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FLÁVIO APARECIDO DE ALMEIDA

(Organizador)

RELIGIÕES
UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR

VOLUME 4

editora

científica digital
FLÁVIO APARECIDO DE ALMEIDA
(Organizador)

RELIGIÕES
UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR

VOLUME 4

1ª EDIÇÃO

editora

científica digital

2022 - GUARUJÁ - SP
editora

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C569 Ciências das religiões [livro eletrônico] : uma análise transdisciplinar: volume 4 / Organizador Flávio Aparecido de Almeida. –
Guarujá, SP: Científica Digital, 20212
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ISBN 978-65-5360-118-5
DOI 10.37885/978-65-5360-118-5
1. Teologia das religiões. I. Almeida, Flávio Aparecido de. II.Título.

2022
CDD 261.2

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Profª. Dr. Laís Conceição Tavares Prof. Me. Eliomar Viana Amorim Prof. Dr. Alex Guimarães Sanches
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil Universidade Estadual Paulista, Brasil

Prof. Me. Rayme Tiago Rodrigues Costa Profª. Esp. Nássarah Jabur Lot Rodrigues Prof. Dr. Joachin Melo Azevedo Neto
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APRESENTAÇÃO

A dimensão simbólica da fé influencia direta e indiretamente naquilo que nos constitui, como seres humanos compreendidos
em sua totalidade, lembrando que todos nós buscamos um sentido existencial para a vida e a partir destas reflexões emanam
questões provenientes do transcendente que culminam no processo de compreensão e analise da finitude do ser humano.
A religião é um aspecto cultural e social que possui grande relevância na tentativa de compreender a sociedade, que tem
intrinsicamente o pensamento religioso legitimado e consolidado pelas práticas, hábitos e costumes de um povo. Devemos lembrar
que religião muitas das vezes também está diretamente interligado com o processo de dominação e poder de uma sociedade.
Estudar as ciências das Religiões é compreender os aspectos sociais, culturais, políticos, antropológicos, sociais e espirituais
de um determinado povo. A presente obra utiliza do saber científico para analisar as diferentes vertentes da religião, dando-lhes
sentidos e significados, através de pesquisadores renomados e atualizados, que comprometidos com à ciência e à vida, estudam
a religião, a teologia, a espiritualidade e suas diferentes dimensões.
Desejo à você uma excelente leitura.

Flávio Aparecido de Almeida.


SUMÁRIO
CAPÍTULO 01
ALGUMAS REFLEXÕES RELIGIOSAS BASEADAS NAS CONFISSÕES DE AGOSTINHO DE HIPONA
Thiago Contarato

' 10.37885/220508805......................................................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 02
ESPIRITUALIDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS: EM TEMPOS DE COVID-19

Kethleen Ohana Pot; Sandra Cristina Batista Martins

' 10.37885/220308166......................................................................................................................................................................... 22
CAPÍTULO 03
O DUALISMO DAS IGREJAS EVANGÉLICAS E SUA POSTURA SOCIOPOLÍTICA

Orivaldo Pimentel Lopes Jr

' 10.37885/220408655......................................................................................................................................................................... 38
CAPÍTULO 04
RELIGIÃO E CINEMA: SOBREVOO SOBRE ‘A FESTA DE BABETTE’

Elvio Nei Figur

' 10.37885/220207664......................................................................................................................................................................... 60
CAPÍTULO 05
SOU PENTECOSTAL, MAS NÃO ORO EM LÍNGUAS, E AGORA! O DOM DE LÍNGUAS É DE FATO, A EVIDÊNCIA DO
BATISMO NO ESPÍRITO SANTO?
Edson Boaventura Santana

' 10.37885/211207054.......................................................................................................................................................................... 79

SOBRE O ORGANIZADOR..................................................................................................................................... 90

ÍNDICE REMISSIVO................................................................................................................................................ 91
01
Algumas Reflexões Religiosas Baseadas
nas Confissões de Agostinho de Hipona

Thiago Contarato
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

'10.37885/220508805
RESUMO

Neste Capítulo, apresentaremos de modo introdutório os conceitos filosóficos e religiosos


mais conhecidos de Santo Agostinho a respeito da “iluminação”, “interiorização”, “bem”,
“mal”, “Deus”, “graça”, “pecado”, “tempo” e “memória”. Para tanto, nós nos basearemos na
sua obra intitulada “Confissões”, onde Agostinho narra a sua vida e as suas experiências
religiosas, enquanto desenvolve conceitos filosóficos muito complexos. O texto deste capítulo
pretende ser uma exposição mais livre e dinâmica sobre esses conceitos do bispo de Hipona
Agostinianos com o intuito de se aproximar mais do leitor e trazer maior entrosamento. Não
se pretende ser um estudo acadêmico extremamente detalhado com as referências para não
sobrecarregar demais a exposição, mas buscamos ser o mais preciso possível a respeito
dos conceitos agostininanos. Esperamos que possamos, ao menos, despertar o interesse
dos leitores para que façam estudos futuros.

Palavras-chave: Santo Agostinho, Iluminação, Bem, Tempo, Memória.


INTRODUÇÃO

Neste capítulo, Aurélio Agostinho de Hipona, também conhecido como “Santo Agostinho”
pelos católicos, se torna o personagem principal. Agostinho foi um filósofo e teólogo africano
da Idade Média que viveu entre 354 d.C. e 430 d.C. na cidade de Hipona, na Numídia (onde
atualmente é a Argélia, no norte da África). Por se tratar de um filósofo africano, alguns es-
tudiosos especulam que ele poderia ter sido negro, contra as imagens eurocêntricas que o
apresentam como branco, chegando até a ser representados nos cinemas como um negro
no filme dirigido por Roberto Rosselini.
Agostinho se tornou uma das maiores referências, se não a maior referência em
Teologia para toda a posteridade. Foi a partir de suas reflexões filosóficas que os medievais
e religosos de todos os tempos conseguiram embasar explicações coerentes sobre Deus,
a Trindade, a graça, a iluminação, o bem, o mal, a cidade de Deus, a alma, etc. É inconce-
bível imaginar o cristianismo sem os pensamentos de Agostinho, de modo que até mesmo
sem perceber ou indiretamente todos os cristãos usam os seus conceitos no dia a dia para
poderem expressarem a sua fé.
Em nossa exposição, nós nos basearemos na obra “Confissões”. Não pretendemos
fazer um estudo muito analítico, exegético e demonstrado trazendo textos para cada um dos
conceitos agostinianos, muito embora os conceitos sejam apresentados da melhor maneira
possível para trazer esclarecimentos importantes da fé cristã. Com a leitura dos textos que
se seguem, esperamos despertar a curiosidade para que o leitor busque se aprofundar
posteriormente nesses conceitos.

A Doutrina da Iluminação e o “Método” da Interiorização

A Doutrina da Iluminação considera que, como a nossa alma é temporal, contigente e


mutável, nós não podemos conhecer apenas por nós mesmos as verdades eternas, neces-
sárias e imutáveis. As imperfeições de nossa alma por si mesma repugnaria tais verdades.
Contudo, há um mesmo com as nossas imperfeições nós temos essas verdades eternas e
necessárias em nossa alma. Como isso poderia se dar? Ora, só Deus é eterno, necessá-
rio e imutável. Sendo assim, a Verdade que tenho na minha alma é a presença do próprio
Deus em mim, que ilumina os meus pensamentos com a luz que é a Verdade. Deus, que é a
Verdade, ilumina o meu pensamento não como uma transmigração de Deus para dentro da
alma, mas por uma espécie de impressão. Como quando a figura de um carimbo é impressa
num papel, sem deixar de estar no carimbo, assim também Deus imprime a verdade em nós
sem deixar de ser a Verdade. Daí o nome de Doutrina da Iluminação, pois a Verdade é o
que ilumina a nossa alma para que possamos ter conhecimento verdadeiro.

Ciências das Religiões: uma análise transdisciplinar - ISBN 978-65-5360-118-5 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 4 - Ano 2022
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Entrei e, com os olhos da alma, acima destes meus olhos e acima de minha
própria inteligência, vi uma luz imutável. Não era essa luz vulgar e evidente
a todos com os olhos da carne, ou uma luz mais forte do mesmo gênero. Era
como se brilhasse muito mais clara e tudo abrangesse com sua grandeza.
Não era uma luz como esta, mas totalmente diferente das luzes desta terra.
Também não estava acima de minha mente como o óleo sobre a água nem
como o céu sobre a terra, mas acima de mim porque ela me fez, e eu abaixo
porque fui feito por ela. Quem conhece a verdade conhece esta luz, e quem a
conhece conhece a eternidade. (AGOSTINHO, 1995, livro VII, § 16)

Contudo, não basta apenas a impressão ou iluminação da Verdade em nós, é necessá-


rio também que nos voltemos para o interior de nossa alma com um método de interiorização
para termos a consciência da presença da Verdade em nós. Aqui é que entra o papel da
memória, pois “recordar”, no pensamento agostiniano, nada mais é do que realizar um ato
consciente de interiorização.
Na concepção agostiniana, as sensações dizem respeito às necessidades e estados
do corpo ou às coisas exteriores. Pelo caráter instável desses elementos, não é possível
apreendê-los, já que aparecem e desaparecem, não podendo ser considerados conheci-
mentos verdadeiros, pois estes exigem estabilidade e permanência. Em função disso, o
conhecimento não é visto como a apreensão de objetos exteriores pela percepção, mas
sim a descoberta de regras imutáveis. Essas realidades, não sensíveis, são necessárias,
imutáveis e eternas.
Santo Agostinho distingue duas possibilidades de conhecimento que o homem pode
adquirir: o conhecimento das coisas sensíveis e o conhecimento das coisas inteligíveis. Os co-
nhecimentos sensíveis são aqueles que provém dos sentidos e são levados à memória e
organizados pelo indivíduo. Já os conhecimentos das chamadas coisas inteligíveis, que não
são provenientes dos sentidos, são percebidos pela mente por meio de uma reflexão interior
realizada pelo homem. As imagens residentes na memória advindas dos sentidos externos
funcionam no método de interiorização como um meio de estimular o homem para que ele
que ele realize a interiorização e chegue até a verdade imutável impressa no intelecto im-
pressa no intelecto por Deus.
Esse tipo de conhecimento, que é considerado mais elevado que a percepção sensorial,
é explicado a partir do conceito de memória, que é utilizado em um sentido amplo, sendo
atribuído a ela toda forma de conhecimento. Assim, esse conhecimento está a disposição
para ser descoberto quando for necessário. A partir disso, Santo Agostinho acredita que o
erro está em querer ver na sensação a expressão de uma verdade exterior ao indivíduo.
Como Santo Agostinho não aceita a preexistência da alma, ele defende que o conhecimento
não é relembrado como na reminiscência platônica, mas sim relembrado pela interiorização
até chegar as verdades eternas iluminadas pela luz divina.

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Desse modo, elevei-me gradualmente do corpo até a alma, a qual sente por
meio do corpo, e da alma até a sua força interior, à qual os sentidos comunicam
a realidade exterior, e que é o limite atingido pelas faculdades dos animais. Daí
subi até ao poder de raciocínio, que julga conforme a percepção fornecida pelos
sentidos corporais. Mas, como também essa potência se reconhece mutável,
elevou-se até a inteligência e, afastando o pensamento de suas cogitações
habituais; desembaraçou-se do turbilhão de fantasias contraditórias, descobrin-
do então qual a luz que lhe iluminava a inteligência ao afirmar com segurança
que o imutável é preferível ao mutável. (AGOSTINHO, 1995, livro VII, § 23)

A verdade é apresentada por Santo Agostinho como algo que transcende ao homem,
mas que pode ser conhecida por ele pela sua inteligência, pois ele a abriga dentro de si
através da memória, o que lhe garante a possibilidade de conhecer o imutável. Apesar de
a contemplação ser considerada atividade humana, ela só é possível quando Deus fornece
o material necessário para que ela ocorra, já que o verdadeiro conhecimento provém de
fonte divina, eterna e imutável, e não humana, cabendo ao homem somente o papel de
descobrir essas verdades em seu interior. Assim, podemos dizer que os degraus de volta
são: do exterior para o interior e do interior para além da alma humana.

Pelas palavras que disseste no princípio: “Faça-se a luz, e a luz foi feita”,
12 entendo — e não me parece impropriamente — que a sua aplicação se
adapta às criaturas espirituais. De fato, já existia então uma espécie de vida
a ser por ti iluminada. Mas, assim como nenhuma possuía méritos para ser
uma vida que pudesses iluminar, também nenhuma delas merecia, depois de
adquirir existência, a graça de ser iluminada. Sua informidade não te poderia
ser agradável, a menos que se tornasse luz, e isso, não pelo simples fato de
existir, mas por contemplar a luz que ilumina, e a ela aderir. Assim ela deve
à tua graça o viver, e toda a felicidade de viver, uma vez que, por uma feliz
reversão, voltou-se para aquilo que é incapaz de mudar em melhor ou pior,
isto é, voltou-se para ti, que és, e somente tu, o único Ser simples, aquele que
não possui outra vida, senão a vida feliz, porque tu és a tua própria felicidade.
(AGOSTINHO, 1995, livro XIII, § 4)

Neste processo, para descobrir as verdades divinas que se encontravam presentes


nele, o homem precisava voltar-se ao seu interior, pois Deus comunica-se através das vias
internas da alma, isto é, através da impressão da Verdade na alma humana, a qual nós
encontramos graças à interiorização através das profundezas da nossa memória.

Em que consiste, para Agostinho, o Bem e o Mal?

Tudo aquilo que é, é necessariamente bom, pois a idéia de bem está implicada na idéia
de ser. Deus, portanto, não é a causa do mal, da mesma forma que a matéria também não
poderia produzi-lo, pois ela é criatura de Deus. Se Deus é o sumo bem e o ser perfeitíssi-
mo, a natureza do mal deve ser encontrada, portanto, no conceito absolutamente contrário
ao conceito de Deus como ser, ou seja, no não-ser, ou no nada. Isso fica claro quenado

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lembramos que Deus criou as coisas do nada. Assim, cada ser criado é uma mistura entre
ser e não-ser, de modo que todas as coisas, enquanto existentes, são boas, mas quanto
mais misturado com o não-ser menor será a bondade desta coisa. O mal fica, assim, des-
tituído de toda a substancialidade. O mal absoluto nada mais seria do que a total privação
de ser e existência, de modo que a própria noção de mal absoluto implicaria não existência.
Poderíamos falar, então, de graus de bondade, de modo que quanto mais perfeições algo
possuir mais bondade este ser possuirá. Não existem, como queriam os maniqueus, dois
princípios poderosos a reger o mundo, mas tão somente um: Deus, infinitamente bom.

Ele é certamente o sumo bem, e as criaturas são bens menores. Mas, criador
e criaturas, todos são bons. De onde então vem o mal? Porventura da matéria
que ele usou? Haveria nela algo de mal, e Deus, ao dar-lhe forma e ordem,
teria deixado algo por transformar em bem? E por que teria procedido dessa
maneira? (AGOSTINHO, 1995, livro VII, § 7)

Vi claramente que as coisas corruptíveis são boas. (...) Mas privadas de todo
bem, deixariam inteiramente de existir. (...) Portanto, se são privadas de todo
o bem, deixarão totalmente de existir. Logo, enquanto existem, são boas.
Portanto, todas as coisas, pelo fato de existirem, são boas. E aquele mal, cuja
origem eu procurava, não é uma substância. Porque, se o fosse, seria um bem.
(AGOSTINHO, 1995, livro VII, § 18)

Deus é a Bondade Absoluta e, como tal, queria que o ser humano (Adão e Eva) se
entregasse totalmente a essa Bondade para se deleitar eternamente. Para uma entrega total
a essa Bondade seria necessária uma obediência absoluta por parte do ser humano a esta
Bondade, a qual só seria absoluta se não houvesse nada que a delimitasse. Assim, foi dado
a Adão e a Eva o livre-arbítrio pelo qual pudesse escolher livremente para que não houvesse
nenhuma delimitação e, assim, pudesse haver uma obediência e entrega absoluta à Bondade
suprema. Assim, foi dada a ordem de não comer a fruta proibida para que o ser humano
pudesse escolher pelo livre-arbítrio obedecer ou não a Deus. O pecado original consistiu,
então, na negação da obediência, ou melhor, na desobediência, de modo que Adão e Eva
fizeram o mal uso do seu livre arbítrio, legando a todos nós o pecado original. Atualmente,
por estar sujeito as misérias humanas, como a fome, o frio e as doenças, pode-se perceber
que o corpo é caracterizado por Santo Agostinho como sendo mortal, condição adquirida a
partir do pecado original cometido pelo primeiro homem.
De todas as faculdades humanas, a mais importante é a vontade, pois, sendo es-
sencialmente criadora e livre, possibilita ao homem aproximar-se ou afastar-se de Deus.
Reside aqui a essência do pecado quando o homem se afasta de Deus, se aproximando ao
nada. O pecado é, segundo Agostinho, uma transgressão da lei divina, na medida em que
a alma foi criada por Deus para reger o corpo, e o homem, fazendo mal uso do livre arbí-
trio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo e caindo na concupiscência e na

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ignorância. Voltada para a matéria, a alma se acaba pelo contato com o sensível, dando a
ele sua substância, esvaindo-se no não-ser e considerando-se a si mesma como um corpo.
Isso não significa dizer que o corpo, enquanto matéria, é concebido por Santo Agostinho
como um elemento mal. Como a materialidade humana também é uma criação de Deus, e
como tudo que é feito por Deus é visto como sendo bom, o corpo é considerado, assim como
a alma, bom, apesar de ser um bem inferior a ela. Dessa maneira, ele assume a condição
de mal quando domina a alma e a degradação do homem era conseqüência da submissão
de sua alma ao seu corpo. Para ele, o pecado é um abuso do livre-arbítrio, de modo que o
homem escolhe bens inferiores – os prazeres corporais - ao invés de dar preferência aos
bens superiores – os benefícios espirituais. Quando o homem deixa-se levar pela sensi-
bilidade de seu corpo, satisfazendo-se com os prazeres externos, deixa de buscar o que
lhe garantiria a real felicidade, ou seja, os bens eternos, e não consegue sair do estado de
decadência em que se encontra. “Não que o corpo seja mal por natureza, mas porque é
vergonhoso revolver-se no apego aos últimos bens, quando nos é permitido apegar-nos a
bens mais altos e deles fruir”. (AGOSTINHO, 1992, pag.119)
Neste ponto, podemos fazer uma distinção entre livre-arbítrio e liberdade: é pelo livre-ar-
bítrio que o homem pode escolher o que é bom ou o que é mau quando ele se depara diante
de um impasse; quando o homem escolhe o que é bom ele adquire a liberdade. Podemos
comparar com alguém caminha por uma estrada até chegar a uma bifurcação, ou seja, ele
tem dois caminhos para seguir, de modo que lhe aparece o impasse: Afinal de contas, qual
caminho seguir? O bom ou o mau? O caso é que se o homem escolher o caminho bom ele
adquire a liberdade, pois pode continuar caminhando. Mais a frente aparece outra bifurcação
e, se ele escolher pelo bem, ele poderá continuar caminhando. Assim, até chegar ao Bem
Supremo e fim último, que é Deus. Contudo, se o homem em algum momento escolher o
caminho mau, ele se prenderá em inúmeros vícios, como alguém que fica dependente de
muitas coisas vãs. Ele entra num mundo de vícios, do qual é difícil sair, como é o caso, por
exemplo, do homem que opta pelo mundo das drogas, ficando dependente das drogas, en-
jaulado neste mundo. Assim, fica claro que, quando alguém faz o que é bom, ele adquire a
liberdade, enquanto quando alguém faz o que é mau, perde a liberdade. Mas é pela vontade
e pelo nosso livre-arbítrio que decidimos um caminho ou outro caminho.

Por experiência compreendi que não é de admirar se o pão, que é tão agradável
ao paladar do homem sadio, parece tão detestável ao enfermo, e que a luz,
tão cara aos olhos límpidos, seja desagradável aos olhos irritados. (...) Por
outro lado, os justos são tanto mais parecidos com os elementos superiores
da criação, quanto mais se tornam semelhantes a ti. E procurando o que era
a iniqüidade compreendi que ela não é uma substância existente em si, mas a
perversão da vontade que, ao afastar-se do Ser supremo, que és tu, ó Deus,
se volta para as criaturas inferiores; e, esvaziando-se por dentro, pavoneia-se
exteriormente. (AGOSTINHO, 1995, livro VII, § 22)

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Para que possa chegar a esse bem maior, é preciso que o homem tenha vontade,
pois ela tem papel indispensável no pensamento agostiniano. No entanto, somente a von-
tade não é suficiente, pois para Santo Agostinho o homem também precisa do auxílio e da
graça provenientes de Deus. Desse modo, não basta ao homem querer, é preciso também
poder. A graça é necessária para que o homem lute de maneira eficaz contra a concupis-
cência. No estado de decadência em que se encontra, a alma não pode salvar-se por suas
próprias forças. O que é evidente quando pensamos no fenômeno da akrasia, ou seja, da
fraqueza da vontade, pela qual não fazemos o bem que queremos, mas o mal que não
queremos. A queda do homem é de inteira responsabilidade do livre arbítrio humano, mas
este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas. Tal poder é privilégio de Deus.
Diante disso, podemos dizer que, embora o homem não possa se recuperar por si mesmo,
a natureza humana só é recuperável mediante a Graça Divina; eis o cerne da antropologia
agostiniana que é a doutrina da Graça.
Pela própria noção de “Graça”, como significando “gratuidade total” por parte de Deus,
não há nada que condicione essa gratuidade. Não é pelos nossos méritos que recebemos
a Graça. Na verdade, pelos nossos méritos não nem receberíamos nada de Deus. Deus
simplesmente tem a vontade de transmitir a Graça e a transmite, e ponto. Portanto, não faz
sentido perguntarmos os motivos de alguém receber uma Graça ou não. Por fim, cabe a
nós também dizer que há também uma distinção entre Graça Ordinária, que todos os seres
humanos recebem, como por exemplo a iluminação divina; e Graça Extraordinária, que
poucos seres humanos recebem, como talentos e dons.
Assim sendo, o corpo humano, que não participa das verdades divinas, necessita de
um intermediário entre ele e Deus: a alma. Por isso é que o corpo precisa ser vivificado
pela alma, uma vez que, por possuir a Verdade em seu interior, a alma é que garante a
perfeição do homem. Como imagem de Deus, a alma é considerada mais importante que o
corpo. A condição de inferioridade do corpo é dada em função de sua fragilidade, pois, por
estar sujeito às tentações do mundo, ele é considerado o responsável pela fraqueza humana.
Desse modo, a união entre eles deve ser tal que a alma controle o corpo e o espiritualize.

