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Prol.Alla!

rir
Moreira Laboram>
- SIGNUM: e Iconografia
de Desenho

CLARK,Kenneth.
Lisboa:
capítulo
Ulisséía,
ln:__
5:AVislonatuml.
1961,p.100-125.
. Paisagem
naArte. 01 A VISÃO NATURAL
nhurna paisagem era verdadeira pintura fora de Itãlia, Cons-
table disse que a sua arte podia ser encontraJda debaixo de
cada sebe. Era ,uma meta tão revolucionâria corno a de
OAPlTULO 5 Wordsworth.
Claro que nenhum artista é completamente orig:ln.a.1.
A VISÃO NATURAL Quando Constable ainda era um estuda,nte, Gir.tin pintara
algumas paisagens com o espirJto de Wordsworth que influen-
ciaram obras como Maivern Hall.. E como natural da East
Nos princ1p1os do século XIX reconhecia-se que estava a Angiia, Con.stable tinha visto certamente paisagens holan-
mudar a situação da pintura de paisagem. Esta mudança desas nas colecções loca.Is. O seu sentido da mobilidade da
deu-se ràpidamente. O sucesso faibuloso de Turner aconteceu luz, as sombras produ~das por ii.uven.s em vastos céus ven-
apenas trinta anos depois do fracasso de Wilson; e no decurso tosos, devem ter derivado tanto de Ruysdael corno das suas
de um século, paisagens que pelo menos pretendiam ser boas próprias observações, pois constable como todos o.s revolu-
imitações da ,natureza, atingiram um lugar mais seguro no cionários era um ardente estudioso da tradição. Tinha a
gosto popular do que qualquer outra forma de arte. Uma capacidade que apen,as se encontra n.os grandes artistas, estu-
cena calma, com ,ãgua em primeiro plano reflectindo o céu dar formas de pintura apai,enternente a.liheias •à sua própria,
luminoso e enquadrada por ãrvores escuras, era algo que e delas aproveitar aqueles elementos que são eternamente
toda a gente estava de acordo em reconhecer como belo, fecundos. Não podia absorver sem· imitar. As suas c&rtas
exactarnente corno em épocas anteriores estavam de acordo estão cheias da compreensão de Ticiano, Claude, WiJson e
a.cerca de um atleta 111uou uma santa com as mãos cruzadas Gaspa.rd, e já de idade avançada, abandoil8.111:a
qualquer enco-
sobre o peito. Quanto a. um extenso panorama, grandes mu- menda para ,poder ,copiar um Poussln ou um Claude. Uma
danças se deram -desde a ascensão de Petrarca ao Monte conhecida passagem de Leslle descreve como, quando ainda
Ventoux, e com excepção do amor não há talvez mais na.da joviem, foi apresentado a Sir George Beawnont que lhe mos,.
que una pessoas difel"entes como ,o prazer de um belo pano- trou o seu Claude favorito, Agar e Ismael, agora na National •
rama. Gallery. Leslie diz que Constable «recordav,a. esta ,bela obra
Normalmente é verdade que todas as mudanças ou expan- corno uma época importante da sua vida>. Podemos sentir
sões do gosto popular têm a sua origem na visão de um a recordação semiconsciente deste quadro na primeira pin-
grande artista ou de um grupo de artistas, que umas vezês tura a óleo datada, em que Consta:ble já apresenta um estilo
d e uma maneira rápida, outras graduai, e sempre incons-
1
próprio, o Vale d,e Dedham, de 1802. E é -uma prova de quão
cientemente, é aceite pelo Jeigo. O gosto popular pela paisa- profundamente o seu espírito assimilara esta obra, ter usado
gem teve a sua origem em causas complex-as e foi apoiado a mesma composição tantos anos depois, em 1828, num quadro
pelos bem sucedidos esforços de muitos pintores de segundo agora na National Gallery da Escócia. Nesta altura a dis-
plano. Puramente como Imaginação popular as pinturas de tância a que se encontra.via. de Claude era muito grande.
Calcott, CoHials, Pickersgill e outras mediocridades, ftcaram O fundo contém muito da observação directa que Clau~ não
!Para sempre tão importantes corno as de Constable. Todavia, poderia ter a.ssimilado ao seu esquema ideal. Mas vale a
no fim de tudo foi o génio de Oonstable que pr®eiro desco- pena insistir na origem da composição porque não há dúvida.
briu e ainda justifica a arte do naturalismo incondiclon-aJ.. que esta profunda compreensão da tradição da paisagem
Em contraste com a afirmação de Gainsborough de que ne- europeia era uma das razões porque Constable iPOdi•aapre-
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PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL
sentar tanto da observação do natural sem sofrer a banali- subordinação de uma série infinita de dados visuais a uma
dade dos últimos realistas. só ideia pictórfoa. Pintores posteriores ou destroem a ideia
Outra razão era a ímpo~tâncl.ia ,dada àquílo a que cha- na :tentativa de a enriq1.11ecer,ou apresentam a primeira sen-
mava «o claro-escuro da natureza». A frase ocorre repetida- sação sem se preocuparem em a desenvolver. A segunda
mente nas suas cartas, e pelo contexto é evidente que a usa via, se bem que tenha dado origem à maior parte da m-elhor
com dois sentidos bastante dífereintcs. Em primeiro lugar pl!Iltura do século XIX restringe tanto a escala como o sentido
signíficava o brilho da luz, «os orvalhos - ·brisas - florescên- de ,permanência.
