comunicava às provas derivadas.

Diga, justificando, quem tem razão.

Temos duas posições a do MP que diz que o vicio é de nulidade processual


típica, pois a lei fala de nulidades e a do arguido (B) que diz que estamos perante uma
proibição de prova que atinge não só a prova primária, como o resultado do exame às
roupas que ulteriormente foi feito. Quem tem razão? Quem ordenou esta busca? Foi o
MP, o vicio estará na circunstância de ter sido feita uma busca com um mandato feito
pelo MP. As buscas domiciliarias têm de ser feitas mediante autorização (artigo 177.º
nº1 CPP) e a violação disso tem a consequência da nulidade.

Há uma formalidade que a lei prescreve que é o mandato judicial e essa


formalidade não foi cumprida, a questão que se coloca é saber qual a consequência que
emerge do desrespeito dessa formalidade? Neste caso não temos de ver as teorias do
direito alemão, pois o legislador português ajuda um pouco mais, porque quando existe
um vicio estabelece uma consequência e aqui também, diz que é nulidade. Resta saber
se é mesmo nulidade ou uma proibição de prova. A proibição de prova tem como
consequência a proibição da valoração de prova. Aqui vai depender se é o facto de estar
em causa direitos fundamentais ou não, sendo que por isso é o critério material que se
tem de usar. O critério terminológico não ajuda e o critério logico do objeto também
não, pois se seguir o artigo 177.º nº 2, alínea d) do CPP, as buscas até durante a noite
devem ser com consentimento do visado. Se houver consentimento do visado a busca é
valida. Para além disso, também não podemos usar o critério da disponibilidade do
objeto, sendo que se aplicássemos este critério estávamos perante uma invalidade.

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Porém, este critério não serve, pois segundo o 126o/3 CPP a invalidade está relacionada
com o objeto e com as invalidades sanáveis. O critério que releva é o material de
obrigação à CRP, aos direitos fundamentais.

Aqui verifica-se os critérios de entrada no domicílio ou não? Sim, porque temos


o direito à inviolabilidade do domicílio, segundo o qual pode haver esta prova, mas tem
limite no 34.º nº2 CRP. Se a norma que concretiza esses limites constitucionais é
violada ultrapassa-se a margem de risco que a CRP criou e temos uma proibição de
prova. Mas pode acontecer que sejam violadas outras formalidades.

Vamos imaginar que foi outra a formalidade violada, por exemplo uma das
formalidades do 136.º do CPP. Aqui a consequência é uma invalidade processual típica,
porque se trata de formalidades que não são da CRP, são outras que ficam ao critério do
legislador, não sendo impostas pela CRP. Se nada se disser é uma mera irregularidade.

Portanto no caso, quem tem razão, em princípio, é o defensor. Mas no segundo


paragrafo do enunciado, diz que B não se opôs à busca. Se tivesse havido
consentimento de B prévio à busca, a autorização era dispensável. Mas será esta não
oposição consentimento ou não? O legislador exige que o consentimento tem de ficar
documentado de qualquer forma, isto é, tem de haver consentimento expresso
documentado. Assim sendo, neste caso não há consentimento, pois este não foi livre, foi
dado com a convicção de que a busca foi feita de uma forma ou outra.

Depois fez-se exame da roupa. As buscas não são fontes de informação, são
meios de obtenção de provas, o juiz não valora buscas. As roupas foram sujeitas a
exame, pode-se valorar o resultado doe exame? Aqui convoca o problema do efeito à
distância de prova. Produz-se este efeito, em princípio, a base legal é encontrada no
artigo 32.º do CRP, onde diz que são nulas todas as provas, sendo que para Costa
Andrade a base é o 131.º CPP. Não basta que a prova secundária tenha ocorrido depois
da prova primária, tem de haver um nexo antijurídico. Entre nós aceitasse o efeito à
distância, sendo a extensão dele pautada por critérios análogos aos do EUA e da
Alemanha, ou seja, vamos seguindo o que é dito noutros ordenamentos jurídicos. Neste
caso, não há nenhuma evidência que pudesse afastar o efeito à distância, por isso ele ia
se produzir.

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CASO N.º 7

Ouvido como arguido numa investigação por homicídio, A foi coagido por
meio de tortura a confessar, revelando o local onde se encontrava a vítima. As suas
declarações permitiram ainda à polícia descobrir a arma do crime, que se verificou
estar coberta de impressões digitais de A.

a) Poderão ser valoradas as declarações prestadas por A sob tortura? E as


informações probatórias resultantes da autópsia do cadáver e do exame da
arma do crime?

As declarações prestadas sob tortura não podem ser valoradas, nos termos do artigo
126.º nº1 e nº2 alínea a). Tratando-se de uma proibição absoluta.

E as informações que vêm da autopsia? Aqui temos o problema do efeito à


distância, onde as provas secundarias estão inquinadas, não havendo nenhuma exceção
que afaste o efeito à distância, sendo assim o vício que atinge as provas primárias
atingirá também as provas secundária, que resultaram das primeiras, e também em
relação a estas se produz a proibição de valoração.

Todavia, nós acolhemos as exceções do direito norte-americano e alemão, sendo que


neste caso quanto muito poderia invocar-se a exceção da descoberta inevitável, contudo,
o enunciado não nos permite chegar a esse resultado para tirar essa conclusão. Para o
direito alemão teria de se fazer um juízo de ponderação em relação aos direitos
fundamentais e seria necessário que não fosse impossível de obter a prova por outro
meio para se poder valorar o meio usado em concreto.

b) E se, no decurso da audiência, o arguido, devidamente esclarecido do seu


direito ao silêncio e da irrelevância das declarações anteriores, decidir
confirmar o seu teor?

O arguido confessa na audiência de julgamento, será que a confissão pode ser


aproveitada? O arguido, em audiência, vem prestar declarações que confirmam os factos
das provas anteriores que não foram valoradas. Uma prova tem autonomia em relação às
fases seguintes do processo penal. Portanto, segundo a doutrina norte-americana a
confissão pode ser aproveitada, pois produz-se a exceção da macula dissipada, pois há
um ato de vontade, e se esse ato é livre e esclarecido vem dissipar a proibição e permite

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valorar a prova secundária. É exigido o esclarecimento dissipado, e aqui esse foi


verificado pois o arguido foi informado do seu direito ao silêncio. Por outro lado,
segundo o direito alemão trata-se do efeito continuo, pois, o vício que inquina a prova
primária declarativa continua a produzir os seus efeitos quando essas declarações
continuam a ser ulteriormente repetidas, salvo se houver um antidoto para interromper o
efeito do vício. O antidoto seria o consentimento livre e esclarecido. Tendo isto em
conta, o efeito continuo não se produz, porque houve a interrupção para o
esclarecimento.

Tendo tudo isto em conta e como aceitamos os critérios do efeito à distância


alemão e norte-americano, poderíamos já valorar as segundas declarações do arguido,
prestadas em audiência.

CASO N.º 8

A, acusado de homicídio, aguardava julgamento em prisão preventiva. A


polícia convenceu então B, em troca de vantagens para o seu próprio caso, a
aproximar-se dele no sentido de obter eventuais informações incriminadoras.
Colocou então os arguidos na mesma cela. A atuação de B permitiu identificar C e
D, que haviam presenciado o crime e foram ouvidos em julgamento como
testemunhas contra A.

Poderão as declarações de B ser valoradas como prova contra A? E as


declarações das testemunhas C e D?

Inspirado no Caso Allan vs. Reino Unido – TEDH.

Saber se se pode valorar as declarações de B é saber se se aceita este método de


obtenção de prova. O artigo 126.º CPP diz que são proibidos os métodos enganosos. A
discussão é se isto cai nas proibições do artigo 126.º nº2 a) do CPP. Será que a lei
permite também que se use um «homem de confiança» para obter informações de
crimes já cometidos?

A lei permite agentes infiltrados entre nós, ou seja, que alguém entre no meio
criminoso para obter informações sobre os arguidos. Mas a lei autoriza isto não para
crimes já consumados e acabados, mas para crimes que ainda não esgotaram as
possibilidades probatórias, ainda não esgotaram a sua capacidade decisiva. Então a lei

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

permitiria isso não para punir A por um crime que ele já cometeu. Em relação a isto
existe a convicção segura da parte da doutrina e jurisprudência de que não é admissível
esta junção de colocar alguém na sela do arguido para extorquir declarações, isto será
uma fraude à lei. O arguido é interrogado nos termos do artigo 141o CPP, tendo o
direito ao silêncio. Esta solução é um interrogatório disfarçado, por isso não deve ser
permitido sobre pena de se estar perante uma fraude à lei. Contra este entendimento
temos Costa Andrade que diz que, a utilização de agentes encobertos supõe que o crime
a investigar não esteja ainda consumado, no sentido de esgotado na sua capacidade
lesiva, por exemplo, se se está a investigar uma rede de tráfico de droga pode ser que A
já tenha cometido tráfico, mas se o propósito do agente encoberto é recolher informação
sobre uma rede e não sobre A esta utilização de agentes encobertos não é permitida,
pois não se pode usar quanto a crimes já consumados, segundo a doutrina. A
jurisprudência diz o mesmo, com base num caso de lisboa, em que o que se queria fazer
era colocar dois suspeitos na mesma sela e gravar as conversas que tivessem, sendo que
isto não foi admitido, embora aqui não fosse a mesma coisa.

No direito americano este mecanismo chama-se “Jail Plant”, não sendo proibido,
pois a preocupação aqui é com a coação, pretendendo-se criar um âmbito coativo. Os
Miranda Warnings justificam-se porque uma pessoa que é detida e interrogada está num
ambiente coativo que lhe limita a liberdade. Mas não há nenhuma preocupação com o
engano. Na Alemanha, por exemplo, são os casos de prisão. A jurisprudência alemã tem
presente a ideia de coação, a pessoa tem a necessidade urgente de falar abrindo-se em
confidencias com quem estiver ao lado. Na privação da liberdade cria uma coação para
a confidencia que não pode suspender de outro modo e tratava-se de limitação da
dignidade humana, proibindo-se este tipo de procedimentos.

No Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também foi discutida esta questão
no caso Allan C. Neste estava em causa o homicídio de uma pessoa, em que o culpado
se remeteu ao silêncio. O arguido admitia a participação nos roubos, mas não no
homicídio, sendo que para obter uma confissão a polícia colocou um informador na sua
sela conseguindo obter informações através desse método. Contudo, o tribunal entendeu
que o procedimento tornava o processo injusto no seu todo. O TEDH entendeu que
houve a violação do princípio do fair play do artigo 6.º do CPP, pois era como se
tivessem feito um interrogatório disfarçado e uma vez que não se podem contornar os

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formalismos do interrogatório, o TEDH entendeu que não se podia valorar essa


informação.

Então conclui-se que não se proíbe agentes infiltrados, mas tem de se ver os
casos concretos. Contudo, entre nós, não se tem aceitado este método de obtenção de
prova quer na doutrina quer na jurisprudência. Então, as declarações de B não podiam
ser aproveitadas, porque não têm autonomia em relação à confissão de A. se tivesse sido
gravada, não se poderia também valorar.

Por fim, quanto às declarações de C e D, segundo o direito norte-americano, o


facto de a testemunha ser livre de vontade funciona como o antidoto que quebra o vicio.
Só porque a testemunha fala de forma livre e esclarecida é que se produz declarações
que podem ser aproveitas – teoria da macula dissipada. Por outro lado, segundo o
direito alemão, tem de se verificar se o fim de proteção da norma justifica o efeito à
distância, sendo que neste caso justifica. Em segundo lugar, se através da ponderação se
justifica a valoração ou não, e por outro lado a gravidade do crime que está a ser
investigado e o relevo do crime. Tendo tudo isto em conta, podia admitir-se segundo o
direito alemão este aproveitamento, tendo em conta também o efeito continuo. O direito
alemão é mais permissivo nesta questão que o direito norte-americano. Mas, isto é
discutível, pois nós não temos essas teorias na lei, mas o que existe é um acolhimento
pela doutrina e pela jurisprudência.

