Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Assim, a justiça certamente não permite um único sentido, podendo ser verificada como
conformidade da conduta de uma norma ou mecanismo de facilitação das relações sociais. De tal
maneira, é clara a dificuldade que se encontra quando se busca caracterizar, destacar, delimitar o
fenômeno formador do conceito ou conceitos de justiça.
Isso porque justiça é tema complexo causador de enormes discussões tanto por professores,
doutrinadores de Direito, como também estudantes (de filosofia e direito), já que segundo
Ronald Dworkin (2010), tais divergências facilmente seriam observadas na conceituação de
justiça por um pragmático, que é claramente cético, de uma conceituação de um
convencionalista, amparada positivamente em regras jurídicas apoiadas em decisões políticas do
passado.
A justiça não é conceito meramente formal e vazio de conteúdo, pois representa a exigência
concreta de respeito à personalidade de todos. Anseia em tratar cada homem como senhor de
seus próprios atos perante seus semelhantes. Em sua essência, a lei deve ser justa, os deveres
devem ser justos, os direitos devem ser justos, o salário e o preço devem ser justos, a sanção
deve ser justa.
Sendo assim, Del Vecchio (1999), na obra Introdução à Ciência do Direito, ensina que: “(...) a
noção de justo é a pedra angular de todo o edifício jurídico”. Os princípios da justiça são os
norteadores de toda ação e decisão; são a eles que os operadores do direito recorrem.
O filósofo Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, analisa a palavra justiça sob diversos prismas:
“...há mais tipos de justiça do que um único e que o vocábulo possui um outro significado além
daquele de virtude como um todo”. Há certa variedade de significações ao conceito de justiça.
Identificamos duas características que são a sua essência: objetiva e subjetiva.
O senso de justiça é essencial aos operadores do direito, e é nesse sentido que nos referimos à
justiça, à prudência, à temperança e à coragem como virtudes humanas. Ora, em alguns
momentos, a justiça se confunde com uma característica da pessoa, como virtude ou perfeição
subjetiva, por exemplo, quando se diz que fulano é um homem justo. Outras vezes, a palavra
justiça é utilizada para designar objetivamente uma lei ou instituição.
O conceito de justiça é usado de forma diferenciada por moralistas e juristas, uma vez que o
primeiro vê na justiça uma qualidade subjetiva do indivíduo, o exercício de sua vontade, uma
virtude e, o jurista vê na justiça, uma exigência da vida social. Radbruch chega a afirmar que ao
jurista só interessa a justiça, considerada em sentido objectivo1.
Entende-se a justiça como um princípio superior da ordem social2. Por extensão, a palavra justiça
é também empregada para designar o Poder Judiciário e seus órgãos, incumbidos de dar solução
justa aos casos que lhe são submetidos. É esse o sentido do vocábulo quando se assevera sobre
recorrer à “Justiça” ou quando se refere ao Diário da Justiça, Palácio da Justiça, Tribunal de
Justiça, Secretaria da Justiça dentre outros.
A Justiça, na filosofia antiga, significava virtude suprema, que tudo abrangia, sem distinção entre
o direito e a moral. Segundo este entendimento, é a expressão do amor ao bem e a Deus (ROSS,
2000, p. 313). Considerando as quatro virtudes básicas do sistema de Platão, a Justiça é uma
espécie de eixo gravitacional, em torno do qual circundam as outras três: autodomínio, coragem
e sabedoria. A Justiça é “a virtude moral que rege o ser espiritual no combate ao egoísmo
biológico, orgânico, do indivíduo.” (ADEODATO, 1996).
Há que se compreender a igualdade sob um prisma relativo, ou seja, como uma exigência de que
os iguais sejam tratados da mesma forma, como pensada por Aristóteles, na sua obra clássica –
1
G. Radbruch. Filosofia do Direito
2
MONTORO, 1999
Ética a Nicômaco. Isto significa que, como um pré-requisito para a aplicação da igualdade, é
necessário que haja algum critério para determinar o que será considerado igual; a exigência de
igualdade contida na idéia de justiça não é dirigida de forma absoluta a todos e a cada um, mas a
todos os membros de uma classe determinada por certos critérios relevantes.