cias e frescura, nunca apareceram perfeitamente represen- Constable deixou-nos um perfeito registo das suas sen-
tados ,na tela de qualquer pintor do mundo>. Era este o sações em esboços a óleo que constituem hoje e. parte mais
aspecto da sua obra que ele normalmente considerava mais apreciada da sua obra {Grav. 66). Mas, como ele bem sabia,
original e os artifícios técnicos com que o realizava, as pin- a luta começava quando estas primeioos impressões tinham
celadas interrompidas e pequenos toques de branco puro dados de passar a quadros de grandes dímensões. Para v~ias das
à espátula, foram de decisiv•a influência na pi-ntur-a fran- suas obras, temos provas do desenvolvimento deste processo
cesa. Mas por «claro-escuro da natureza» Con.stable também em todas as suas fases: os primeiro~ óleos em que esta15'elece
pretendía dizer que um sentido dramático de luz e sombra o tema dos quadros em termos de luz ,e sombra, os estudos
deve sublinhar toda ,a composição de paisagem e dar o tom a lápis que ~niciam a definição da forma, •os desenhos porme-
dominante do sentimento com que a cena foi pintada. E norizados directamente do natural, e os esboços a óleo de
acerca de um paisagista chamado Lee, escreve: «Nunca pen- maiores dimensões. Então Consta,ble ,pega na sua tela de
sei que ·as suas obras fossem .tão más. Não pretendem ser dois metros. -Mas o quadro que pinta sobre ela não é o que
mais do q.ue imitação da natureza, mas sã.o da pior quali- vai expor. Passar directamente da sua própria maneira de
dade. São completamente destituídas de sentimento>. 11:tanto sentir - isto é de sensações expiiessas em termos de cor -
por este sentimento de unidade dl'amática como pelo sentido até à noção convencional de acabamento - isto é uma acumu-
da frescura da n·atureza que Constable se distingue dos seus lação de conceitos descritos separadamente -teria sido um
contemporâneos. RJeconhecla como verdade fundamental qlte sacão demasiado grande. Neoessitava 0,1I1tesde mais nada
a a1te se deve basear numa só ~deia dominante e que a prova de um quadro grande pintado na sua própria linguagem. Jl:•
de um artista é •a sua habilidade para realizar essa ideia, esta a origem dos chamados «esboços em tamanho defini-
enriquecê-la, desenvolvê~la, mas nunca a perder de vista e ti v·o» que constituem a suprema realização de Constabie.
nunca incluir quaisquer incidentes, por muito sedutores que Jl: difícil dízer até qu:e ponto ele assim os considerava. l!: pos-
sejam, que não se subordínem à ideia principal. Tais objec- sível que as considerasse con:io não sendo maJs do que um
tiv-0s eram relativamente fáoeis de atingir na pintura clás- trabalho preparatório dos quadros que expunha; e sem dúvlãa
Sica de paisagem em que se ,podiam usar formas idealizadas que dava valor à grande quantidade de pormenores adicio-
para evitar a multiplicação de pormenores que desviem e. nais que por um maior grau de definição podia ;incluir na
atenção, mas é 1exitremamente difícil na paisagem naturalista versão final. E sabemo-lo, não só pelas suas cartas, como
que descobriu, em que as impressões recebidas dos objectos também pelo conhecimento q.ue temos de quadros mais peque-
reais são o prindpal ponto de partida, e em que os meios nos tais como Salgueiros Ju1ito a um Rio (Grav. 68) ou Ar-
de simplificação ainda não tinham sido formados pelo gosto vores em Hampsteaà que mostram a aceitação mais completa
e estilo de gerações. Talvez nenhum outro pintor (excepto de todos os pormenores da visão que al.guma vez foram
Rubens) ternha sido bem sucedido, como o foi Constable, na traduzidos para a arte. l!: significativo que o primeiro tenha

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l'AISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL
sido recusado pela Royal Academy no ano em que foi aceite moral e espirltuaJ peculiar. Em ambos, esta creinç•a era ba-
o Oarno de Feno, por,que era uma descrição demasiado monó- seada «numa paixão e num apetite», que Wordsworth, com
tona de um dado lugar. iDe todas as obras de Constable seria •uma paixão .pelo dogma que tem contrlbuido mu.ito . para
esta a que mais seguramente seria aceite dura,nte os ú'1tlmos afe.star os leitoves da sua poesia, transformou em filosofia.
cinquenta anos, enqurunto o 0(1)8teZode Ha,àl,eigh seria pro- Contudo, por mais fastidiosas ,e ilógic·as que· sejam algumas
vàvelmenbe, recusado. das teorias de Wordsworth, o seu prefácio à edlçã.o de 1802
!Entre ,os grandes quadros de Constable, o mais próxilmo dafi PalaivrM Líricas exprume perfeitamente as ideias que
do da visão vulgar é o Garro àe Feno. Os seus motivos prln- sublinham a pintura de Constable. Tomemos por exi~mplo
clpaJ.s têm sido a Inspiração de -centenas de millhares de ,a a.versão de Oonstable pelos cenários de parques e o seu
caleindários mas ilessoalmentle sou da opinião de que sobre- amor pela plntura da vida .rústica porque, para citar Words-
viveu à sua p~ularidade destrutiva e se mantém uma ex- WOl'tlh, «nesta condição os nossos sentimentos elementares
pressão enternecedora de serenidade ,e optlmlsmo. Há oca- coexistem num estado de maior simplicidade e con-sequente-
siões em que mesmo a paixão de Constable pela natureze. mente podem ser •contemplados com mais exactidão e comu-
não pode dar or!.giem a uma tão grande quantidade de obser- nicados com mais vigor». Também podemos invocar a outra
vações vulgares, como na Seara, o quadro escolhido depois razão de Wordswor:th ,para escrever sobre temas humildes:
da sua monte para o representar na Nation•ail GaJlery. Mas «Neles as paixões do homem ·estão incor,poradas ,com as for-
só nos seus quadros acabados se torna monótono. Nos esboços mas belas e permanentes da natureza». :mum comentário per-
a força de seinsaçã.o é sempre suflciientemente forte para o feito às grandes paisagens de Oonstable no Stour (Grav. 67).