CASO N.º 9

Por meio de escutas telefónicas ilegais feitas a A, a polícia descobriu que A,


B e C preparavam uma operação de desembarque de droga no porto de Leixões,
circunstância que lhe permitiu efetuar detenções e apreender grandes quantidades
dessa mercadoria.

Sabendo que, mesmo sem as escutas ilegais, se afigurava como altamente


provável a descoberta da operação, visto que a PJ já desenvolvia operações de
vigilância naquele local, diga, justificando, se o tribunal pode ou não considerar
para efeitos probatórios o resultado da apreensão.

A primeira questão está em saber se as escutas podem ou não ser valoradas.


Diz-se que as escutas são ilegais, mas não se define, não se caracteriza qual é a

15
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

ilegalidade cometida, pode tratar-se de escutas ilegais porque foram autorizadas fora dos
pressupostos previstos na lei ou pode tratar- se de escutas ilegais porque foram
realizadas sem cumprimento das formalidades que o legislador impõe para a sua
execução.

Neste caso, parece tratar-se do efeito à distância, mas só podemos falar dele se
houver a proibição de valoração. Teríamos de perceber que invalidade é esta para ver se
se trata de invalidade típica ou proibição de prova. Mas nas escutas se se tratar de uma
formalidade que é a concretização dos parâmetros constitucionais de que depende o
sigilo das telecomunicações, isto é, se o que estiver em causa é uma invalidade que
concretiza estes parâmetros, então temos proibição de prova. Por outro lado, se for uma
formalidade estabelecida pelo legislador trata-se de uma invalidade típica. Isto é, o
artigo 190º CPP diz que os requisitos e condições estabelecidos no artigo 187º, 188º e
189º CPP são estabelecidos sob pena de nulidade. Se atendêssemos apenas ao ponto de
vista terminológico ou formal o vício que decorreria da violação de algum dos
requisitos ou formalidade das escutas seria a nulidade e, nada se dizendo na lei,
tratar-se-ia de uma nulidade sanável, artigo 120º/1 CPP. Mas a verdade é que temos de
articular esta disposição com o artigo 126º/3 CPP que diz quais são os métodos
proibidos de prova. Portanto se forem feitas escutas e uma vez que as escutas atingem o
direito à reserva da vida privada, o direito à palavra falada, o direito ao sigilo das
telecomunicações, se forem feitas escutas fora dos pressupostos previstos na lei temos
que articular a norma que as culmina com a nulidade com a proibição de prova no artigo
126º/3 CPP que diz que estas são nulas não podem ser utilizadas.

Tem se entendido entre nós que se for violado o artigo 187º CPP que diz quando
se admite escutas e todas as formalidades, teremos sempre uma proibição de valoração.
Se for violado o artigo 188º CPP deve-se fazer uma distinção, sendo que para isso tem
se em conta um critério material. Ou seja, se se tratar de formalidades dos requisitos
constitucionais o que vai estra em causa é uma proibição. É entendido isto, apesar de no
artigo 190º CPP se falar de invalidade. A doutrina maioritária vai neste sentido.

Quando falamos na distinção entre nulidade e proibição de prova fizemos apelo


a esse critério material, ou seja, há de buscar-se na própria constituição. A constituição
autoriza em certos termos a compressão de DF em ordem à perseguição penal. Mas ao
mesmo tempo estabelece limites intransponíveis, estes são depois concretizados pelo
legislador na lei ordinária. Se a formalidade que é violada configura um requisito que o

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

legislador ordinário estabeleceu para assegurar a compatibilidade com a constituição.


Vamos imaginar que a constituição diz, a propósito das buscas domiciliárias, que não se
pode entrar à noite no caso dos cidadãos e que toda a intromissão no domicílio deve ser
autorizada por juiz. Depois o legislador ordinário concretiza estes limites na lei
ordinária e estabelece requisitos mais especificados. Se for uma dessas formalidades, e
que no fundo é uma concretização dos parâmetros constitucionais, teremos uma
proibição de prova, caso contrário teremos uma nulidade.

É assim também a propósito das escutas. A lei exige no artigo 188º CPP o
cumprimento de certos prazos. Se os prazos forem violados, a consequência depende do
facto de serem violados de forma mínima ou se o desvio for de tal ordem que coloca em
causa as escutas. Se for violado de forma mínima o que está em causa é uma invalidade,
por outro lado se o desvio colocar em causa as escutas, o princípio da judicialidade na
realização de escutas imposto pela CRP está a ser colocado em causa e assim sendo
estamos perante uma proibição de prova, não se podendo valorar. Isto resulta num
entendimento jurisprudencial sólido, temos um acórdão do STJ de fixação de
jurisprudência nº1/2019 que diz isto mesmo. Portanto aquilo que temos é que não
sabemos a espécie de ilegalidade que foi cometida, mas vamos assumir que não se trata
de uma pequena quanto ao prazo e vamos assumir que se está perante uma proibição de
valoração das escutas.

Neste caso vamos entender que há uma proibição de prova. Ora se a prova
primária não pode ser valorada a questão que se coloca é de saber se a proibição de
valoração que a atinge se comunica ou não às provas secundárias que à custa dela foram
obtidas. Estamos perante o problema do efeito à distância. Aqui produz-se efeito à
distância ou não? Neste caso, segundo o direito norte-americano aplicar-se-ia a exceção
da descoberta inevitável segundo a teoria dos frutos da árvore envenenada, porque há
um caminho alternativo que não foi seguido, mas esta disponível. O caminho lícito
alternativo não foi efetivamente seguido, não se trata da exceção da fonte independente,
não vale a ideia do “atual clean path”, há um caminho alternativo, mas ele é apenas
hipotético que não foi seguido pelas autoridades. Mas ele teria sido caso não se tivessem
feito as escutas legais. Por outro lado, segundo o direito alemão, era necessário fazer
uma ponderação entre o interesse da prossecução penal, que se afere à luz da gravidade
do crime imputado aos agentes e da indispensabilidade probatória da informação. Neste
caso tratava-se de um crime grave em que este elemento de prova parece ser de grande

17
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

valor, apesar de não sabermos se é indispensável ou não. Por outro lado, tem também de
se ponderar os interesses fundamentais que a proibição de prova visam proteger, no caso
são sobretudo a reserva da vida privada, o direito à palavra, o sigilo das
telecomunicações. É preciso aferir do peso e da gravidade da intromissão nesses direitos
fundamentais. O direito alemão, desse exercício concluiria ser admissível a valoração da
prova secundária e essa convicção seria reforçada por apelo aos critérios hipotéticos de
investigação. A jurisprudência alemã é pouco exigente na avaliação desse critério, basta
olhar para o caso e concluir que não era impossível obter-se seguindo o caminho legal.
A nossa doutrina é mais exigente e impõe que fosse altamente provável a obtenção do
mesmo resultado através de um mecanismo lícito, ou seja, dir-se-ia o resultado não pode
ser aproveitado porque da articulação do artigo 190.º CPP com o artigo 26.º nº 3 CPP
resulta a extensão às escutas telefónicas da disciplina de proibição de prova. Isto será
assim quer sejam violados os requisitos da admissibilidade das escutas quer seja violada
alguma formalidade que seja a concretização dos parâmetros constitucionais de que
depende a legitimidade da intromissão nos direitos fundamentais. A prova secundária,
embora se aceite entre nós um efeito à distância poderia ser aproveitada, não se lhe
estende a proibição de valorar que atinge a prova primária, aproveitando-se aqui a
exceção da descoberta inevitável e atendendo ao ordenamento alemão o critério dos
processos hipotéticos de investigação associada ao princípio da ponderação.

NOTA: quanto a esta matéria importa ler o Ac. STJ 07P4552, de 2008 que
também versa sobre a questão do efeito à distância das proibições de prova. Era uma
busca no aeroporto, feita sem mandado do MP. Essa busca permitiu encontrar uma mala
de um viajante cheia de droga. Essa droga foi substituída por farinha e os OPC fizeram
uma operação de vigilância no aeroporto para encontrar a mala verdadeira. Em
simultâneo, fazem-se outras buscas em casa de outros suspeitos onde se encontra droga
e armas.

CASO N.º 10

A foi constituído arguido num processo em que se investiga a suspeita de


homicídio de B, cujo paradeiro não foi possível localizar. Com a intenção de «fazer
falar» A, o agente policial incumbido da investigação dos factos, C, colocou sobre a
secretária, durante o interrogatório, uma pasta aberta contendo um relatório de
autópsia e fotografias (que não se referiam à vítima do crime em investigação),
enquanto dizia, apontando para os documentos: «Com as provas que temos, falar é

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

o melhor para si!». A, erroneamente convencido de que o cadáver da vítima tinha


sido encontrado, admitiu ter agredido B no contexto de uma discussão que com ele
travara.

a. Poderão ser valoradas as declarações que A prestou no contexto do


interrogatório policial? Justifique.

Só podem ser valoradas as provas para formar a convicção do tribunal as provas


que o arguido solicite que sejam valoradas ou se forem obtidas com a presença do
defensor, o que no caso não se encontra cumprido. Estas não são valoradas na decisão
final, porque é muito difícil provar que num interrogatório judicial houve
condicionamentos, enganos e tortura. A pessoa foi ouvida perante a polícia, não com a
presença de uma autoridade judiciária. Ou seja, em julgamento, estas provas nunca
poderiam se valoradas, mas podiam sê-lo em sede de inquérito (artigo 357.º nº 1 d)
CPP).

O facto de ter assumido que agrediu o B não significa que o tenha matado.
Convoca-se para este caso a proibição do engano (artigo 126.º nº 2 b) CPP).
Necessita-se de preencher os 3 requisitos:

● Forma intencional ou deliberada – preenche-se, porque o polícia agiu


deliberadamente para fazer A falar;
● Criação de uma representação da realidade errónea – também se preenche,
porque faz-se acreditar o arguido que as provas contra ele existiam.
● Perturbando dessa forma a liberdade de vontade do arguido e delimitando a
prestação da declaração que de outra forma não prestaria, de uma perspetiva
ex ante – é o mais difícil de preencher. Será que o homem-médio, naquelas
circunstâncias, também teria prestado declarações? Estas declarações são
mais o produto do engano e não são a projeção da personalidade e da
liberdade do arguido. Ou seja, as provas são mais imputáveis à ação
enganosa do Estado do que ao arguido (já não é senhor das suas
declarações). Será que neste caso se preenche? Sim, parece que sim.

As provas não poderiam ser valoradas, porque se encontram preenchidos os


requisitos do artigo 126.º nº 2 b) CPP, logo há uma proibição de valoração.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

b. Suponha, em alternativa, que o investigador se limitou a afirmar que a


carrinha de B foi encontrada, sem esclarecer o arguido de que nela não foi
encontrado nada de relevante. Erroneamente convencido de que tinha
deixado impressões digitais na carrinha, A «confessou» ter estado com a
vítima no dia do seu desaparecimento. Quid iuris?

Neste caso, temos uma representação efetivamente real do plano factual. Apenas
se omitiram alguns factos importantes.

Aqui, temos efetivamente uma prova real. Mas o erro forma-se em relação ao
que se encontra na carrinha. E este erro foi provocado pelo agente? O agente de facto
não disse nada para criar a convicção errónea (não houve intervenção ativa); contudo,
deixou o arguido em erro quanto ao que se encontrou na carrinha.

Para que o engano releve, temos de ter a intenção ou vontade deliberada; é


preciso ainda que exista um dever jurídico de dissipação do erro por parte das
autoridades. Este dever não existe aqui. O investigador não tinha de dizer o que se tinha
encontrado.

O engano não releva neste caso. Se houvesse, seria por omissão, mas aqui falha
o 2º requisito e potencialmente o 1º também, porque não houve vontade da autoridade
de induzir o arguido em erro. O 3º requisito, da convicção determinante estaria
preenchi, mas não releva, pois tem de se verificar os três requisitos cumulativamente.