O “Tempo” e a Distenção da Alma

Na nossa vida cotidiana pré-filosófica, nós conseguimos utilizar perfeitamente a noção


de tempo e, assim, podemos dizer que, de certo modo, sabemos o que é o tempo. De fato,
a questão do “tempo” parece, e somente parece, ser extremamente simples e conhecida por
todos, uma vez que todos sabemos se utilizar dela. Contudo, embora saibamos nos utilizar
desta noção de tempo, não sabemos explicar o que é isso que nós estamos utilizando e,
uma vez que não sabemos explicar, também não sabemos o que é, de fato, o tempo. Assim,

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fica claro em que sentido sabemos e não sabemos o que é o tempo na nossa vida cotidiana
pré-filosófica, uma vez que sabemos utilizar a noção de tempo, mas não sabemos explicar
o que é o tempo. Assim Agostinho afirma que. Assim o próprio Agostinho irá afirmar que:
“Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então
não sei.” (AGOSTINHO, 1995, livro XI, § 17)
Neste texto das Confissões, Santo Agostinho parece colocar em questão a necessi-
dade de confessar a Deus que não sabe o que é o tempo, considerando que ele já se se
utiliza cotidianamente da noção de tempo. A aparente simplicidade do tema e o suposto
conhecimento que temos acerca do tempo acabam se tornando uma barreira para se dizer
que não se sabe o que é o tempo. Esta dificuldade pode estar relacionada com o grau de
envolvimento e a estreita relação do ser humano com o tempo. Somos seres temporais,
isto é, vivemos dentro do tempo. Mesmo assim, o mais importante no pensamento agos-
tiniano seria o fato de ele levantar, dentre outras, as seguintes questões: E se a “realidade”
for inversa, ou seja, e se ao invés de vivermos dentro do tempo for ele nosso hóspede?
Hóspede de nossas almas? Mais ainda, produto de nossas almas? E, finalmente, o tempo
existe objetivamente fora da alma?
Assim, Agostinho queria saber se o tempo é uma característica do mundo físico objetivo
ou um algo subjetivo, interior a alma. Ele diz que o passado não existe mais, o futuro ainda
não chegou e o presente torna-se pretérito a cada instante. Disso se depreenderia que o
que seria próprio do tempo é o não-ser. O passado existe, por força de minha memória,
no presente. Da mesma forma, o futuro existe, por força da expectativa de que as coisas
ocorrerão, no presente. E o presente seria a percepção imediata do que ocorre.
Os tempos são três na memória: presente das coisas passadas, presente das coisas
futuras e presente das coisas presentes. Portanto, o tempo é subjetivo, pois o modo como
nos referimos às coisas depende totalmente de elementos internos (memória, expectativa,
sentimento etc), a apreensão ontológica do tempo não é possível. O que colocamos em
relações temporais são impressões mentais – tempo passado, memória; tempo futuro, ex-
pectativa; tempo presente, percepção sensível atual.
Contudo, é verdade também que medimos, ou pelo menos tentamos medir, o tempo.
Como poderia se dar a medição do tempo? A fim de se resolver este dilema, se propôs
identificar o tempo com o movimento dos corpos. Desta feita, se o tempo é o movimento, e
um movimento pode ser sempre medido por outro, pode-se enfim medir o tempo pelo tempo
também. Mas tal postulado não procede em parte alguma. Primeiro, porque, em se tratan-
do de um movimento local, este sempre consiste no deslocamento de um corpo entre dois
pontos localizados no espaço. Ora, qualquer que seja o tempo que leve para este corpo se
deslocar de um ponto a outro, resta que o deslocamento seja sempre o mesmo. Ademais,

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supondo que um corpo permaneça simplesmente imóvel, nós, todavia, sempre poderemos
medir o tempo em que ele permanece imóvel. Pelo que o tempo independe do movimento
dos corpos, e não pode ser, pura e simplesmente, identificado com ele.
Com isso, podemos concluir com Agostinho “(...) que o tempo nada mais é do que
extensão. Mas extensão de quê? Ignoro. Seria surpreendente, se não fosse a extensão
da própria alma.” (AGOSTINHO, 1995, livro XI, § 33) Todavia, o que seja esta extensão,
resta-nos ainda determinar. Para explicá-la, Agostinho recorre a um termo que chama de
“distensão”. De sorte que o tempo é um distentio animi (distensão da alma), que consiste
em permitir, a coexistência no presente, do passado e do futuro. De resto, é esta distensão
que lhe dá precisamente uma extensão, que nos permite então medi-lo. O tempo é, pois,
resumindo: “a extensão da própria alma”.
Com efeito, conforme já dissemos, tomado em si mesmo e fora da alma, o tempo se
resume a um instante indivisível, que chamamos presente, e que não pode, doravante, ser
medido. O futuro, tampouco está sujeito a ser medido, se o considerarmos alheio à alma,
porquanto simplesmente ainda não existe. E o passado, finalmente, também não está su-
jeito a nenhuma medida, se o considerarmos enquanto tal, já que nem sequer existe mais.
Entretanto, se transferimos o tempo à alma, conforme já havíamos dito em outro lugar,
então é possível, de algum modo, medi-lo, sobretudo no que toca ao passado. Com efeito,
o que não existe mais em si mesmo, existe na memória. Sem embargo, as impressões que
guardamos das coisas passageiras sobrevivem à sua transitoriedade, em nossa lembran-
ça. E enquanto podemos compará-las, somos capazes de verificar os intervalos que lhes
sucedem, podendo assim avaliar, se são mais longos ou mais curtos.

É em ti, meu espírito, que eu meço o tempo. Não me perturbes, ou melhor, não
te perturbes com o tumulto de tuas impressões. É em ti, repito, que meço os
tempos. Meço, enquanto está presente, a impressão que as coisas gravam em
ti no momento em que passam, e que permanece mesmo depois de passadas,
e não as coisas que passaram para que a impressão as reproduzisse. É essa
impressão que meço, quando meço o tempo. Portanto, ou essa impressão é
o tempo, ou não meço o tempo. (AGOSTINHO, 1995, livro XI, § 36)

Com relação ao futuro, vale o mesmo tanto do que se disse do presente. Desta for-
ma, o presente, conquanto seja um instante indivisível, quando reportado à alma, torna-se
abrangente, distende-se. Para que melhor o compreendamos assim, a saber, o presente, é
preciso entendê-lo reportado à alma, como uma atenção que se desloca, simultaneamente,
para o futuro através da espera, e para o passado mediante a lembrança. Tal é o presente
na alma: como um lugar onde ocorre a passagem daquilo que se espera para aquilo que
já passou. Com efeito, é desde este ponto de vista, isto é, a partir da análise da existência

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do tempo na alma, concebido como uma atenção no presente, uma espera do futuro e a
lembrança do passado, que ele adquire então uma extensão, e pode enfim ser medido.
Tendo sido todo o ato consumado, a memória reúne-o em seus diversos momentos,
unindo ao seu gosto o que estava disperso:

Se estou para recitar uma canção que conheço, antes de começar, já minha
expectativa se estende a toda ela. Mas, assim que começo, tudo o que vou
destacando e entregando ao passado vai se estendendo ao longo da memória.
Assim, a minha atividade volta-se para a lembrança da parte já recitada e para
a expectativa da parte ainda a recitar; a minha atenção, porém, está presente:
por seu intermédio, o futuro torna-se passado. E quanto mais avança o ato
tanto mais se abrevia a espera e se prolonga a lembrança, até que esta fica
totalmente consumida, quando o ato, totalmente acabado, passa inteiramente
para o domínio da memória. (AGOSTINHO, 1995, livro XI, § 38)

Por isso, o homem é capaz de fazer história, de construir e perceber a beleza de um


poema, e de compreender o significado das suas ações e até da sua própria vida. Coisas, a
princípio inteiramente dispersas e alheias, ganham-lhe sentido; arroladas, tornam-se coesas
e inteligíveis, passíveis afinal de admiração, em virtude desta mesma distensão da alma,
que recolhe numa certa unidade os acontecimentos; fazendo-os coexistir de algum modo,
torna-os também correlatos e harmoniosos de alguma forma.
Assim, a primeira conclusão de Agostinho a respeito do “tempo” é decorrente de sua
análise lógica acerca da existência do passado, do presente e do futuro. Afirma ele:

O que é realmente o tempo? Quem poderia explicá-lo de modo fácil e breve?


[...] De que modo existem esses dois tempos — passado e futuro, — uma
vez que o passado não mais existe e o futuro ainda não existe? E quanto ao
presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não
seria mais tempo, mas eternidade. Portanto se o presente, para ser tempo,
deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe, uma vez que a
sua razão de ser é a mesma pela qual deixará de existir? (AGOSTINHO, 1995,
livro XI, § 17)

Agostinho desconhecia, pelo menos filosoficamente, a existência de um tempo objetivo.


Ele argumentava logicamente a favor da não existência objetiva do passado e do futuro, visto
que um já passou (referindo-se obviamente ao pretérito), logo já não é, o que se segue que
não é verdadeiro afirmar existir o passado. Quanto ao futuro, este ainda não veio, logo ainda
também não é, sendo, por conseqüência, tão falso quanto afirmar a existência do passado
afirmar existência do futuro. Quanto ao presente, a única forma que o reconhecemos como
presente é quando contrastado em relação aos outros dois tempos, isto é, passado e futuro,
caso contrário o que seria? E se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de
existir, ou seja, quando deixar de ser presente e tornar-se passado, logo, também não é em

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si mesmo, decorrendo daí lógica e igualmente ser tão falso afirmar a existência do presente
quanto afirmar a existência do passado e do futuro.
Vejamos agora a segunda conclusão que chega Agostinho, como conseqüência de
sua primeira reflexão, acerca da existência do tempo. Afirma ele:

Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem,
e que não é exato falar de três tempos — passado, presente e futuro. Seria
talvez mais justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos
passados, o presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros. E
estes três tempos estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente
do passado é a memória. O presente do presente é a visão. O presente do
futuro é a espera. Se me é permitido falar assim, direi que vejo e admito três
tempos, e três tempos existem. (AGOSTINHO, 1995, livro XI, § 38)

Se formos cuidadosos em observar esta citação de Agostinho, logo perceberemos


que existe uma espécie de primazia do presente em relação ao passado e ao futuro, esta
primazia é de fato digna de um desenvolvimento de mais elaborado, o que não ocorrerá
aqui, por razões obvias, entretanto queremos destacar aqui, como segunda conclusão de
Agostinho, relativamente à sua teoria do tempo, é o aspecto subjetivo que ele atribui ao tem-
po. O tempo em sua teoria não é um “ente” independente do homem e objetivo, mas, pelo
contrário, existe tão somente dentro de nossas mentes e em nenhum outro lugar mais. Isto
equivale afirmar que o tempo existe por causa de nossas consciências, isto é, não existindo
o homem, não existindo sua consciência, o tempo também não mais existirá, porque é lá que
não somente e unicamente existe o tempo como também é lá, na consciência, na mente do
homem, onde tem início e onde há também sua tripartição em passado, presente e futuro e
insistentemente repetimos, na mente humana e em nenhum outro lugar.

CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto, podemos identificar uma linha de raciocínio que liga
esses assuntos de um modo a dar uma unidade em todo o processo. Nesse sentido, no
ponto inicial de uma espiritualidade, somente encontramos uma verdadeira religiosidade sem
preconceitos quando nós olhamos para dentro de nós mesmos através de um processo de
interiorização que nós faça refletir sobre a necessidade do contato com o divino.
De fato, esse processo não é fácil, pois depende de reconhecermos como seres limita-
dos que somos. As análises de Santo Agostinho sobre o bem e o mal proporcionam a cada
um de nós um choque de realidade, principalmente com relação às nossas limitações e a
nossa liberdade. Somos livres, mas podemos perder a liberdade. Essa é uma verdade dura
que movimentos existencialistas contemporâneos terão dificuldades para aceitar. Somos
livres para fazer o bem, onde sustentamos a nossa liberdade e podemos até nos aprimorar,

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mas a decisão pelo mal destrói a liberdade, através dos vícios, dependências e prisões.
Quem é viciado ou dependente tem a sua liberdade muito diminuida. Quem foi preso num
presídio porque cometeu um crime não tem condições de exercer a sua liberdade. É assim
que o pecado vicia e aprisiona tirando a nossa liberdade.
Em todo o processo, a memória possui um papel decisivo, pois é a partir da memória
que lembramos quem somos e de onde viemos. A memória é apresentada como uma dis-
tenção da nossa alma que seria como que “esticada” para o passado, enquanto seriamos
“esticados” para o futuro através da esperança. Essa capacidade de nossa alma de se esti-
car para o passado e para o futuro mostra claramente o caráter de eternidade que existe no
nosso interior. Em meio a uma sucessão temporal constante dos movimentos do mundo, o
instante presente é o único em que ainda podemos tentar fazer alguma coisa para exercer
a nossa liberdade, mas o tempo presente é tão passageiro que se torna insuficiente para
a nossa alma, que constantemente sente nostalgia do passado e ânsia pelos eventos futu-
ros. A memória e a esperança nos mostra explicitamente que a alma tem um caráter divino
que supera a vida presente e pode ser fundamento de nossa vida.
Assim, nós podemos realizar o processo de interiorização em busca da Verdade que
nos orienta para o bem e também, consequentemente, para a liberdade. Se podemos aceitar
alguma dependência, esta deve ser com relação à Verdade, que está semeada no interior
de cada um nós. Independentemente de que religião seguimos, esta Verdade está dentro de
nós como uma semente pronta para germinar, mas precisa ser regada constantemente por
nós através de processos constantes de interiorização. Deus ilumina a todos sem exceção,
mas também precisamos exercer proativamente o interesse de fazer germinar a iluminação
dentro de nós rumo à liberdade.

REFERÊNCIAS
1. AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. Coleção Patrística. Editora Paulus. São Paulo, 1995.

2. AGOSTINHO, Aurélio. A Verdadeira Religião. Edições Paulinas. São Paulo, 1992.

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Espiritualidade em estudantes
universitários: em tempos de Covid-19

Kethleen Ohana Pot


Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR

Sandra Cristina Batista Martins


Universidade Federal do Paraná - UFPR

'10.37885/220308166
RESUMO

Objetivo: Conhecer a espiritualidade dos estudantes universitários em tempos de COVID-19,


e como objetivos específicos investigar a espiritualidade dos estudantes universitários da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), analisar o apego dos estudantes uni-
versitários da PUCPR e comparar os dados do questionário com a literatura a respeito da
espiritualidade em estudantes universitários. Métodos: foram coletados, pelo google forms,
com estudantes universitários da PUCPR, com idade maior de 18 anos. Para a análise de
dados o google excel. Resultados: A amostra de estudantes foi de 101 participantes e al-
gumas hipóteses são confirmadas, como o aumento na procrastinação, aumento de tempo
em ciberespaços e sentimentos de ansiedades e medo, porém alguns dados surpreenderam
aprensetando baixo percentual de estudantes com abuso de drogas e álcool e a utilização
de estratégias de enfrentamento adequadas frente ao contexto. Conclusão: Por conta da
mudança de rotina, do isolamento social e dos lutos vivenciados nesse período de pandemia
do coronavírus, muitas pessoas desenvolveram problemas psicológicos, como ansiedade,
estresse, depressão e até ideação suicida, por mais que estivessem sofrendo, os entrevista-
dos, mostraram esforço para passar pelo contexto pandêmico bem, por mais que a tendência
era que esses jovens utilizassem estratégias inadequadas.

Palavras-chave: Estudantes, Universitários, Espiritualidade, COVID-19, Pandemia.


INTRODUÇÃO

A COVID-19 gerou um colapso no sistema de saúde, afetando todas as pessoas fi-


sicamente, socialmente e emocionalmente, por conta dos cuidados necessários para não
superlotar os hospitais e a rotina dos profissionais de linha de frente (DUARTE, SILVA,
BAGATINI; 2021). O contexto originou um olhar mais atento à saúde mental e espiritual,
uma vez que muitos vivenciaram perdas, impacto econômico e o próprio isolamento, que
causa solidão, medo, desesperança e pensamentos negativos (PIERCE, Ayal et al. 2020;
ROBERTO et al., 2020; ESTEBAN et al., 2020).
A espiritualidade mostra-se importante em situações de desastre, pois é o que impul-
siona os indivíduos a buscarem pelo sentido da vida, proporcionando bem-estar físico e
mental. Procurar um apego seguro em algo transcendente pode, muitas vezes, trazer alívio
em momentos difíceis, como o contexto de pandemia, no qual as pessoas se deparam com
a finitude, e a espiritualidade contribui para redução de angústias e estresse (ZELIGMAN,
ATAGA, SHAW; 2020).
Visto que jovens universitários já mostram sofrimento emocional e estratégias de en-
frentamento, na maioria das vezes, inadequadas, sendo um público que precisa de um
cuidado holístico, por estarem em uma fase que se encontram em certa vulnerabilidade, por
conta da mudança de rotina, das incertezas do que virá e questões relacionadas à própria
existência (ref. ...).
Uma vez que o isolamento social afastou as pessoas um das outras, há quem utilize
a tecnologia para tentar se aproximar, mas não é a mesma coisa, a rotina se encontra em
um ciberespaço, que pode ser considerado uma estratégia de enfrentamento, mas há ou-
tras estratégia que podem ser utilizadas para minimizar o sofrimento emocional e espiritual,
porém tem que saber utilizar as estratégias de enfrentamento para que elas não causem
mal-estar (VERZANI, 2017 & VOLK, et al., 2021).
A espiritualidade também é uma estratégia de enfrentamento, considerada uma das
mais adequadas, principalmente em momentos de crises, ajudando os jovens a conseguirem
lidar com o sofrimento que o contexto pode causar (CABANG et al. 2020). Diante disso, a
pergunta de pesquisa é qual será a espiritualidade dos estudantes da PUCPR para fazer
frente as problemáticas inerentes à pandemia da Covid-19.

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MÉTODOS

Tipo de pesquisa

A pesquisa foi de levantamento com enfoque quantitativo. Buscou-se trazer, por meio
de estatísticas, resultados mais objetivos e numéricos, procurando informações com uma
quantidade significativa de pessoas para chegar a uma conclusão a respeito do problema
de pesquisa, de maneira generalizada, sendo considerado apropriado para pesquisas des-
critivas (GIL, 2018).

Característica dos participantes

A pesquisa foi feita com estudantes universitários da PUCPR, de acima de 18, visto
que é um público que teve que se adaptar em meio às incertezas causadas por conta do
contexto de COVID-19.

Situação e Ambiente

Os dados foram coletados do dia 20/09 até dia 30/09 do ano de 2021. Devido o mo-
mento pandêmico a pesquisa se deu de modo on-line mediante aprovação do comitê de
ética da PUCPR.

Equipamentos

Para a coleta de dados foi utilizado o google forms, e o google excel para a montagem
dos resultados.

Hipóteses

1. Que haja um aumento do uso de estratégias de enfrentamento inadequadas frente


ao contexto de Covid-19.
2. Que os participantes apresentem sentimentos de solidão, ansiedade e estresse.
Procedimentos de obtenção de termo de consentimento informado

1. O questionário foi mandado por redes sociais e pelo blackboard, aplicativo voltado
para estudantes da PUCPR;
2. Os dados de 101 participantes foram analisados pelo google excel;
3. Foi organizado os dados e montado os gráficos que facilitou para a compreensão
para a análise a respeito da temática;

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E a partir disso foi relacionado os dados com a literatura obtida.

RESULTADOS

Primeiramente, cabe ressaltar que para algumas perguntas havia a possibilidade de


mais de uma resposta pelo participante, diante disso alguns percentuais não fecharão 100%
compreendendo a amostra total de 101 participantes.
Todos os participantes, N= 101, são estudantes de graduação da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR), sendo a sua maioria do curso de Psicologia, como visto no
Gráfico 1. Desses participantes, 80,2% se identificaram com o gênero feminino, 18,8% com
o gênero masculino e 1% não binário. Consta-se que a grande maioria classifica sua cor
como branca (92,1%), já os demais classificaram sua cor como parda (5%) e amarela (3%).

Gráfico 1. Curso dos entrevistados.

Fonte: A autora.

A maioria dos estudantes participantes entraram na faculdade no início da pandemia,


como visto no Gráfico 2, ou seja, tendo 19 anos.

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Gráfico 2. Idade dos entrevistados.

.
Fonte: A autora.

Com relação aos aspectos emocionais, 67,3% dos participantes relatam que a deman-
da da faculdade afetou o emocional deles, apesar disso 61,4% dos estudantes se sentiram
acolhidos pela instituição e pelos professores. Porém, 81,2% disseram que o excesso de
trabalho/estudos potencializou os sentimentos, que quando perguntado quais apareceram,
os maiores resultados foram de ansiedade, medo e tensão, como pode-se ver no Gráfico 3.

Gráfico 3. Sentimentos que potencializou durante a pandemia.

Fonte: A autora.

E quando estiveram em sofrimento emocional, 36,6% declararam que choraram; 19,8%


fizeram orações à Deus; e 16,8 % saíram para espairecer. Quando perguntado se sentiram
ansiedade e estresse, 68,3% dos estudantes responderam que sim, 7,9% não sentiram
nenhum dos dois, já 11,9% se sentiram mais ansiosos e outros 11,9% se sentiram mais
estressados visto que temiam que alguém próximo pegasse o vírus, como pode-se verifi-
car no Gráfico 4:

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Gráfico 4. Sentimentos durante a pandemia.

Fonte: A autora.

Além disso, pode-se depreender do Gráfico 5 que muitos dos participantes procrasti-
naram (90,1%) e passaram mais tempo que o normal em ciberespaços (77,2%), se isolando
mais ainda, o que pode-se verificar em outra pergunta realizada no questionário, visto que
53,5% relatam que o contato com os amigos diminuiu, 36,6% dizem que nada mudou e
apenas 9,9% dos participantes teve um contato maior com os amigos.

Gráfico 5. O que os estudantes fizeram durante a pandemia.