elevar acima do lugar-comum. No «esboço em tamanho defll- O poeta ·e o pintor tinham também lsto em comum: ambos
nltivo:.> para o Oarro de Ftm!o a sua excitação levou-o a um extraiam pràticamente todo o seu poder emOltivo das cenas
tratamento livre, próprio de pintor, que por sua vez modifi- da Jnfância. Constable pensava, e podemos concordar com
cou a sua visão. Na sua maior obra, o naturalismo é elevado ele, que os seus quadros de Dedham, do ,Stour e dos campos
a um nivel mais alto pela crença de que desde que a, natu- circundados alcançam uma temperatura emocional mais alta
reza é a mais clara revelação da vontade de Deus,, a pintura do que o resto da sua obra. ,Sallsbury e Hampstead !nspi- .
da paisagem, concebida com o espírito da verdade humilde raram alguns dos seus quadros mais ~ulares e há multas
podia ser um meio de exprimir ideias morais. _cenas -costeiras (Grav. 70a) que são as mrus «Impressionis-
Alcançamos a etapa final das relações do ih.ornem com a tas» das suas obras e se antecipam claramente a Ma.neit,
natureza, que começaram com a confiança Umida da Idade Whlstler e Wdison Steer. Mas não são criadas com todo o
Média; e tal como o capitulo anllerior se poderia chamar seu seir como acontece nas cen-as do Stour. O próprio Cons-
«iPalsagem V1~glliana», também se poderia chamar «Paisa- table fala quase com desprezo das suas cenas costeiras; não
gem Wordsworthiana», apesar de ter sido apenas Constable envolvem paixões, não têm, como ele teria dito, moralidade,
o expoente ,consciente das ideias do poeta. '.11anto o poeta isto é, sentido do drama humano. Por outro lado escreve
como o pintor ,encontraram a natureza tra.nsformada pe1'a acerca do Stour, numa das suas mais famosas cartas: «O som
filosofia do século XVIII num universo mecânico que funcio- da água correndo pelas ·represas dos moinhos, salgueiros,
nava segundo os ditames do senso comum e ambos acredl- velhas tábuas apodrecidas, os postes cobertos de musgo, os
tav= que havia quaLquer coisa nas árvores, flores, prados, mur,os de tijolos, são coisas de que gosto. Estas cenas fize-
e montanhas tão chelo do espirit,o divino que se fossem con- ram de mim um .pintor, e estou-lhes agradecido».
1:Jemplados com devoção suficiente revelariam uma qualidade Acima de tudo, Wordsworth e Oonstable estavam unidos
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PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL
pelo seu entusiasmo por todas as coisas criadas. «Nunca vb, de 1830. Talvez as paisagens à la Ccmstable tão deploradas
disse Constable, «uma coisa feia em toda a minha vida>. por Delécluze em 1826 se estejam a desfazer em pó nos mu-
Perante estas ,palavras, e perante a desorição de Leslie do seus de província franceses, dons de l'état (1 ), mas nunca
seu amor extático pelas árvores, lembramo-nos da passagem vi nenhuma. Contudo não há dúvida acerca da influência de
de Traherne, frequentemente citada, mas indestrutível: Constable sobre Theodore Rousseau que tinha visto o Gamo
«Nunca apreciaremos devidamente o mundo, até o próprio de Feno e várias outras obras de Constable em casa do
mar correr nas nossas veias, até estarmos vestidos com os seu amigo Boursault.
