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A HQ SANS E A TIPOGRAFIA NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS > OxNOnrevesewewvas Maximilian de Aguiar Vartuli! VARTULI, M. de A. A HQ Sans ¢ a tipografia nas histérias em quadrinhos. Revista Educagiio Grafica, Bauru, m9, p.157-163, 2005. Resumo Este artigo traz uma breve abordagem sobre tipografias para historias em uadrinhos, mostrando a evolugao da técnica utilizada pelos letristas dos quadrinhos e sua importancia no contexto da tipografia pos- moderna, © artigo também traz a questo semiética no momento da migracao do letreiramento para os meios digitais. presente trabalho ainda descreve a metodologiade projeto de uma fonte especifica para historias em quadrinhos; a HQ Sans, Palavras-chave: Tipografia, historias em quadrinhos, semi6tica, metodologia, design grafico. Abstract This article brings a brief approach to typography for comic books, showing the ¥ Graduando em design grafico da Universidade Federal de Santa Catarina, Email: mawvartuliagmallcom 157 > evolution of the technique used by comic book letterers and its importance within the context of post-modern typography. The article also discusses the semiotic issues the migration moment from said lettering to digital media. Furthermore, the present work describes the project methodology of a specific font for comic books, the HQ Sans, Keywords: Typography, comics, se methodology, graphic design. 1, Introdugéo Uma das caracteristicas mais marcantes da tipografia pés-modema o que se pode cchamar de fontes vernaculares. Segundo JACQUES (1998) as fontes vernaculares so alfabetos desenvolvidos com base em elementos do cotidiano ou “lugar-comum”. Um destes elementos transportado para o Universo da tipografia so as historias em quadrinhos (HQs). Hé pelo menos duas boas justificativas para se criartipografias baseadas em letras de historias em quadrinhos. A primeira diz respeito ‘20 fato de poder conferir-se a uma peca grafica qualquer uma referéncia as HQs e tudo 0 que elas possam representar, como a infancia, despojamento, juventude e cultura de massa. A outra justficativa diz respeito ao carster \écnico da produgao dos quadrinhos, pois a alizagao das letras, antes feitas 2 mao, agiliza 0 processo de producao das historias e possibilita que os proprios artistas, possam digitalizar sua letra, dispensando assim 0 trabalho do letrista. Dentro do baléo, 0 letrciramento reflete a natureza e a emocio da fala, Na maioria das vezes, ele € resultado da personalidade (estilo) do artista e do personagem que fala. (EISNER, 1989, pig, 27), © artista utilizar sua propria letra reforca também o cardter autoral de suas > 158 Hs, aumentando a unidade e coeréncia de sua arte, presente trabalho destacaré a migracdo da arte do letreiramento de histéria em quadrinhos para o meio digital, analisando algumas de suas implicagoes ¢ demonstrar uma metodologia de projeto especifica para a projetacao destas fontes, através da fonte HQ Sans. 1.1 Algumas definicées Uma diferenciagio que cabe fazer 6 entre a escrita, o lettering (letreiramento) a tipografia. Aescrita, feita a mao, possui um carater nico e autoral, cujas partes resultantes s30 um tragado fluido. O lettering, ou forma desenhada, resulta da combinagio de diversos tragos, como as vistosas letras dos cartazes litograticos do século XIX ou os grafites das grandes metr6poles. Quanto a0 ccaractere tipografico, é aquele que pode ser desarticulado, obedecendo sistemas de mecanizacao. (GAUDENCIO JUNIOR, 2004, pig. 40). A fonte descrita neste trabalho € uma tipografia vernacular que busca imitar 0 lettering que originalmente era feito nas histérias em quadrinhos. As equipes que produzem as historias em quadrinhos sao geralmente compostas por um roteirista, que ctia e desenvolve as historias, um desenhista, que materializa em desenhos a lépis o roteiro, um arte-finalista, que elabora 0s sombreamentos e passa a tinta anquim sobre o desenho a lapis, 0 colorista, que € 0 responsdvel por colocar as cores indicadas nos desenhos e finalmente 0 letrista Letrista € 0 profissional que coloca fontes e os balGes nas historias em quadrinhos (que por sua vez podem ser abreviadas para a sigla HQ ou coloquialmente, quadrinhos) € letreiramento € 0 ato de colocar letras nessas historias. ‘Outros termos técnicos surgiréo a0 longo do artigo e serdo devidamente elucidados. 