Fonte: A autora

Ao fazer 6 perguntas em que os estudantes só poderiam responder “Sim” ou “Não”,


94,1% dizem que durante a pandemia pensaram no sentido da vida, 67,3% informaram
desejar mudar algo na própria vida, 86,1% afirmaram ver propósito na vida, porém 19,8%
pensaram em se suicidar, uma vez que 79,2% dos participantes sentiram solidão, além disso
houve uma diminuição do contato com amigos em 53,5% dos estudantes.
Com isso pode-se analisar que todas as questões vividas pelos estudantes durante o
período pandêmico, fez com que os mesmos lidassem de diferentes formas. Alguns tiveram o
comportamento de furar a quarentena (37,6%); outros ultrapassando apenas o toque de reco-
lher (23,8%); saindo quando necessário (37,6%) e apenas 1% não saiu por nenhum motivo.
Pode-se analisar (gráfico 6) que sentimentos como “Nada mudou”, com 23,8%, e
“Senti que minha fé me protegia”, com 22,8%, foram as respostas que predominaram entre

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os entrevistados. Apesar disso, 15,8% relata não ter proximidade com a religião e espiritua-
lidade e 18,8% informar ter se afastado, 65,3% desses estudantes mencionam ter alguma
religião, sendo 40,9% católicos, como pode-se verificar no Gráfico 7:

Gráfico 6. Relação dos estudantes para com a religião e a espiritualidade

Fonte: A autora.

Gráfico 7. Religiões.

Fonte: A autora.

Pela coleta de dados, observou-se que 37,6% da amostra se consideram espiritua-


lizados, mas não religiosos; 36,6% religiosos e espiritualizados, 17,8% apenas religiosos e
8% não se consideram religiosos nem espiritualizados. A busca por serviços religiosos se
mostrou bem equilibrada, como pode-se observar pelo Gráfico 8.

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Gráfico 8. Busca de recursos religiosos.

Fonte: A autora.

Os estudantes também relatam que apesar do contexto a espiritualidade foi mais


positiva (56,4%), e mesmo que 35,6% tenham perdido alguém por conta do vírus, apenas
9,8% relatam que tal perda afetou sua espiritualidade negativamente. Esses dados demons-
tram o Apego Seguro que muitos estudantes apresentaram, por outro lado o Apego Evitante
também está presente na realidade dos participantes, como pode-se ver no Gráfico 9.

Gráfico 9. Inventário de apego a Deus.

Apego Ansioso Apego Ansioso Evitante

Apego Seguro Apego Evitante


Fonte: A autora.

DISCUSSÃO

Já era esperado que mais da metade dos estudantes participantes (79,2%) sentissem
solidão nesse período, pois como Tuason, Güss, Boyd (2021) trazem, esse público precisa

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desse contato com o outro caso contrário vem o stress e ansiedade 68,3%, sendo a ansie-
dade (68%) o sentimento que foi mais potencializado nesse período.
A demanda da faculdade afetou a saúde mental de 67,3% dos estudantes, sendo poten-
cializado, em 81,2% dos entrevistados, pelo excesso de trabalho e estudos. Neste sentido,
Dias, Pedroso e Guelbert (2020) e Bladek, (2021) comentam que o excesso de tempo em
frente aos aparelhos afeta o desenvolvimento humano, no caso dos jovens, prejudicando a
autonomia, amadurecimento e o autoconhecimento (ABASSE, et al., 2009).
Bladek (2021), Oliveira e Padovani (2014), Castillo (2013), Patsali et al. (2020) e Volk
et al. (2021), mostram que os jovens tendem a não terem hábitos saudáveis e utilizarem es-
tratégias de enfrentamento inadequadas, sendo confirmado pelos resultados coletados, onde
37,6% dos participantes relatam terem furado a quarentena e outros 23,8% terem passado do
toque de recolher. Além disso, as variáveis causadas pelo contexto mostraram resultados de
procrastinação (90,1%), menos da metade (40,8%) busca conversar com amigos e familiares,
tendo uma diminuição no diálogo com os amigos (53,5%), 77,2% passam tempo em demasia
em ciberespaços, esses fatores aumentam o nível de isolamento, corroborando com Fawaz
e Samaha (2020). Porém ao comparar os achados desse estudo com os de Montenegro, da
Silva Queiroz e Dias (2020), não era esperado que 45,5% buscassem atividade de lazer fora
do computador e que 52,5% buscassem a prática de exercícios físicos, outros resultados
que chamaram a nossa atenção foi que apenas 7,9% dos participantes relataram aumento
no consumo de drogas e um pouco menos da metade dos estudantes informam o aumento
no consumo do álcool (34,7%), a tendência era que houvesse um acréscimo significativo
nesses resultados segundo Fawaz e Samaha (2020).
Apesar desses dados positivos e 61,4% desses jovens comunicarem que se sentiram
apoiados pela instituição e pelos professores nesse período, ainda é necessário atenção,
visto que o suicídio é a segunda causa de morte em jovens adultos (BOTEGA, 2015 &
RAHMAN et al. 2021) e 19,8% dos entrevistados relataram pensar em suicídio, e como
apontam Francis e Bance (2017), o risco tende a aumentar quando a pessoa já se encontra
em sofrimento emocional o que foi verificado entre eles.
Um dos objetivos específicos do presente trabalho era investigar a espiritualidade des-
ses estudantes, visto que é considerado um das estratégias de enfrentamento mais adequada
(CHAVES, 2015), 37,6% dos entrevistado se consideram apenas espiritualizados e outros
36,6% religiosos e espiritualizados, sendo a maioria católica, e na amostra 56,4% relatam
que apesar do contexto pandêmico a espiritualidade foi mais positiva, e mesmo que 35,6%
tenham perdido alguém para a Covid-19, só 9,8% informam que a perda afetou negativamente
a espiritualidade, o que mostra bem-estar espiritual, como é descrito por Dos Santos (2020).

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Ao analisar a relação dos jovens participantes com Deus pode-se perceber resultados
bem próximos entre o apego seguro, o qual minimiza o sofrimento emocional em contexto de
desastre, fazendo com que os mesmos encontrem alívio no divino (AUGUST, ESPERANDIO;
2020 & ZELIGMAN, ATAGA, SHAW; 2020) e o apego evitante, o qual traz insegurança e
sentimentos antecipados de uma possível rejeição (AUGUST, ESPERANDIO; 2020). Essas
modalidades de apegos são compreensíveis visto que o contexto é de incertezas, além de
ser um público que está descobrindo o seu lugar no mundo.

CONCLUSÃO

Pode-se verificar o quanto foi difícil aos jovens se adaptarem ao contexto de pande-
mia, resultando em ansiedade, medo e tensão. Consequentemente gerou procrastinação,
uso em demasia de aparelhos tecnológicos, mas também houve estratégias utilizadas fora
de ciberespaços, como a realização de atividade física e vídeo chamadas, além de muitos
terem buscado a religião e espiritualidade nesse momento de sofrimento, com apego se-
guro na maioria dos entrevistados, mas também com apego evitante por parte dos jovens
participantes e ideação suicida em uma parcela considerável, o que causa preocupação.
A pesquisa, por ser fruto do trabalho de conclusão de curso e tenha demandado tempo
até aprovação no comitê de ética para dar início a coleta de dados, os achados causaram
surpresa. Contudo, a limitação está nesse fato de ter sido possível somente acesso aos
participantes de forma on-line com enfoque quantitativo enquanto que, para aprofundamento
dos achados, fosse indicado um enfoque também qualitativo. Diante disso, a indicação para
próximos estudos é investigar as aceitáveis relações do apego com as patologias por meio
de estudos de abordagem mista.

Agradecimentos

Primeiramente tenho que agradecer a minha professora Sandra Martins, por toda
orientação e apoio na montagem desse projeto, agradecer também a todas as pessoas que
responderam e compartilharam a pesquisa que fizeram ser possível a finalização, e por fim
agradeço a minha família e aos meus amigos por estarem sempre comigo me apoiando.

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37
03
O dualismo das igrejas evangélicas e sua
postura sociopolítica

Orivaldo Pimentel Lopes Jr


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Artigo original publicado em: 2020


Religião & Sociedade - ISSN 1984-0438.
Oferecimento de obra científica e/ou literária com autorização do(s) autor(es) conforme Art. 5, inc. I da Lei de Direitos Autorais - Lei 9610/98

'10.37885/220408655
RESUMO

A pesquisa sobre religião e esfera pública no bairro de Felipe Camarão em Natal, Rio
Grande do Norte, durante mais de dez anos provocou a indagação sobre qual seria o fator
doutrinário ou filosófico que reduziria o impacto da intensa presença dessas igrejas nas
periferias urbanas no Brasil na superação dos problemas sociais ali existentes. Foram pes-
quisadas durante cinco anos todas as 97 igrejas evangélicas cuja presença foi registrada
em 2011. O dualismo metafísico apareceu como um componente em tensão ou em plena
atuação no âmbito dessas igrejas. Ao discutir as implicações práticas dessa mentalidade
dualista, o trabalho propõe uma resposta à indagação acima formulada.

Palavras-chave: Igrejas Evangélicas, Transformação Social, Dualismo.


INTRODUÇÃO

O crescimento dos evangélicos no Brasil traduz-se na proliferação de um imenso nú-


mero de pontos de reunião e de culto, especialmente nas periferias das cidades. Nesses
locais, o número de adesões a essas igrejas é aparentemente maior do que em outras vizi-
nhanças urbanas. Além da maior disposição à adesão por parte das pessoas desses bairros
às igrejas, pesa também para essa quantidade diferenciada o fato de o imóvel alugado ou
adquirido por essas igrejas ter, nas áreas periféricas, um custo menor em relação ao das
chamadas “áreas nobres”.
Vimos acompanhando por mais de dez anos as igrejas evangélicas em Felipe Camarão,
bairro da periferia oeste da cidade de Natal, Rio Grande do Norte. Em um determinado mo-
mento de nossa pesquisa, perguntamo-nos: qual seria o impacto da presença intensa de
igrejas evangélicas em um determinado espaço urbano na transformação dos indicadores
sociais e da prática democrática?
Posturas teóricas explicacionistas partem geralmente de uma visão generalizante da
religião para responder a essa pergunta. Aqueles que veem a religião como instrumento
ideológico, ou lhe negam alguma potência transformadora, até se surpreenderiam com essa
pergunta. Entretanto, existem indicadores históricos e sociológicos que apontam no sentido
contrário, pois religiões e grupos religiosos tiveram papel preponderante na transformação
social mesmo depois da separação, no ocidente, da esfera religiosa da política1. A tentativa
de estabelecer leis gerais para os fenômenos humanos reflete a visão iluminista do mundo
e tende para o positivismo e a ineficácia quando aplicadas à sociedade. É possível agrupar
e classificar os diferentes subgrupos humanos, mas tais classificações são tão fluidas que,
na maioria das vezes, essas identificações começam a ruir no instante que se prestam a
qualificações do tipo: “Todos os componentes do grupo x são deste ou daquele modo”.
Isso se aplica particularmente ao âmbito da religião. Ainda podemos dizer “os cató-
licos romanos”, “os budistas”, “os evangélicos”, etc., mas a fragmentação e a subdivisão
dessas categorias são tão grandes que tais nomeações começam a perder qualquer sig-
nificado. As tentativas de agrupamento também são discutíveis: tradicionais, históricos, de
missão, evangelicais, pentecostais, neopentecostais… As generalizações e classificações
pressupõem um conceito de identidade excessivamente fixo, como que dado pela natureza,
cuja taxionomia refletiria uma realidade ontologicamente definida como conjunto de carac-
terísticas deste ou daquele grupo humano. Isso exclui uma concepção de identidade que
“diz respeito à percepção dos atores de que o seu lugar no mundo passa por investimentos
simbólicos pelos quais eles se afirmam e negociam com os outros a sua forma de inserção
na sociedade” (Burity 2002:7). Só existe identidade na troca de identificações, na aceitação
vs. rejeição dessas identificações. Tentativas exteriores de classificação, muitas vezes com

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ares de cientificidade, também operam nessa troca e podem influenciar nos comportamentos
esperados, porém geralmente falta a instância dialogante e acabam por cair no vazio ou em
simples dogmatismo, mas sempre com alguma consequência.
Foi provavelmente por conta dessa natureza fluida dos agrupamentos religiosos que o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o Censo de 1991, fez a opção de
não “enquadrar” o informante em nenhum grupo religioso pré-identificado, tomando “ao pé
da letra” a autodefinição que ele desse. Pelo que sabemos, na hora de computar os dados,
esse procedimento mostrou-se inviável, influenciando provavelmente no fato de as informa-
ções sobre religião só terem sido divulgadas seis anos após a realização desse Censo2.
Já nos últimos Censos (2000 e 2010), uma classificação preliminar e suficientemente
abrangente das manifestações religiosas multifacetadas dos brasileiros foi elaborada com a
ajuda do Instituto de Estudos da Religião (ISER)3. Tais classificações ajudaram a dar sentido
aos agrupamentos religiosos, apontaram para sua grande diversidade, indicaram as possíveis
tensões e, principalmente, as tendências de crescimento ou decréscimo. Entretanto, quanto
mais nos aproximamos de uma observação concreta e localizada do fenômeno, temos a
impressão de ser às vezes imprecisa. Classificações de agrupamentos humanos que se
presem acontecerão em diálogo: não se trata de mera autoidentificação nem de uma forma
colocada sobre tais grupos.
De fato, quando se tenta qualificar este ou aquele grupo religioso, é necessário dizer
“este ou aquele grupo tende a ser, na sua maioria, assim”. Isso tem a vantagem de desesti-
mular reificações e petrificações conceituais que podem se transformar em preconceitos. É o
caso da qualificação de alienados, ou extramundanos, ou fechados que é lançada sobre
os evangélicos em geral e, de modo mais enfático, sobre os pentecostais e neopentecos-
tais. Às vezes, realmente, a maioria ou alguns deles o são, às vezes não, mas é inadequado
“pré-conceituá-los” por meio de uma generalização dessa natureza.
Não se sustenta mais, por exemplo, a suposição de que as Igrejas Evangélicas se-
jam como um todo irresponsáveis diante da realidade social em que vivem. Joanildo Burity
demonstrou isso, dentre outros lugares, no livro Redes, parcerias e participação religiosa
nas políticas sociais no Brasil (2006), e no artigo “Religião e Cidadania: alguns problemas
de mudança sociocultural e de intervenção política” do livro Religião e Cidadania (2011).
Nesses textos, ele constata que os analistas de políticas públicas, da Ciência Política e da
Sociologia deixam passar desapercebida a intensa atividade de envolvimento das religiões
na esfera pública. Ele afirma: “Quando muito, encontraremos alusões rápidas, em frases
curtas e vacilantes ou em remissões bibliográficas. Falta conhecimento da dinâmica interna
do campo religioso e suas formas próprias de raciocínio e ativismo social e político, levando

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à invisibilidade de processos em curso ou a erros de avaliação e expectativas mal funda-
mentadas de parte a parte” (Burity 2006:197, grifo nosso).
Existe uma atuação social por parte das mais diferentes igrejas, que varia de ações
assistenciais aos “domésticos da fé”, passando por ações comunitárias do tipo Organizações
não Governamentais (ONGs), até atuações político- eleitorais, às vezes com interesses
corporativistas e às vezes como ação política com vistas à transformação social. Ao se de-
bruçar sobre a atuação social das igrejas, Burity descreve essas diferentes abordagens e
problematiza o alcance de cada uma delas no sentido de produzir cidadania e transformação
social. Acrescenta-se a isso que, embora poucas congregações locais - o mesmo não pode
ser dito das denominações - tenham condições de criar uma ONG ou mesmo um projeto
social com certa autonomia em relação à igreja, um número significativo delas, senão a
totalidade, tem algum tipo de socorro social aos membros da igreja ou da comunidade em
situação de grande vulnerabilidade. Porém, levando-se em conta o tamanho da presença
das igrejas evangélicas no Brasil e o fato de que a grande maioria dos fiéis dessas igrejas é
de praticantes, os quais se congregam em milhares de pequenas igrejas locais, o impacto
social das igrejas é aparentemente pequeno.
De qualquer forma, faltam-nos critérios para fazer uma avaliação precisa acerca dessa
consideração, pois não há um indicador suficientemente seguro para se dizer como seria uma
dada realidade se as igrejas não estivessem presentes ali. Claro que é possível comparar
um dado local com outro, uma região com outra, um país com outro, etc. e ver a relação
variável entre presença de igrejas e melhoras sociais tais como a diminuição da violência,
aumento da expectativa de vida, melhorias na educação, saúde, moradia e aparelhos urba-
nos. Isso já foi tentado outras vezes4, mas as variáveis são tantas que não é possível isolar
elementos que possibilitem conclusões muito convincentes. E quanto mais se expande o
olhar, menos clara fica a influência da ação social das igrejas na sociedade como um todo.
As conclusões possíveis de se tirar de perspectivas macro referem-se muito mais a
mentalidades do que a ações concretas, mas, mesmo nesse nível, a avaliação da presença
evangélica não é muito favorável no que tange às mudanças sociais. Enquanto nos últimos
cinquenta anos a população brasileira cresceu 63,2%, o número de evangélicos quase dobrou
de tamanho, aumentando 93,3%. O salto maior foi entre 1991 e 2000, quando os evangélicos
cresceram 71,1%, reduzindo o salto para 44,1% entre 2000 e 2010. Neste último Censo,
eles chegaram a 22,2% da população brasileira, com 42,3 milhões de fiéis:

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Figura 1. Percentual da população residente, segundo os grupos de religião. Brasil - 2000/2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.

Pelo que tudo indica, esse crescimento não parece estar trazendo alterações signifi-
cativas no quadro social brasileiro e no aumento da cidadania. O bispo anglicano e cientista
político Robinson Cavalcanti, tragicamente assassinado juntamente com sua esposa em
fevereiro de 2012, afirmou: “o rápido crescimento do protestantismo não tem sido acom-
panhado de redução dos problemas sociais, políticos, econômicos, morais” (Cavalcanti
2006:38). O sociólogo Paul Freston, entrevistado pela revista Carta Capital, entende que
“quanto mais uma religião cresce, mais fica parecida com a sociedade na qual está inserida”
(Carta Capital 2012:43). Mas, se é comum, como vimos, que as igrejas realizem algum tipo de
intervenção social, então é possível que o conjunto dessas ações possa operar algum impacto
na sociedade, ou pelo menos que mude, de alguma forma, a mentalidade de seus adeptos.
Em 1992, o ISER realizou um Censo Institucional Evangélico nas áreas suburbanas do
Rio de Janeiro. A pesquisa constatou que eram abertas de cinco a seis igrejas evangélicas
por semana na baixada fluminense. Isso causou certa admiração, pois, desde os anos 1970,
essa mesma região caracterizava-se por altos índices de violência. No “Comentário Final”
da primeira apresentação do Censo Institucional, Rubem César Fernandes observou que,

Com as devidas variações, características semelhantes às encontradas no


Grande Rio devem ser obtidas entre os evangélicos em outras regiões metro-
politanas do país. Falamos aqui, portanto, de um fenômeno nacional. É este,
talvez, o mais importante movimento promotor de mudanças de mentalidades
na sociedade brasileira contemporânea, sobretudo em suas camadas urbanas
mais pobres (Fernandes 1992:25, grifo nosso).

O boom evangélico que ocorria nas periferias do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Espírito Santo) levou mais tempo para ocorrer no Nordeste, como podemos
observar na tabela que se segue, no qual este teve um crescimento de 59,2% no número
de evangélicos entre 2000 e 2010, enquanto que o Norte teve 43,9%; o Sudeste, 40,5%; o
Sul, 32%; e o Centro-Oeste, 41,7%:

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Tabela 1. Distribuição percentual da população residente, por Grandes Regiões Distribuição percentual da população
residente (%) Brasil Grandes Regiões.

Distribuição percentual da população residente (%)

Brasil Grandes Regiòes

2000 2010 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste


Grupos de religião
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010

100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0
Católica Apostólica Romaria 73,6 64,6 71,3 60,6 79,9 72,2 69,2 59,5 77,4 70,1 69,1 59,6
Evangélicas 15,4 22,2 19,8 28,5 10,3 16,4 17.5 24,6 15,3 20,2 18,9 26,8
Evangélicas de Missão 4,1 4,0 4,3 4,8 2,9 3,4 4.3 3.9 5,7 5,0 4,2 4,1
Evangélicas de origem pentecostal 10,4 13,3 14,4 20,1 6,9 10,1 12,0 14.3 8,7 10,9 13,4 16,6
Evangélica não determinada 1,0 4,8 1.1 3,6 0,5 2,9 1.2 6,3 0,9 4,3 1,3 6,1
Espírita 1,3 2,0 0,4 0,5 0,6 0,8 2.0 3,1 1,2 2,0 1,9 2,3
Umbanda e Candomblé 0,3 0,3 0,0 0,1 0,1 0,2 0.4 0.4 0,5 0,6 0,1 0,1
Sem religião 7,4 8,0 6,6 7,7 7,7 8,3 8,4 9,0 3,9 4,8 7,8 8,4
Outras religiosidades 1,8 2,7 1,7 2,5 1,3 2,0 2.2 3.4 1,5 2,2 2,0 2,7
Não sabe/não declarou 0,2 0,1 0,2 0,1 0,2 0,1 0.3 0.1 0,1 0,1 0,2 0,1
Fonte: Tabela montada pelo autor a partir dos dados do IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.

Mesmo assim, o Nordeste continua sendo a região menos evangélica do Brasil e,


ainda que as regiões metropolitanas tenham acompanhado mais de perto o ritmo de cresci-
mento nacional, esse processo foi posterior no Nordeste. A figura a seguir, produzida pelo
IBGE demonstra isso:

Figura 2. Percentual de evangélicos na população residente dos municípios Brasil- 2010.

Fonte: IBGE, Centro Demográfico, 2010.