Esta prova não cai no âmbito da proibição do engano e poderia ser valorada.

c. E se o agente policial tivesse simplesmente omitido os esclarecimentos sobre


o direito ao silêncio no início do interrogatório?

A lei impõe um dever de esclarecimento sobre o direito ao silêncio, sendo assim


a cada interrogatório que seja feito deve ser explicado de novo os seus direitos
processuais ao arguido – artigo 141.º nº 4 a) CPP por remissão do artigo 144.º CPP. Por
isso, em todos os interrogatórios na fase de inquérito é obrigatório esclarecer o arguido
de todos os seus direitos processuais no qual se inclui por força do artigo 61.º nº 1 d)
CPP, o direito a não responder a perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados. E é
obrigatório ainda que o arguido já o saiba por não ser o primeiro interrogatório.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Tendo isto em conta, aplicaríamos o artigo 58.º nº 5 CPP, que a doutrina tem
entendido valer para todos os casos em que tenha sido omitido o direito ao silêncio. A
omissão dessa informação torna não valoráveis as declarações que sejam prestadas.
Entre nós temos uma norma em que se diz que não pode valorar-se as declarações,
sendo que isso resulta da aplicação conjugada o artigo 141.º nº 4 a) CPP + artigo 44.º
CPP + artigo 58.º nº 5 CPP. Na Alemanha não existe esta norma tendo de se verificar se
esta omissão foi deliberada, sendo preciso que o arguido estivesse erroneamente
convencido de que tinha um dever de falar. Se o arguido tivesse incorrido neste erro
existia um dever de esclarecimento pelas autoridades e, por isso, um engano por
omissão relevante. E, por fim, seria preciso ver, se esta convicção errónea era
determinante da prestação de declarações. É de salientar que, não temos de fazer isto,
uma vez que temos uma norma que diz que não se pode valorar as declarações quando o
dever de esclarecimento sobre o direito ao silêncio não foi cumprido.

CASO N.º 11

No contexto das investigações de uma rede de narcotráfico a operar em


Portugal, foi regularmente autorizada a intervenção de D, investigador da Polícia
Judiciária, como agente encoberto. Nessa qualidade, D passou a frequentar, com
assiduidade, locais conotados com o tráfico de estupefacientes, deslocando-se em
automóveis de elevada cilindrada e levando consigo quantidades significativas de
cocaína e heroína, de modo a criar a aparência de se dedicar ao tráfico de drogas.

a. É processualmente admissível a intervenção de agentes encobertos na


situação descrita? Em que termos?

Temos de ver se estamos perante um crime de catálogo. De acordo com o artigo


2.º nº l do Regime Jurídico das Ações Encobertas, estamos perante um crime constante
do elenco.

Para além disso, quanto aos requisitos materiais era preciso que a ação encoberta
fosse adequada aos fins de prevenção ou repressão penal e fosse proporcional a esses
fins e à gravidade, neste caso estão presentes fins de repressão penal, uma vez que que
se trata de recolha de provas num processo já em curso. Para além disso, o agente
encoberto é um agente da PJ, o que faz com que outro requisito esteja verificado, uma

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

vez que estas ações devem ser lavadas a cabo por um funcionário da PJ ou por um
terceiro atuando sobre o controlo da PJ, este terceiro pode ser um particular ou um
membro de outra força policial.

Quem é que tem competência para decidir a intervenção do agente infiltrado,


tendo em conta que estamos na fase de inquérito? O magistrado do MP, nos termos do
artigo 3.º nº 3, com validação do juiz de instrução criminal, no prazo de 72h.

Por fim, a atuação concreta do agente deve conter-se dentro dos limites do artigo
6.º da Lei nº 101/2001. Será que o facto desta pessoa se fazer acompanhar com a droga
torna a sua conduta ilícita? E se daqui vier resultar alguma prova? O artigo 6.º não
traduz uma isenção de responsabilidade. Tem uma valência substantiva e uma valência
processual. Limita o âmbito da atuação encoberta, não valoradas as provas. A lei diz
que para a conduta não seja punível tem de constar de atos preparatórios ou de execução
– ou seja, não pode ter havido consumação. O crime já se consumou. Estamos para além
de atos executórios. Mas não temos efetiva lesão do BJ, ou seja, a consumação. A
exigência da lei está, portanto, cumprida.

Se houver instigação ou autoria mediata, a prova obtida não pode ser valorada.
Neste caso, tratava-se de um caso de não instigação ou autoria mediata. Ou seja, não se
preenche o requisito negativo que a lei impõe.

Portanto, uma vez que o agente encoberto apenas transportava consigo a droga o
que em si consuma um crime, se este se revelar proporcional às finalidades da ação
encoberta o agente não será punido porque beneficia de uma causa de exclusão da
ilicitude. As provas que o agente venha a obter podem ser valoradas e atuação do agente
é legitima.

b. Finda a fase de inquérito, o magistrado do Ministério Público competente


considerou desnecessária a junção do relato do agente encoberto, por
entender que as «provas materiais recolhidas aquando da detenção dos
suspeitos tornam supérflua, em termos probatórios, a junção de um
relatório descritivo das operações». Quid iuris?

Temos de fazer uma interpretação corretiva da norma. Pode não ser preciso
ouvir o agente infiltrado, por vezes, as provas recolhidas na ação encoberta já são
suficientes. Mas se queremos ouvir o agente infiltrado, precisamos de o ouvir.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

O relatório não tem finalidades probatórias, serve apenas para contextualizar o


âmbito da operação e para controlo da regularidade por parte do juiz e do próprio
arguido. Aqui teríamos de aplicar o artigo 4.º nº 1 da Lei nº 101/2001. Neste caso, a
junção do relato é obrigatória. Porém, este pode não ser junto se houver perigo de vida,
integridade física ou outros bens jurídicos pessoais do agente ou da sua família ou o
agente encoberto intervenha numa outra ação e seja necessário preservar a sua
identidade para assegurar a eficácia dessa ou nos casos em que a ação encoberta não
tenha produzido quaisquer frutos.

Neste caso, a ação encoberta conduziu à detenção de suspeitos, sendo que há


provas suficientes, não sendo necessário o aproveitamento das perceções do próprio
agente encoberto. Porém, como a ação encoberta produziu frutos, o relatório deve ser
junto, para que a regularidade da ação possa ser controlada pelo juiz e pelo arguido.

c. Apesar de D não ter sido indicado como testemunha de acusação, o


presidente do coletivo determinou a sua comparência em audiência de
julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 340.º do CPP. Diga de que
modo poderá ser acautelado o interesse das autoridades de investigação
criminal, que pretendem que a identidade de D seja protegida, de modo a
viabilizar a sua intervenção em futuras operações.

Podemos chamar o artigo 4.º nº 4 da Lei nº 101/20021, que nos diz que se aplica
o artigo 87.º nº 1 CPP, que pode funcionar como uma exceção da audiência pública.
Além disso, pode ainda haver lugar à aplicação do regime da lei de proteção de
testemunhas (Lei nº 93/99). A lei de proteção de testemunhas prevê a inquirição da
testemunha por teleconferência e a possibilidade da distorção da imagem e da voz. A
audiência poderia não ser pública mas está sempre sujeita ao contraditório cross
examination. Para além disso, pode o agente depor com a sua identidade fictícia.

Relativamente ao facto de se inquirir uma testemunha que não tinha sido


indicada, isto era possível, pois segundo o princípio da investigação presente no artigo
340.º CPP, basta que se trata de provas necessárias à descoberta da verdade.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

CASO Nº 12

A, com o intuito de intimidar B e C, irmãs, de modo que não mais


passassem pela rua onde morava, imprimiu maior velocidade ao seu automóvel,
dirigindo-o no sentido do ciclomotor que elas ocupavam, tendo obrigado a
condutora a encostar-se ao muro lateral em pedra. Foi acusado pela prática, em
concurso, de dois crimes de coação e um crime de condução perigosa.

No mesmo processo, foi ainda deduzida acusação contra B, que conduzia o


ciclomotor sem a necessária habilitação legal.

a) No julgamento, A foi ouvido como testemunha relativamente aos factos


imputados a B e o seu depoimento serviu de base à condenação. B recorreu
da decisão invocando, entre outros motivos, a violação do artigo 133.º, n.º 1,
al. a), do CPP, na parte em que estabelece o impedimento de os coarguidos
deporem como testemunhas. Encontra fundamentos para a procedência do
recurso?

A teleologia da norma é assegurar o direito ao silêncio do arguido, de modo que


ele não seja obrigado a tal por ter de falar sobre um crime conexo ao seu. Para além da
comunhão de processos, importa ver se existe ou não nexo entre as imputações. A
primeira existe, mas nexo não porque se A for obrigado a falar da responsabilidade de B
a única coisa que está a assumir é que viu B a conduzir e não compromete a sua posição
processual. O artigo 133.º nº1 alínea a), contudo, parece ser muito mais flexível.

Eduardo Marques da Silva diz que para podermos ouvir A quanto à


responsabilidade de B, mas para tal temos de separar os processos. Caso contrário,
podemos ouvir A, mas este não pode ser obrigado a tal. Isto porque a letra da B parece
obrigar-nos a recuar – A pode falar se quiser, mas para depor como testemunha está
impedido, a menos que se separe o processo.

Medina de Seiça, pelo seu lado, diz que isto é uma formalidade excessiva,
interrogando-se se se justifica separar aqui os processos só para poder ouvir A em
relação à responsabilidade penal de B. este autor sustenta que com uma adequada gestão
processual, começar-se-ia por discutir a responsabilidade penal de A, intervindo B como
testemunha e, depois, reafirma-se a sua posição como arguido e B pode testemunhar

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

quanto à sua responsabilidade penal, agora. Atente-se que não passa de uma posição
meramente teórica, sendo exemplo disso o Acórdão STJ de 28/11/1990.

b) Suponha agora que, depois de imobilizarem os respetivos veículos, A e B


envolveram-se numa discussão, de que resultaram para ambos ferimentos
ligeiros no rosto e nas mãos. Poderá, neste caso, B ser ouvida como
testemunha relativamente às ofensas corporais imputadas a A?

B, neste caso, não pode falar sobre a responsabilidade penal de A sem se


comprometer a si próprio, daí que sejam coarguidos em sentido formal, mas também em
sentido penal. Aplicando-se o previsto no artigo 24.º alínea e). Assim sendo, de maneira
alguma poderia testemunhar contra A.

c) Partindo da hipótese considerada na alínea b), admita que foi ordenada a


separação de processos. Estará B impedida de depor como testemunha no
que toca à responsabilidade de A pelas ofensas corporais? E se nunca
tivesse chegado a existir comunhão processual?

Ainda existe impedimento mas é relativo – artigo 133.º nº 2 CPP. Se consentir


em prestar consentimento, assume esse estatuto processual, sem prejuízo de continuar a
valer quanto a B o acervo de normas que valem quanto às testemunhas.

Se nunca tivesse chegado a existir comunhão processual, os crimes estariam


materialmente relacionados do mesmo modo.

d) Admita ainda que B foi, entretanto, julgada e que a decisão contra ela
proferida já transitou em julgado. Notificada na qualidade de testemunha
para comparecer em audiência no processo em que A está a ser julgado, B
recusou-se a prestar quaisquer declarações. Quid iuris?

Se a decisão quanto à responsabilidade penal de B já transitou em julgado, já


não é arguido. Medina de Seiça dizia que em alguns casos devia haver uma ultra
atividade do impedimento apesar de a qualidade de arguido se ter extinguido, quando
isso pudesse comprometer a posição processual, nomeadamente, quando a decisão não
seja definitiva (arquivamento por falta de indícios). Se for definitiva, já não há esse
perigo. O legislador em 2007 contrariou esta ideia e veio dizer que, mesmo quando é

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

definitiva a decisão, o impedimento subsiste. O que se pode dizer é que é definitiva,


transitou em julgado, mas ainda pode haver recurso excecional.