céus e coroados pelas estrelas ... mais ainda, nunca aprecia- o objectivo de Rousseau era fundamentalmente o mesmo
remos devidamente o mundo até amarmos tanto a beleza de de Constable. Desejava fazer grandes composições a partir
o apreciar, que estejamos ansiosos por persuadir os outros de factos observados e dizia: «Entendo por composição aquilo
a apreciá-lo». que está em nós, entrando o mais possível na realidade exte-
Tal é o entusiasmo, com que Wordsworth é capaz de nos rior das coisas». A sua reacção à natureza era contudo
persuadir a apreciwr espectáculos tão vulgares como mar- muito diferente; o que o atraía era o estático e não o dinâ-
garidas e pirilampos e Constable cenas tão infantil-mente mico, e as suas emoções mais autênticas eram causadas pela
simples como Salquei,ros Junto a um Rio ou Casa da Seara. quietude absoluta de um dia de Verão (Grav. 73). Esta qUle-
Era talvez inevitável que estes cânticos de inocência cedessem tude expressa com uma certa sobriedade arcaica, torna as
luga,r aos cânticos complicados e tempestuosos da experiên- grandes composições de Rousseau bastante desinteress~tes
cia da sua obra posterior. A intensidade de alegria envolve à primeira vista, e a verdadeira qualidade da percepçao é
um grande dispêndio de energia nervosa, e em todos, ·excepto por vezes vulgar. Em consequência disto os críticos recentes
os mais robustos, é acompanhado por um desespero igual- não têm reconhecido a sua importância. Foi ele que criou
mente grande. Constable não era robusto. Não perdeu o sen-
0 academismo da .paisagem naturalista que, com o declínio
timento da natureza, como Coleridge, nem o escondeu com do romantismo de Turner se tornou o estilo-padrão das peças
a ortodoxia, como W,ordsworth. Mas aca,bou por impor à de exposição. Todos .os respeitáveis paisagistas de segunda
natureza tanto do tom carregado dos seus próprios senti- categoria da Royal Academy, dos fins do século XIX, pro-
mentos que acabou tão longe da visão normal dos factos vêm mais directamen.te de Rousseau do que de Constable,
do Carro de Feno, como Van Gogh em Auvers, ou Cézanne e também alguns dos menos respeitáveis. Para fazermos
em Bibémus. Apesar de ser uma atitude wordsworthiana justiça a Rousseau devemos acrescentar que só_ o conhece-
a raiz da grandeza de Constable, devemo-nos lembril.r que mos através dos seus grandes quadros que contem demasia-
a sua importância imediata foi devida mais a causas pictó- das reminiscências do estúdio e do museu. Talvez se conhe-
ricas do que filosóficas. A sua influência na Inglaterra, o cêssemos ma.is os seus estudos directos da natureza o Uvés-
país do naturalismo filosófico, foi pràticamente nula, enquanto semos em maior apreço. Mas mesmo assim parece faltar-lhe
que em França, como todos sabemos, foi imensa. Não levou
0 abandono humilde perante a natureza de que dependia
Delacroix a pintar salgueiros e casas de campo, mas indu- a nova visão, e era esta a grande qualidade de Corot.
ziu-o a pintar outra vez o seu Massacre de Skios com uma corot foi para Roma como estudante em 1825, o ano
técnica mais liv,re e mais colorista. Os críticos contemporâ- seguinte ao triunfo de Constable no Salon. Não p_areée ter
neos falam da sua influência sobre uma escola de paisagistas participado na excitação geral, e nas suas declaraçoes nunca
franceses mas poucas provas existem do facto até ao apare-
cimento da escola de Barbizon nos últimos anos da década ( 1) Ofertaa ,lo estado {N. do 'l'., em frnnc6s 11b original).

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PAISAGEM N.'\ ARTE A VISÃO NATURAL
se refere a Constable ( 1 ). Na verdade podemos ter a certeza sua vJda. Os esboços executados na primeira viagem são
de que teria ficado bastante escandalizado com ele, pois con- em alguns aspectos os mais notáveis que fez, pois a sua
fessou que só anos mais tarde é que foi capaz de suportar excitação levou-o a uma liberdade de tratamento que se não
Delacroix. Os seus gostos eram inteiramente clássicos e foi permitiu outra vez senão durante os últimos anos; nas visi-
para Roma com a intenção de seguir as pegadas de Poussin tas subsequentes, apesar de poder dar em grande medida os
e do recente mestre da paisagem clássica, PJerre Henri Va- factos observados, o seu pincel era mais discreto e as suas
lenciennes. Os esboços que fez a partir da natureza foram cores tinham menos ressonância. Talvez os tons acinzentados
executados simplesmente como material paira composições e prateados dos estudos franceses se ti'vessem fixado na sua
posteriores. Devemos lembrar-nos de que todos os paisagistas paleta de onde só a sua visita a Veneza os podia arrancar.
clássicos da época fizeram tais estudos, e os do próprio Olhando para estas visões cristalinas é difícil acreditar
Valenciennes são de considerável beleza, mas não eram con- que pràticamente nunca foram vistas na vida de Corot, e
siderados com interesse mais do que ,particular ou profissio- destinavam-se apenas a servir de material para grandes com-
nal e eram geralmente destruídos. Alguns dos estudos de posições que, por uma ironia da história nunca são vistas e
iMichallon, o modelo de Corot em Roma, chegaram até nós são quase inidentificáveis hoje em dia. Os estudos de Corot
e mostram até que ponto Corot seguia um processo corrente. são em muitos aspectos mais completos do que os de Cons-
Mas de princípio introduziu-lhe certas qualidades que falta- table. Sendo fundamentalmente um artista clássico, tinha no
vrun aos companheiros. TJnha um poder natural de simplifi- fundo do seu espírito um sentimento de forma generalizada
cação que impedia os seus estudos de se tornarem mera- topo- que lhe permitia compor os seus esboços em unidades maiores
grafia. Aumentava o seu poder de selecção, tal como fizera e mais simples. Mas raras vezes conseguiu, como fizera Cons-
Claude, pelo simples meio de escolher como motivo principal table transformá-los em quadros de exposição. As grandes
objectos muito distantes. Mas isto teria produzido fracos composições não têm qualquer relação com os esboços. Um
resultados se não tivesse sido apoiado por um sentido de exemplo que é geralmente dado (principalmente porque é um
tom perfeitamente natural. Tal como um perfeito sentido ,dos poucos quadros de exposição que foram fotografados) é a
do tom no canto, um sentido do tom na pintura é um atri- Ponte de Narni. O estudo no Louvre é tão livre como o mais
buto quase físico. E de modo nenhum é sempre uma indica- vigoroso quadro de Constable; o quadro em Otava é mais
ção de outras qualidades, quer morais quer intelectuais. Con- monótono que a mais monótona imitação de Claude. Ainda
tudo, em Corot é difícil acreditar que a naturalidade do tom mais surpreendentes são os quadros como o Qtwi~ Marchands
não reflita genuinamente a sua própria natureza cândida e à Rouen ( Salon, 1831), onde Corot não se refugiou na ima-
ingénua, tanto mais que é inseparável de um sentido da ginação clássica, mas pintou a partir da sua visão pessoal.