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Essa maior aproximação em semelhança das regiões urbanas nordestinas com áreas
urbanas das demais regiões brasileiras permite-nos imaginar que os processos de relação
sociopolítica dessas igrejas sejam de igual forma parecidos. As igrejas de periferias são
mais paroquiais, isto é, trabalham com aqueles que estão por perto, enquanto a membresia
das igrejas do centro está espalhada pela cidade. Porém, nem “mudanças de mentalidade”
(Fernandes 1992:25) nem eficácia transformadora são perceptíveis em escala significati-
va até o momento, embora a autocompreensão dos evangélicos como uma força eleitoral
abra uma faceta política que, a despeito de ainda ser corporativista e conservadora, tem o
potencial de produzir uma pedagogia política.
Não fica claro, no entanto, quais poderiam ser as “mudanças de mentalidades” su-
geridas por Fernandes, pois na pesquisa que desenvolvemos desde 2006 na periferia de
Natal/RN não encontramos tais mudanças. A organização social, a participação política e
as transformações sociais provocadas pelo conjunto dos moradores não são diferentes dos
outros bairros de Natal com mais ou menos igrejas. Percebemos em nossos estudos que a
presença intensiva de igrejas evangélicas parecia, por volta de 2006, não estar gerando qual-
quer impacto significativo (Lopes Jr., Rezende e Correia 2012; Lopes Jr. e Rezende 2012).
Posteriormente, entretanto, encontramos indicações de por que a proliferação de igrejas
evangélicas dificilmente vai gerar “mudanças de mentalidades” ou qualquer outro tipo de
mudança em um sentido popular de transformação sociopolítica. Não se trata, aqui, de avaliar
o que é feito e o que não é feito de modo a influenciar o bairro na superação da miséria e
da violência, mas o que, na própria concepção de religiosidade e de sociedade, estimularia
ou desestimularia uma ação social coletiva e dos membros como cidadãos nessa direção.
Nada haveria de se esperar das igrejas evangélicas se elas fossem um agrupamento
humano como um clube, uma família, um time esportivo, uma turma de amigos. Entretanto, as
igrejas, assim como escolas, partidos, sindicatos e associações de moradores, são agrupa-
mentos que se constroem em torno de um projeto de mudança das pessoas e da sociedade.
Algumas dessas instituições, como as escolas, apostam no projeto de mudança pessoal, e
outras, como as associações de moradores, por exemplo, apostam no projeto de mudança
coletiva. Às igrejas pesquisadas, na sua maioria, sobra um projeto de mudança pessoal e
falta um projeto de mudança coletiva (exceto, talvez, em um sentido moral de mudança).
Além do mais, mesmo a expectativa de mudança pessoal se restringe quase que exclusi-
vamente a aspectos morais e religiosos.
Percebemos que há um dispêndio excessivo de energia na manutenção de sua própria
existência institucional. Os agentes clericais dessas igrejas são oriundos, em sua maio-
ria, do próprio corpo de fiéis que as compõem. As igrejas de missão e as Assembleias de
Deus ligadas ao ministério central da cidade são menos afetadas por essas disputas de

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poder, porque trazem seus líderes principais de fora do bairro e até da cidade. No caso das
Assembleias de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus, há um rodízio anual que, pelo
que percebemos, é intencionalmente negativo no que tange ao envolvimento do líder com
a realidade local, mesmo que reduza o conflito interno e atrele a direção local à liderança
central da denominação com todos seus aparados materiais e simbólicos.
Já as igrejas pentecostais microdenominacionalmente estruturadas sofrem muito com
as disputas hierárquicas, mesmo porque muitos desses líderes dependem financeiramente
da arrecadação da igreja para se manterem. A multiplicação de microministérios estaria vin-
culada à multiplicação de fontes de renda para a manutenção de líderes. Como dissemos,
esse dispêndio de energia na solução de conflitos internos, bem como a concepção de igreja
local como um “empreendimento” que precisa se manter e progredir, faz do projeto para a
sociedade algo distante, pouco prioritário e às vezes até contraproducente.
A atuação social das igrejas, quando acontece, é vista como uma “responsabilidade
social”. Essa expressão tem aqui o mesmo sentido com o qual é usada em empresas co-
merciais privadas. A responsabilidade social de uma loja, fábrica ou empresa de serviço
é uma parte, bastante secundária, de sua atuação. O projeto ou missão de uma loja, por
exemplo, é vender, e vender bastante. O de uma fábrica é produzir muito com pouco custo.
Sua missão não é dar bolsas de estudo para seus funcionários e para seus filhos; não é
apoiar um projeto ambiental; não é abrir uma escola em um bairro carente como fez o Banco
Bradesco em Felipe Camarão. Essas ações que expressam a “responsabilidade social” das
empresas são apenas um anexo de sua atuação como um todo. Elas tiram uma pequena
parte de seu capital e investem no “social”, por obrigação legal ou interesse de marketing,
mas sem perder a perspectiva de lucro. Esse lucro pode vir através de isenções fiscais, prê-
mios governamentais, prestígio que redunde em mais vendas e na atuação mais empolgada
de seus funcionários.
O mesmo ocorre em muitas igrejas que alegam certa “responsabilidade social”. Trata-
se, na verdade, apenas de uma ação secundária, um apêndice missionário. Entretanto, nem
mesmo a noção de “responsabilidade social” é generalizada entre as igrejas pesquisadas.
Por isso, começamos a desconfiar de que deveria haver algo na própria concepção que as
diferentes igrejas evangélicas têm de mundo que estaria restringindo sua atuação social e
o impacto dessa ação.
Ao nos debruçarmos sobre as querelas doutrinárias alegadas pelos líderes para justificar
as divisões e distanciamentos mútuos, assistimos a uma verdadeira reedição do “narcisismo
das pequenas diferenças”5. Mas percebemos também o peso que a simbologia doutrinária
desempenha na vida das igrejas. O peso simbólico era de se esperar, pois se trata aqui de

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uma dinâmica no âmbito da religião e a religião lida com símbolos e seus encadeamentos
na forma de mitos (Morin 1987:149).

DEPOIMENTOS

A partir dessas constatações, deduzimos que deveria haver algo na própria estrutura
teológica, doutrinária ou simbólica das igrejas evangélicas que as impeliria ou as restringi-
ria em sua atuação social, configurando-as politicamente. Procurar no arcabouço teológico
de uma dada religião as motivações para as práticas de seus fiéis não é um procedimento
novo nas Ciências Sociais. Os casos mais notáveis, para citar os clássicos, são as atitudes
diversas de católicos e protestantes na prática do suicídio, em Émile Durkheim (1975), e a
racionalidade econômica como um estímulo direto da soteriologia e do ascetismo intramun-
dano, em Max Weber (2004). Mas qual seria a perspectiva teológica que estaria influenciando
a atuação social das igrejas evangélicas e determinando seu impacto e eficácia?
O filósofo Peter Sloterdijk associou doutrinas cristãs como a da Trindade e a da re-
lação mística da alma com Deus com a base psicossocial constitutiva da interfacialidade
humana (Sloterdijk 2003:485-550). O cientista e filósofo político Giorgio Agamben recorre à
teologia e à prática cristãs para explicar por que o poder assumiu, no Ocidente, a forma de
uma economia e por que ele precisa da glória, ou seja, de todo aparato cerimonial e litúrgico
que o acompanha (Agamben 2011:10). Esses são dois exemplos do quanto perspectivas
doutrinárias religiosas se fazem presentes nas relações humanas e na sociedade como um
todo. Comparando essas relações apontadas mais recentemente com as clássicas, perce-
bemos que a perspectiva sociológica dos efeitos deu lugar a uma perspectiva humana mais
interiorizada, isto é, não permaneceram restritas ao universo religioso, mas se espalharam
mesmo entre pessoas e instituições não religiosas. A “ética protestante”, nesse caso, não
seria patrimônio dos protestantes, mas das pessoas em geral que passavam a adotar inde-
pendentemente de sua profissão de fé.
No caso de nossa pesquisa em Felipe Camarão, os dois aspectos estão presentes,
isto é, uma dada concepção teológica tem efeitos na prática das igrejas e, ao mesmo tem-
po, essa tal concepção emigra para o pensamento das pessoas não ligadas diretamente
às igrejas. Esse segundo aspecto fica aqui somente apontado, mas não vamos, nos limites
deste artigo, analisar e aquilatar sua ocorrência.
Depois de várias entrevistas com líderes evangélicos em Felipe Camarão e de ouvir
sermões e aulas da Escola Bíblica Dominical (EBD), foi-se configurando certa reincidência
discursiva que poderia ser o que buscávamos. Geralmente, essas falas situavam-se antes da
justificativa para uma ou outra atitude social da igreja. Por exemplo, quando perguntávamos

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“o que sua igreja pode fazer para mudar a realidade do bairro de Felipe Camarão?”, as res-
postas usualmente afirmavam o empenho, a necessidade e a dificuldade de “ganhar almas”.
Diante dessa resposta recorrente, indagávamos: “Em que isso melhoraria a situação do
bairro?”. E a resposta tida como mais do que óbvia era: “como novas criaturas, as pessoas
deixariam as drogas, crimes e outros pecados que fazem do bairro o que ele é”.
O Pastor X6 da Igreja Universal do Reino de Deus (Rua Joaquim de Castro, 631, Felipe
Camarão, Natal/RN) respondeu que mora no bairro desde criança, portanto, dos três pas-
tores dessa congregação, é o que mais está presente na igreja. Segundo ele, a igreja atua
e modifica a realidade social através do grupo Força Jovem que promove atividades como
partidas de futebol. Ali eles fazem um trabalho de evangelização de jovens que se encon-
tram em situações de risco (drogas e crime). “Mas o trabalho principal”, acrescenta, “é o de
libertação espiritual realizado pela IURD. Para assistência dos fiéis nesse aspecto, a igreja
tem cultos todos os dias às 7h, 15h e 19h” (grifo nosso).
Esse é um depoimento exemplar do enfoque dado à dimensão espiritual como solu-
cionadora dos problemas: o uso do esporte, algo em si bastante corporal, é somente um
meio para um sentido real que é “ganhar almas”. Os cultos aos quais o Pastor X se refere
são aqueles em que são acionadas as forças espirituais que trazem libertação espiritual das
“forças do mal” e prosperidade a todos os fiéis. A perspectiva pós-milenista, ou seja, aquela
de que as bênçãos do reino de Deus já estão disponíveis aos que se convertem, exerce uma
influência dualista a mais na praxe da Universal, que circunscreve o fim das dificuldades
sociais ao pertencimento proléptico do reino glorioso de Deus.
O líder de jovens W. T., da igreja Casa da Bênção (Rua Folha Dourada, 05), nos deu o
seguinte depoimento: “Eu trabalho com jovens, [através do] evangelismo. Se a igreja agir não
apenas no espiritual, mas também se preocupar com a ‘vida física’ pode dar uma melhorada
no bairro. Na medida em que eles [os jovens] vão se envolvendo, eles percebem que, se a
vida espiritual com Cristo não está bem, a vida física vai sofrer decadência”.
É notável a consciência de que o bairro precisa de ajuda no âmbito da “vida física”,
mas no final ele se rende à hierarquia do espiritual sobre o material ao concluir que, se a
vida espiritual não está bem, um reflexo negativo vai incidir sobre a vida física. O dualismo
mostra aqui toda sua força: não se trata apenas de haver duas instâncias na realidade, mas
de que uma é superior e a outra inferior e subordinada à primeira. Não se trata apenas de
dualismo, mas de uma disjunção dualista.
A Igreja Evangélica Assembleia de Deus da Rua Antônio Trigueiro, 779, é a igreja
polo do setor 33, composta por mais de trezentos membros. Visitamos uma escola Bíblica
Dominical cujo tema era “Missão Integral da Igreja”.
Fomos informados de que a igreja possui um departamento da terceira idade no qual
são oferecidas palestras atinentes às dificuldades desse período da vida. No Culto de Santa

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Ceia, os fiéis levam donativos para os mais carentes do bairro, mas, na conversa que tivemos
com um dos líderes da igreja, ele nos informou que toda atividade social é voltada para os
seus próprios membros. O pastor dessa igreja (W. M.) deu a seguinte declaração: “Pregamos
a palavra; acreditamos na salvação pela crença do indivíduo, pois não é objetivo [da igreja]
a reforma social. Queremos atrair pessoas para dentro da igreja”. Não parece que o estu-
do sobre a Missão Integral da Igreja esteja surtindo muito efeito, não somente por essas
observações, mas pelo todo da participação das igrejas da Assembleia de Deus no bairro.
Vejamos agora uma sequência de depoimentos em que se apresentam indicadores do
dualismo, estimulado a partir da mesma pergunta: “O que sua igreja pode fazer para mudar
a realidade de Felipe Camarão?”.

• Fazemos evangelismo, visitas nas casas. Dizemos que Deus batiza, salva e liberta.
Outro Deus não salva (Pr. J., Copastor da Igreja Missionária Pentecostal de Je-
sus - Rua Maristela Alves, 54B). - Evangelizar, levar a palavra de Deus, orientação
para o abandono dos vícios. Ajudar quando existe necessidade material de algum
membro da igreja ou parente dos membros. Fazemos a parte social na medida em
que podemos. Visitamos os viciados, dando conselhos (Presbítero G., da Evan-
gélica Assembleia de Deus - Felipe Camarão III - da Rua Mira Mangue, 62). - [A
igreja tem como] objetivo social a educação de jovens e adultos (Pastor D. L., da
Igreja Batista da Convenção Batista Brasileira Rua Arco Íris, 178). - Oração. Orar
pelos líderes políticos (G., líder da Congregação Cristã do Brasil - Rua Antônio Tri-
gueiro com Rua Tibiriçá). - Através da união das igrejas. A Associação dos Líderes
Evangélicos de Felipe Camarão (ALEF) luta para acabar com a divisão das igrejas
(Pastor A. C., da Igreja de Cristo no Brasil - Rua Sta. Cristina, 1038). - Evangelizar
conforme a ordem de Jesus, pregando para ganhar essas vidas, especialmente os
jovens e as crianças. Após os 12 anos já começam a ter contato com as drogas
e com a prostituição. Os pais impedem os filhos de vir à igreja. Seria necessário
ter algum entretenimento para atrair as crianças, mas não conseguimos (Pastor J.
S., da Igreja Evangélica Assembleia de Deus - Rua Pai Celestial, 51). - Escolhe-
mos como liderança de ações sociais para este ano o irmão F. F. Decidimos que
faremos diversos trabalhos de ações sociais, traremos médicos para atendimento
aos moradores do bairro, doação de cestas básicas, corte de cabelo (Dirigente da
Igreja Adventista do Sétimo Dia - Rua Sta. Helena, 492. Ver, abaixo, o olhar de uma
membra dessa igreja: “quem muda é Deus”.). - Missão integral (Pastora A. L., da
Igreja de Deus em Cristo Jesus - Rua São José, 590). - Oração. Lutar pela questão
do lixo (junto com a ALEF).

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Tentar recuperar drogados, mas isto está fora de alcance, devido ao orçamento. Oração
sem ação de nada adianta (Pastor S. J. S., da Igreja Evangélica Apocalipse Pentecostal - Rua
São Nicolau, esquina com Avenida Oeste). - Diferença de vida, esta é a intenção da igreja.
Mostrar que os fiéis têm um relacionamento com um Deus grande, que trabalha dentro da
alma e do espírito, e muda o homem de dentro para fora (Pastor R. F., da Igreja Universal
do Reino de Deus - Rua Pai Celestial, 815). - Evangelismo. Ajudar os domésticos da fé,
primeiro, pois, do contrário, de acordo com a Bíblia, é pecado. Levar a Palavra. Quem deve
fazer ação social não faz, a igreja não tem como função tais práticas. A ALEF deve fazer
tais coisas, [isto é] a articulação entre os pastores, e com os políticos (Pastor I. D., da Igreja
Evangélica Assembleia de Deus - Rua São Carlos, 41).
Um caso curioso foi o da pastora S., da Igreja Deus é Amor, da Rua Antônio Trigueiro,
740. Quando perguntada sobre o que a igreja estava fazendo para mudar a realidade do
bairro, ela simplesmente se recusou a responder.
Já para os membros da igreja, perguntamos: “O que sua igreja está fazendo para
mudar a realidade social do bairro de Felipe Camarão?”. A visão dos líderes geralmente é
mais ideal do que a visão dos membros, que é mais concreta:

– Todas as igrejas mudam através da palavra, muitas almas são salvas (D. M., mem-
bro da Igreja Missionária Pentecostal de Jesus - Rua Maristela Alves, 54B). - Mu-
dando muito, mas cabe a cada um reconhecer. A igreja ajuda com cestas básicas
e com evangelização (D. S., membro da Igreja do Evangelho Quadrangular - Rua
Antônio Trigueiro, 92). - A palavra tem um poder forte de motivação e transforma-
ção, além de resgate das pessoas das drogas. Fizemos recentemente uma ação
social na Escola Veríssimo de Melo com trio elétrico, corte de cabelo, confecção de
currículos, palestras e contamos com o trabalho de voluntários. 1.400 pessoas pas-
saram pela escola. Pretendemos fazer a caminhada da paz pelo bairro com as igre-
jas evangélicas unidas (P. S., membro da Igreja Universal do Reino de Deus - Rua
Joaquim de Castro, 631). - [A igreja] ora pelo bairro, para que Deus possa chegar na
vida das pessoas; faz campanha de oração; visita nas famílias (M. C., membro da
igreja Assembleia de Deus - Rua Antônio Trigueiro, 779). - [Para mudar a realidade
do bairro] além de orar, [a igreja precisa] promover cursos socioeducativos para a
população, tratando assuntos como drogas, e oficinas de artesanato, mas a igreja
não está fazendo nada disso (O. F., membro da Missão Evangélica Pentecostal do
Brasil - Rua Pe. Cícero, 16 b). - A igreja alcança as crianças do bairro através de
atividades física, mental e espiritual, principalmente através do projeto “Aventurei-
ros” (6 a 10 anos de idade) e “Desbravadores” (11-15 anos) (Depoimento dado ao
pesquisador por um grupo de jovens da igreja Adventista do Sétimo Dia - Rua Felipe

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Dias, 176). - Através do “clube dos desbravadores” a igreja já faz uma atuação para
modificar a realidade social. O grupo limpa praças e ruas, dá assistência com cestas
básicas. Ainda neste mesmo dia à tarde haverá uma passeata contra a violência
das mulheres que terá a presença do clube dos desbravadores (L., membro da Igre-
ja Adventista do Sétimo Dia - Rua Joaquim de Castro, Ca.389). - A igreja atua so-
cialmente apenas com a distribuição de cestas básicas (D., membro da Evangélica
Assembleia de Deus - Felipe Camarão II - Rua Maristela Alves, 130). - Tudo que ve-
mos hoje está escrito no Apocalipse: pai contra filho, filho contra pai… Não há muito
o que se fazer se a profecia está nas escrituras. Eu não vou dizer que não tenho
medo, porque eu estaria mentindo. Nós fazemos muita oração pelo bairro para que
Deus mude o quadro e dê os livramentos para nós. Fazemos visitas, chamamos
para os cultos (Dona E. P., da Igreja Pentecostal Deus é Amor - Congregação Feli-
pe Camarão II - Rua Indomar, 635). - Realizar projetos para alcançar não crentes.
Ações espirituais e sociais em conjunto. Faz-se primeiro o social, para que se envol-
va, e depois entra-se com o espiritual. Realizar cultos ao ar livre (Dona J., da Igreja
de Deus em Cristo Jesus - Rua Pe. Cícero, 92). - Trazendo o evangelho, ele é quem
faz a diferença, é o alimento espiritual, o principal. Em segundo lugar, a educação.
É preciso introduzir aos poucos o que não é espiritual. A gente não é só corpo ou só
espírito, a fé alcança todas as áreas da nossa vida (Dona S. A., da Igreja Evangélica
Assembleia de Deus - Travessa Todos os Santos, 232). - Evangelismo. Muito pouco
se tem feito. O trabalho com jovens é limitado. Projeto de esporte em parceria com a
escola próxima da igreja, mas ainda não saiu do papel, devido à falta de resposta da
escola (Dona M. L., da Igreja Metodista Wesleiana de Felipe Camarão - Rua Nossa
Sra. do Livramento, 52). - Trabalhando com evangelismo e o setor social ajudando
com alimentos. Oração pelas famílias […] Nosso maior propósito é salvar almas
para Jesus (Sr. J. C., da Igreja Assembleia de Deus - Rua Pai Celestial, 51). - Quem
muda é Deus, o Espírito Santo. Faremos eventos convidando a todos. Essa reunião
que estamos realizando é para o planejamento das atividades [sociais] do próximo
ano (D. M. J., da Igreja Adventista do Sétimo Dia - Rua Sta. Helena, 492). - Ação
social da igreja em conjunto com a comunidade e o Estado, educação, segurança
e combate às drogas. O espiritual e o social em conjunto. Consagrações, jejuns,
cultos (Jovem J., membro da Evangélica Assembleia de Deus - Rua Sta. Clara,
505). - Amar a Cristo e formar outros discípulos. Foco no trabalho com crianças. […]
Fazer com que os adolescentes fiquem o menor tempo possível nas ruas, trazendo-
-os para a igreja (Jovem J. G., membro da Igreja Pentecostal Nova Vida - Rua São
Nicolau, 10).7

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Por outro lado, nas igrejas mais “engajadas”8, os líderes falavam de “missão integral”,
“papel social da igreja”, “ser sal da terra e luz do mundo”. Essas duas típicas posturas teológi-
co-práticas estão, assim entendemos, alimentando as atitudes de intervenção ou isolamento.
Parece-nos, aliás, que, na história do pensamento cristão, essas duas formas de pensamento
sempre estiveram presentes. A Igreja Presbiteriana do Brasil, da Rua Pr. Josino Galvão, 152,
liderada pelo Pr. G., tem uma atitude de participação na vida do bairro e faz a assistência
social. O pastor demonstrou uma visão bastante progressista teologicamente. Um membro
da igreja afirmou: “Temos diversos planos para a área [social] e já estão em execução cursos
para mulheres (culinária, artesanato) e trabalho com crianças aos sábados”.

A Igreja Presbiteriana Independente (Rua Bom Jesus, 05) construiu seu templo
em uma rua cuja parte dos fundos dava para o antigo lixão da cidade, e ela fez
um convênio com a ONG Visão Mundial para dar um atendimento às famílias
que extraíam do lixão sua sobrevivência, com uma escola para as crianças.

[A igreja tem o] Projeto da escola para as crianças da Igreja e do bairro. Por ter muitas
crianças e uma crescente violência, existe a necessidade de acompanhamento. [Fazemos]
trabalhos na rua e praça com jovens para evangelizar. A escola [hoje está] de parceria com
a prefeitura e com alguns norte-americanos, atendendo de 80 a 100 crianças de manhã e
de tarde. Oferecemos educação infantil e lanche. [A escola] funciona na infraestrutura da
Igreja (Dona A. N., líder do trabalho social da igreja).

A LUTA CONTRA O DUALISMO

Em uma entrevista em 2006, o historiador do cristianismo Justo L. Gonzalez, autor de


uma trilogia sobre a História do Pensamento Cristão, ao comparar o fundamentalismo com
o liberalismo teológico, observou:

Os dois são produtos da modernidade, embora só o segundo seja chamado


de “modernismo” e o primeiro não. Ambos abandonam boa parte da fé e as
perspectivas cristãs da igreja antiga. Falo sobre isso no livro Retorno a La
Historia Del Pensamento Cristiano, no qual sugiro que existe um terceiro sis-
tema que, além de não ser nem fundamentalista nem liberal (nem uma posição
intermediária entre ambos), é mais fiel à fé da igreja antiga e possivelmente
também ao Novo Testamento (Gonzalez 2006:47).