CASO N.º 13

Num processo em que é imputada a A, presidente da Junta de Freguesia de


X, a prática de crimes de corrupção, peculato, fraude na obtenção de subsídio e
participação económica em negócio, foram notificados como testemunhas de
acusação, B, mulher do arguido, C, seu amigo de infância e D, sacerdote católico.
Todos se recusaram a prestar declarações.

a) Poderá B, mulher de A, ser responsabilizada pela recusa em declarar? E se


B apenas tivesse casado com A depois da alegada prática dos crimes
imputados?

As testemunhas têm o dever de declarar com verdade. Em geral, a circunstância


de uma testemunha faltar à verdade ou se recusar a declarar faz com que incorra no
crime de falso testemunho, por ação quando falta a verdade e por omissão quando se
recusa a falar. Se todos se recusarem a declarar, podemos dizer que todos cometeram o
crime de falso testemunho por omissão. Mas, também sabemos que há situações em que
as testemunhas se podem recusar a declarar. Há casos excecionais em que a recusa de
depoimento é legítima e depois esta norma aplica-se ao assistente e às partes civis.
Estamos neste caso perante alguma dessas circunstâncias excecionais? Nos termos do
artigo 134.º nº 1 a) CPP, o cônjuge pode recusar-se a declarar.

Quanto à segunda pergunta, a situação retratava não muda nada na resposta,


porque a lei diz no artigo 134.º nº 1 a) CPP que o cônjuge tem direito de recusa, não
fazendo distinção. Se a pessoa for conjugue independentemente de os factos serem
praticados no tem de casamento ou não o direito de recusa aplica-se na mesma.

Se a pessoa tivesse sido, mas neste momento já não fosse cônjuge aplicava-se o
134.º nº 1 b) CPP.

Aqui não muda nada, mas isto alerta-nos para uma possível manipulação, que é
alguém casar apenas para não ter de prestar declarações. Outra advertência, é que há o
direito de recusa das pessoas casadas, este aplica-se a todos os factos, enquanto, os

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

unidos de factos têm direito de recusa apenas quanto aos factos que ocorreram na
pendência da coabitação.

b) Pronuncie-se sobre a recusa de prestação de depoimento por C no caso em


análise. E caso a resposta às perguntas feitas fosse apta a gerar a suspeita
da prática, pela referida testemunha, de um crime de falsificação de
documentos no início da década de 70 do século passado? A resposta será a
mesma na hipótese de estar em causa a suspeita do cometimento do mesmo
crime, há dois anos, pelo irmão de C?

Quanto à primeira questão, importa dizer que, no elenco do artigo 134.º CPP não
constam os amigos de infância, por isso não terá direito de recusa do depoimento, por
isso praticará um crime se não prestar depoimento. O elenco não considera os amigos de
infância, por uma questão de controlo, pois não há uma fiscalização do direito de
recusa, podendo haver abuso, outra razão é que também está aqui em causa a tutela da
instituição familiar e o facto da família ser a célula fundamental da sociedade, por isso
merece maior proteção do que qualquer outro tipo de relação.

Quanto à segunda questão, não seria possível, pois o crime já tinha prescrito. Há
um direito de recusa de depoimento no artigo 132.º CPP, mas mais limitado do que o
artigo 134.º CPP. Neste caso o perigo do artigo 132.º CPP não existe, porque dado o
tempo da prática do crime a responsabilidade já estaria prescrita.

Quanto à última parte da pergunta, o arguido é A e C é testemunha e esta


testemunha não quer responder, porque as perguntas que lhe estão a ser feitas implicam
que ele fale de um crime que o irmão de C cometeu (este não é A). Esta situação não
caberia diretamente no artigo 134º CPP, só se aplicaria se o irmão de C fosse o arguido.
Aqui o caminho é o artigo 132.º nº 2 CPP.

Quanto ao artigo 132.º nº 2 CPP coloca-se a questão se a testemunha também


poderá recusar responder quando houver o perigo de falando responsabilizar familiares
que não são ainda arguindo no processo? O nosso legislador não estabelece na lei, mas
seria razoável que se estabelecesse, por um lado por uma razão de paridade com o artigo
134.º CPP, pois o MP teria de fazer O irmão de C arguido e se C tivesse de prestar
declarações poderia recusar. Por outro lado, outro argumento retira-se do artigo 364.º b)
do CP, que diz que pode haver atenuação da pena ou dispensa de pena quando alguém

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

mente para evitar a incriminação do familiar (tem de ser um familiar que conste na
categoria do artigo 134.º CPP). Tendo isto em conta, se C mentisse para proteger o seu
irmão, poderia não ser punido, e assim sendo não faz sentido obrigar alguém a prestar
depoimento e a mentir para depois ser alvo de dispensa de pena.

Portanto, a nossa lei não estabelece diretamente este direito no artigo 132.º nº 2
CPP, mas consideramos razoável que se aplique com base nos artigos 134.º CPP e 364.º
CP.

Nota: os prazos de prescrição de crimes estão nos artigos 118.º e ss do CP e os


prazos mais longos estão no artigo 118.º nº 1 a) CP.

c) Diga como deverá proceder o tribunal em face da recusa de prestação de


depoimento por D. E se D, em alternativa, fosse um conceituado advogado?

Aqui está em causa o segredo religioso, que é um segredo profissional, mas mais
fortemente protegido, ou seja, basta provar a legitimidade, isto é, que a, matéria foi
obtida no exercício das funções e que o D exerce de facto essas funções.

E se D fosse advogado? Aqui já etária em causa o regime do segredo


profissional e aí já opera o plano da legitimidade e o plano da justificação, havendo a
questão do estatuto da ordem dos advogados, isto é, saber se o parecer emitido pelo
bastonário deve ser ou não tido em conta pelo tribunal. Portanto, a diferença aqui é que
se concluir que a recusa é legitima pode haver quebra do segredo na mesma, porque tem
de se ter em conta a justificação da escusa que tem em conta o interesse preponderante,
podendo o advogado ser chamado.

CASO N º14

A foi ouvido como testemunha num processo em que se investigava a


prática, por X, de crimes de falsificação de documentos e burla qualificada. X teria
falsificado a assinatura dos seus avós numa procuração, que usou para constituir
uma hipoteca sobre prédios que lhes pertenciam e assim conseguir que Y lhe
emprestasse dinheiro. A, que era amigo do advogado que autenticou a procuração,
B, transmitiu ao tribunal factos que este lhe havia contado em violação do segredo
profissional.

28
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

a) Poderá o tribunal considerar as declarações de A para formar a sua


convicção? Em caso de resposta negativa, como deverá proceder?

Há factos que a testemunha não verificou, mas que lhe foram contados pelo
advogado (B). B é advogado e contou esses factos violando o seu segredo profissional.
Será que o tribunal pode considerar essas informações para formar a sua convicção e
como deverá proceder?

Se fosse o próprio advogado a ser indicado como testemunha, poderia sempre


recusar-se a responder por disso resultar o perigo da própria responsabilidade criminal
(artigo 135.º CPP). Aqui está em causa o segredo profissional e o depoimento indireto,
pois A não fala do que sabe, mas do que lhe foi contado por outra pessoa. Ora, quando
assim é o tribunal não deve valorar, o que deve fazer é chamar B a depor.

Em relação a B, como deve agir o tribunal? Isto está relacionado com o segredo
norma e tem de se saber se no exercício da sua profissão o advogado teve conhecimento
dos factos. Tem de se verificar da legitimidade da recusa e se a recusa legítima,
passamos para o plano de justificação da escusa. Quando se fala do artigo 129.º nº 1
parte final do CPP diz-se que este artigo estabelece casos excecionais em que o tribunal
pode valorar o depoimento da testemunha indireta quando está indisponível a
testemunha presencial, como por exemplo casos em que a testemunha direta morreu,
não pode ser encontrada, entre outros. Esta enumeração é entendida pela doutrina e
jurisprudência, como não taxativa, sendo ilustrações de um princípio geral que consente
às autoridades judiciarias a valoração do depoimento indireto quando a testemunha
presencial não esteja disponível por algum motivo que não pode se controlado pelas
autoridades. Podia aqui perguntar-se se tendo A sido testemunha e tendo ouvido as
declarações de outra pessoa que não quer falar se o tribunal pode valorar o depoimento
indireto? A resposta é não. Se B se recusar a declarar com base na quebra do segredo
profissional e esta se justificar, o tribunal não pode valorar na mesma as declarações de
A. Ouvido como testemunha, poderia recusar-se a responder nos termos do artigo 132.º
nº 2 CPP. Se o tribunal superior entender que a quebra do segredo profissional não se
justifica, não se vai contornar a circunstância de não se ouvir B com a valoração das
declarações de A.

29
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

b) Suponha agora que A transmitiu em juízo informações que obteve de C,


irmão do arguido, que também era testemunha no processo, mas se tinha
recusado a depor. Diga, justificando, se estes contributos são valoráveis.

A continua a ser testemunha indireta, mas, desta vez, foi o irmão do arguido que
lhe fez confidencias. O irmão convocou, no processo, o impedimento do artigo 134.º
CPP.

O depoimento de A está sempre inquinado, nos termos do artigo 129.º CPP. Por
outro lado, a recusa do artigo 134.º CPP é inultrapassável. Tem-se dado uma
interpretação mais ampla a esta disposição, para abranger circunstâncias como o coma
ou a amnesia irreversível. Se assim for, encontra-se preenchida a parte final do artigo
129.º nº 1 CPP, podendo valorar-se o depoimento de A.

A outra possibilidade é dizer-se que o irmão do arguido é chamado a depor e


recusa-se a prestar declarações – mas valorar aquilo que ele contou a alguém prejudica o
impedimento do 134.º, que visa evitar a colocação da pessoa perante um conflito de
lealdades, poderemos ter um lugar paralelo no artigo 136.º nºs 6 e 7: quando uma
testemunha presta declarações no inquérito e, no julgamento, decide não a prestar ao
abrigo do 134.º, aquilo que ela disse antes não pode ser valorado, lendo ou ouvindo-se
como testemunhas indiretas os OPC ou qualquer pessoa que possa ter estado presente na
prestação das declarações.

In casu, a testemunha se recusa a prestar declarações por via do artigo 134.º


CPP, mas prestou declarações antes, cuja valoração não redunda num conflito anímico –
ainda assim, o legislador renuncia a estes contributos.

EXAME FINAL 16.06.2014

No âmbito de um processo em que A, B e C eram investigados por crimes de


corrupção relacionados com a obtenção de cartas de condução, a Polícia Judiciária
conduziu, sem mandado ou consentimento do visado, uma busca à casa de A, onde
encontrou uma agenda contendo nomes e datas de exames. Os dados contidos
nessa agenda permitiram identificar, entre outros, D, que foi constituído arguido
por suspeitas de corrupção ativa e, sob promessa do Ministério Público de ser
requerida a aplicação em processo sumaríssimo de uma multa de apenas € 400,00

30
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

(quatrocentos euros), prestou declarações. Ainda em inquérito, foram ordenadas


escutas aos telemóveis de A, B e C.

Em audiência de julgamento, D, que, entretanto, fora condenado em


processo sumaríssimo, foi ouvido como testemunha de acusação. A e B
remeteram-se ao silêncio, mas C prestou declarações que os incriminavam, embora
recusando-se sempre a responder a perguntas que, de alguma forma, o implicavam
nos factos.

Na última sessão da audiência, o presidente do coletivo comunicou aos


arguidos a “convolação” dos crimes de corrupção passiva imputados para crimes
de abuso de poder, pelos quais os arguidos A e B vieram a ser condenados, em
concurso, respetivamente, nas penas únicas de quatro e cinco anos de prisão. A
convicção sobre a sua culpabilidade fundou-se no resultado das escutas telefónicas
e nas declarações de C e D. C foi absolvido.