Assim, as diversas formulações de Justiça para grupos ou contextos diversos incluem – além da
idéia de igualdade – um padrão de avaliação, que deve ser aplicado como um pré-requisito à
definição da categoria cujos membros devem ser tratados com igualdade. Portanto, a idéia de
Justiça se resolve na exigência de que uma decisão seja o resultado da aplicação correta de uma
norma, como coisa oposta à arbitrariedade.
Na história do pensamento jurídico foram sustentadas várias teorias da Justiça. Essas teorias
distinguem-se com base na resposta que deram à pergunta: qual é o fim último do Direito?
1) A Justiça é ordem. Esta teoria surge do fato de se considerar como fim último do Direito a paz
social. Ela sustenta que os homens criaram o ordenamento jurídico para saírem do estado de
anarquia e de guerra, no qual viveram no estado de natureza. O Direito natural fundamental que
esta teoria deseja salvaguardar é o direito à vida. O Direito como ordem é o meio que os homens,
no decorrer da civilização, encontraram para garantir a segurança da vida. Um exemplo desta
concepção encontra-se na filosofia política de Hobbes. (BOBBIO, 2000, p. 116).
2) A Justiça é igualdade. Segundo esta concepção, que é a mais antiga e tradicional (deriva de
Aristóteles na sua formulação mais clara), o fim do Direito é o de garantir a igualdade, seja nas
relações entre os indivíduos (o que geralmente é chamado de justiça comutativa), seja nas
relações entre o Estado e os indivíduos (o que é chamado, tradicionalmente, justiça distributiva).
O Direito é aqui o remédio primeiro para as disparidades entre os homens, que podem derivar
tanto das desigualdades naturais como das desigualdades sociais. Segundo esta teoria, não é
suficiente que o Direito imponha uma ordem qualquer: é preciso que a ordem seja justa e por
“justa” entende-se, de fato, fundada no respeito à igualdade. Se imaginarmos a Justiça tendo a
espada e a balança, a teoria do Direito como ordem visa ressaltar a espada, e a do Direito com
igualdade, a balança. O Direito natural fundamental que está na base desta concepção é o direito
à igualdade. (BOBBIO, 2000, p. 117).
3) A Justiça é liberdade. Com base nesta concepção, o fim último do Direito é a liberdade (e
entenda-se a liberdade externa). A razão última pela qual os homens se reuniram em sociedade e
constituíram o Estado é a de garantir a expressão máxima da própria personalidade, que não seria
possível se um conjunto de normas coercitivas não tutelasse, para cada um, uma esfera de
liberdade, impedindo a violação por parte dos outros. O ordenamento jurídico justo é somente
aquele que consegue fazer com que todos os membros consorciados possam usufruir de uma
esfera de liberdade tal que lhes seja consentido desenvolver a própria personalidade segundo o
talento peculiar de cada um, na mais ampla liberdade compatível com a existência da própria
associação. Portanto, seria justo somente aquele ordenamento baseado na liberdade. Um exemplo
de posicionamento desta concepção, no entender de Norberto Bobbio, é o pensamento jurídico
de Emanuel Kant que visou teorizar a justiça como liberdade. (BOBBIO, 2000, p. 117-8).
Hans Kelsen, ao formular uma Teoria Pura do Direito objetivou eliminar do campo da ciência
jurídica os elementos sociológicos ou dados da realidade social, estabelecendo que caberia à
filosofia do Direito as considerações sobre valores, como a Justiça, o bem comum, etc. Segundo
o formalismo kelseneano, teríamos como objeto da ciência jurídica a cognição das normas e não
sua prescrição. Para essa concepção, ao operador do Direito não importa o conteúdo ou valor das
normas, mas tão-somente sua vinculação formal ao sistema normativo.