Embora não estejamos falando da mesma tensão, a dicotomia fundamentalismo/libe-


ralismo apontada por Gonzalez é a forma que a dicotomia dualismo/monismo (ou dualismo
disjuntivo ou não disjuntivo) tomou sob o reino das certezas da modernidade. Por moder-
nidade, entendemos aqui a presunção de superioridade racional tomada sobre si mesmo
pelos europeus e posteriormente disseminada pelo globo através das diversas formas de

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colonização. Dentre as características desse período histórico europeu, as que nos interes-
sam aqui são duas: a postura disjuntiva entre afirmações contrárias e a convicção de que o
racionalismo permite aquisições de certezas9.
Com a disjunção, as duas tendências opostas no seio do cristianismo, de afirmar o
dualismo - privilegiando o espiritual em contradição com o material - e a oposição a isso, em
uma visão “integral”, deterioraram-se nas duas formas citadas por Gonzalez: liberalismo ou
fundamentalismo. Por isso, para o referido autor, essas duas posturas são frutos da moder-
nidade. O “Evangelho Social” proposto por Walter Rauschenbusch nos Estados Unidos, na
virada do século XlX para o XX, e a Teologia da Libertação latino-americana iniciada nas
comunidades empobrecidas de Lima nos anos 1960 são movimentos internos da igreja cristã
que tendem para uma opção materialista dentro da disjunção dualista. Já um bom número
de igrejas protestantes assumiu uma opção espiritualista dentro da mesma disjunção.
Nas igrejas evangélicas de Felipe Camarão, e, nesse caso, é possível extrapolar para
as igrejas das periferias urbanas do Brasil, está em questão até onde se aplica a disjunção
dualista da modernidade. Em um grau de extremo dualismo, a alma individual deve ser salva
e a realidade mundana desprezada. No extremo oposto, uma visão teologicamente liberal
defende que a meta do Cristianismo seria a transformação da sociedade. Essa segunda
possibilidade, institucionalmente falando, não existe em Felipe Camarão. No entanto, en-
contramos algumas igrejas e líderes que “buscam um terceiro sistema” como diz Gonzalez,
e que se expressa nos depoimentos com a expressão “Missão Integral”.
Estudiosos dos textos neotestamentários do pensamento cristão e da história do cristia-
nismo, como é o caso de Pablo Richard (1987), apontam para um progressivo afastamento
no cristianismo, de um dualismo não disjuntivo, próprio da tradição do judaísmo veterotesta-
mentário, para um dualismo metafísico de tradição helênica. Tanto o fundador do cristianismo
como todos os apóstolos e o cenário no qual o texto sagrado cristão foi escrito eram judeus.
Não fazia parte da cosmologia usual desses fundadores o dualismo ontológico grego entre
matéria e espírito. Porém, à medida que o cristianismo avançava no mundo greco-romano
e sua composição se tornava paulatinamente menos judaica, o dualismo foi entrando na
teologia e no ensino eclesiástico, em parte como estratégia missionária e em parte como
influência do ambiente intelectual e ideológico.
O teólogo chileno Pablo Richard, comentando um texto da carta aos
Romanos, diz o seguinte:

Nesta seção (Romanos 8.1-17), o conceito carne se refere à tendência de todo


o homem à morte, enquanto espírito significa a tendência de todo o homem
à vida: “A aspiração da carne é a morte - enquanto a aspiração do espírito é
a vida e a paz” (Rm 8.6). O homem, por conseguinte, aparece dividido entre
estas duas tendências ou aspirações antagônicas. Uma é a carne que o leva

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à morte. Outra, o espírito que o leva à vida. Cada tendência (em grego: fró-
nema) compromete todo o homem. Todas essas indicações nos possibilitam
descobrir a seguinte estrutura interna desta seção: carne ( morte espírito (vida
Uma falsificação muito difundida do pensamento paulino tem sido a de iden-
tificar carne com corpo e espírito com alma. Em São Paulo, pelo contrário, o
antagonismo carne-espírito atravessa tanto a alma como o corpo do homem.
Todo o homem, corpo e alma, pode estar orientado para a morte ou para a vida.
Carne-espírito são duas tendências ou aspirações do homem total (Richard
1987:74, grifo do autor).

Ou ainda, conforme Juan Luis Segundo, outro teólogo latino-americano:

O cristianismo sempre continuou devendo mais ao Antigo Testamento hebreu


que à cultura grega em geral. Por outra parte, sua inculturação não se realizou
adaptando elementos culturais da massa da população grega, com sua religião
politeísta (a de Homero ou Hesíodo, por exemplo), mas foi uma maneira de
pensar o universo, a Divindade e suas relações mútuas (apesar de oriundas
do mundo mental hebreu), através de conceitos mais úteis e refinados da
filosofia grega (Segundo 1995:41).

Quais “conceitos mais úteis e refinados” são esses? Basicamente, o monismo ver-
sus o dualismo. Para ele, “o Cristianismo acultura-se no monismo” (Segundo 1995:80),
porém, quando a partir de meados do século IV se começa a produzir as fórmulas cristoló-
gicas, terá que se posicionar de modo mais explícito quanto ao dualismo até então difuso
(Segundo 1995:82).
Como o dualismo não era uma mentalidade propriamente estranha nem para os cristãos
daqueles primeiros séculos e nem totalmente distante do que estava presente nos textos
apostólicos, os teólogos acolheram grande parte dele. Outras coisas, como a oposição car-
ne-espírito, foram ressignificadas. No entanto, eles rejeitaram com ênfase as versões mais
extremas de dualismo, como o neoplatonismo, o docetismo e o maniqueísmo.
Os Pais Apostólicos, isto é, líderes ligados aos fundadores, foram sucedidos pelos
Pais Apologetas, que eram líderes que tinham como missão tornar o cristianismo aceitá-
vel no mundo greco-romano. Um exemplo típico é a conversão ao cristianismo de Justino
Mártir, um estudioso da filosofia, especialmente de Platão e Plotino, e que vai se tornar
um dos Pais da Igreja: ele vê o cristianismo como a realização plena da filosofia platônica
(Cavalcante 2007:122).
Nos três primeiros séculos, no entanto, os cristãos eram uma minoria perseguida e,
além de terem que se impor, digamos assim, epistemologicamente, tinham que aprender
a viver em um ambiente muitas vezes hostil. Cecil John Cadoux, no livro The Early Church
and the world (1925), mostra que “no decurso do primeiro século começou a haver cres-
cente senso de isolamento da Igreja do Mundo, resultando disso ‘acentuada tendência para

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restringir o círculo, de modo que o amor cristão tornou-se amor à fraternidade’” (Cadoux
apud Wright 1966:145).
O pensamento dualista e o afastamento do mundo são processos concomitantes e
que se alimentam mutuamente. Em momentos extremos, esse afastamento chega a tomar
feições apocalípticas ou milenaristas. Tais movimentos não são exclusivos de cristãos, e nem
mesmo puramente religiosos (Hobsbawm 1978:64-98), porém a tensão entre afastamento
e integração é constante no cristianismo ao longo de sua história10.
Como o Novo Testamento e a Bíblia (judaica) são estabelecidos como os textos fun-
damentais e normativos do cristianismo, e como neles o dualismo dificilmente se configura
como dualismo metafísico ou disjuntivo, há de haver sempre uma luta para combater os
excessos dualistas e o afastamento do mundo. A patrística, a teologia medieval, as teolo-
gias protestantes, concílios como o Vaticano II, congressos como os do Concílio Mundial
de Igrejas (1948) e o de Lausanne em 1974, bem como movimentos teológicos como o
da Igreja Confessante na Alemanha, a Teologia da Esperança, a Teologia da Libertação,
a Teologia da Missão Integral, etc. lutarão através dos séculos para afastar os cristãos do
dualismo metafísico11.
Uma possibilidade lógica ou talvez analógica de entender esse fio condutor da tensão
dualista seria a de recorrer à ideia de um cérebro bicameral com paredes rígidas ou pare-
des desmoronadas, proposta por Julian Jaynes. O livro The Origin of Consciousness in the
Breakdown of the Bicameral Mind causou frisson quando lançado em 1976. As ideias do
autor foram acolhidas com entusiasmo por alguns, e rejeitadas com veemência por outros
tantos. A rejeição custou-lhe a reprovação de sua candidatura a uma cadeira como professor
na Universidade de Princeton.
Em pouquíssimas palavras, o autor defende a ideia de que, ao longo dos séculos e
com o desenvolvimento de certas habilidades humanas mais sofisticadas, como a escrita,
os dois hemisférios cerebrais foram interagindo mais e mais, gerando a consciência de si.
Desse modo, aquilo que até então era concebido como uma voz externa a si, um comando
superior e muitas vezes sagrado, passou, através de uma longa construção social da cons-
ciência, a ser entendido como um processo mental integrado.
Foi somente assim que a dominação civil deixou de ser uma instituição divina e, como
tal, intocável e indiscutível para ser um poder que precisaria de outras formas de legitima-
ção. A partir daí, o indivíduo, ao se impor diante da ordem hierárquica da sociedade, adquire
o status de cidadão. Só pelo “breakdown” da mente bicameral isso se torna possível.
No entanto, como o cérebro humano continua sendo bicameral, ele traz, continuamente,
a resistência desse dualismo intransponível. Isso não apenas na atitude individual, mas na
própria organização social. Um exemplo que o autor dá é o das cidades que mantêm, ainda,

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em toda parte, um templo religioso central, refletindo o tempo em que tudo era comandado
por essa “voz” externa12. Diz ele: “nossa arquitetura religiosa e urbana é, em parte, penso
eu, o resíduo de nosso passado bicameral” (Jaynes 1990:150, tradução nossa).
Ao olharmos os 97 templos religiosos pesquisados no bairro de Felipe Camarão nesse
período, sem nenhum centro, percebemos que, embora não haja mais essa centralidade do
sagrado, ele está difuso por toda parte, podendo ser fonte de pequenas bicameralidades
ou de fechamentos e aberturas para a cidadania. Repousar sobre o dualismo bicameral
seria como um estado de alívio de stress ou uma entropia por conta da complexidade dos
sistemas sociais. É no dualismo que essa busca encontra seu lugar de conforto, gerando
um efeito psicossocial alienante e a construção de microbolhas relacionais isoladas através
de forte camada impermeabilizante, que atua como imunização do mundo de violência “lá
de fora”. Porém, é justamente esse fechamento em microbolhas que alimenta a violência.
Para Peter Sloterdijk, as explosões de violência estariam ligadas ao “fenômeno das esferas
que rebentam e das comunidades de vida que implodem” (2007:152), e acrescenta:

O caráter inóspito que caracteriza as relações modernas converte todo tipo de


proximidade em algo precário. Os sentimentos positivos transferíveis para a
Pátria e para a família converteram-se num recurso escasso. O ponto de partida
para transferências positivas e criativas como tais já está comprometido, as
simbioses estão contaminadas, os espaços familiares de proteção e o biótopo
da confiança estão atrofiados (Sloterdijk & Heinrichs 2007:152).

As comunidades fechadas, neognósticas e bicamerais não estão produzindo experi-


mentos pedagógicos e seminais de comunidades de vida e de proximidades, mas, como
alerta o autor, “a modernidade faz parte da construção de cavernas políticas e das suas
histerias. O fato de nesta época os homens psicóticos começarem a padecer de perturba-
ções na capacidade de julgar e se juntarem em pseudo comunas ilusórias é algo que se
deduz da sua situação” (Sloterdijk & Heinrichs 2007:153). É muito significativo Sloterdijk usar
os termos “histeria” e “psicose”, porque isso é justamente a manifestação dos modos mais
agudos de bicameralidade fechada.
Nisso, ambos se aproximam de Slavoj Žižek quando este afirma que a perversão
psíquica se dá quando o indivíduo se submete acriticamente à ordem imaginária (Žižek
2009:154). Os indivíduos alienam-se confortavelmente no eu socialmente construído e re-
nunciam à pujança criativa da subjetividade. Fazendo um jogo de palavras: a alienação no
juissance (gozo) do outro implica a limitação do puissance (potência) do sujeito (Žižek 2009).
Já a interação tem um enorme potencial político-transformador, porque pode ser uma
força de restauração de esferas estilhaçadas e comunidades de vida implodidas. A interação
aplica-se inicialmente sobre a própria disjunção das ideias, rompendo com a opção fechada

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entre monismo e dualismo, entre espírito e matéria, mythos e logos, e até mesmo entre vida
e morte, pois não se trata de oposições redutíveis ou elimináveis.
Não interessa à humanidade nem teocracias nem secularismos. Não se trata de alme-
jar a unicameralidade, o que é impossível, mas de fazer interagir a ordem mítico-simbólica
com a ordem lógico-racional13. A maioria das igrejas evangélicas pesquisadas está distante
da realidade, refém da situação de isolamento e sem qualquer projeto coletivo de mudan-
ça. A superação desse estado de coisas pode acontecer se elas recusarem o fechamento
bicameral e colocarem em relação os elementos disjuntados por um dualismo metafísico.
O impacto transformador potencial de mais de cem igrejas em um bairro periférico e
violento de Natal é reduzido ao mínimo por conta da adesão da quase totalidade delas a
uma visão dualista do mundo. O sucesso da proposta “integral” representa a possibilidade
de o cristianismo voltar a ter o sentido transformador que teve na história ocidental e global;
entretanto, o quadro apresentado nesta pesquisa é pouco promissor.

REFERÊNCIAS
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04
Religião e Cinema: Sobrevoo sobre ‘A Festa
de Babette’

Elvio Nei Figur


Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

'10.37885/220207664
RESUMO

A arte cinematográfica tem a capacidade de articular impressões e interpretações da rea-


lidade vivida refletidas na realidade pensada e vice-versa. O presente artigo ‘sobrevoa’ a
realidade pensada e representada no filme A Festa de Babette de 1987 apontando temas,
impressões e interpretações da religiosidade nele espelhadas. Adaptado de um conto de
Isak Dinesen na obra Anedotes of Destiny de 1958, o enredo do filme, assim como o conto,
aborda temas religiosos como pecado, graça e tantos outros. Assim, o ‘beijo’ entre justiça e
misericórdia em A Festa de Babette estende o convite para a comunhão entre o sensorial
e o espiritual, entre o sagrado e o profano, entre o estético e o ético-religioso despertando
também para a ‘apetitosa’ relação entre religião e cinema.

Palavras-chave: Religião, Cinema, Søren Kierkegaard, Karen Blixen.


INTRODUÇÃO

“E, na verdade, dissera o coronel Galliffet —, essa mulher está transformando


um jantar no Café Anglais numa espécie de caso de amor... um caso de amor
de categoria nobre e romântica onde não se faz mais distinção entre o apetite
e a saciedade do corpo e do espírito!”
(Karen Blixen/Isak Dinesen)

Walter Benjamin, em A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, buscan-


do analisar as transformações operadas pelas novas técnicas de representação, confere ao
cinema a distinta qualidade de uma incisiva leitura da realidade, pois, segundo ele, diferen-
temente do pintor, que observa uma distância natural entre a realidade dada a ele próprio;
o filmador penetra em profundidade na própria estrutura do dado (BENJAMIN, 1980). Assim
sendo, “não se pode desprezar a visão que o cinema oferece fora de qualquer esquema
meramente acadêmico e dentro das inúmeras variáveis do sentir e do compreender a vida
e o processo histórico do indivíduo” (ANDRÉ, 2002, p. 59). Porém, como uma leitura da
realidade, ainda que incisiva, ele está inserido na dinâmica da linguagem e, portanto, sujeito
à aquisição de significado através da interpretação do indivíduo que o lê. O filme é, como
as outras artes, uma obra aberta em que o espectador, diferente o filmador que penetra na
estrutura do dado, o lê “sobrevoado como um espetáculo” (ANDRÉ, 2002, p. 59).
Muito mais do que entretenimento, o cinema é lugar de pensamento, reflexão e, con-
sequentemente, de fazer filosofia, conforme indica indiretamente Heidegger (1991, p. 85-
87) em O princípio de razão; “[...] a vista (sicht) não está à altura da penetração do olhar
(einblick). [...] o pensamento é uma apreensão-pelo-ouvido que apreende pelo olhar. Dito de
outro modo: pensar é escutar e ver” (apud ALMEIDA, 2010, p. 85-87). Desse modo, mesmo
que a relação entre o filme e o espectador seja uma experiência até certo ponto fabricada, há
um espaço em que o espectador pode estabelecer as mais diferentes ligações, descobrindo
algumas emoções que lhe permitam encontrar um significado pessoal. Ou, como propõe
Kierkegaard, para “olhar-se com verdadeira benção no espelho da palavra [...] requer-se
sobretudo, que tu não olhes o espelho, não esteja a mirar o espelho, mas que veja a si
mesmo no espelho” (apud ALMEIDA, 2010, p. 85).
No presente artigo sobrevoaremos a realidade representada no enredo de A Festa de
Babette como espectadores cientes da capacidade que a arte cinematográfica tem de articular
impressões e interpretações da realidade vivida refletidas na realidade pensada e vice-ver-
sa. Buscaremos temas, impressões e interpretações da religiosidade espelhadas na obra
tomando a vista do espectador que pensa, escuta, assiste e, de alguma forma, se vê na tela.

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APRESENTANDO A FESTA DE BABETTE

Babette’s Feast é um filme dirigido por Gabriel Axel e produzido por Sven Wichman,
que contam com Birgitte Federspiel (Martine), Bodil Kjer (Philippa), Jarl Kulle (General
Lowenhielm), Jean Philippe Lafont (Achille Papin) além de Stephane Audran que interpreta
Babette a personagem central da trama. Produzido em 1987 na Dinamarca, recebeu o Oscar
de melhor filme estrangeiro no Festival de Cannes em 1988.
O filme é uma adaptação do conto A Festa de Babette publicado originalmente no
Ladies’ Home Journal em 1950 e, em 1958, no livro Anedotes of Destiny de Karen Blixen, que
usa o pseudônimo Isak Dinesen, nome que adotou para suas publicações mais importantes.
Dinesen é o sobrenome do pai Adolph, e Isak significa aquele que ri (THURMAN, 1985, p. 19).
Sobre Karen Blixen há uma biografia traduzida para o português intitulada A vida de
Isak Dinesen (Karen Blixen) da escritora norte-americana Judith Thurman. Há também o site
http://blixen.dk/en, do museu dedicado a Blixen em Rungstdlund, sua terra natal. Nascida em
17 de abril de 1885, na propriedade da família ao norte de Copenhagen, na Dinamarca, Karen
tornou-se baronesa e escritora de fama internacional. A família de sua mãe, Westenholz, era
tipicamente burguesa e adotava um comportamento pautado na moral e na sobriedade. Já a
família de seu pai, Dinesen, era muito mais aristocrática, e tinham parentesco próximo do
maior nobre do reino da época. Como pessoas do campo, não se sentiam oprimidos por
obrigações morais. Karen refere-se aos familiares do pai como pessoas que tinham uma
“enorme e selvagem alegria de viver” (THURMAN, 1985, p. 20).
Quando criança Karen se sentia muito mais próxima do pai do que da mãe, o que a
fez sentir um impacto muito maior com o que aconteceu quando ela tinha apenas dez anos
de idade; Seu pai suicidou-se. Não se sabe ao certo o que o levou a isso, mas havia boa-
tos de que ele haveria contraído uma grave doença e que haveria tido algumas derrotas
políticas no parlamento, para o qual tinha sido eleito em 1892. Além do choque, a morte do
pai significou a não mais existência de um ‘contrapeso’ à religiosidade extrema e às fortes
regras morais da família de sua mãe. E esse seria o traço marcante do resto da infância e
adolescência da autora.
Quando se casou, em 1914, com Bror Blixen-Finecke, foi morar em Rift Valley, no
Quênia, onde cuidou de uma extensa plantação de café. A vida de Karen na África mereceria
um filme; Em Entre Dois Amores (Out of Africa) de 1985, vencedor de sete Oscars, é contada
essa parte de sua história que, resumidamente, foi um período bastante turbulento e de uma
experiência marcante. É nesse o período da história da autora que se inicia a primeira guerra
mundial, na qual seu irmão Thomas combate. Karen tem uma boa relação com os nativos
do continente. Porém, nessa estadia na África, Karen contraiu sífilis do marido que, além de
mulherengo, passava longos períodos afastados de casa. Após tratamento na Dinamarca,

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retornou à propriedade na África e acabou por se divorciar oficialmente em 1925. Em 1926
casou-se novamente apesar de saber que não poderia mais ter filhos. Em 1931, após perder
o segundo marido em um acidente de avião, ela retorna à Dinamarca onde publica A Fazenda
Africana, seu primeiro livro a receber certa projeção nacional onde conta suas histórias da
África. Blixen chega a ser nomeada diversas vezes para o prêmio Nobel de literatura, mas
falece em 1962 aos 77 anos em sua casa em Rungestdlund, na mesma propriedade em
que nasceu, à beira mar, e que hoje abriga o museu dedicado a ela. Por um bom tempo,
ela teve dificuldades em comer qualquer coisa chegando a pesar apenas trinta e cinco qui-
los. A subnutrição foi sua causa mortis.
Gabriel Axel, o diretor e roteirista do filme, assim como Blixen, é dinamarquês e também
passou um tempo fora do seu país. Nascido em Aarhus em 1918, Axel cresceu em Paris,
onde seu pai tinha uma fábrica de móveis. Quando retornou à Dinamarca, na juventude,
formou-se ator no Royal Danish Theatre retornando à França para trabalhar e estreou como
diretor de cinema em 1955. Ao longo da carreira, o diretor fez aparições em 20 filmes como
intérprete e, em muitas outras produções para cinema e televisão, cerca de 70, assinou como
roteirista, produtor ou diretor. Seu último filme foi Leila, de 2001. Com A Festa de Babette
ele foi o primeiro dinamarquês a vencer o prêmio de melhor filme estrangeiro o que o levou
à projeção internacional. Faleceu em 10 de fevereiro de 2014.
No filme Axel explora as línguas dinamarquesa e francesa, além das tradições france-
sas, arte, cultura, cerimônias, a gula, e o catolicismo em contraste com a vida em uma rigorosa
‘seita’ luterana num vilarejo na Dinamarca no litoral da Jutlândia. No livro de Dinesen, o local
da trama é Berlevaag, extremo norte da Noruega. O pano de fundo histórico do enredo é o
final do século XIX, um período que reflete repressões ocorridas em Paris durante a guerra
que assombrou a França por volta de 1870, e também, na Dinamarca especialmente, as
polêmicas e debates religiosos e filosóficos provocados por Søren Aabye Kierkegaard.
A Festa de Babette evoca, essencialmente, a paisagem culinária francesa dessa época
envolvendo o espectador de forma impraticável por palavras. Assim, a narrativa em movi-
mento na película se eleva, nesse aspecto, acima da própria escrita do conto, por meio da
exploração sensorial. Os diálogos completam o banquete seguindo o enredo do conto de
Dinesen com bastante rigor e explorando com genialidade e esportividade temas como a
devoção cristã e o sectarismo rigoroso. Com reverência e respeito o filme retrata aspectos
da vida dos aldeões descrevendo um idealismo cristão, com doses homeopáticas de humor
e crítica. Em suma: o enredo é uma belíssima analogia sobre como a fé religiosa e a comida,
juntas, podem despertar o espírito e provocar intensa alegria. Uma verdadeira experiência
religiosa como as parábolas bíblicas sobre grandes banquetes.