Pontos a ter em conta:

🡺 Saber se a promessa do MP cabe no âmbito do 126.º nº 2 CPP.


🡺 Direito ao silencio e proibição de valoração, pois C prestou declarações que o
incriminavam. O juiz não valorou o silêncio de ninguém. Só podemos ter em conta
coisas que o tribunal tenha considerado. C prestou declarações que incriminavam A.
Não é proibido a confissão de crime, a questão é se podemos valorar quanto a
terceiros quando aquele que declarou não responde às perguntas todas.
🡺 Artigo 345.º nº 4 CPP.
🡺 Agenda que foi encontrada, saber se pode ou não ser valorada. O que se recolhe é
aquilo que pode ser valorado. A agenda ainda é prova primária, mas há a
necessidade saber se pode ser valorada, por causa da validade da busca. Mas, os
dados na agenda permitiram identificar uma testemunha que falou no inquérito,
saber se as declarações que ele prestou na fase de inquérito podiam ser consideradas,
ou se estariam a ser inquinadas.
🡺 Falar da agenda saber se estava coberta por reserva de vida privada, mas era
discussão teórica e não podiam ser valoradas.
🡺 Saber se se aplica o artigo 133.º nº 2 CPP.
🡺 Questão de C que prestou declarações contra A e B.
🡺 Saber se as declarações de D em audiência estavam viciadas ou não.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Inconformados com a decisão, A e B pretendem recorrer.

a) Indique o Tribunal (ou Tribunais) competente(s) para o recurso e os


respetivos poderes de conhecimento.

Das decisões de primeira instância recorre-se em regra para o tribunal para a


relação, exceto nos casos em que se interpõe recurso direto para o supremo tribunal de
justiça. Evita-se a designação per se alto, porque o recurso não é facultativo, não é
faculdade escolher, mas sim uma obrigatoriedade.

b) Que fundamentos poderão A e B invocar para sustentar os seus recursos?

As declarações são declarações esquivas, porque ele evita responder a estas


declarações.

O que C é em relação a A e a B? Segundo o artigo 345.º nº 4 CPP, C era


coarguido em sentido formal e material, porque responde no mesmo processo e
responde pelo mesmo crime ou crimes materialmente relacionados. São coarguidos em
sentido formal, porque respondem no mesmo processo e porque respondem todos pelos
mesmos crimes, uma vez que se trata de crimes de corrupção que se inscrevem no
âmbito da rede criminosa que está a ser investigada. O arguido não pode depor como
testemunha, mas pode falar da sua própria responsabilidade penal e da dos seus
coarguidos. O legislador reconhece como é obvio que as declarações dos coarguidos são
mais frágeis, porque estes têm maior interesse em mentir, maior possibilidade porque
conhecem as circunstâncias do caso de apresentar uma versão plausível sore os factos
em investigação e porque tem contacto mais próximo. O coarguido não presta
juramento e se prestar declarações falsas não pode ser crime, isto traduz-se nos
constrangimentos próprios da prova testemunhal, que afastam a verdade, isto falta nas
declarações do coarguido, o legislador sabendo disto. Durante muito tempo discutiu-se
se se podia valorar as declarações do coarguido que dizia que não, pois estas eram
exclusivos meios de defesa, uma vez que contribuíram para meios de defesa. Esta
opinião era minoritária na doutrina. Outro autor, dizia que as declarações dos coarguidos
eram meios de prova, sendo que esta não era prova proibida, sendo por isso admissível.
Medina de Seiça defende a exigência da colaboração, e diz que as declarações dos
coarguidos eram meios de prova, porque entre nos vigora o princípio de taxatividade
dos meios de prova (artigo 125.º CPP) e esta não era uma prova proibida. Este também

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

defende a corroboração, isto é a existência de outras provas que contribuem para a


veracidade da prova apresentada pelo arguido. A lei não fala de corroboração.

Aqui teríamos de aplicar o artigo 345.º nº 4 CPP. O que a lei diz é que quando no
mesmo processo, as declarações de A valem contra B quando A responde a todas as
questões, se ele não responder isto não vale, porque ele se furta ao contraditório,
dificultando o apuramento da verdade, não estando relacionado com o direito ao
silencio de B. A lei procura assegura o contraditório, isto é, que as declarações prestadas
sejam fiscalizadas.

Nos termos do artigo 345.º nº 1 CPP, C pode não responder a perguntas, mas se
não o fizer as declarações dele não são valoradas contra A e B. Mesmo que o juiz ache
que C falou a verdade, o que ele disser não pode ser valorado, uma vez que não
respondeu a todas as questões que lhe foram colocadas.

Quanto às declarações de D, as que são valoradas são as que são prestadas na


audiência. O que s se pretende saber é se estas se encontram inquinadas, pois mesmo
que as prestadas na audiência de julgamento, podia ter algum vicio, pois podiam ter sido
contaminadas pelas declarações prestadas na base de inquérito. As buscas são viciadas,
uma vez que não houve consentimento – artigo 177.º CPP. A falta de consentimento
provoca uma nulidade. Neste caso não há mandato nem consentimento, por isso estas
não são nulas. Trata se de uma nulidade ou proibição de prova? Trata-se de proibição de
prova, porque os requisitos pedidos decorrem do artigo 34.º da CRP. Como é uma
proibição de prova, não se pode valorar as provas que se obtenham através destas
buscas, o que se encontrou foi uma agenda. Esta pode ser valorada? Não. Podia
referir-se a questão dos diários íntimos, esta agenda era da esfera intermedia,
podendo-se valorar, até se poderia dizer que era da esfera periférica, devido à atividade
comercial.

Relativamente à promessa feita a D, nos termos do artigo 126.º nº 2 e) CPP, as


provas mediante promessa são inadmissíveis. Estas são aquelas em que o que se
promete é em si mesmo proibido, mas a ilegalidade também pode resultar se se oferecer
uma vantagem, aqui não é proibido a aplicação de pena de multa, o que é proibido é a
negociação. Tendo em conta isto, as declarações não podiam ser valoradas, mas não
foram estas que o tribunal valou, mas sim as que foram prestadas na audiência de
julgamento. Temos de ver se as declarações prestadas na audiência têm vicio ou se são

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

atingidas pelo vicio das declarações prestadas no inquérito. Pode D prestar declarações
como testemunha? Segundo o artigo 133.º nº 1 a) CPP, não podia ser testemunha, mas
segundo o artigo 133.º nº 2 CPP, se fosse no mesmo processo o impedimento seria
relativo.

D é coarguido em sentido material e formal, mas, entretanto, ele já não é


arguido, não estando a responder naquele processo. Não se poderia aplicar o artigo 133.º
nº 1 a) CPP, uma vez que não existe conexão no caso, o que se aplica é o 133.º nº 2 CPP.
D podia depor como testemunha se tivesse consentido na prestação do depoimento na
qualidade de testemunha.

A ideia do legislador no artigo 133.º nº 2 CPP é ressalvar que mesmo nos casos
em que D não é sequer arguido, porque o processo dele já terminou, uma vez que aqui
ele foi alvo de processo sumaríssimo, que é mais rápido, o impedimento continua a
existir.

Portanto as declarações de D no julgamento não eram viciadas, mas que


apresentou no inquérito estavam, será que aqui haveria o efeito continuo estando as
declarações do julgamento viciadas? A questão é discutível, poderia dizer-se que ele
prestou as declarações porque benéfico de uma vantagem do MP, mas poderíamos dizer
que na audiência de julgamento D recuperou a sua liberdade, porque ele poderia se ter
recusado a declarar, o artigo 133.º CPP faz depender a tomada de declarações do
consentimento de D. Aqui se D declarar faz-lho livremente, não havendo nenhum
constrangimento que justifique que as declarações prestadas em audiência não sejam
valoradas.

CASO N.º 15

A, vítima de um crime de roubo, foi chamado à esquadra para proceder ao


reconhecimento de B, C e D, que se suspeita serem os agentes do crime. Para as
diligências, que tiveram lugar uma a seguir à outra foram escolhidos como
figurantes sempre os mesmos agentes policiais, E e F (adaptado do Acórdão do
TRL de 22/06/2011, proc. n.º 934/07.1JDLSB.L1-3).

Pronuncie-se sobre a validade destes reconhecimentos.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Os dados do enunciado diz-nos que B foi colocado ao lado de E e F. Depois C


foi colocado no lugar de B e o mesmo sucedeu com D. O primeiro reconhecimento é
válido. Já no segundo, por causa da repetição dos “homens de palha”, a suspeita de que
terá sido C é evidente, algo que ainda mais se intensifica no terceiro reconhecimento.
Ora, a pluralidade que a lei exige como condição da qualidade epistemológica do
reconhecimento no artigo 149.º CPP estaria comprometida já que a repetição dos
figurantes influenciaria o reconhecimento por parte de A.

CASO N.º 16

Chamada ao local de um homicídio, a PJ deteve A em flagrante delito e


constituiu- o arguido. Não tendo sido possível apresentar imediatamente o detido a
primeiro interrogatório judicial – por não existirem magistrados de turno –, foi
realizada uma pormenorizada reconstituição do facto com intervenção ativa de A
(que contava, passo a passo, como os factos ocorreram e, em concreto, como
desferiu os golpes mortais sobre a vítima). A reconstituição foi documentada
mediante gravação.

Em audiência, o defensor opôs-se à valoração da gravação, argumentando


que as declarações autoincriminatórias prestadas por A no decurso da
reconstituição do facto foram produzidas sem obediência aos formalismos do
interrogatório.

Terá razão?

Temos uma situação de reconstituição do facto, regulada no artigo 150.º CPP. A


reconstituição do facto é uma verificação experimental sobre uma determinada hipótese
sobre factos para saber se as coisas poderiam ter ocorrido como foram descritas,
podendo destinar-se a testar a hipótese da acusação, o descrito pelo arguido ou até para
se aferir da probabilidade de um determinado meio de prova, como as declarações de
uma testemunha.

Mas aqui não existia uma descrição anterior, pelo que o que se pretendia era
documentar as declarações que o arguido estava disposto a prestar naquele momento
para evitar que depois pudesse mudar de ideias.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Será que existe algum obstáculo à valoração desta reconstituição? Para ser
valorada teria de cumprir os formalismos que a lei estabelece para o interrogatório
judicial, isto é, o arguido deveria ter sido esclarecido do seu direito ao silêncio,
interrogado perante autoridade judiciária com a presença do defensor, etc.

Ou seja, uma vez que não se trata de uma verdadeira reconstituição de facto mas
da materialização de declarações prestadas pelo arguido, teria de respeitar o disposto no
artigo 357.º nº1 alínea b) CPP. Isto porque vigora um princípio da não fungibilidade dos
meios de prova.

CASO N.º 17

Nos autos de inquérito com o n.º 843/19.1GAVNF, que correm termos no


Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi decidido, o JIC decidiu, ao
abrigo do disposto nos artigos 154.º, n.º 2 do CPP, com referência ao art. 172.º, n.ºs
1 e 2, ordenar a colheita coativa de vestígios biológicos do arguido V. H., com vista
à comparação do seu perfil genético com os vestígios biológicos recolhidos no
âmbito destes autos.

Não se conformando com essa decisão veio o arguido recorrer do referido


despacho, invocando que não pretende sujeitar-se à diligência e que a imposição
coativa, mediante o uso da força física, do dever de realizar uma zaragatoa bucal
não apenas conflitua com o direito à não autoincriminação como corresponde a um
meio proibido de prova por violação da proibição de tortura, maus-tratos e ofensas
corporais.