composição igualmente verdadeiro. Na sua primeira visita Contudo, o facto de se ver obrigado a pintar numa grande
a Roma, as formas e as cores da paisagem clássica puseram- escala, e com o g,rau de acabamento oficial, provou ser tão
-110 num estado de receptividade apaixonada e pôde absorver inibidor que faltam ao quadro as suas duas virtudes essen-
os princípios da composição que se mantiveram durante toda a ciais, verdade de tom e estabilidade de composição. Os objec-
tos sem qualquer relação uns com os outros flutuam em
algodão em rama como se estivessem numa montra mal
(1) Cocnt.udo-, al,b~ns csboi;os parc<'cm mostrar a influência dtY Cons4
arranjada. Um tal quadro não pode deixar de aumentar o
table, por exemplo, Hobaut., •10, datado de 1B25. E num quadro acabe.do,
O Vau., exf)(>sto em l83:l, combina uma. remi11i1:;cência. de Oonsta.blo com 8 nosso respeito .por Constable. Só um dos quadros italianos
do holandês. de Corot, o Panorama perto de Volterra, na colecção Chester
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PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL
Dale (Grav. 69), conserva a virtude dos seus estudos, mas eternamente populares, efe.ito esse que ainda hoje é cttaido
em França, especialmente .nos quadros pintados no Morvan pela gente simples como um padrão de beleza vJsual.
(Grav. 72) atingiu um compromisso satisfatório- quadros de !Mas apesar de ter descoberto uma fórmula que o satlsfa"zla
um tamanho moderado, firmemente estruturados e vistôs com t,a,nto como ao seu .púlJlico, Oorot continuou a pintar a partir
uma naturalidade absoluta que fazem parecer llgelrâ"mente da sua observação natural e sabia que era essa a essência
artificiais quase todas as paisagens pintadas antes ou depois. da sua arte. Conseguiu até introduzir alguns destes quadros
De 1840 em diante, Corot desenvolveu gradualmente um do Salon, catalogando--0s coITlJOestudos, talvez encorajado
melo de tomar mais pessoais os seus quadros de Salon. No pelo exemplo de Chopin. Escreveu uma nota num dos seus
Vale (1855) (Grav. 71a) trouxe para a formação de uma livros de esboços em 1856 que aconselha o estudante a con-
nova visão o seu sentido da composição e do tom e parte fiar acima de tudo na primeira senRação: «Nunca abandone-
do Hrismo que havia de encher a sua obra posterior; ao mos Isso e a,o procurarmos a verdade e a exactidão nunca
esqueçamos de lhes dar aquele aspecto que nos impressionou.
mesmo tempo inicia uma série de ninfas dançando entre
Não importa qual o lugar, qual o objecto; submetamo-noo à
árvores frondosas que havia de aumentar tão desastrosa-
primei-ra improosão. Se nos sentimos realmente impressiona-
mente o númevo dos seus admiradores. Não podemos censu- dos, a sinceridade da nossa em,oção transmitir-se-á aos ou-
rar Corot por rudoptar um género que agradava tanto à opi-
tros>.
nião crítica como ao gosto em moda. Em 1855 Paul de Salnt- J:!l interessante verificar que Corot, cujo espirlto estava
•Victor escreveu: «Preferi-moo o bosque sagrado, onde os longe de ser filosófico, absorveu instintivamente a flloSQfia
faunos passeiam, às florestas em que trabalham os lenha-
estética da época e partiu do principio de que a arte consiste
dores; as fontes verdejantes em que se banham as ninfas aos
em representar uma sensação e não em persuadir-nos a. acei-
lagos flamengos em que nadam os patos>. E os gostos de
Corot eram do mesmo tipo. Desde a juventude tinha sido um tar uma verdade. Está evidentemente muito mais próximo
grande admJrador de teatro. Sabemos pelos seus esboços que do esteticismo puro do que Constable. Este escolheu ós selfs
as figuras caprichosas dos seus quadroo eram tiradas de =untos segundo a sua grandeza moral e esforçou-se por os .
estudos de bailarinas, e não há dúvida de que mais tarde o tornar mais nobres e mais dramáticos. Corot não tinha tal
cenário teatral substituiu as recordações de Claude e de preocupação protestante com a moral, mas acreditava que
Poussin eomo o seu ideal de quadro. 11::perfeitamente natural se se submetesse às suas sensações com uma humildade sin-
que uma obra de Corot tenha inspirado o cenánio das SilfidJe.s. cera, le Bem Dieu faria o resto. O ponto que os une é a
Devemos admitir que alguns dos seus quadros mais poéticos crença absoluta na observação da natureza como base da
são extremamente belos. Recordação de M ortefcmtaine ( 1864) arte.