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Enredo

Babette é empregada/serva de duas irmãs de meia-idade, Philippa e Martine cujos


nomes lhes foram dados em homenagem a Philipp Melanchton e Martin Luther, ícones
do protestantismo luterano. As três vivem numa pequena aldeia de pescadores no litoral
norte da Dinamarca, um local de ruas cheias de lama e com cabanas cobertas de palha.
Sob a égide do pai, pastor, já falecido, as irmãs conduzem a vida sob uma rotina religiosa,
sacrificando paixões e desejos em nome da fé e das obrigações, enquanto Babette faz os
serviços da casa.

Quando moças, Martine e Philippa tinham sido extraordinariamente bonitas,


com a beleza quase sobrenatural das árvores frutíferas em flor ou da neve
perpétua. Nunca eram vistas em bailes ou festas, mas as pessoas se vira-
vam quando elas passavam nas ruas, e os rapazes de Berlevaag (No filme,
o local é uma pequena aldeia na Jutlândia, parte continental da Dinamarca)
iam à igreja para vê-las caminhar pela nave lateral. A mais jovem também
tinha uma linda voz, que aos domingos enchia a igreja de doçura. [...] O deão,
porém, havia declarado que, na sua vocação, as filhas representavam suas
mãos direita e esquerda. Quem iria querer privá-lo delas? E as belas jovens
tinham sido criadas com um ideal de amor celestial; ele as preenchia e elas
não se permitiam ser tocadas pelas chamas deste mundo (DINESEN, 1958).

Mas houve momentos na vida das irmãs em que homens abalaram seus corações.
Lorenz Lowenhelm, um jovem oficial da cavalaria dinamarquesa, conheceu e se encantou
por Martine. ‘A Misericórdia e a Verdade, caros irmãos, juntaram-se’ - dizia o pastor em
seu sermão, ‘- A Retidão e a Felicidade beijaram-se’, e os pensamentos do jovem estavam
voltados para o momento em que ele e Martine estivessem se beijando. Achilles Papin, um
cantor lírico de muito sucesso, é atraído e fascinado pela voz da outra irmã, Philippa. Os dois
personagens, Papin e Lorenz, no entanto, desaparecem da vida das duas jovens com des-
pedidas melancólicas.
Anos mais tarde as duas irmãs recebem Babette, uma fugitiva da Guerra Civil da fran-
cesa de 1871. Ela traz uma carta assinada por Achilles Papin (o cantor) dizendo que Babette
perdera o marido e o filho e não tinha para aonde ir. A carta de recomendação terminava
com as saudosas palavras;

[...] Durante quinze anos, senhorita Philippa, lamentei que a sua voz jamais
ressoaria no Grand Opera de Paris. Esta noite, quando penso na senhora,
sem dúvida cercada por uma família alegre e amorosa, e em mim mesmo,
encanecido, solitário, esquecido por aqueles que me aplaudiam e me adora-
vam, sinto que a senhora pode ter escolhido a parte melhor da vida. O que é
a fama? O que é a glória? A sepultura nos espera a todos!
E, no entanto [...] sinto que a sepultura não é o fim. Voltarei a ouvir a sua
voz no Paraíso. [...] Ali será a grande artista que Deus ansiou que fosse. Ah!
Como a senhora encantará os anjos!
Babette sabe cozinhar. (DINESEN, 1958).

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As irmãs a recebem, mas se estremeceram um pouco diante da ideia de receber uma
mulher católica em sua casa. Concordaram, no entanto, “que o exemplo de uma boa vida
luterana seria o melhor meio de converter a criada” (DINESEN, 1958).
As duas irmãs, agora solteironas, tentam continuar com a sua missão. Porém, sem
a liderança do velho pai, a igrejinha vai se acabando; Um irmão tinha queixas de outro por
causa de algum negócio mal feito; Havia boatos sobre um caso de traição conjugal envol-
vendo pessoas da comunidade; Duas simpáticas senhoras já não se falavam há anos, etc.
Durante os 14 anos que seguiram, Babette trabalhou para as irmãs em troca de abrigo e
comida. Ela viveu limitada e esquecida na rotina da vila.
A rotina só é quebrada quando Babette recebe uma carta de Papin que, durante todos
aqueles anos, renovara o número dela na loteria francesa. A carta dizia que o bilhete de
Babette fora premiado e ela ganhara 10.000 francos. Uma pequena fortuna.
Justamente naqueles dias as irmãs estavam pensando em preparar uma celebração
em homenagem ao centenário do nascimento de seu falecido pai. Por isso, Babette lhes faz
um pedido; ela gostaria de preparar a melhor refeição francesa para o culto de aniversário.
Martine e Philippa, num primeiro momento, temendo ferir alguma lei divina ao aceitar um
jantar francês, demonstram receio e insegurança, pois todos estariam diante de uma festa
que instigaria os prazeres terrenos e a gula, o que seria condenável segundo os preceitos
aceitos na pequena congregação. Elas precisaram explicar a embaraçosa situação aos
poucos membros da igrejinha que, por fim, concordaram.
No dia 15 de dezembro, o dia do jantar, as irmãs souberam que um hóspede inesperado
aparecera naquela noite e o convidaram a se juntar a elas no jantar. Era Lorenz Lowenhelm,
oficial de cavalaria dinamarquesa que agora era general no palácio do rei. Lowenhelm, no
alto de seu posto, se pegava preocupado com sua alma imortal. Havia momentos que ele
olhava no espelho, examinava a fileira de condecorações em seu peito e suspirava consigo
mesmo: Vaidade, vaidade, tudo é vaidade!
Babette havia conseguido louças e cristais, e havia enfeitado o recinto com velas e
todos os ornamentos possíveis. A mesa estava linda. Quando o banquete começou todos os
pobres habitantes da aldeia ficaram mudos. Estava diante de algo totalmente novo inimaginá-
vel. Um Banquete repleto das melhores comidas e dos melhores vinhos e champanhes que
aqueles humildes pescadores sequer reconheciam o preço. Apenas o general era incansável
no elogio à comida e à bebida. Quando é servido um prato incrivelmente rebuscado o general
lembra-se de um jantar a muitos anos em Paris onde seu então vizinho de mesa, o Coronel
Galliffet sorridente lhe revelara tratar-se de um prato chamado Caules en Sarcophage,

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[...] inventado pelo chef-de-cuisine do restaurante em que estavam jantando,
uma pessoa conhecida em toda a Paris como o maior gênio culinário da época
e que era... surpreendentemente... uma mulher!
— E, na verdade, dissera o coronel Galliffet —, essa mulher está transforman-
do um jantar no Café Anglais numa espécie de caso de amor... um caso de
amor de categoria nobre e romântica onde não se faz mais distinção entre o
apetite e a saciedade do corpo e do espírito! (DINESEN, 1958).

Feliz, cheio de vinho, o apetite satisfeito, incapaz de se conter, o general levantou-se


para fazer um discurso. Ele disse, repetindo as palavras que anos antes ouvira do pastor;
‘A Misericórdia e a Verdade se encontram. A Justiça e a verdade se beijam mutuamente’.
Aqui, diz a autora da trama, no meio da pequena e ortodoxa congregação do velho pastor,
“era como se a figura do general Loewenhielm, o peito coberto de medalhas, não passasse
de um porta-voz para uma mensagem que precisava ser dada” (DINESEN, 1958);

— O homem, meus amigos — disse o general Loewenhielm —, é frágil e


tolo. Disseram-nos a todos que a graça se encontra no universo. Porém, na
nossa tolice e com a nossa visão acanhada, imaginamos que a graça divina
seja finita. Por esse motivo trememos... [...] Mas chega o momento em que
nossos olhos se abrem e enxergamos e percebemos que a graça é infinita. A
graça, meus amigos, exige de nós apenas que a esperemos com confiança e
a aceitemos com gratidão. A graça, irmãos, não impõe condições, nem des-
taca ninguém em especial; a graça nos acolhe a todos no regaço e proclama
anistia geral. [...] Pois a misericórdia e a verdade juntaram-se, e a retidão e
a felicidade beijaram-se! (DINESEN, 1958).

Embora ninguém mais falasse a respeito, gradualmente o banquete operou um efeito


‘mágico’ sobre os habitantes da aldeia. O sangue esquentou. As línguas se soltaram e eles
começaram a lembrar dos velhos tempos quando o pastor ainda estava vivo; O irmão que
havia enganado o outro nos negócios ali, naquele momento, finalmente confessou e foi per-
doado; A história de traição foi finalmente esclarecia; As duas mulheres que tinham uma rixa
de dez anos voltaram a conversar. Philippa ao piano entoa uma melodia de Georg Neumark
de 1641, um ‘clássico’ dos hinários protestantes e que fala de perdão, compaixão e graça.
A Festa de Babette termina com duas cenas; Numa delas, lá fora, os humildes pes-
cadores dão as mãos ao redor da fonte de água e cantam entusiasmados. É uma cena
de comunhão. Segundo a autora do conto, nenhum deles lembrava com clareza o que
havia acontecido;

[...] Sabiam apenas que os cômodos estavam cheios de uma luz celestial,
como se diversos halos pequenos se tivessem fundido numa radiância glo-
riosa [...] O tempo em si tinha se fundido na eternidade [...] Os convivas da
casa amarela oscilavam, tropeçavam, sentavam-se abruptamente ou caíam
de quatro e ficavam cobertos de neve, como se, na verdade, seus pecados
tivessem sido lavados e se tornado brancos como a lã, e nessa indumentária
inocente e recuperada estivessem brincando como cordeirinhos (DINESEN,
1958).

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A cena finaliza com um breve diálogo entre as irmãs; ‘As estrelas estão mais próximas’,
diz Philippa. ‘Talvez se aproximem um pouco mais todas as noites’, responde Martine. E elas
entram para cumprimentar Babette.
A derradeira cena acontece lá dentro, na desordem de uma cozinha cheia de louças,
restos de comida e garrafas vazias. Babette está sentada, exausta. ‘Foi um jantar estu-
pendo’, diz Martina. ‘Eu já fui uma grande chef no Café Anglais’, Babette exclama. ‘Todos
nós lembraremos desta noite depois que você tiver voltado para Paris’ acrescenta Martine,
como se não a tivesse ouvido. Babette então lhes diz que não vai voltar para Paris, pois
praticamente todos os seus amigos e parentes ali foram mortos ou feitos prisioneiros. ‘E não
tenho dinheiro’. ‘Mas e os 10.000 francos?’ as irmãs perguntam. Então Babette revela que
havia gasto tudo, cada centavo de franco que ganhara, na comida que haviam acabado de
devorar; ‘Um jantar para 12 no Café Anglais custa 10.000 francos’. ‘Não deverias ter gasto
tudo o que tinhas para nós’ diz uma das irmãs. ‘Não foi só por vocês’, responde a cozinheira.
Babette provou seus poderes, realizou sua arte, fez seus convidados felizes assim como
costumava fazer no Café Anglais; ‘Um artista nunca é pobre. Papin sabia disso; [...] Por todo
o mundo ressoa o grito do coração do artista: Deixem-me fazer tudo o que eu seja capaz’,
ela conclui. Philippa, tremendo da cabeça aos pés, se dirige à empregada católica sentindo
‘o corpo da cozinheira como um monumento de mármore ao encontro do seu’ (DINESEN,
1958) e lhe assegura que no céu ela vai ser a artista que Deus queria que ela fosse; ‘Oh!
Como serão felizes os anjos!’ finaliza.

UMA NARRATIVA ALEGÓRICA

Em muitos filmes, e este é o caso de A Festa de Babette, a linguagem assume uma


forma alegórica. Alegoria é uma narrativa que traduz algo além de um simples testemunho
artístico literal. Em cada plano, cada personagem, ou objeto, intrincado na sequência de
ações de um filme, a alegoria busca outro sentido, além do sentido imediato. Isso implica
em identificar, na linguagem cinematográfica, o seu sentido último, “o referente unitário que
engloba todas as significações parciais” (BENJAMIN apud ANDRÉ, 2002, p. 63).
No caso de A festa de Babette, o sentido alegórico englobante parece espelhar uma
temática relacionada à vida humana que caminha, inevitavelmente, para a morte, mas que
é preenchida por momentos de fé e de esperança. São incontáveis sinais, gestos, imagens
e palavras, enfim, signos que, apontam para um sentido maior, mais amplo e duradouro do
que a festa propriamente dita. Talvez uma alegoria da ressurreição como sugere o artigo
de Maristela Guimarães André (2002), ou, mas propriamente, uma espécie de parábola
para ilustrar a mensagem cristã da graça como veremos mais adiante. A beleza do enredo
espelha ainda inúmeros subtemas a partir de suas sutis ironias. A própria ideia de uma festa

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pecaminosa – do ponto de vista dos aldeões –, evoca a temática em torno da tradição e da
sacralidade. A história justapõe, de maneira paradoxal, o medo de que um jantar elegante
possa ser uma ameaça à pureza espiritual, com a possibilidade de que o mesmo evento
possa ser, por outro lado, uma espécie de sacramento, uma cerimônia de comunhão cristã
e de amor. Estas são algumas à religiosidade que espelham temas levantados pelo filósofo
dinamarquês Søren Kierkegaard, contemporâneo à época em que o filme é rodado.
O prato que sinaliza o passado de Babette revelando-a como a grande chef-decuisine
do Café Anglais, em Paris, é sua criação exclusiva chamada Calles en Sarcophage. O prato
reconhecido pelo general Lowenhielm, apresenta pequenas codornas cozidas e enquadra-
das sobre uma espécie de biscoito embebido em vinho. A ironia está em que, enquanto os
aldeões luteranos estavam receosos de que o manjar pudesse representar decadência, o
hóspede ‘mundano’, Lowenhielm, proclama aquele como a mais extraordinária iguaria culi-
nária de sua vida. A cena é formidável; a visão das cabeças de codorna salientes sobre os
biscoitos, os olhares perplexos dos aldeões e das irmãs, além da euforia do general sobre
um estranho e pequeno prato revelam um humor sutil quando consideramos que algo tão
visualmente estranho e ‘indulgente’ possa ser uma metáfora espiritual. O pão e as codornas
fazem lembrar o maná e as codornizes que Deus teria providenciado ao povo hebreu em sua
travessia errante pelo deserto. Sarcophage literalmente significa comedor de carne, e pode
ser uma alusão à crença cristã da presença carnal de Cristo no sacramento da Santa Ceia.
Aqui encontramos um interessante paradoxo oferecido naquele banquete na
Jutlândia. No conto de Dinesen, ao ser informada de que Babette havia gasto cada centavo
de Franco naquele Banquete,

Martine se lembrou de uma história contada por um amigo do pai que fora
missionário na África. Ele salvara a vida da mulher favorita de um velho chefe
tribal, e para demonstrar sua gratidão o chefe lhe servira uma lauta refeição.
Foi só muito tempo depois que o missionário ficou sabendo, por intermédio
de seu próprio criado negro, que o que ele comera fora um pequeno neto
gorducho do chefe, preparado e cozido em homenagem ao grande curandeiro
cristão. Ela estremeceu (DINESEN, 1958).

A lembrança de Martine pode soar estranha, mas, como nos lembra Silveira (2015)
no texto Antropologia da religião, ritos sacrificiais e comedores de Deus, ‘é na tensão que
nascem os processos mais profundos de compreensão’ da religião e dos seus rituais, e é
‘no paradoxo que moram as ultrapassagens rumo às novas maneiras de compreensão, as
possibilidades ampliadas do diálogo’ (SILVEIRA, 2015). A religião professada pelas irmãs e
pelos aldeões retrata um Deus que dá o seu filho para ser comido e bebido na Santa Ceia.
Provocar essa reflexão (escândalo) parece ser, de alguma forma, o propósito de Axel ao filmar
essa história. Aliás, Axel, pouco tempo depois do lançamento do filme, teria hospedado seus

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próprios jantares teológicos enchendo sua sala com luteranos, católicos, críticos literários e
agnósticos para tentar compreender a lógica da fé.

Experiência Religiosa

Muitos críticos elogiam A Festa de Babette por sua apresentação criativa e respeitosa
da religiosidade daquele grupo piedoso. O filme provoca uma reflexão sobre a possibilidade
de que aquela pequena comunidade, e outras, poderiam ter suas mesquinhas disputas resol-
vidas negando-se a si mesmas e fazendo-se cientes da liberdade e da graça divina presentes
no dia a dia da vida que escolheram. Assim, a trama, a fotografia e tudo que envolve a peça
apontam para algo muito além do prazer em comer. No filme todas as imagens reforçam a
beleza e a maestria com que é preparado o jantar, que habilmente vai invadindo o paladar
de todos os convidados ao mesmo tempo em que seduz o próprio espectador. A câmera
persegue os detalhes da composição desse ritual de dar água na boca, ao mesmo tempo
em que o manjar desinibe o espírito dos personagens. “A sensação que se tem é que o filme
não se contenta com o prazer de comer, mas também com o prazer de olhar, que mobiliza
também a inteligência do simbólico e as alegorias da ‘fome’ espiritual” (ARAÚJO, p. 03).
Enfim, o que se observa no filme é uma proposta ‘humanizante’ de experiência religiosa
a partir da comida. Como descreve Rubem Alves:

Pessoas há que, para terem experiências místicas, fazem longas peregri-


nações para lugares onde, segundo relatos de outros, algum anjo ou ser do
outro mundo apareceu. Quando quero ter experiências místicas eu vou à
feira. Cebolas, tomates, pimentões, uvas, caquis e bananas me assombram
mais que anjos azuis e espíritos luminosos [...] Quem pensa que a comida
só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso.
Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar
é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista
que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que,
depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas. Coisas mágicas
acontecem. E desconfiavam disso os endurecidos moradores daquela aldeola,
que tinham medo de comer do banquete que Babette lhes preparara. Achavam
que ela era uma bruxa e que o banquete era um ritual de feitiçaria. No que
eles estavam certos. Que era feitiçaria, era mesmo. Só que não do tipo que
eles imaginavam. Achavam que Babette iria por suas almas a perder. Não
iriam para o céu. De fato, a feitiçaria aconteceu: sopa de tartaruga, cailles
au sarcophage, vinhos maravilhosos, o prazer amaciando os sentimentos e
pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo alisadas pelo paladar, as
máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando bonitos pelo riso, in vino ve-
ritas1 [...] Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos numa grande
roda e cantam como crianças... Perceberam, de repente, que o céu não se
encontra depois que se morre. Ele acontece em raros momentos de magia e

1 Referência à sentença latina In vino veritas, in aqua sanitas (No vinho está a verdade, na água a saúde).

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encantamento, quando a máscara-armadura que cobre o nosso rosto cai e
nos tornamos crianças de novo. Bom seria se a magia da Festa de Babette
pudesse ser repetida... (s/p).

Os prazeres culinários, o vinho e a sopa de tartaruga, acalmam o corpo e a alma dos


hóspedes. A pequena congregação que há algum tempo se via dominada por desarmonias,
encontra nas maravilhas oferecidas por Babette, paz de espírito e a redescoberta do prazer
de viver. Após o banquete a reconciliação acontece com tanta facilidade que demonstra
claramente o despertar espiritual de um apetite até então reprimido. O que Babette faz, com
seu banquete, é justamente combater aquele ambiente sufocante com sua arte. Pois, como
afirma Jean Paul Aron (apud LIMA, 2014, p. 50), a alimentação nasce de uma necessidade,
mas pode elevar-se até uma forma muito refinada de arte. É o que Babette pretendia, é o
que todo grande artista, deseja.
Àqueles aldeões, a arte de Babette proporcionou a experiência religiosa que eles
precisavam naquele momento. A artista, talvez de forma inconsciente, atingiu seu objetivo
e proporcionou aos velhos pescadores da vila aquilo que Jesus provavelmente quis dizer
quando afirmou aos fariseus de seu tempo; “Não vem o reino de Deus com visível aparên-
cia. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas
17.20 e 21). Enfim, tempo real e o tempo mítico parecem juntar-se n’A Festa de Babette.

Pecado e Graça

O enredo aborda, com extrema delicadeza; as proibições religiosas, a hipocrisia huma-


na, a abundância, as articulações entre pecado e graça, entre outros temas. Ele aponta os
esforços do homem na tentativa em escapar de certos pecados que o rodeiam. Há alegorias
relacionadas à hipocrisia, cenas de estranhamento, crises e redenção. Por meio dos signos
gustativos, o filme explora, com criatividade, o conceito de Pecado, notadamente o pecado
da gula, e várias outras formas do desejo; o prazer narcísico da suculência, o desejo do
paladar, o desejo de ousar. Enfim, a gula arrasta outros pecados, todos eles considerados
mortais, como o orgulho e a inveja que, no entanto, assumem uma nova face após o deli-
cioso banquete fazendo com que os pobres e velhos pescadores do vilarejo tivessem uma
verdadeira experiência religiosa. Dinesen a descreve da seguinte forma;

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Os convivas da casa amarela oscilavam, tropeçavam, sentavam-se abrupta-
mente ou caíam de quatro e ficavam cobertos de neve, como se, na verdade,
seus pecados tivessem sido lavados e se tornado brancos como a lã, e nessa
indumentária inocente e recuperada estivessem brincando como cordeirinhos
(DINESEN, 1958).

O sentido último da alegoria do filme, como argumenta Yancey (1999), fica evidente no
discurso do general. Segundo ele, ali a autora da trama, Isak Dinesen, não deixa dúvidas de
que escreveu A Festa de Babette não apenas como uma história a respeito de uma excelen-
te refeição, mas como uma parábola da graça de Deus. Como a parábola do banquete de
Jesus em Mateus 22; um presente de misericórdia e perdão que custa tudo para o doador
e não custa nada para quem o recebe;

Doze anos antes, Babette aparecera entre aquelas pessoas desprovidas de


graça. Discípulas de Lutero, ouviam sermões a respeito da graça quase todos
os domingos e no restante da semana tentavam obter o favor de Deus com
a sua piedade e renúncia. A graça veio a elas na forma de uma festa, a festa
de Babette, uma refeição desperdiçando uma vida inteira sobre aqueles que
não a haviam merecido, que mal possuíam a faculdade de recebê-la. A graça
veio [...] como sempre vem: livre de pagamento, sem cordas amarradas, como
oferta da casa (YANCEY, 1999, p. 25).