Resumo:

● Tortura: atos dolosos praticados com a intenção de obter informação probatória


e que se traduzem em violências graves ou de uma sucessão de atos de menor
gravidade, mas que, em conjunto, assumem uma manifesta gravidade;
● Artigo 126.º nº 2 alínea b): permite o uso da força nos casos previstos na lei. O
recurso à força é possível, mas tem de respeitar o princípio da proporcionalidade
e, no caso do arguido, ainda se tem de ter em conta o âmbito do direito à não
autoincriminação, sendo necessário determinar o que se inclui no seu âmbito:

36
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

o Direito à não autoincriminação: tem por objeto apenas as provas


comunicativas e aqui a diligência incide sobre o corpo, daí que não esteja
a ser desrespeitado.

Trata-se de realizar uma diligência sobre o corpo de uma pessoa contra a sua
vontade, um exame que é instrumental a uma ulterior perícia. Esse exame a que
requisitos tem de obedecer para que a informação recolhida possa ser valorada? O juiz
tem de autorizar esse exame que, por sua vez, terá de ser realizado numa entidade
autorizada. A lei estabelece este formalismo que até foi cumprido, pelo que a questão
que se coloca é: a pessoa a quem se faz o exame pode ser o arguido mesmo que ele não
consinta ou isso ofende o seu direito à não autoincriminação? Não porque este se
destina apenas às provas comunicativas, mas este critério é confirmado, de alguma
maneira, pela lei?

Se, porventura, o legislador criasse maiores exigências do que os requisitos ou


exigências estabelecidos para qualquer outra pessoa, isso teria implícita a ideia de que o
direito à autoincriminação influi neste âmbito, merecendo tutela. Ora, em relação ao
artigo 172.º CPP, a lei não distingue. Mas na lei da base de dados de perfis genéticos
prevê-se a possibilidade de recolher amostras biológicas ao suspeito para comparar com
as perfis já guardados na base de dados. Esta comparação só pode ser feita a arguido, o
que é sinal de que, do ponto de vista do legislador, a colheita de amostra para análise do
perfil genético não está incluída no direito à não autoincriminação já que se, assim
fosse, a lógica seria a oposta e proteger-se-ia mais o arguido.

Outra questão diferente é saber que espécie de medida se pode tomar para o
forçar a colaborar: pode usar-se força física ou só ameaçar com o crime de
desobediência? Não se incorre num meio de proibição de prova já que o artigo 126.º
CPP permite o recurso à força desde que se respeite o princípio da proporcionalidade.

CASO N.º 18

Num inquérito em que se investiga um homicídio por envenenamento, o MP


autorizou a realização de buscas no coberto ou telheiro que o suspeito, B, tinha
instalado num terreno agrícola a algumas centenas de metros da sua casa. As

37
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

buscas, realizadas pela PJ no 32.º dia subsequente à emissão do mandado,


permitiram encontrar uma substância que, analisada pelo Laboratório de Polícia
Científica, se concluiu ser arsénico. Embora o mandado não referisse quaisquer
revistas, B, que se encontrava no lugar onde a busca se realizou, foi revistado no
sentido de se apurar se transportava consigo, nas roupas e objetos pessoais, restos
de veneno.

Ainda no inquérito, o JIC determinou, a requerimento do MP, a apreensão


de quaisquer encomendas recebidas por B. Entre os pacotes apreendidos estava
um proveniente do defensor de B.

Podem estes elementos de prova ser valorados no processo?

Quanto às buscas: trata-se de uma busca ordinária já que parece que não estamos
perante uma dependência da casa, aplicando-se o regime geral das buscas do artigo
174.º e 176º. Elas foram autorizadas por quem tem competência para o efeito, mas
depois há questão da validade do prazo que terá sido ultrapassado – artigo 174.º nº 4
CPP. Qual é a consequência? A lei diz “sob pena de nulidade”, mas já vimos que por
vezes a lei não é rigorosa. Será que estamos de facto perante uma nulidade ou perante
uma proibição de prova? Se estivéssemos perante uma ultrapassagem do prazo grande
teríamos uma proibição de prova, mas neste caso estaríamos apenas perante uma
invalidade processual típica. As proibições de prova podem ser arguidas a todo o tempo
e reconhecidas oficiosamente pelo juiz, mas as nulidades sanáveis, como é caso, só
podem ser arguidas dentro de um prazo e pela pessoa a quem respeitam. Mas se o
forem, verifica-se praticamente o mesmo resultado que o das proibições de prova.

Quanto à revista de B sem consentimento: em princípio, seria necessária uma


autorização distinta para a busca e para a revista. Fora dos casos em que exista
mandado, os OPC podem fazer-se revistas nos casos do artigo 174.º nº 5 CPP. Mas o
artigo 176.º nº 3 CPP permite uma outra situação que inclui a situação enunciada. Mas
neste caso, a revista depois teria de ser validada pelo MP no prazo máximo, no
entendimento da professora, de 48 anos por uma questão de identidade de razão para o
previsto no artigo 254.º nº 1 a) CPP. Mas há quem entenda que o prazo é de 72h como
está previsto para as apreensões.

Quanto à interceção da correspondência: o juiz poderia autorizar e seria o


primeiro a ver o seu conteúdo, mas é preciso que haja fundadas suspeitas da prática de

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

um crime cujo limite máximo seja superior a 3 anos (o que é o caso, visto tratar-se de
suspeita de homicídio) e que a apreensão diga respeito à correspondência que essa
pessoa receba ou envie. Por fim, tem de ser relevante para a descoberta da verdade,
devendo o despacho ser fundamentado. Os requisitos estariam preenchidos mesmo
tratando-se de um pacote do defensor? Se o juiz estivesse convencido de que o pacote
fosse objeto de um crime cometido pelo próprio defensor, isto é, se suspeitasse que o
defensor fosse comparticipante de um crime imputado ao arguido ou autor de outro
crime incluído no catálogo poderia apreender-se e valorar esse pacote. Caso contrário,
esse pacote não poderia ser valorado.

CASO N.º 19

No âmbito de um inquérito aberto pelo DIAP do Porto, suspeitava-se do


envolvimento de A, B e C numa rede de furto e viciação de veículos. Em face das
suspeitas da prática de crime de associação criminosa (art. 299.º, n.º 1, CP) e de
vários crimes de furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, CP), furto simples (art. 203.º,
n.º 1, do CP), roubo (art. 210.º, n.º 1, CP) e falsificação (art. 256.º, n.º 1, al. a), e n.º
3, do CP), o Ministério Público requereu ao Juiz de Instrução Criminal
autorização para a realização de escutas aos telemóveis dos suspeitos, bem como
dos seus familiares mais próximos (cônjuges e irmãos), que se supunha
transmitirem informações com interesse para a descoberta da verdade. A referida
autorização para a realização de escutas foi imediatamente concedida, em
despacho fundamentado, pelo prazo de 60 dias, relativamente aos aparelhos
telefónicos identificados pelo Ministério Público.

Responda, separadamente, às seguintes questões, fundamentando sempre as


respostas com a indicação das normas aplicáveis:

a) Estão cumpridos no caso em apreço os pressupostos de admissibilidade de


escutas telefónicas enunciados no artigo 187.º do CPP?

A primeira coisa a ver é se estes crimes em apreço preenchem os crimes de


catálogo: a associação criminosa é crime de catálogo, porque é punível com pena de
prisão superior a 3 anos, o furto qualificado também é, pela mesma razão, o roubo

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

também o é, assim como a falsificação (artigo 187.º, nº 1, al. a) CPP). O único que não é
crime de catálogo é o furto simples.

É necessário que estejamos na fase de inquérito, assim como tem de haver


requerimento do MP e autorização do juiz de instrução, mediante despacho
fundamentado. Claro que o juiz não pode ir para além do requerimento do MP. Estes
requisitos estão todos preenchidos.

É ainda preciso que haja suspeita fundada em factos concretos: quanto a isso,
diz-se aqui que “em face das suspeitas”, pressupõe-se que há uma suspeita fundada em
factos que são trazidos ao caso. O crime, para além de ser do catálogo, tem de ser grave,
em concreto.

Quanto ao prazo das escutas, este é de 60 dias (artigo 187.º, nº 6 CPP). É


legítimo ou não? As escutas não podem fazer-se por mais de 3 meses, o que não implica
que fique aquém, como acontece neste caso. Enquanto se mantiverem os pressupostos
relativos às escutas, estas podem ser renovadas continuamente.

Mandou-se escutar os telemóveis dos suspeitos e familiares próximos, por se


pressupor que seriam necessários para a descoberta da verdade. O suspeito pode ser
escutado, nos termos do artigo 187.º, nº 4, al. a) CPP. Os mediadores de notícias, mesmo
que estejam de boa-fé, podem também ser escutados, tal como disposto no artigo 187.º,
nº 4, al. b) CPP. O que se pretende é obter informações provindas do suspeito. Mas e se
os mediadores de notícias forem familiares próximos, não há o direito de recusa? Por
não se colocar em questão o conflito anímico que está na base do direito de recusa de
depoimento o legislador não obsta a escuta a conversas do suspeito com familiares
próximos.

Em suma, parece estarem previstos todos os requisitos previstos para a


realização de escutas seja legítima, à exceção do furto simples, que, em si mesmo não
serve para fundamentar a valoração de escutas, sendo certo que se houver crimes que
legitimem as escutas o furto tenha conexão material com estes, irá poder ser valorado
também para o furto simples.

b) Admita que, no decurso das interceções telefónicas judicialmente


autorizadas, é gravada uma conversa mantida entre B e o seu defensor, D,
na qual o suspeito relata os factos criminais que terá praticado, e D se

40
APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

dispõe a prestar-lhe auxílio material. Poderão tais escutas telefónicas ser


valoradas como prova para a eventual condenação de D pelo crime p. e p.
no artigo 232.º do CP? E se a conduta de D for subsumível ao tipo legal do
artigo 231.º CP?

Podem-se fazer escutas entre o arguido e o defensor? Não, porque tem de se


assegurar as garantias da defesa. Para que se assegure estas garantias, é necessário que o
defensor conheça o arguido e os atos que ele eventualmente praticou (artigos 61.º, nº 1,
al. f) e nº 2 e 187.º, nº 5 CPP e artigo 32.º, nº 1 CRP).

O regime do artigo 187.º, nº 5 CPP não se estende a outras pessoas vinculadas


pelo segredo profissional, como o médico, psiquiatra, psicólogo, etc. Apenas se aplica
ao defensor.

A norma importa mais para o plano da valoração, do que para o momento da


produção da prova. No entanto, a norma não é uma carta branca para o defensor, pelo
que prevê que se este for comparticipante da infração, a proibição de valorar já não vale.
Também não vale quando o defensor não seja comparticipante, mas cometa ele próprio
outro crime do catálogo. Importa salientar o caso de comparticipação post delictum,
caso em que existe uma relação material entre as condutas principais e estas condutas de
comparticipação pós delitual. Nesse caso, podem aproveitar-se as escutas realizadas não
só para os crimes legitimados, mas também aqueles que estão relacionados com o
primeiro.

Quanto ao crime de B, não se podem valorar as declarações. Mas quanto à


conduta do defensor, D, propondo-se ele e praticar um crime, em princípio, podem
valorar-se as declarações. Para isso é necessário que se preencha um dos crimes de
catálogo, o que não se verifica, pois está em causa o crime do artigo 232.º CP. Assim
sendo, não se podem valorar as escutas quanto ao defensor nesta parte. E se a conduta
de D fosse submetida ao crime de recetação (artigo 231.º CP)? Se se tratasse deste
crime, já se trataria de um crime de catálogo, em que a pena de prisão vai até 5 anos.
Assim, tratando-se de crime de catálogo, as escutas já poderiam ser valoradas contra D.

c) Suponha que, ouvidas as gravações, o MP se apercebe de que C havia


praticado, um ano antes do início da atividade delitual em investigação, um
crime de ofensas corporais negligentes (art. 148.º, n.º 3, CP) e omissão de

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

auxílio (art. 200.º, n.º 2, CP). Poderá, de alguma forma, utilizar-se estas
escutas na investigação de tais crimes?