é uma obra-prima que se destaca da pintura popular como Nos meados do século tornara-se evidentemente univer-
.at1 liricas de Burns ou Heine se destacam das canções popu- sal. Baudelaire ao crltiçar o Salon em 1859, diz que «a crença
lares. De toda a .grande gama de delicadas experiências vi- actual das pessoas da Alta Sociedade é esta: creio na natu-
suais, CoroL acabou ·por se satisfazer com uma - a luz cin- reza e apenas na natureza. Oreio que a arte é, e não pode
tilante reflectida pela água que passa através das folhas ser mais do que, a reprodução exacta da natureza». Não há
delicadas dos vidoeiros e dos salgueiros. Concentrou-se neste dúvida que Baudelaire, com o seu pessimismo usual, estava
aspecto porque o amava e assim provou a sua extrema sim- a exagerar o que considerava uma desprezível corrente de
plicidade de carácter. Revelou um dos efeitos da natureza opinloo; pelo menos nã.o se reflectia no .Salon uma fl! cega
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PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL
na Natureza, mas nessa é.poca tinha realmente o apolo de O uso gener.allzado desta palavra mostra que o confüto
um divulgador nato na pessoa de Oourbet. entre o realismo e o academismo, como a maior parte dos
iA.s opiniões de Courbet sobre arte foram constderadaa colliflitos do século x1x, tinha uma base social. O conde de
excepcionalmente disparatadas, mas as que chegaram até nós Nieuwerkerke. o principal patrono oficial da arte durante o
não me parecem ma.is estúpidas do que as de qualquer outro. Segundo Império, disse o seguinte dos pintores de Barbizon:
Tinha uma personalidade provocadora e disse-se muito dis- «é uma pintura de democratas, de gente que não muda a
parate a respeito dele. Nos anos de 1850 a palavra realista, roupa interior e que quer colocar-se acima das pessoas
tal como a impressionista, a futurista, e a surreallata em importantes. Esta arte desagrada-me e repugna-me~. Ingres
épocas posteriores, to.rnou....se uma simples paiavra de alarme, deixou-nos, num dos seus últimos desenhos atraotlwos, uma
uma expressão do ressentimento popular contra a arte. FOII Imagem do conde, que apoia este famoso juízo; mas enquanto
até aplicada a Wagner tal como há vinte anos as pessoas ,apreci-amos o seu a·r de presunção inefável, devemo-nos lem-
antiquadas costumavam chamar a Picasso dmpresslontsta>. brar que este louco fui o responsãvel pela miséria de pràtl-
Oourbet sempre disse que esta palavra lhe tinha sido Im- camente .todos .os grandes artistas da sua época. Isto explica
posta. «Fazer arte viva, tal é o meu objecttvo>. Contudo, e. arrogância e rnde7.a de Courbet, cuja camisa de xadrez
em 1861 fez uma declaração dos seus objectivos e apresen- e o cachimbo grosseiro eram as únicas respostas possíveis à
tou tão bem como qualquer outro a estética do séculô XIX sobrecasaca, ao alfinete de gravata de ca.m.afeu e à barba
a atitude perante a natureza que encontramos nas ca~ com brilhantina do conde de Ni,euwerkerke.
de Constable e nos oonselhos de Ruskln aos precursores de A resposta de Oourbet à exclusão do Salon foi a enorme
Rafael. l!l uma noção particularmente valiosa ao a;presentar exposição Individual em 1855. Continha catorze paisagens, a
uma noção abstracta do «belo>, que, quer seja ou não uma primeira das quais datada de 1841. São pinturas verdadeira-
filosofia válida, se tornou uma fecunda fonte .de erros. mente populares. Não sentimos por detrás delas, como em
«O belo está na natureza e enoontra-se ai na realidade sob ConstaJble, o estudo da tradição palsagistica. Sent!IlllOs ainda
as formas mais diversas. Desde o momento em que é desco- menos a admiração por Claude que confere a Corot um toque
berto ,passa a pertencer à a,rte, ou antes ao artista que o sabe de classicismo, mesmo às fantasias do Segundo Império.
ver. Quando o belo é real e vlslvel terr. em si próprio a sua Oourbet escolhia os ,temas com um apelo imediato e insistia
expressão artlstica. Mas o artista não tem o direito de am- neles com deleite; a relva é muito verde-muito mais verde
pliar esta expressão. Não lhe pode tocar sem se arriscar do que a que foi pintada por qualquer bom pintor ante.'! ou
a desnaturá-la e, por.tanto, a enfraquecê-la. O belo, dado depois - o céu do crepúsculo é muito rosado, o mar é multo
pela natureza, é superior a todas as convenções do artlsta>. azul. E há uma par.ticular relação de tons entre o céu, o
Isto é um desenvolvimento da frase de Constable «nuhca vi mar e as rochas que antecipa de uma forma incompreensível
uma coisa feia na minha vida!> o postal ilustrad.o colorido (Grav. 74).