A ideia religiosa de graça, no enredo, não é traduzida meramente numa linguagem


religiosa. O tema se encontra infiltrado em comparações sutis com afazeres do dia a dia.
Como escreveu Rubem Alves; “Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para
inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as
coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária” (s/p). No simples e
rotineiro ato de cozinhar, Babette, como artista que era, foi capaz de repetir sua façanha e
transformar um jantar num “caso de amor de categoria nobre e romântica onde não se faz
mais distinção entre o apetite e a saciedade do corpo e do espírito!” (DINENSEN, 1958).
O enredo retrata ainda como os temas da redenção, salvação e graça, na mensagem
cristã, muitas vezes coberta pelas nuvens da tradição, pode chegar em formas inusitadas,
como numa festa. Como uma refeição em que o visitante se doa completamente ‘desper-
diçando uma vida inteira sobre aqueles que não a haviam merecido, que mal possuíam a
faculdade de recebê-la’ (YANCEY, 1999, p. 25). E nisso um dos discursos do velho pastor,
fundador da pequena igreja, recebe seu sentido; “Os caminhos de Deus percorrem o mar e as
montanhas nevosas, onde os olhos do homem não enxergam os rastros” (DINESEN, 1958).

Justiça e Misericórdia

Em muitos aspectos, a tônica do filme também é a redescoberta, por parte da comunida-


de, aos ensinamentos de seu falecido patriarca; ‘A Justiça e a Verdade juntaram-se. A Retidão

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e a Felicidade beijaram-se’. Empoeirada, esta confissão baseada em um salmo, ironicamente,
tinha se tornado uma verdade corriqueira no dia-a-dia da aldeia. E foi necessário que pessoas
de fora da comunidade entrassem na história para resgatá-la, ainda que não intencionalmen-
te. A católica Babette é claramente uma espécie de ‘humanizadora’ da crença. Da mesma
forma o General Lowenhielm, cansado e reconhecendo que tudo não passava de vaidade,
surge como um intérprete mais filosófico dessa mesma mensagem atrelada ao tema da gra-
ça. Eles não foram intelectualmente compreendidos pelos aldeões, mas certamente foram
inspiradores, especialmente para Philippa e Martina, apesar de elas revelarem muito pouco
de suas compreensões intelectuais a respeito do ocorrido naquela noite.
Sem a presença do general, é claro, Babette não teria o testemunho necessário para
confirmar que ela era, de fato, uma artista. Mas, de um modo estranho e inquietante, o fil-
me não sinaliza o quanto ela mesma entende a ironia brutal de seu feito. Há aqui mais um
subtexto incrível nesta refeição redentora; O general Lowenhielm foi serviçal do General
Galliffet. Lowenhielm recorda, durante o banquete, que foi Galliffet quem afirmou que a única
mulher por quem derramaria seu sangue seria a chef do Café Anglais. Porém, foi o mesmo
Galliffet o oficial responsável pelo assassinato dos integrantes da Comuna de Paris e que
tirou a vida de marido e do filho de Babette. Como uma integrante da Comuna e temendo
pela vida, Babette fugira para a Jutlândia em 1871 justamente para escapar das garras de
Galliffet e, possivelmente, também de Lowenhielm. O filme não revela claramente essas
informações (que estão mais claras no conto), mas revela uma Babette triste, melancólica e
misteriosa. Quando revela às irmãs que não vai voltar para a França, ela não está simples-
mente admitindo que ela não tenha ninguém, mas também que ela é, aos olhos da república
francesa, uma ‘terrorista fugitiva’.
Se Babette realmente não sabia que estava servindo um general que poderia ter sido
um dos responsáveis pela morte de sua família, então sua permanência na cozinha durante
todo o banquete foi apenas uma atitude de precaução ou uma descoberta dolorosa de que
uma sombra trágica poderia nublar a sua obra de arte. Ou, se ela sabia, então o ato de
graça oferecido em A Festa de Babette foi simplesmente genial, uma verdadeira atitude he-
roica de uma autêntica artista que fez o seu máximo. Nas palavras de M. Papin recordadas
por Babette; “É terrível e insuportável para um artista ser encorajado a fazer, ser aplaudido
por fazer, menos do que pode. No mundo todo ecoa um longo grito do coração do artista:
Permitam que eu faça o meu máximo” (DINESEN, 1958). Assim, não apenas nas epifanias
provocadas nos corações dos aldeões e das irmãs, mas também na atitude generosa e sem
acepção da chef, há uma junção entre a Justiça e Misericórdia. E é na festa de Babette que
as palavras do velho pastor se ‘humanizam’ e a Retidão e a Felicidade se beijam como uma

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experiência religiosa única e transformadora muito além das sábias palavras proferidas pelo
General Loewenhielm.
Martine e Phillipa viram as estrelas ficaram mais próximas. Dinensen, Axel, como
Kierkegaard, se estivessem na Jutlândia naquela noite, muito provavelmente se juntariam
ao coro improvisado.

Søren Kierkegaard

A Filosofia é capaz de dialogar com todo tipo de assunto. Quando falamos em obra
de arte, por exemplo, tudo é passível de análise. Para muitos filósofos, como Kierkegaard,
Schopenhauer e Nietzsche, a arte é um imenso campo de liberdade, e há aqueles que suge-
rem que ela é ‘irmã de sangue’ da filosofia, no sentido em que trata dos temas filosóficos de
maneira mais ‘compreensível’. A obra é um bom exemplo sobre como a arte pode debater,
através de temas filosóficos, a realidade vivida. A Festa de Babette retrata, especialmente,
temas religiosos de Søren Kierkegaard, conterrâneo da autora e do diretor dessa obra-prima.
Um dos temas de Kierkegaard girava em torno a luta entre o estético e o éticoreligioso.
Para o filósofo, é nessa dialética entre a vida estética e a vida espiritual que o ser humano se
situa, se angustia e luta. Ele tenta mostrar o altruísmo exigido ao homem nessa luta. No li-
vro A Prática do cristianismo, Kierkegaard afirma que “o Cristo que nos convida a segui-lo
não é o Cristo Rei, mas o servo humilde de Javé. Ante a humildade daquele que o convida, o
ouvinte sentir-se-á livre para responder com um sim ou um não, quer dizer, numa atitude de
fé ou escândalo” (apud VALLS, 2013, p. 143). A ideia de escândalo é uma crítica à própria
sociedade ocidental e à religião cristã institucionalizada da época (VALLS, 2013). Assim, a
tradição cristã, representada em A Festa de Babette pela pequena e ortodoxa comunidade
luterana dirigida pelas herdeiras do pároco, é colocada ‘contra a parede’.
O ambiente é, de certa forma, opressivo. Mas as pessoas pareciam conformadas,
temerosas que são de incorrer em pecados. Babette, como modo de agradecer a acolhida,
prepara o esplêndido banquete francês. O efeito inicial é de desconfiança. A dogmatização
fizera com que os moradores da aldeia tivessem convicção de que cometeriam um pecado
mortal ao se entregarem aos prazeres terrenos. Alguns chegam a pensar se tratar de magia
ou bruxaria, ou, ‘coisa do diabo’. Curiosamente, no entanto, é do próprio mundo exterior que
chega a solução. O general é quem quebra a resistência dos convivas que, lentamente co-
meçam a não mirar mais o espelho, mas a verem a si mesmos refletidos nele. Suas visões
são desturvadas até atingir um clima de catarse geral. Só aí a festa inicia-se de verdade
numa verdadeira celebração à vida.
Anticlimacus, um dos pseudônimos de Kierkegaard, desenvolveu o conceito de teste-
munha da verdade, tema que sempre interessou o filósofo inspirado naquele que disse ser

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o caminho, a verdade e a vida. Convencido de que a cristandade seria uma grande ilusão,
pois a maioria não se pautava pelo crístico – o essencialmente cristão –, ele medita sobre
a figura do mártir que dá testemunho da verdade com a vida e o sangue, e depois morre na
cruz. Anticlimacus percebe então o abismo existente entre o modo de viver dos cristãos de
sua época e aquilo que ele chama de o cristianismo do Novo Testamento. Para o filósofo
comprometido com sua fé, a institucionalização do cristianismo acabara por colocar a ver-
dade vivida – o crístico – em uma camisa de força. Era necessário, pois, libertá-la. Em As
obras do amor, ele escreveu:

Caso se fizesse necessário, não deveríamos ter o menor escrúpulo de assumir


a responsabilidade na mais alta instância de pregar ‘contra’ o Cristianismo
nas pregações ‘cristãs’ […] Pois sabemos muito bem onde está a desgraça
de nossos tempos: que em discursos dominicais mistificadores e lisonjeiros
meteram o Cristianismo num engano e a nós homens na ilusão de que desta
maneira somos cristãos. […] O Cristianismo e, no ‘sentido divino’, o bem
supremo, e por isso é ao mesmo tempo, no sentido humano, um bem enor-
memente perigoso, porque ele, compreendido de modo meramente humano,
tão longe está de ser aquela flor rara, que antes ele é escândalo e loucura,
agora tanto como no começo e enquanto o mundo for mundo (KIERKEGAARD,
apud VALLS, 2013, p. 154).

Como homem de fé, Kierkegaard também estava interessado na busca do infinito


e do transcendente. Porém, reconhecia o retorno ao finito como um importante passo no
crescimento espiritual. De muitas maneiras, A Festa de Babette é uma história sobre essa
possibilidade através de uma redescoberta da beleza e da espiritualidade nas coisas fini-
tas comuns. O filme aponta um Deus que não está na tradição, no grandioso ou na vitória
constante, mas em meio aos pobres aldeões da Jutlândia, na comida de cada dia, na arte de
Babette, no beijo entre a Justiça e a Misericórdia enfim, no verbo que se faz carne. Na tra-
gédia e no escândalo da cruz.
Como afirma Kierkegaard:

Quando o Cristianismo veio ao mundo, não precisava chamar expressamente


a atenção pelo fato de ser ele um escândalo, pois isso, aliás, bem facilmente
descobriu o mundo, que se escandalizou dele. Mas agora, quando o mundo
se tornou cristão, o Cristianismo tem de antes de mais nada prestar atenção
expressamente no escândalo. […] Não é de admirar então que o Cristianismo
e sua felicidade e suas tarefas não consigam mais satisfazer ‘os cristãos’ –
afinal já não conseguem nem mesmo se escandalizar com ele! Quando o
Cristianismo veio ao mundo, não precisava expressamente chamar a aten-
ção para o fato de que ele batia contra a razão humana, pois isso o mundo
descobriu com a maior facilidade. Mas agora, […] o Cristianismo tem de
antes de mais nada prestar atenção ao conflito. […] Somente a possibilidade
do escândalo […] é capaz de despertar o adormecido, capaz de chamar de
volta o enfeitiçado, de modo que o Cristianismo volte a ser ele mesmo (apud
VALLS, 2013, p. 155).

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Karen Blixen (Isak Dinensen) nunca assumiu publicamente compartilhar das ideias
de Kierkegaard (GORDON, 2002). Mas, em seus escritos, aborda muitas vezes a questão
da tradição dualista no cristianismo que tende a separar o sensual do espiritual, afastar a
fé intelectual de qualquer forma de tragédia, sofrimento ou das pequenas coisas do dia-a-
-dia. Em A Fazenda africana, por exemplo, Blixen afirma que:

A verdadeira aristocracia e o verdadeiro proletariado desse mundo estão,


tanto na compreensão como na tragédia. Para eles é o princípio fundamen-
tal de Deus, e chave, – a pequena chave – para a existência. Nisso eles se
diferenciam da burguesia de todas as classes, que negam a tragédia, que
não a tolera e para quem essa tragédia do mundo significa um incômodo’
(DINESEN, 1938)2.

No filme a mistura do sensorial com o espiritual, e também o escândalo estão presentes


o tempo todo. Na própria fotografia do filme, cheia de tons vibrantes no gelado amanhe-
cer. As pastagens sacudidas pelo vento no esplendoroso litoral da Jutlândia sugerem ao
espectador que os aldeões daquele lugarejo desfrutavam de uma beleza austera em suas
simples vidas. Eles tinham tudo o que precisavam.
A paisagem exuberante prepara o terreno para o esplendor visual da festa que cus-
taria tudo para a artista, chef-de-cuisine. Assim, o gracioso banquete não foi concebido
como mero signo da Eucaristia, mas como a própria comunhão ‘crística’, como propusera
Kierkegaard ao se referir ao nazareno cuja caminhada profética se iniciou em uma festa na
qual transformara água em vinho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse curto e rápido sobrevoo sobre A Festa de Babette observamos que Isak Dinensen
e Gabriel Axel, respectivamente autora da trama e diretor do filme, tentam conferir à obra
uma (incisiva) leitura da realidade e das polêmicas vividas no mesmo contexto em que a
história se passa. É muito provável que, na qualidade de espectadores, observamos ape-
nas o que nos soou mais familiar, ou apontamos primordialmente nossas impressões e
interpretações da nossa realidade vivida refletidas na obra. Porém, temas como Pecado,
Graça e tantos outros assinalados por Kierkegaard nos fizeram refletir no cristianismo atual,
seus temas, suas crises e necessários escândalos. O beijo entre a Justiça e a Misericórdia

2 “The true aristocracy and the true proletariat of the world are both in understanding with tragedy. To them it is the fundamental principle
of God, and the key,—the minor key,—to existence. They differ in this way from the bourgeoisie of all classes, who deny tragedy, who
will not tolerate it, and to whom the word of tragedy means in itself unpleasantness”. (Tradução nossa. Texto disponível em: <http://
www.e-reading.club/chapter.php/79545/17/Bliexen_-_Out_of_Africa.html> Acesso em 29 de julho de 2015).

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em A Festa de Babette estende o convite para a comunhão entre o sensorial e o espiritual,
entre o sagrado e o profano, entre o estético e o ético-religioso. Como naquele jantar onde
não se fazia mais distinção entre o apetite e a saciedade do corpo e do espírito, e que levou
Martine a concluir que, assim, ‘talvez (as estrelas) se aproximem um pouco mais todas as
noites’ (DINENSEN, 1958).

REFERÊNCIAS
1. ALMEIDA, Jorge Miranda de. Kierkegaard: provocações em torno da filosofia e do
cinema. Mackenzie: Revista Trama Interdisciplinar (ano 1, vol. 1): São Paulo, 2010.

2. ALVES, Rubem. A Festa de Babette. Disponível em: <http://www.releituras.com/ru-


bemalves_babette.asp> Acesso em 03 de maio de 2015.

3. ANDRÉ, Maristela Guimarães. A Festa de Babette: uma alegoria da Ressurreição.


Margem, São Paulo, N. 15, p. 57-86, Jun. 2002.

4. ARAÚJO, Rodrigo da Costa. No Banquete com Babette. Disponível em: <http://br.


monografias.com/trabalhos-pdf902/no-banquete-com/no-banquete-com.pdf>. Acesso
em 03 de maio de 2015.

5. AXEL, Gabriel. A festa de Babette. Filme. Dinamarca, 1987. 102 min.

6. BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. São


Paulo, Abril Cultural (Col. Os pensadores), 1980.

7. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo:
Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. Edição Revista e Atualizada.

8. CAMBRAIA, Cézar Nardelli. A Festa de Babette: Menu. Disponível em: <https://www.


academia.edu/2342348/A_Festa_de_Babette_menu> Acesso em 28 de julho de 2015.

9. DINESEN, Isak (BLIXEN, Karen). A Festa de Babette e outras anedotas do destino.


In: Anedotas do Destino. Dinamarca: 1958. Tradução disponível em: <https://pt.s-
cribd.com/doc/209018786/Karen-Blixen-A-Festa-de-Babette> Acesso em 03 de maio
de 2015.

10. DINESEN, Isak (BLIXEN, Karen). Out of Africa. Dinamarca: 1938. Disponível em:
<http://www.e-reading.club/bookreader.php/79545/Bliexen_-_Out_of_Africa.html> Aces-
so em 28 de julho de 2015.

11. LIMA, Lucas Piccoli Ferraz de. O Banquete de Babette: História, Literatura e Cultura
da Alimentação. (Mon.) UFPR: Curitiba, 2014.

12. PIEPER, Frederico. Religião e Cinema. São Paulo: Fonte Editorial, 2015.

13. SILVEIRA, Emerson Sena. Antropologia da religião, ritos sacrificiais e comedores


de Deus. Disponível em: <http://arcanaestudosdereligiao.blogspot.com.br/2015/05/
antropologia-da-religiaoritos.html?spref=fb> Acesso em 05 de junho de 2015.

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14. VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. Kierkegaard. Apud PECORARO, Rossano (org.). Os
Filósofos Clássicos da Filosofia. Vol. II. Petrópolis: Vozes, 2013.

15. YANCEY, Philiph. Maravilhosa Graça. São Paulo: Editora Vida, 1999.

16. THURMAN, Judith. A vida de Isak Dinesen (Karen Blixen). Record: Rio de Janeiro,
1985.

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Sou pentecostal, mas não oro em línguas,
e agora! O Dom de Línguas é de fato, a
evidência do Batismo no Espírito Santo?

Edson Boaventura Santana

'10.37885/211207054
RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar à luz dos textos bíblicos e referências da literatura espe-
cializada a doutrina pentecostal do falar em línguas como evidência imediata do batísmo no
Espírito Santo. Essa é sem dúvidas uma das doutrinas mais controversas entre os cristãos,
principalmente entre os pentecostais, pois muitos se sentem menores ou menos espirituais
por não terem recebido este dom, mesmo que tenham sido agraciados por Deus com outros
dons espirituais. No próprio meio pentecostal, encontramos renomados teólogos que se posi-
cionam contra a mesma. Para tanto fizemos uma aprimorada pesquisa bibliográfica buscando
os textos que apresentam o falar em línguas imediatamente ao batísmo no Espírito, assim
como aqueles que falam do batísmo sem, no entanto, citar o falar em línguas. Recorremos
também à diversos autores que têm publicações abordando essa temática, nosso intuito é
lançar luz sobre o assunto oferecendo ao leitor conteúdo suficiente para que o mesmo faça
seu próprio juízo de valor.

Palavras-chave: Dons, Línguas, Batísmo, Espírito Santo, Doutrina.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo lançar luz sobre a polêmica questão, constante da de-
claração de fé das Igrejas Assembleias de Deus no Brasil, que destaca o Dom de línguas
como a evidência inicial do Batismo no Espírito Santo, conforme declaração constante no
Blog da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB, 2016), esta afirma-
ção é tão extremada que no Ministério de Madureira se tornou exigência primária para que
o candidato ao ministério diaconal seja consagrado. Existem inúmeros cristãos que mesmo
crendo na contemporaneidade desse dom, discorda de que ele seja o sinal de confirmação
do batismo no Espírito Santo, pois sempre existiram irmãos (ã), que experimentaram vários
dons do Espírito, mas nunca falaram em outras línguas. Muitos cristãos pentecostais se
sentem menores ou à margem do grupo a que pertencem pelo simples fato de não falarem
em outras línguas. Esses crentes não se sentem totalmente abençoados ou enchidos do
Espírito Santo, pois, ouvem de seus líderes e irmãos e leem nas declarações de fé de suas
denominações, que o falar em outras línguas (ou em línguas estranhas), é a evidência do
batísmo no Espírito.
O artigo não abordará a questão da contemporaneidade do Dom de línguas, mas fo-
cará exclusivamente na questão de ser ele ou não a evidência do enchimento do Espírito
Santo ou Batismo no Espírito Santo. Para tanto vamos lançar mão da pesquisa bibliográfi-
ca, recorrendo aos textos bíblicos que faz referência ao assunto e também consultando a
literatura especializada. No intuito de precursor que esta pesquisa seja totalmente isenta e
baseie a sua conclusão tão somente no referencial teórico, buscaremos autores favoráveis
e contrários a essa afirmação para contrapor seus argumentos à luz dos textos bíblicos que
é a fonte primária e soberana sobre a questão.
Não discutiremos nesse trabalho a questão do batismo no Espírito Santo, mas intro-
duziremos o assunto apenas como pano de fundo para a discussão central dessa pesquisa.

DESENVOLVIMENTO

A promessa da vinda do Espírito Santo é descrita em várias passagens do Antigo


Testamento, Joel 2. 28-29 fala que o Espírito será derramado sobre toda a carne, deixando
claro inclusive que esse fenômeno não será apenas para os judeus; outras profecias como:
Isaías 44. 3, Ezequiel 39. 29 declaram que o Espírito Santo viria como consolo para o povo
de Deus. Os judeus já aguardavam o derramamento do Espírito juntamente com a vinda do
Messias prometido a Israel.
Já nos tempos do Novo Testamento o precursor do Messias, João Batista declarava
àqueles que o procuravam para serem batizados para o arrependimento, afirmando que ele

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batizava com água, mas que viria um após ele que batizaria com o Espírito e com fogo, esta
declaração está registrada no Evangelho de Jesus Cristo escrito por Mateus no capítulo três
versos onze e doze.
O Senhor Jesus o Cristo, disse aos seus discípulos que quando voltasse ao Pai, os
enviaria o outro Consolador.

E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, afim de que esteja para
sempre convosco, O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber,
porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita con-
vosco e estará em vós. (BÍBLIA DE ESTUDO. (SBB). João 14.16-17, 2010,
p. 1417-1418).

Após a ressurreição, Jesus advertiu os discípulos para ficarem em Jerusalém até que
recebessem do alto a promessa do Pai (Atos 1.4-5). No dia de Pentecostes, Deus cum-
priu a sua promessa e derramou o Espírito Santo sobre os discípulos que estavam reuni-
dos em Jerusalém.

Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar;


de repente, veio dos céus um som, como de um vento impetuoso, e encheu
toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entra eles,
línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram
cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o
Espírito lhes concedia que falassem. (BÍBLIA DE ESTUDO. (SBB). Atos 2.
1-4, 2010, p. 1437).