Está em causa o conhecimento fortuito quando se obtêm informações, isto é,


relativamente a crimes diferentes daqueles que estão a ser investigados. O artigo 187.º,
nº 7 CPP disciplina esta matéria, remetendo para o nº 1 e nº 4 (que tem de ser um dos
crimes de catálogo, com pena de prisão superior a 3 anos e só pode ser utilizada pelas
pessoas expressamente previstas na lei, respetivamente). A doutrina trata estes
requisitos em consonância com o princípio da intromissão sucedânea hipotética: as
escutas podem ser valoradas em processos e para crimes diferentes, se nesse processo e
em relação a esse crime, hipoteticamente eles pudessem ser autorizados.

COSTA ANDRADE entende que este é o resultado da aceitação da ideia de que


estamos perante um direito fundamental, o direito à autodeterminação informacional,
que postula uma vinculação ao fim que justificou a realização das escutas e o fim que
justifica a sua valoração.

O artigo 148.º, nº 3 CP não é um crime de catálogo, assim como não o é o do art.


200º, nº 2 CP, pelo que não se poderia valorar estas escutas, no processo que viesse a ter
lugar. Mas a lei refere que e tem de atender ao artigo 248.º CPP. Isto significa que estas
escutas, ainda que não possam valer como prova do crime, valem como notícia do
crime.

d) Poderão as escutas ser valoradas em juízo para a prova dos factos que
consubstanciam furto simples, se o crime que justificou as escutas tiver sido
apenas o de associação criminosa e o tribunal entender que se justifica a
absolvição dos arguidos nessa parte?

O problema que temos aqui é de conhecimentos de investigação: casos em que


se descobre informações que, não dizendo respeito ao concreto crime que legitimou as
escutas, respeitam a crimes íntima e materialmente relacionados com aquele (mesmo
objeto do processo, mesma realidade de vida). O furto simples tem uma conexão
material com o crime que legitima as escutas (associação criminosa).

As escutas podem ser aproveitadas para crimes-satélites mesmo que esses


crimes, em si próprios, não justificassem e legitimassem as escutas. Todavia, neste caso,
o crime que legitimou as escutas não se comprova. Não terão as autoridades mobilizado

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

uma suspeita inexistente sobre um crime de catálogo para realizar escutas que de outra
maneira não se podiam fazer para investigar outros crimes?

O perigo é evitado pelo próprio legislador. O legislador impõe a fiscalização por


um juiz e tem de fazer um controlo sindicante dos requisitos. Não basta que haja a
enunciação de um crime de catálogo, exige-se uma suspeita fundada em factos
concretos (a lei nada diz sobre isto, mas é o que se aceita doutrinalmente). Mas ROXIN
faz uma exigência adicional: as escutas só podem ser valoradas quando o crime que as
legitimou caísse e a suspeita desse crime tiver perdurado até à acusação. Se houver
acusação, é sinal de que a utilização das escutas não foi ilegítima.

COSTA ANDRADE vai mais longe: só podem ser valoradas as escutas se no


momento da valoração estiverem presentes os requisitos que justificam a autorização. A
associação criminosa não se comprova. Se, por substituição, outro crime de catálogo for
comprovado, as escutas continuam a ser legítimas, para COSTA ANDRADE. Mas isto
entra em conflito com a reserva da vida privada. É defendido por COSTA ANDRADE,
mas o próprio jurista diz que matérias sobre crimes não pertencem ao núcleo protegido
pela reserva da vida privada. Se entendermos que as informações sobre crimes não
merecem a proteção da vida privada, esta exigência já não se verificaria.

O legislador autoriza as escutas, porque existe a suspeita de crime mas as


informações que se vão captar são de várias índoles. O legislador crê que esta devassa
ampla só se justifica se estiverem preenchidos os requisitos. Se entendermos isto assim,
a partir do momento em que fizermos as escutas e a devassa da vida privada já foi
justificada pelo preenchimento dos requisitos, e depois de se obter as informações e da
seleção da informação, tudo o que será valorada já nada contende com a proteção da
vida privada. Na valoração já só vamos considerar apenas aquilo que tem relevância
criminal. Ora, isto quer dizer que as exigências que COSTA ANDRADE impõe já não
se justificariam. Isto porque este jurista acha que está em causa o princípio da
sobrecarga informacional.

A tese de COSTA ANDRADE assenta numa premissa que o próprio não adere
totalmente, e esta premissa não é absolutamente inequívoca.

e) Admita agora que as escutas se revelaram infrutíferas em relação às


infrações investigadas, mas permitiram descobrir que A recebera de E,

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

magistrada judicial, informações sobre vários processos-crime ainda em


segredo de justiça. Poderá o resultado das escutas ser usado contra E no
processo que lhe venha a ser movido por crime de violação de segredo (art.
195.º do CP)? E se o crime imputado fosse o de prevaricação agravada (art.
369.º, n.º 2, do CP)?

Estamos na matéria de conhecimentos fortuitos, onde não existe conexão


material entre o crime investigado e a confissão revelada nas escutas, ou seja, uma
situação em que se obtêm informações relativamente a crimes diferentes daqueles que
estão a ser investigados.

A doutrina exige algo mais do que o nexo formal, previsto no artigo 187.º nº 7
CPP, é preciso uma relação material entre os crimes. Não há um critério unanime, mas o
que se tem dito é que há conexão material nos crimes de associação e normalmente este
critério é visto casuisticamente.

Para serem valoradas nos termos do artigo 187.º nº 7 do CPP, tem de ser um
crime catálogo. É preciso saber se é possível valorar relativamente ao outro crime –
prevaricação agravada. É preciso que as escutas sejam também indispensáveis para a
comprovação desse crime.

Por fim, é preciso que esteja preenchido o requisito do artigo 187.º nº 4 CPP.
Neste caso, as escutas foram autorizadas a A, B e C, A conversou com E, e, por isso, a
conversa autoincriminatória de E foi captada nas escutas. O requisito do 187.º nº 4 está
preenchido, porque este artigo não exige que a conversa autoincriminatória seja do
próprio alvo, o que impõe é que a conversa onde se revelam informações
incriminatórias seja uma conversa captada numa escuta feita ao alvo. O que a lei quer é
que não haja uma utilização abusiva das escutas.

f) Como deveria proceder o Ministério Público caso pretendesse obter,


durante o inquérito, a «faturação detalhada» relativa a determinado cartão
de telemóvel usado por A? E se em causa estivesse a obtenção de
informação sobre a titularidade do contrato associado a determinado cartão
que o mesmo A utiliza?

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Já não se trata de dados de conteúdo, de conversas. Quer ter acesso a


informações relativas ao tempo, duração, interlocutores e frequência das conversas que
o alvo tem com outras pessoas – dados de tráfego.

Se se tratar de dados relativamente a comunicações que foram feitas,


aplicar-se-ia a Lei nº 32/2008. Como é que o MP deverá proceder? No artigo 9.º da lei
diz-se como deve proceder. Este estabelece um regime paralelo ao do artigo 189.º CPP,
mas com duas exceções: o regime é mais amplo do que o do CPP, pois inclui todos os
crimes que a lei qualifica como graves (artigo 2.º, nº 1, alínea g) Lei nº 32/2008) e não é
só o MP que pode requerer, como acontece no caso das escutas, mas também as
autoridades de polícia criminal, que são as previstas no artigo 1.º, alínea d) CPP. O MP
deve requerer ao juiz, nos termos do artigo 189.º, nº 2 e da Lei nº 32/2008,
fundamentando o requerimento.

Se estivesse em causa a obtenção de informação sobre a titularidade do contrato,


neste caso, não estão abrangidos pela tutela do sigilo das telecomunicações, não valendo
o regime do artigo 189.º, nº 2 CPP, mas antes o do segredo profissional (artigo 135.º
CPP). No entanto, se os dados de base se quiserem obter em articulação com a obtenção
dos dados de tráfego, o regime é o previsto no artigo 9.º da Lei nº 32/2008.

Ou seja, a resposta mais correta seria “depende”: se se pretender obter dados de


base sem os dados de tráfego, vale o regime previsto no CPP do segredo profissional.
Na hipótese de quererem obter informações, em conjunto, de dados de base e dados de
tráfego aplica-se a Lei nº 32/2008.

CASO Nº 20

Discuta as seguintes situações práticas à luz da proibição da reformatio in


pejus:

a) A, condenado numa pena de 12 anos de prisão interpôs recurso da decisão


proferida com fundamento, inter alia, na nulidade da audiência por ter
decorrido sem a presença do defensor. O tribunal superior deu provimento
a tal recurso, tendo anulado a decisão proferida e remetido os autos à
primeira instância para novo julgamento. Em resultado do novo julgamento
assim efetuado, A veio a ser condenado numa pena de 13 anos de prisão.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

A questão que se coloca é saber se esta condenação é legítima. Se o defensor não


está presente na audiência de julgamento, existe um vício que gera a nulidade insanável,
nos termos do artigo 120.º, nº 1 e 119.º, alínea c) ex vi artigo 64.º, nº 1, alínea c) CPP.
As nulidades insanáveis podem ser arguidas a todo o tempo e podem ser conhecidas
oficiosamente. Podia ser invocada pelo MP, pelo arguido ou conhecida pelo juiz.

Quanto ao caso em concreto, temos um problema de proibição de reformatio in


pejus indireta, porque o que se pergunta é se o tribunal de reenvio fica vinculado ou não
à decisão da nova pena aplicável. Existe proibição da reformatio in pejus indireta, pelas
mesmas razões que justificam a proibição da reformatio in pejus direta (artigo 409.º
CPP), mas só quando o recurso tenha sido interposto pelo arguido ou pelo MP, no
exclusivo interesse do arguido.

Por isto, a proibição da reformatio in pejus indireta também vale, pelo que o
tribunal não fica vinculado à pena aplicável, uma vez que não se pode modificar a
decisão recorrida para pior, na perspetiva do arguido. Ou seja, não se pode agravar, nem
em espécie, nem em medida, a pena aplicável ao arguido.

b) B foi condenada pela prática de um crime de furto simples numa pena de


um ano de prisão, substituída pela prestação de trabalho a favor da
comunidade. Foram interpostos dois recursos: o primeiro pelo arguido,
pugnando pela absolvição, e o outro pelo Ministério Público, argumentando
que os factos provados conduziam a um diverso enquadramento
jurídico-penal ― na figura do artigo 211.º do CP, constante da acusação ―,
já que B tinha agredido a pessoa que a procurou deter depois de ter
procedido à subtração. Conhecendo dos recursos, o Tribunal da Relação
revogou a decisão da primeira instância e condenou B pela prática de um
crime de violência após a subtração (e não de furto) na pena de um ano de
prisão, cuja execução declarou suspensa pelo mesmo período.

Para a reformatio in pejus interessa apenas a pena aplicável. Neste caso a pena é
mais grave ou não (pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade e
pena de prisão substituída por pena de prisão suspensa)? Neste caso há uma agravação
da pena na sua espécie, e não na sua medida. Esta modificação poderia ocorrer ou não?
Neste caso não vale a proibição da reformatio in pejus, porque houve um recurso do

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

MP, que não no exclusivo interesse do arguido. Esta hipótese não cabe, portanto, no
âmbito de aplicação do artigo 409.º CPP.

c) C, jogador de futebol da Liga de Honra, foi condenado numa pena de multa


de 100 dias à taxa diária de € 10, por ter agredido um adepto no final de um
encontro de futebol na cidade de Barcelos. Na pendência do recurso
interposto apenas pela defesa, C passou a jogar num clube da 1.ª Liga e
beneficiou de um significativo aumento salarial. Em face desta nova
realidade, o Tribunal da Relação de Guimarães condenou o arguido
-recorrente numa pena de multa de “apenas” 90 dias, mas à taxa diária de €
200.

A proibição da reformatio in pejus também se aplica aos casos em que é


aplicado ao agente uma pena de multa (artigo 409.º, nº 2 CPP). Tem-se questionado se o
tribunal superior pode agravar a pena de multa. O que se tem entendido é que o tribunal
pode agravar o quantitativo diário se a situação económica do arguido melhorou, mas
não pode aumentar o número de dias de multa.