O positivismo jurídico da teoria kelseneana foi marcante para a Ciência do Direito em todo o
mundo. A Teoria Pura do Direito considera que o método e o objeto do direito deveriam ter
enfoque normativo, desprendido de qualquer fato social ou valor. Em seus ensinamentos, na
referida obra, Kelsen admitiu a possibilidade da existência de considerações axiológicas,
somente não permitiu que tais aspectos fossem aplicados à Ciência do Direito, e, em sua
metodologia jurídica, baseada no axioma da pureza, dispõe, ao lado da Ciência do Direito, uma
Teoria da Justiça e uma investigação sociológica do Direito.
É inconteste que a partir de Kelsen houve o surgimento de diversas teorias, ou para se filiarem a
essa concepção normativista-legal, ou para se contraporem a ela. Exemplos de teorias opostas à
teoria kelseneana são: 1) a teoria sistêmica deduzida por Niklas Luhman, que investiga o
fenômeno jurídico a partir do âmbito social, numa perspectiva interdisciplinar; 2) a teoria
tridimensional do Direito, que examina o direito sob a óptica do fato, valor e norma, foi
consagrada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale.
Kelsen entende que o jurista deve caminhar de norma em norma, até a norma hipotética
fundamental. Ele considera a estrutura lógica da ordem jurídica como piramidal, ou seja, o
legislador, ao elaborar a lei, está aplicando a norma constitucional e o juiz, ao sentenciar, está
aplicando a lei. A maioria dos juristas atuais considera que o conceito do direito não pode
identificar-se com o de norma, apresentando objeções à Teoria Pura do Direito de Kelsen diante
do seu caráter fragmentário e da própria insuficiência da concepção normativista-legal diante da
complexidade das mudanças sociais.
O filósofo Aristóteles define a justiça como virtude, baseando-se nas idéias de Platão e Pitágoras.
Utiliza o realismo com espírito analítico dos fatos, construindo a teoria da justiça aliada ao
princípio da igualdade. Este princípio divide a justiça em duas modalidades: justiça distributiva e
justiça corretiva que também se subdivide em justiça comutativa e justiça judicial.
Hans Kelsen3 entende que justiça é uma qualidade que se revela em função da relação entre
pessoas, ou seja, ela pode ser verificada somente na conduta social. Trata-se de uma qualidade
intersubjetiva. Mas, para poder determinar que a conduta de um indivíduo é justa, precisa-se de
uma norma que prescreva a qualidade dessa conduta.
A justiça de um indivíduo é a justiça de sua conduta social, sendo que a norma da justiça é
moral, e esta por sua vez está composta por normas sociais. No entanto, sabe-se que nem toda
norma moral é de justiça e nem toda norma moral constitui um valor de justiça. A justiça,
portanto, é predicado inerente à conduta humana no tratamento dado a outros homens. A
ponderação que determina se a conduta é justa ou injusta, representa julgamento, valoração de
conduta. Esse juízo de valor resulta da comparação de um dever ser, podendo se constituir de
forma negativa ou positiva.
Para Jean-Jacques Rousseau4 a justiça é um sistema de legislação que deve servir à liberdade e à
igualdade: (...) e considerarmos humanamente as coisas desprovidas de sanção natural as leis da
justiça são vãs entre os homens. Produzem somente o bem do malvado e o mal do justo, quando
este as observa para com todos sem que ninguém os observe para com ele. Por conseguinte
tornam-se necessárias convenções e leis para unir o direito aos deveres e conduzir a justiça ao
seu fim.
Immanuel Kant5 em Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica do
Juízo (1790), influenciou o Direito e o pensamento humano, sistematizando a relação entre moral
3
Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Batista Machado; rev. Silvana Vieira. p. 65-73.
4
Jean-Jacques Rousseau. Contrato social, 1762, p. 46
5
5 Imannuel Kant. Crítica da razão pura. Lisboa. Ed. Calouste GulbeKian, 1985;
e Direito, inserindo a idéia de coação ao conceito de Direito e, por fim, introduziu a liberdade
como parte do conceito de justiça. Immanuel Kant contribuiu para o surgimento do idealismo
alemão e inspirou os movimentos filosóficos como a fenomenologia e o existencialismo.
