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O capeta e o povo

Sempre me chamou a atenção que diabo é uma das palavras com mais sinônimos no dicionário. A
explicação erudita de que a variedade de nomes se deve à superstição de que o nome não deve ser
pronunciado nunca me pareceu totalmente convincente, até porque no pódio junto com ele estão as
palavras cachaça e prostituta, também repletas de sinônimos.
Tanto na cultura popular quanto na erudita o coisa-ruim é personagem rotineiro também, seja na
dúvida existencial de Riobaldo Tatarana ou nas infindáveis variações sobre o tema de Fausto. Mas
considero particularmente mais interessante um diabo que invade a literatura vindo das tradições
populares e ao invés de iludir é ele próprio ludibriado.
O papel do cão como trickster é bem conhecido e praticamente universal – há uma excepcional
análise deste papel mítico no livro do antropólogo frances Georges Balandier, a Desordem, um
elogio do Movimento. A assimilação do trickster ao chifrudo, por sinal, foi um processo comum de
transição de várias crenças politeístas para várias crenças monoteístas missionárias e assim Loki, o
anhangá e outros espíritos florestais, o espírito que morava em uma árvore na deliciosa anedota das
três moedas de outro contada por Ghazalli e que faço referência constante, o Exú, enfim uma
infinidade de tricksters de outras mitologias foram sendo assimilados ao cramulão sem maiores
rupturas cognitivas.
Já a noção contrária, a do capiroto sendo enganado, não é tão disseminada mas também compõe a
cultura popular com grande abrangência e em alguns momentos chega a alta cultura e está mais
ligada a um personagem malévolo, maquinador, não apenas o trickster mas um trapaceiro maldoso
– que nem sempre é a natureza daquele trickster primordial. Neste sentido está mais ligado

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