2. Tipografia nas histérios em quadrinhos AA tipografia nas hist6rias em quadrinhos surgiram da necessidade de inserir textos das falas em sua narrativa. Desde 0 infcio, as letras eram elaboradas & mao pelo proprio desenhista da histria e mais tarde, com 0 aumento do volume de trabalho, por um profissional especifico; o letrista. As letras ndo-manuscritas, ou mecénicas, nao foram bem recebidas na composigao tipografica das HQs. Tentou-se varias vezes “conferir dignidade” a tira de quadrinhos utilizando tipos mecanicos ao invés do letreiramento a mao. A composi¢io tipografica tem realmente uma espécie de autoridade inerente, mas tem um efeito “mecanico” que interfere na personalidade da arte feita & mao livre, (EISNER, 1989 pag. 27) Com a popularizacao da editoracdo ‘eletronica e dos softwares de edicao grafica de forma geral, comegam a surgir fontes ‘especificamente desenvolvidas para serem zadas em hist6rias em quadrinhos. Pode- Se tomar como exemplo o site Comic Book Fonts, especializado na comercializagio de tipografias para historias em quadrinhos. Ha dentro deste universo, por sua vez, uma especializacdo ainda maior, existindo fontes especificas para cada tipo de personagem, ou para cada uma de suas emogées, como ‘mostra a figura 1. Segundo EISNER (1989) 0 letreiramento, tratado “graficamente” ¢ a servico da historia, funciona como uma cextensdo da imagem. Neste contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte “narrativa, e a sugestio de som. CUTTHROAT Inches Regul: Italice Bold Wali & Miceval LOSVAMPIROS Includes Regutar; ttalic & Bold italic LOSVAMIPIROS-INTERNATIONAL ry rmarnacionel character D DigitalDelivery inchides Regular: Italic, Bold Boteate & Display forts MEANWHILE Includes Regutar; Italic, Bold Wealic & Uncial DAVEGIBBONS Includes Regular, Italic & Bold Italic REDSTAR Includes Regular, Italic & Bold italic Figura 1: Algumas fontes do catélogo do ste Comic Book Fonts ié também os artistas que ao invés de adquirirem fontes prontas, preferem desen- volver as suas. Isso reforca a identificacao da histéria em quadrinhos com o artista, posto que seu estilo esta explicito também em sua caligrafia. 159 > Uma peculiaridade das letras para hist6rias em quadrinhos ¢ o fato de ser de uso corrente somente as maidsculas Segundo SPENCER (apud FARIAS, 1998) palavras compostas apenas com letras maidsculas s20 consideravelmente menos legiveis do que palavras compostas em caixa baixas. Apesar disso, a maior parte das historias em quadrinhos, contém seus textos ‘escritos em letras manuseritas que imitam as caixa alta sem serifa convencionais, como mostra a figura 2. ‘Figura 2: Detalhe de “Corto Maltese - La casa dorata oi Samarcands* de Hugo Pratt 3. O projeto H@ Sans AHQ Sans 6 uma tipografia digital para histérias em quadrinhos. Foi inicialmente concebida como um trabalho do curso de sraduacao em design da USC. ‘Como esta é uma fonte especifica para historias em quadrinhos, seus conceitos foram definidos de acordo com a estética e a forma das HQs. Embora haja alguma disc6rdia sobre a legibilidade, optou-se, para fortalecer 0 carater semiGtico, por manter a fonte somente > 160 com as caixa alta, posto que a maioria das HQs possuem o letreiramento assim, * (VARTULI, VIEIRA, 2005 pag. 04) Seu projeto envolveu uma metadologia de trabalho especifica para manter as caracteristicas desejadas no produto final. 3.1. Metodologia do projeto tipogrético ‘Uma das necessidades prementes era a de manter a fonte com um aspecto artesanal. Por se tratar de uma letra manuscrita, optou- se por gerar a letras de forma tradicional (com caneta e papel) para posteriormente as digitalizar. Para manter 0 aspecto espontineo destas letras, foi produzida uma folha com diversas amostras da caligrafia pretendida. Nesta folha, cada uma das letras do alfabeto foi repetida varias vezes para escolher entio qual de cada uma destas seria 0 “a” ou 0 “b” mais adequado para integrar a fonte, como mostra figura 3. O material utlizado foi papel couche brilho, poistinha uma menor absorcao de pigmento, fazendo assim os tracosficarem mais precisos, e caneta Pincel Atémico Pilot. AAAAAAAABAAAAAAAAAA AA BBEBBBBSSBBBE SEEBBEREE BBBBES SECEC SEES SRO CE DPDUDDPDDDPPDD EGEEEEFECEEECECE FRFECERFEFEEFFEFE FREFF E666 GaGaaq GG66666 HHH pH IM SIDS ddd WIIDI WISI ddd vd dd ddd IIIS IIS K KKKKKKKKK gmp KKKKKKKKKKKKK KKK CLLEELLLELELL Figura 3: Uma das folhas de amoxiragem dias letras manuseritas ‘Apés a selecdo dos caracteres, estes foram digitalizados em forma de bitmap utlizando-se um scanner, para posteriormente serem transformados em vetores (glyph) utilizando-se © software Corel Trace. Em seguida a os vetores foram exportados em formato de fonte através do software Corel Draw. Este software, no entanto, demonstrou- se deficiente para realizar os demais ajustes necessarios 8 fonte, tais como o de espacejamento (spacing). A partir deste ponto, adotou-se o software Fontographer 4.1, especifico para a produgo de fontes. Os principais ajustes de espacejamento trabalhados na HQ Sans foram o de keming e tracking. Segundo NIEMEYER (2003) 0 kerning € 0 ajustamento de espacos horizontais entre pares de caracteres espectficos em um texto e 0 tracking 6 0 controle do espaco médio entre os caracteres ‘num bloco de texto, Existem pares “apertados” que demandam kerning negativo (figura 4) e “espalhados” que demandam kerning positivo {tais como “IM” e “IL”. No caso da HQ Sans, ‘juste de kerning positive nao foi necessério, pois os caracteres foram posicionados de ‘maneiraa permanecerem no centro horizontal de seu eme. Eme & 0 espago quadrado que Figura 4: Par de kerning com ajuste ccontém a face do tipo e tem o mesmo tamanho deste, mais 0 espacejamento. Na figura 5 é + feita uma analogia entre um cliché tipogratico seu equivalente digital. Figura 5: Analogia entre um antigo cliche tipogritico ‘@ o1€me como € entendido nos softwares. Apés terem sido executados satisfatoriamente os ajustes, decidiu-se criar uma versio bold da HQ Sans. Essa verso seria usada para destacar palavras ou frases importantes no fluxo dos textos. Para essa versio, utilizou-se como base a HQ Sans original, criando agora uma diferenciagao entre 0 que entdo passou a se chamar HQ Sans Roman (figura 6) e HQ Sans Bold (figura 7), Essas vatiacdes dizem respeito ao peso da fonte. (© peso) relaciona-se 8 espessura dos tracos em um mesmo corpo de um tipo de uma mesma familia. Os niveis de variagao HQ SANS ROMAN ABCGDEFGHIJKLM NOPQRSTUVXWYZ 1234567890 &S(t2)" AAAAG Figura 6: HQ Sans Roman 161 > mais importantes séo (do mais espesso a0 mais fino): extra-negrito (extra-black), negrito (bold), normal (medium), claro (light) e extra- claro (extralight). (NIEMEYER, 2003 pag, 32) HQ SANS BOLD ABCEDEFGHIJKLM NOPQRSTUVXWYZ 1234567890 asttey” AAAAG Figura 7: HQ Sans Bold 3.2 A fonte aplicada A figura 8 mostra um exemplo de aplicagao da fonte HQ Sans em uma historia chamada “Barnabé” publicada em 2004, Figues af PTO Sane ne om ‘uma histéria em quadrinhas 4 Conclusdes As tipografias para historias em quadrinhos nao sé cresceram como > 162 especializaram-se muito no cenario pés- modemo. Dentro dos quadrinhos, nao so * apenas fontes diferentes para dar peso énfase a mensagem que aumentaram de nGimero, mas também fontes que repre- sentem algo do autor da mensagem (como seu proprio estilo de desenho e caligrafia) O desenvolvimento de uma metodo- logia especifica para a elaboracio destas fontes, é uma ferramenta fundamental para @ popularizacao desta tecnologia em prol da melhora do nivel técnico e diminuicio do ruido entre 0 emissor da mensagem {artista de quadrinhos) e o receptor (leitor) A HQ Sans, reflete um pouco deste ‘cenario pés-moderno, onde, gragas.a difusio trazida com a editoracao eletronica, muitos designers e artistas podem se expressar de forma mais ampla e clara Referéncias bibliograficas EISNER, Will. Quadrinhos ¢ arte seqiiencial. ‘So Paulo: Martins Fontes, 1989. FARIAS, Priscila L. Tipogeafia digital: 0 impacto das novas tecnologias. Rio de Janeiro: 2AB, 1998. GAUDENCIO JUNIOR, Norberto. A heranga ‘escultérica da tipografia. Sao Paulo: Edicées Rosari, 2004, JACQUES, Joao Pedro. Tipogeafia pés- moderna. Rio de Janeiro: 2B, 1998, NIEMEYER, Lucy. Tipografia - Uma apresentagao, Rio de Janeiro: 2AB, 2003. hitp:/iwww.comicbookfonts.com. Acessado em 15 de agosto de 2005, hrtpiliwww.maxvartuli.tk. Acessado em 16 de agosto de 2005, VARTULL, M. de A.; VIEIRA, J. W. HQ Sans - Uma tipografia digital para historias em quadrinhos. In: GRAPHICA 2005: INTERNATIONAL CONGRESS ON. ENGINEERING GRAPHICS FOR ARTS AND DESIGN, VI; SIMPOSIO NACIONAL DE GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TECNICO, 17°, , Anais... Recife, PE: UFPE, 2005 163 >

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