6
Norberto Bobbio; Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de política, tradução portuguesa de Carmen
Varrialle et all, p. 662
Nesse arrazoado de idéias, possível extrair então que o objeto central do conceito de justiça,
segundo Rawls “é a estrutura básica da sociedade, ou, mais precisamente, o modo como as
principais instituições sociais distribuem os direitos e os deveres fundamentais e determinam a
divisão de vantagens decorrentes da cooperação social”.
Seja a noção de justiça como a necessária igualdade das pessoas, seja ela como cunho corretivo
não dá as respostas necessárias, ou melhor, não fornece um conceito geral. Pelo contrário, apenas
delimita fatores centrais formadores da estrutura central da concepção de justiça que, todavia, se
dispersa nas diferentes variáveis de pensamento de cada cidadão no convívio social.
os dizeres de Paulo Dourado Gusmão, a igualdade é elemento formador da justiça, mas não em
sua plenitude, ao escrever que: a justiça, que requer a igualdade de tratamento, não nos diz como
universalmente estabelece-la. Talvez, por isso o direito prescreva de forma igual e geral para o
futuro, enquanto a justiça, que não se satisfaz só com esse tratamento formal e frio, prescreve
para o presente, e não para o futuro, para cada caso, a solução jurídica de acordo com o princípio
de igualdade ou de proporcionalidade.
Justiça de tal maneira, exceto os elementos centrais, que são unânimes (valor, legalidade, ordem
e igualdade), é algo formado de acordo com a inteligência, hábitos adquiridos, família,
sociedade, educação, cultura e trabalho, e, de acordo com Goffredo Teles (Cit. In Filosofia do
Direito, 2006) de Paulo Dourado Gusmão, “o passado e as coisas vistas e sofridas, o futuro como
sonho, e o presento como suas vicissitudes”.
Assim, se não há como limitar um conceito universal, supõe-se que cada ser humano, cultive a
semente do bom senso, do compromisso de equidade e bem comum, de maneira que os nichos
sociais sejam capazes de suprir a necessidade de fixação de um padrão universal de justiça.
Conceito Universal não existe. O que há é um série de tratativas de acordo com os problemas
cotidianos de cada sociedade (corrupção, violência, política, etc.), não devendo ser encarada
como uma utopia.
Com base na informação acima referenciada, respondendo à questão colocada incialmente neste
ensaio ´´ O que é variável no conceito de justiça: o conteúdo ou princípio em si mesmo?´´,
concluímos que é difícil determinar a variável do conceito justiça pelo facto de tanto o conteúdo
e o princípio fazerem parte deste conceito. Ora vejamos, o conteúdo do conceito justiça é o
objetivo principal social da igualdade e liberdade e o princípio constitui norteador de toda ação e
decisão; são a eles que os operadores do direito recorrem. Desta feita, temos a afirmar que tanto
o conteúdo como o princípio constituem variáveis do conceito de justiça.
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Mário da Gama Cury. 4. Ed. Brasília: UNB,
2001, p. 91.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política, tradução portuguesa de Carmen Varrialle et all, 8a ed., Brasília: Ed. UNB, 1995.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
KELSEN, Hans. O que é Justiça? Trad. Luís Carlos Borges. – 3ª. Ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 2001. – (Coleção Justiça e direito).
KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Trad. Artur Mourão. Lisboa:
Edições 70, 1995.
PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 9. Ed. Lisboa: Fundação
Calouse Gulbenkian, 2001. P. 58.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Jussara Simões. Ver. Álvaro de vita. – 3ª ed.
– São Paulo: Martins Fontes, 2008. – (Coleção Justiça e direito).
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato social, 1762. São Paulo: Editora Martins Fontes.
SILVA, Ivan de Oliveira. Curso Moderno de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas,
2012.
VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. 5. Ed.Trad. Antônio José
Brandão. Coimbra: Armênio Amado, 1979, p.35.