Houve uma violação da reformatio in pejus? Aqui não vale a reformaito in


pejus, porque a única coisa que o tribunal não pode fazer é aumentar o número de dias
de multa. Aqui o número de dias é reduzido mas a aumenta-se a taxa diária, o que é
admissível aqui porque houve uma melhoria das condições financeiras do arguido. Ao
reduzir o número de dias, não se viola o princípio.

CASO Nº 21

Em processo comum perante tribunal coletivo, A foi condenado numa pena


de 7 anos de prisão pela prática do crime p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. b), por
ter agredido B na cabeça com um pau, provocando-lhe perigo para a vida.

Inconformado, o arguido pretende interpor recurso da decisão, invocando


erros na valoração da prova produzida em audiência de julgamento, a qual, em seu
entender, impunha conclusão diversa em relação a alguns pontos da matéria de
facto.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

a) Diga de que prazo beneficia o arguido para interpor o recurso, qual o


tribunal competente para o seu conhecimento e quais os poderes de
cognição desse tribunal.

Admite-se recurso per saltum para o STJ? As regras estão no artigo 247.º e ss
(TR) e artigo 432.º e ss (STJ). O prazo para recorrer é sempre de 30 dias (art. 411º, nº1
CPP), seja qual for a natureza do processo e quer verse sobre matéria de facto ou de
direito. Em regra, os recursos são reconduzidos ao TR, exceto se estiverem preenchidos
os pressupostos do artigo 432.º, nº 1, alínea c) CPP: é necessário que se trate de uma
decisão condenatória, que se aplique uma pena de prisão efetiva superior a 5 anos, e que
se trate de uma decisão de tribunal coletivo ou de júri, requisitos estes que estão
cumpridos. No entanto, é ainda necessário que verse sobre matéria de direito, o que não
se verifica, pois estamos perante matéria de facto. Assim sendo, não poderia haver
recurso per saltum para o STJ, tendo antes este de ser reconduzido ao TR.

Quanto à questão de saber qual é o tribunal competente: em princípio, os


recursos são interpostos para o TR, a menos que se trate de um caso de recurso per
saltum para o STJ (artigo 432.º CPP). Neste caso, importa o artigo 432.º nº 1 alínea c),
sendo que esta não se aplica porque não preenche o requisito de se tratar de matéria de
direito, mas de facto. Assim sendo, o tribunal competente será o da Relação, nos termos
do artigo 427.º CPP.

Quanto aos poderes de cognição, a Relação conhece de matérias de facto e de


direito (artigo 428.º CPP), porque tem a possibilidade de, excecionalmente, renovar a
prova (artigo 430.º CPP), quando se verifique alguns dos vícios do artigo 410.º, nº 2
CPP e o relator entenda que a renovação da prova permite evitar o reenvio do processo à
1ª instância para nova decisão.

b) A resposta seria a mesma caso o fundamento do recurso fosse apenas a


questão de saber se, atentos os factos dados como provados, deveria dar-se
como preenchida a qualificante do artigo 132.º, n.º 2, al. h), por remissão do
artigo 145.º, n.º 2, ambos do CP?

Imaginemos que o problema que se põe é apenas o de saber se está preenchida


essa qualificante. Neste caso, a resposta não seria a mesma: já seria admissível o recurso

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

para o Supremo, porque estamos perante matéria de direito (artigo 432.º, nº 1, alínea c),
parte final CPP).

No mais, a resposta seria a mesma quanto ao prazo, que é de 30 dias (artigo


411.º, nº 1 CPP) e quanto aos poderes de cognição, estes incidem sobre matéria de
direito (artigo 434.º CPP).

c) Na hipótese da alínea a), admita que o Tribunal da Relação do Porto,


conhecendo do recurso interposto pelo arguido e pelo MP, reduziu a pena
para 6 anos de prisão. Poderá o arguido, inconformado com tal decisão,
recorrer para o STJ? E se a decisão do TRP tivesse sido absolutória,
poderia o MP interpor recurso para o STJ?

Aplica-se o artigo 401.º nº 1 CPP, que deve ser lido a contrário já que este nos
diz os casos em que não há recurso, importando as alíneas f) e e). Ou seja, a contrário
existe recurso quando a condenação seja em pena superior a 8 anos e se ficarmos no
intervalo entre os 5 anos e os 8 anos, só haverá recurso se houver divergência.

As decisões se ambos os tribunais não foram iguais, mas a apreciação de saber


se a decisão é confirmatória ou não é algo que se faz da perspetiva do recorrente. Não
faria sentido admitir recurso numa situação em que o agente conseguiu diminuir a pena,
quando tal não o seria permitido se o tribunal superior mantivesse a pena a que aquele
foi condenado na 1ª instância.

Se a decisão do TR tivesse sido absolutória num caso em que veio condenado


numa pena que ficou estabelecida naquele intervalo, parece que pode haver recurso nos
termos do artigo 401.º nº 1 alínea b) CPP.

d) Suponha agora que A foi absolvido em primeira instância por verificação


da legítima defesa. Em recurso interposto pelo MP, o Tribunal da Relação
concluiu não estarem verificados os pressupostos da referida causa de
exclusão da ilicitude e condenou o arguido numa pena de 5 anos de prisão
efetiva. A poderá recorrer desta decisão? E se a Relação tivesse condenado
A numa pena de multa?

Aqui o tribunal de 1ª instância absolve e a Relação condena em 5 anos: este é


um caso de condenação surpresa.

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

Neste caso, a lei diz que não pode haver recurso para o STJ, uma vez que pena é
não superior a 5 anos (artigo 432.º, nº 1, alínea e) CPP). No entanto, a lei foi declarada
inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão nº 595/2018, pelo que é como
se esta norma não existisse. Fora destes casos, pode haver recurso para o Supremo.

Assim sendo, poderia haver recurso nesta hipótese, uma vez que estamos perante
um caso de pena de prisão efetiva. Se tivesse sido aplicada, por exemplo, uma pena não
privativa da liberdade, não poderia haver recurso, porque o TC só declarou a
inconstitucionalidade para os casos de pena de prisão efetiva, e não outros.

Em momento de avaliação é necessário falar da evolução sintética e das


possíveis soluções para o caso (solução de Paulo Pinto de Albuquerque, Damião da
Cunha, desembargador Gomes Correia e Sandra Silva).

Exame época normal 2017/2018

Em finais de abril, três encapuzados entraram armados numa dependência


bancária em Espinho, ameaçaram clientes e funcionários e saíram levando consigo
cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros) em notas. As imagens dos assaltantes foram
captadas nas câmaras de vigilância.

Semanas depois, foi ordenada por juiz a realização de uma busca à


residência de A, onde foram encontrados, num esconderijo, uma arma e cerca de €
7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) em numerário.

A foi interrogado sobre a sua identidade e sobre a proveniência do dinheiro,


tendo-se mantido sempre em silêncio. Foi ainda sujeito a uma diligência de
reconhecimento, mas recusou-se a envergar roupas escuras e uma camisola com
capuz como as usadas pelos assaltantes, invocando o seu privilege against
self-incrimination.

c) Suponha, agora, que A é moldavo e não domina a língua portuguesa.


Haverá algum vício se no primeiro interrogatório judicial de arguido detido não
estiver presente nem o defensor, nem o intérprete? Em caso de resposta afirmativa,
indique quem tem legitimidade e qual o prazo para a sua arguição.

Quanto à falta de defensor:

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

● Artigo 64.º CPP – prevê os casos em que é obrigatória a presença do defensor,


importando para o caso a alínea b);
● Artigo 119.º alínea c) CPP – A sua falta, neste caso, implica uma nulidade
insanável;
● Artigo 357.º CPP – uma vez que são necessários estes requisitos para que as
declarações do arguido em interrogatório possam ser valoradas em tribunal, o
legislador passou a exigir a presença do defensor para que este requisito
estivesse sempre preenchido.

Quanto à falta de intérprete:

● Artigo 92.º nº 2 + artigo 120.º nº 2 alínea c) – temos um caso de nulidade


sanável.
● A nulidade insanável podem ser invocadas a todo o tempo até ao trânsito em
julgado da decisão e podem ser conhecidas oficiosamente pelo juiz (artigo 119.º
nº 1 CPP). Assim sendo, pode ser arguida por qualquer pessoa e a todo o tempo
até ao trânsito.
● A nulidade sanável tem de ser arguida pelo interessado, que seria o próprio A, e
o prazo para a sua arguição deveria ser o da alínea a) do nº 3 do artigo 120.º
CPP, mas para tal é necessario que o vicio seja cognoscivel e que o interessado
possa efetivamente argui-lo. Neste caso, tinhamos uma pessoa que não
dominava a língua portuguesa nem que sequer estava acompanhada do seu
defensor, daí que, apesar do vício ser cognoscivel, a pessoa não tem condições
materiais para poder arguir o vício. Assim sendo, não devemos aplicar o prazo
do 120.º nº 3 alínea a) CPP, tendo de lhe ser nomeado defensor primeiro antes de
o prazo se poder começar a contar, aplicando-se o prazo da alínea c) do artigo
120.º nº 3 CPP.

Época de recurso 2015/2016

A, dono de uma discoteca na zona industrial de Matosinhos, recebia


chamadas insistentes de um indivíduo que, dizendo-se dono de uma empresa de
segurança noturna, oferecia os seus «serviços» a troco de somas avultadas,
advertindo sempre num tom de ameaça velada: «nunca se sabe, a sua discoteca
pode sofrer um incêndio!». A gravou a última dessas conversas telefónicas e

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APONTAMENTOS PRÁTICOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II

apresentou queixa-crime contra desconhecidos por tentativa de extorsão (art. 223.o


do CP).

Com base nos elementos obtidos junto da empresa de telecomunicações por


despacho do Ministério Público, foi identificado como suspeito B, que negou ter
sido ele o autor dos telefonemas nos vários interrogatórios a que foi sujeito. Com a
intenção de obter de B alguma informação relevante, o inspetor responsável pela
investigação comunicou-lhe falsamente que uma perícia fonética feita a partir das
gravações dos interrogatórios anteriores tinha permitido concluir que era sua a voz
gravada por A. B decidiu, então, confessar os factos imputados, tendo sido acusado
pelo crime imputado para julgamento na forma comum.

b) Suponha que A, entretanto admitido a intervir como assistente, não foi


pessoalmente notificado da data da audiência de julgamento e, por esse motivo,
não compareceu. Diga por quem e em que prazo pode ser arguida a invalidade
resultante, referindo-se aos efeitos do seu conhecimento.

Se a pessoa não foi notificada e, por isso faltou, a sua ausência gera nulidade
sanável – artigo 120.º nº 2 b) CPP.

Prazo – artigo 120.º nº 3 alínea b) remete para a nulidade da alínea b). Mas
temos de ver se isto faz algum sentido: a falta de notificação associada à ausência gera
uma nulidade sanável, sendo que a mera falta de notificação é apenas uma
irregularidade. Ora, uma vez que só se toma conhecimento da existência desta nulidade,
no momento da ausência do arguido na audiência de julgamento, esta norma não faz
qualquer sentido, daí que estejamos perante um lapso já que o que se pretendia era
remeter para a alínea a) do nº2 e não para a b). Ora, assim sendo aplica-se o prazo geral
de 10 dias – artigo 105.º nº 1 CPP.

Note-se que as nulidades sanáveis, sanando-se pelo término do prazo.


Tratando-se de um vício quanto à notificação, este sana-se com o comparecimento da
pessoa já que a sua finalidade se cumpriu, mas se a pessoa comparecer apenas com o
intuito de arguir a nulidade, esta já não se sana – artigo 121.º CPP.

Efeitos – sendo arguida dentro do prazo, aplica-se o disposto no artigo 122.º


CPP.

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