Estas doolarações têm sido o prato forte do ensino da arte As me~hores paisagens de Courbet são mulrbo boa pintura,
durante os últimos sessenta aoos. Mas em 1860 o Salon e não só porque a sua perícia e capacidade produtiva lhes
todas as outras famosas escolas de arte estavam inteiramente conferem alegria, mas também porque nessa época ainda
reduzidas a uma forma adulterada da arte académica, em havia uma enorme fé na natureza. Estamos assistindo à
que a regra principal era que a natureza devia ser corrigida criação de uma imaginação popular que servirã durante quase
no interesse do ideal. Desenhar ou pintar o que se via era cem anos. Quando Courbet segue o que diz no seu manifesto,
uma coisa simplesmente vulgar. quando não a,umenta a expressão, como em algumas das suas
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cenas de neve (Grav. 78a), é um grande paisagista. Mas por recem nas primeiras paisagens de Hubert van Eyck e podem
vezes, deixa-se seduzir pelos efeitos mais estranhos da natu- muitas vezes ser associadas a simples nece:;isidades biológi-
reza, quando só a compreensão podia dar convicção; e às ca,s. As cores da Primavera, por exemplo, que nos fazem
vezes, como na embaraçosa sérje de veados moribundos sobre lembrar o renascimento da esperança, ou o céu de Verão, a
a neive, esquece-se completamente dos seus princípios, n:i. que associamos o fim do trabalho. Mas, em geral, as paisa-
satisfação de ter produzido um efeito emocional. Perante tala gens populares são aquelas em que a observação preguiÇ'Osa
quadros sentimos vontade de concordar com o c,onde de ou desinteressada é forçada a uma reacção por um contraste
Nieuwerkerke. São lnevltàvelmente vulgares. Devemos parar invulgarmente ressonante de tom ou de cor. Isto é verdade
aqui para decidir o que signiflca tal palavra em relaç!Lo à para o exemplo que dei anteriormente, a extensão das águas
paúmgem. iluminadas pelo céu de Verão e enquadrada por árvores
Todas as formas de expressão contêm nelas as sementes escuras; ou o sol de Verão projectando uma luz alaranjada
da sua própria destruição, e tal oomo o classicismo tende no alto das colinas. Estes efeitos vJolentos são o m'àterlal
para o vazio e falta de vitalidade, assim o naturalis,mo tende legitimo dos paisagistas que designei por pintores da fan-
para a vulgaridade. 11:o estilo p;opular, o estilo que pode ser tasia. Mas pela sua extrema crueza é multo difícil para um
compreendido sem esforço ou educaçãio; e como com todas pintor naturalista fazer autênticas obras de arte com ta,i,s
as formas de comodidade, a economia de esforço intelectual efeitos. Não dão oportunidade para a delicadeza de percep-
e espiritual cria um apetite insaciável por algo mais. Qualquer ção, o acto de amor que justifica a paisagem dos factos.
arte de i<lentiflcação poupa o esf1orço de concentração nas AJém disso, os tons muito próximos têm uma beleza própria,
relações formais; mas em breive a própria identificação se são oomo os sons vocálicos multo pró~mos que são 'tantas
torna um esforço e o gosto popular exige equivalentes per- vezes uma fonte da magia no verso. «A verdade est! num
feitos para os seus temas favoritos. A relação entre a grande cambiante». Courbet podia aceitar e fazer-nos aceitar quase
pintura popular, como o Carro de Femo, ou as melhores ma- budo aJ,>esar de hesitar perante as cores outonais; mas para
rinhas de Courbet, e .os seus equivalentes vulgariza,dos, não um artista que não aceite tudo com tanta facilldade o ere1to
é diferente da que existe entre, i>Or exemplo, «Vol che Sapete» popular é extremamente perigoso. Tomemo·s o caso de Dau-
e «If you Were the Only Girl in the World~; nas últimas blgny.
sabemos que cada efeito formal seguirá uma das fórmulas Daublgny é, historicamente, um artista multo Importante.
já aceites. Os estudos de Corot nunca são vulgares porque Começou a expor no Salon em 1838 e foi quase o primeiro
cada efeito é sincero e preciso. Mas Courbet, se bem que homem que dedi.cou toda a sua vida à visão natural na
tivesse visão para os grandes efeltros, Unha multas vezes paisagem. Não a transformou num veiculo de expressão pró-
mais orgulho nos -seus poderes produtivos do que na sua pria, como o fez Constable, nem dividiu o seu tempo entre
percepção. E nessas alturas substltu!a uma sensação real ela e as fantasias poéticas, como Corot. Creio que foi o pri-
por uma falsa e o mais notável é que as suas falsas sensa- meiro artista .cuja obra foi criticada por representar simples
ções são exactamente as que satisfizeram a visão popular <<-impressões», por nada menos que Théophile Gautler, e teve
desde então. uma enorme e decisiva influência sobre Monet. Tem por-
Isto conduz-nos a outro fa<:to curioso que eu já abordei tanto o direito de ser considerado o avô do impressionismo.
quando falei dos últimos trabalhos de Oorot. Parece haver Contudo, os seus quadros foram aceites no Salon e Unham
um certo número de efeitos da natureza que produzem uma popularidade (Grav. 76) .. E isto é, precisamente, o que há
reacção imediata na mental!dade ocidental europeia. Apa- a censurar neles, pois -apesar de Daubigny ser um pintor
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:•

PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL



'I mente da natureza. :E: evidente que os estudos de Corot e de
, li dotado e honesto, a sua visão natura,l coincidia. demasiàdas
vezes com a visão vulgar. O assunto, a composição e as Consta.ble foram feitos no próprio l:ocal e não nos surpreen-
f demos de sa:ber que Daublgny pintava num barco especial-
relações doo tons eram as que o olhar popular aceitava e
desde então tem continuado a aceitar sem esforço nem sur- mente constTuído para esse fim. Mas temos também provas
presa (1 ). de crédito de que Claiude pintava ao ar livre, e sabemos que
,Para compreender até que ,ponto este naturalismo pré- os últimos e mais abstractos quadroo de Cézanne foram pin-
-fabrJcado .corrompe a visão, basta-nos olha.r para o princi- tados sur le moti/ (1 ). Era portanto uma maneira de ver e
pio da história dos primeiros impressionistas. Até 1869, eram não o facto físioo de pintar ao ar livre que tornaram tão
,
..,i simples pintores naturalistas (Grav. 77). Slsley e Plssarro espantosa a escala de tons dos impressionistas.