É a partir desse texto que começa a nossa pesquisa; será que o fato do batismo no
Espírito Santo, em sua primeira manifestação, ter concedido o dom de línguas aos discípulos,
transformou esse evento em uma regra para os demais cristãos? Ou Deus na sua suprema
soberania distribui os dons de acordo com a necessidade do reino (no plano terreno) e res-
peitando as características individuais de cada um dos seus filhos?
Essas são as perguntas que essa pesquisa se dispõem a tentar responder ou pelo
menos lançar luz suficiente sobre o tema para que o leitor tenha condições de chegar à sua
própria conclusão sem maiores dificuldades.
Aqueles que defendem que o falar em outras línguas é a evidência ou a confirmação
do batismo no Espírito Santo, se apegam aos textos de Atos 2.4 “Todos ficaram cheios do
Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que
falassem.” (BÍBLIA DE ESTUDO. (SBB). Atos 2.4, 2010, p. 1437). Esse texto narra o primeiro
derramamento do Espírito, outra passagem que reivindica tal afirmação está registrada em
Atos 10. 45-46 fato que se deu na cidade de Cesaréia, na casa do centurião Cornélios onde
o Apóstolo Pedro e os que o acompanhavam puderam presenciar o batismo com o Espírito
Santo, seguindo do falar em línguas.

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E os fiéis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, adimiraram-se,
porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; pois
os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus. Então perguntou Pe-
dro: Porventura, pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados
estes que, assim como nós receberam o Espírito Santo? (BÍBLIA DE ESTUDO.
(SBB). Atos 10. 45-46, 2010, p. 1455).

Já Atos 19.6, fala de quando Paulo ora pelos novos convertidos em Éfeso e estes
recebem o Espírito Santo e recebem também o dom de línguas imediatamente; “E, impon-
do-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam”.
(BÍBLIA DO CULTO. (IBB). Atos 19.6, 2016, p.192).
A Bíblia nos apresenta essas três passagens em que se pode ligar o dom de línguas
ao batísmo no Espírito Santo, tendo a Bíblia 66 livros, 1.189 capítulos, 31. 104 versículos
e cerca de 706 mil palavras a depender da versão, teríamos subsídio ou autoridade para
fundamentarmos uma doutrina em apenas três versículos? Vamos conhecer os argumentos
de alguns autores que defendem esse ponto de vista.
Na defesa da doutrina do falar em línguas como evidência do batísmo no Espírito Santo
veja o que diz PALMA.

Concluindo, a doutrina pentecostal da “evidência física inicial” é embasada por


uma investigação das Escrituras. A terminologia, embora é claro que não seja
divinamente inspirada, é uma tentativa de encapsular o pensamento de que
no momento do batismo no Espírito Santo, o crente fala em línguas. Ela traz
a idéia de que falar em línguas é um acompanhamento imediato e empírico
do batismo no Espírito. (PALMA, 2011, p. 81).

Nota-se que o autor fala em investigação embasada nas Escrituras subentende-se,


portanto que, para ele, além dos três versículos que descrevem claramente que o batismo
no Espírito Santo foi imediatamente acompanhado do falar em línguas, existam declarações
implícitas nas escrituras a esse respeito, e o argumento do autor para defender seu ponto
de vista está no parágrafo anterior, onde ele cita 1 Corintios 12.30, onde segundo ele, Paulo
faz uma pergunta “todos oram em línguas?” para dar a entender que num determinado culto
nem todos são chamados por Deus para falarem em outras línguas mesmo possuindo o dom.
A doutrina do falar em línguas como evidência do batismo no Espírito, está implícita
na declaração do doutor Lucas, conforme Horton (1993, p. 89) “Em seguida, para enfatizar
que esses discípulos tinham recebido a plena experiência do batismo com o Espírito Santo,
Lucas declara que falavam em línguas e profetizavam.” No decorrer do livro acima citado
o autor faz mais uma defesa interessante sobre seu ponto de vista a respeito da questão,
segundo ele não é possível dissociar o falar em línguas do batismo no Espírito Santo com
base no livro de Atos dos Apóstolos.

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No dia de pentecostes o recebimento do dom do Espírito foi marcado pela
evidência fisica (ou exterior, posto que não era totalmente física), conforme
o Espírito concedia que falassem. Baseado no fato em que as línguas são a
evidência oferecida, e especialmente no motivo em que as línguas foram a
evidência convincente na casa de Cornélio (“Porque os ouviam falar línguas”,
Atos 10.46), há um argumento a favor da consideração das línguas como
evidência física (ou exterior) do batismo com o Espírito Santo.
Conforme muitos reconhecem, é difícil comprovar, pelo livro de Atos, que
o falar em outras línguas não é evidência do atísmo com o Espírito Santo.
(HORTON, 1993, p. 144/145).

Nesse trecho acima o autor declara que é difícil argumentar contra o falar em línguas
como evidência imediata do batismo no Espírito Santo, através do livro de Atos. A pergunta é:
podemos defender uma doutrina baseado apenas em uns poucos versículos, ou mesmo em
um único livro da Bíblia? Ou ainda, estaria somente no livro de Atos os argumentos daqueles
que mesmo aceitando a contemporaneidade do dom de línguas não o aceita como única e
indispensável evidência do batsimo no Espírito Santo? Vamos verificar o que aqueles que
se opõem a essa doutrina tem a dizer.
Na contramão de Horton e outros defensores dessa doutrina, está um respeitado pen-
tecostal, o Dr. Keener, autor de 20 livros e que fez mestrado no Seminário Teológico das
Assembleias de Deus, em Springfield, Missouri, ele argumenta o seguinte.

É possível orar em línguas e, ao mesmo tempo, evitar controvérsias. Nos


circulos dos quais participo, a maioria dos cristãos, inclusive aqueles de nós
que oram em línguas, considera o dom de línguas simplesmente mais um dom
entre muitos outros e um recurso útil para a oração. (KEENER, 2018, p. 194).

Portanto na opinião do autor, não há sentido em se dá ao dom de línguas uma impor-


tância maior do que as dos demais dons do Espírito, e devemos nos ater ao fato de que o Dr.
Keener, é pentecostal e recebeu o dom de língua, exercendo-o porém sem menosprezar ou
mesmo diminuir os demais dons e àqueles que os possui em detrimento do dom de línguas.
Parece ser exatamente essa a visão do Apóstolo Paulo quando escreveu a sua primeira
carta aos cristãos de Corintos, para exorta-lhes ao que parece, por causa do mau uso dos
dons, já que a exortação é para que aja unidade na diversidade.

Porventura são todos apóstolos? Ou, todos profetas? São todos mestres? Ou,
operadores de milagres?
Tem todos dons de curar? Falam todos em outras línguas? Interpretam-nas
todos? Entretanto, procurai com zelo os melhores dons.
E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente. (BÍBLIA
DE ESTUDO. (SBB) 1 Corintios 12. 29-31, 2010, p. 1547/48).

Com base no texto acima, não encontramos argumentos para classificar um ou outro
dom como superior ou indispensável. A impressão é que o apóstolo Paulo está dando um

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puxão de orelhas naqueles crentes de Corintos que achava o seu dom superior aos dos
outros e com isso criava cismas dentro da igreja. Aliás essa é uma preocupação legítima em
nossos dias, não tornar o dom de línguas, em um dom separatista ou elitista; para que aqueles
que o receberam não caiam na tentação de menosprezar os que receberam outros dons.
Outro autor que parece discordar dessa eleição do dom de línguas como sendo o mais
importante, ou a evidência de que o cristão é cheio do Espírito é PARKER.

As pessoas batizadas no Espírito Santo, assim é declarado, em geral recebem


vários dons, e nenhum cristão fica inteiramente sem nenhum dom. Portanto, o
ministério de todos os membros, conseguido pelo fato de se discernir e dire-
cionar os dons de cada cristão, deve tornar-se prática padrão de todo o corpo
de Cristo na terra, e os padrões de comportamento congregacionais precisam
ser suficientemente descentralizados, flexíveis, calmos, a fim de permitir, e
não inibir, esse ministério. Todos os dons são para a edificação do corpo e
precisam ser regulados no exercício para a incrementação desse propósito, de
acordo com o “modelo do corpo” apresentado por Paulo, de diversas funções
expressando interesse mútuo. (PACKER, 1991, p. 173).

Essa posição parece ir de encontro com a visão do Apóstolo Paulo, quando escreveu
sua primeira carta aos irmãos de Corinto, pois ele expõe a diversidade de dons e a autonomia
do Espírito Santo para distribuí-los como quiser. Está também implícito no texto que essa
distribuição de dons acontece de acordo com a necessidade do corpo na igreja local e não
para eleger uma classe superior de cristãos.

Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra de sabedoria; e a outro,


segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo
Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito, o dom de Curar; a outro, opera-
ções de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espírito; a um,
variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las. Mas um só e
um mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz,
a cada um, individualmente. Porque, assim como o corpo é um e tem muitos
membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim
também com respeito a Cristo. (BÍBLIA DE ESTUDO. (SBB) 1 Corintios 12.
8-11, 2010, p. 1546).

Segundo um calvinista que sempre defendeu o batísmo no Espírito Santo como uma
experiência pós-conversão, mas que não endossa o falar em línguas como evidência desse
batismo, e sim como o enchimento do cristão que lhe permite proclamar o Evangelho com
ousadia, o Dr. Lloyd-Jones 1/1 (1996, citado por SEVERA, 2019, p. 251), diz: “O batísmo
com o Espírito Santo é uma experiência na qual o Espírito concede ao crente plena certeza
da fé, [...]. Esta experiência resulta em poder e ousadia, que por sua vez, capacita o crente
a testemunhar eficazmente de Cristo”. Esta declaração do Dr. Loyd, mostra claramente que
nem todos aqueles não pentecostais que são contrários a doutrina do falar em línguas como
evidência visível do batismo no Espírito Santo, são obrigatoriamente cessacionista.

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No que depender destas palavras do Apóstolo Paulo aos crentes de Corintos, os defe-
sores do dom de línguas como a evidência do batísmo no Espírito Santo, não encontrarão
apoio, veja o que ele diz:

O que fala em língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza


edifica a igreja.
E eu quero que todos vós faléis línguas estranhas, mas muito mais que profe-
tizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala em línguas estranhas,
a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação. (BÍBLIA
DO CULTO. (IBB), 1 Corintios 14. 4-5, 2016, p.241).

Notamos que em nenhum momento o apóstolo se opõe ao falar em línguas, mas deixa
claro que o dom a ser perseguido é o dom de profecia, pois segundo o apóstolo esse é o dom
que edifica o corpo. O apóstolo faz essa distinção do dom de profecia, porque ele consiste
na exposição da vontade de Deus, através da sua Palavra.
Até mesmo os primeiros carismáticos assembleianos tiveram dificuldade em aceitar a
doutrina do falar em línguas como evidência do batísmo no Espírito Santo, de acordo com
o BLOG CONEXÃO ECLÉSIA (2019).

F.F. Bosworth (1877 – 1958), foi um dos mais conhecidos líderes pentecostais
a rejeitar a doutrina da evidência física inicial. Tendo participado da fundação
das Assembleias de Deus nos Estado Unidos em 1914, Dosworth começou
a contestar a distinção entre as línguas de Atos e as línguas de 1 Corintios,
afirmando que ambos os livros tratam do dom de línguas, e que estas não
seriam a única evidência do batismo com o Espírito.

A citação acima mostra que de fato não há consenso sobre essa doutrina nem mesmo
entre os pentecostais, tanto que o Dr. Keener diz:

Alguns escritores carismáticos chamam a atenção para o fato de que o po-


sicionamento pentecostal tradicional não é inteiramente monolítico; para di-
zer a verdade, alguns pentecostais clássicos rejeitam esse posicionamento.
Agne Ozman (a primeira pessoa a falar em línguas no início do avivamento
pentecostal do século 20), F.F. Bosworth e outros expoentes entre os primei-
ros pentecostais questionavam se o dom de línguas sempre acompanhava o
batismo no Espírito Santo. (KEENER, 2018, p. 203).

As duas citações acima fazem referência aos primórdios do pentecostalismo, sendo


assim o que mudou desde então; certamente não foram os textos sagrados, muito menos
o Espírito Santo, pois ele é Deus, e Deus é imutável!
Outro texto interessante e muito pertinente ao tema é citado por Vinson Synan quando
ele aborda a renovação Batista de 1958:

Em 1958, John Osteen era um típico pastor batista do Sul que enfrentava um

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sério problema na família. Sua filha, que nascera com paralisia cerebral, fora
desenganada pelos médicos. (...), começou a estudar as promessas de cura
divina na Bíblia. Tendo o interesse despertado pelos milagres registrados no
Novo Testamento, Osteen orou pela filha e, para seu espanto e também alegria,
a menina foi imediatamente curada.
Logo depois desse fato, Osteen foi procurar os pentecostais da região de
Houston. J. R. Godwin, pastor da primeira Assembleia de Deus de Houston,
dispô-se a ajudá-lo e explicou-lhe o que era o batismo no Espírito Santo.
Em pouco tempo, Osteen teve uma poderosa experiência pentecostal “com
uma torrente de línguas”. (SYNAN, 2009, P. 255).

Essa citação de um fato histórico nos remete a um dilema controverso se partirmos da


premissa de que o falar em línguas é a evidência do batismo no Espírito Santo. Se Osteen
só falou em línguas posteriormente a cura da sua filha, quem foi o agente da cura? Não
seria o Espírito Santo? Se sim, Osteen já seria batizado no Espírito, ou então é preciso
admitir que é preciso ser mais cheio do Espírito Santo, para falar em línguas do que para
receber uma cura.
Citado no Blog pastorflavioconstantino.blogspot.com (2012), o pastor da Igreja Betesda
Elienai Cabral Junior, filho e neto de pastores assembleianos, no seu texto “Meu pentecos-
talismo revisitado” faz a seguinte afirmação.

É preciso que se diga que por mais que funcione, a doutrina pentecostal da evi-
dência inicial do Batismo com o Espírito Santo é oca de conteúdo bíblico. Nos
chamados quatro pentecostes de Atos (2.1-13; 8.4-25; 9.24-48; 19.1-6), nem
todos registam a glossolalia e, exceto o do Dia de Pentecostes em Jerusalém,
o sinal das línguas estranhas não é a única evidência. Lucas lista também as
profecias, adoração e alegria. Entre os samaritanos nada diz. Apenas afirma
que receberam o Espírito (At 8.17). As línguas são um sinal frequente, mas
não um sinal imprescindível.

No referido texto além dessa declaração o pastor Elienai aborda questões importantes
sobre ensino pentecostal referente a essa doutrina.
Segundo Grudem (1999, p. 865) “Provavelmente, não se pode traçar nenhuma linha
definida nessa matéria, mas Paulo lembra-nos de que ninguém tem todos os dons e não há
nenhum dom que seja comum a todos”. Grudem faz essa afirmação baseado em 1Co 12.
29-30, e cita que no texto grego a partícula mē (μή) antes de cada interrogação feita pelo
apóstolo pressupõe-se um não.
O apóstolo Paulo faz mais uma exortação aos corintios, no sentido de dar mais ênfase
ao dom de profecia em relação ao falar em línguas.

E, se alguém falar em língua estranha, faça-se isso por dois ou, quando muito,
três e por sua vez, e haja intérprete.
Mas se não houver intérprete, esteja calado na igreja e fale consigo mesmo
e com Deus.
E falem dois ou três profetas, e os outros julguem.

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Mas, se o outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o
primeiro.
Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros, para que todos apren-
dam e todos sejam consolados. (BÍBLIA DO CULTO. (IBB), 1 Corintios 14.
27-31, 2016, p.242).

Podemos observar que o apóstolo dá instruções bem distintas para cada dom abordado,
no caso das línguas, ele ordena que falem no máximo três e se tiver intérprete, mas quando
passa a instruir sobre o dom de profetizar ele instrui e fecha o assunto dizendo que todos
que tem o dom poderão profetizar um após o outro. Seria Paulo controverso ao ponto de
disciplinar o uso do dom que seria a chancela do batismo com o Espírito Santo? Não é o que
parece, o Apóstolo parasse cuidar apenas de aparar arestas e mostrar àqueles irmãos que
ninguém se tornava superior ao outro irmão por possuir um ou outro dom, pois é o mesmo
Espírito que os distribui liberalmente para o crescimento do Corpo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando através da pesquisa bibliográfica apresentar e discutir a validade bíblica


da doutrina pentecostal do ‘dom de línguas’ como evidência do batísmo no Espírito Santo,
apresentamos os textos bíblicos que mencionam o referido dom, assim como vários autores
que apresentam seus pontos de vista favorável e contrário a essa doutrina.
Diante do exposto podemos concluir que o falar em línguas como evidência do batismo
no Espírito Santo, é uma doutrina que não encontra fundamentação robusta nas sagradas
Escrituras, quando partimos da premissa de que a Bíblia interpreta a própria Bíblia, pois
apenas três versículos mencionam o falar em línguas imediatamente ao batísmo no Espírito,
além do que não encontramos em nenhum desses três versículos uma afirmação ainda que
implícita dessa condicional. Portanto, a doutrina do “falar em línguas” como evidência do
batismo no Espírito Santo, parece não ter base bíblica suficiente para passar pelo crivo de
uma boa hermenêutica, nem pelo crivo da exegese bíblica.
Portanto, aqueles irmãos em Cristo, que são pentecostais e acreditam na continuidade
dos dons, os tem experimentado, exceto o dom de línguas, podem ficar em paz! Não há nada
de errado com a fé deles, apenas aprouve a Deus em sua suprema soberania, agraciá-los
com outros dons que se fazem necessário para o bom andamento da obra local.
Como pastor da Assembleia de Deus e crente no continuísmo dos dons, já experimentei
alguns, entre eles o ‘dom de línguas’, nem por isso me sinto mais abençoado do que aqueles
muitos irmãos que foram agraciados com outros dons e que por vezes se mostraram mais
cheios do Espírito Santo.

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Essa pesquisa não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas tem por objetivo ajudar
o leitor a compara os argumentos favoráveis e contrários a essa doutrina e à luz dos textos
bíblicos aqui expostos, os quais são de fato e por princípio a autoridade suprema sobre
qualquer tema teológico, chegar às suas próprias conclusões assim como auxiliá-lo em
futuras pesquisas sobre o tema.

REFERÊNCIAS
1. BLOG CONEXÃO ECLÉSIA. 2019. Disponível em: http://conexaoeclesia.com.
br/2019/02/11/falar-em-linguas-batismo-no-espirito/. Acessado em: 25 de março de
2019.

2. BLOG DA CONVENÇÃO GERAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS DO BRASIL (CGADB).


2016, Pg 91. Disponível em: https://assembleia.org.br/wp-content/uploads/2017/07/
declaracao-de-fe-das-assembleias-de-deus.pdf. Acessado em: 21 de março de 2020.

3. BLOG pastorflavioconstantino.blogspot.com/2012/01/meu-pntecostalismo-revisitado-
-por.html-. acessado em 27 de maio de 2020.

4. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Vida Nova, 1999.

5. HORTON, Stanley M. O que a Bíblia diz sobre o Espírito Santo. Rio de Janeiro:
CPAD, 1993.

6. INSTITUTO Bílico Brasil (IBB). Bíblia do Culto, Almeida Revista e Corrigida. Santo
André, 2016.

7. KEENER, Craing S. O Espírito na Igreja, o que a Bíblia ensina sobre os dons. São
Paulo: Editora Vida Nova, 2018.

8. PACKER, J. I. Na Dinâmica do Espírito – Uma avaliação das práticas e doutrinas.


São Paulo: Vida Nova, 1991.

9. PALMA, Anthony D. O Batismo no Espírito Santo e com Fogo. Rio de Janeiro:


CPAD, 2011.

10. SEVERA, Zacarias de Aguiar. Manual de Teologia Sistemática. Curitiba: AD Santos,


2019.

11. SOCIEDADE, Bíblica do Brasil (SBB). Bíblia de Estudo MacArthur. Almeida Revista
e Atualizada. Barueri, 2010.

12. SYNAN, Vinson. O Século do Espírito Santo, 100 anos do avivamento pentecostal
e carismático. São Paulo: Editora Vida, 2009.

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SOBRE O ORGANIZADOR
Flávio Aparecido de Almeida
Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Faminas(2015), graduação em
Pedagogia pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), graduação em Filosofia pela Faculdade
Entre Rios do Piauí(2015), graduação em História pela Universidade do Estado de Minas
Gerais(2008), especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Candido
Mendes(2013), especialização em Gestão de Processos Educativos: Supervisão e Inspeção Escolar
pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2009), especialização em Psicologia Comportamental
e Cognitiva pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização
em Ensino Religioso pela Faculdade do Noroeste de Minas(2010), especialização em História
do Brasil pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização em Psicologia Existencial
Humanista e Fenomemológica pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020),
especialização em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) pela
FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização em Psicologia Escolar
e Educacional pela FAVENI-FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE(2020), especialização
em Neuropsicopedagogia pela Universidade Candido Mendes(2015), especialização em Educação
Inclusiva, Especial e Políticas de Inclusão pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização
em Psicologia Social pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais(2017), especialização em
Gestão em Saúde Mental pela Universidade Candido Mendes(2012), especialização em Docência
do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes(2016), especialização em Neuropsicologia
pela Universidade Candido Mendes(2016), especialização em Ética e Filosofia Política pela
Faculdade Mantenense dos Vales Gerais(2017) e mestrado-profissionalizante em Ciências das
Religiões pela Faculdade Unida de Vitória(2020). Atualmente é Psicólogo Clínico do Consultório
de Psicologia, Psicólogo do Abrigo Institucional de Espera Feliz, Membro de comitê assessor do
Núcleo de Pesquisa em Ensino e Tecnologia, Professor de Pós-Graduação do Instituto Superior
de Educação Verde Norte, Membro de corpo editorial da Editora Científica Digital e Inspetor
Escolar da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Espera Feliz - MG. Tem experiência
na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social. Atuando principalmente nos seguintes
temas:Ciências das Religiões; Psicologia da Religião, Subjetividade; Experiencia Religiosa, Coping
religioso; Qualidade de vida, Religião, Cultura e Diversidade, Psicologia, Religião e Psicopatologia
e Religião, Educação e Direitos Humanos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2192204324890376

Ciências das Religiões: uma análise transdisciplinar - ISBN 978-65-5360-118-5 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 4 - Ano 2022
90
ÍNDICE REMISSIVO
B
Batísmo: 80

Bem: 10, 13, 15

C
Cinema: 60, 61, 77

D
Direitos: 90

Dons: 80

Doutrina: 11, 59, 80

Dualismo: 39

E
Educação: 34, 90

Ensino: 90

Espiritualidade: 22, 57, 58

I
Igrejas Evangélicas: 58

Iluminação: 10, 11

L
Línguas: 79, 80

M
Memória: 10

P
Pesquisa: 90

R
Religião: 21, 38, 41, 57, 60, 61, 77

T
Tempo: 10, 16

Ciências das Religiões: uma análise transdisciplinar - ISBN 978-65-5360-118-5 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 4 - Ano 2022
91
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