eram dedicados discípulos de Corot, do verdadeiro Corot, Não há dúvida de que na década de 1860 os impressionls-
claro, não do seu substituto do Salon, e Monet foi, como jã ta,s alcançaram uma veracidade de tom que é geralmente
disse, inspirado por Daublgny apesar de ter sentido primeiro designa,da por fotográfica. A.lguns historiadores de e.rte recen-
r a influência mais refrescante de Boudin. Ao olharmos para tes tiraram fotografias de muitos assuntos pintados por Monet
l1. as prJmeiras obras destes belos artistas parece-nos incon- e Pissarro que provam a exactldão com que eles eram capa-
cebível que tivessem sido considerados chocantes. Podia-se zes de registar sensações ópticas. Mas é dlfi.cll dizer até que
evidentemente discutir todo o principio em que baseavam a ponto foram reailmente influenciados pela fotografia. Os pri-
,1 sua obra; mas, depol·s de ter concedido uma medalha de ouro meiros fotógrafos de paisagem, usando longas exposições,
a Constable trinta anos antes, é estranho que o Salon os produziram .uma escala de tons multo diferentes dos instan-
tenha rejeitado sistemàtlcamente; e perante as reclamações tâneos, e mais semelhante a Madox Brown do que a Monet. A
de Baudelaire, por causa da popularidade da natu~za, é fotografia instantânea de palsa-gem só se tornou vulgar na dé-
estranho que o homem vulgar não reconhecesse que estes cada de 1860 e não se sabe quantas destas fotografias foram
eram exactamente os quadros de que precisava. Mas o gosto vistas pelos Impressionistas; talvez o número suficiente para
burguês estava já tão corrompido pel:o pseudonaturàlismo fortBJlecer a sua crença numa visão imparcial mas não tantas
que a visão fresca de Monet e Pissa:rro foi um choque desa- que lhes tivesse criado um estilo. Mas para o pÚ'bllco con-
gradável. temporâneo esta confürmação da sua veracidade não teria
Até que ponto esta f.rescura e este choque eram devidos si.do de ·peso, pois em todos oo tempos a «fotografia» artistica
ao facto de os pintores pintarem ao ar livre? As opiniões tem sido falsificada para agrádar ao gosto popu1ar, e nos
variam neste ·ponto. Houve uma época em que era usual atr1- anos de 1870 os tons das fotografias da paisagem eram suavi-
bulr grandes vantagens a este processo, e como reacção, zados de modo a assemelharem-se às últimas obras de Corot,
Slckert e outros recentes teóricos de arte, têm tentado defen- Daubigny, ou mesmo favoritos do Srulon menos Importantes.
~r a :opinião de que toda a boa pintura é a feita no atelier. M·onet, Sisley e Pisss,rro alcançaram durante a década
A verdade é que quando um artista desenvolveu um espirito de 1860 e até 1874 o naturalismo mais completo que foi rea-
pessoal oonsistente é diflc11 sa,ber quando pintou dlrecta- liza<io na arte. Duvido de que um quadro possa estar mala J
próximo de uma impressão visual .com todas as suas impli-
cações de •luz e tom do que os quadros de Slsley de Hampton
( 1) Para o c,insid6r&~ com Justiça, & obre. de D&ubignl)" contêm Court, ou os de Pissa11ro de Norwood (Grav. 78b), e vale a
muitas imrprt,Stt.8, P~nec0 ter sido eepecia.lm&nt.e cap~z de uma sombria
ToomAnci&, como Van Gogh naa suaa primelraa obrBtl, de que ele próprio
(1) Ao Ylvo (N, do 'l'., em frsncêfl no orlgin&l).
p&roce ler tido medo.

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pena compará-los com um quadro como Inundação de Feve- tornam-se menos um espelho da natureza e mais uma exp·res-
~
reiro, de B. W. Leader (Grav. 75), há multo aceite pelo pfibllco são da sua melancolia até que passam a ser quase tão tortu-
como um modelo de perfeita fidelidade à natureza, para ver- rados e rebuscados como os de Van Gogh. Mas, pondo de
mos a diferença entre o verdadeiro e o failso naturalismo. parte estas infelicidades pessoais, podemos dizer que para
O verdadeiro contraste só se torna perceptivel em presença continuar a produzir reproduções claras e objectivas da apa-
dos origlna:ls, pois é principalmente a cor de Leader que é rência natural sem perda de frescura, são necessários dons
falsa e degradada. A fotografia favorece-a, mas mesmo numa muitos raros de simplicidade e de calma; podemos na verdade
reprodução vemos que não há nela nada da unidade da perguntar se algum artista o conseguiu, com excepção de
atmosfera daquele invólucro geraJ de Iuz (para usar as pala- Oorot. A paisagem ,realista que os ignorantes crêem ser a
vras de Corot), que é a essência do verdadeiro na;turallsmo. ma.is simples forma de pintura, é na verdade uma das mala
AI não há qualquer unidade. A natureza não foi compreen- inacessíveis em que o sucesso é mais raro e mais precãrlo.
dida como um todo, foi descrita ,pedaço a pedaço. Leader Até mesmo um pintor tão bem dotado como Sis}ey, sofreu
pensa e.inda que o mundo é composto por um certo n<imero um declinlo gradual de convicção. Monet e Pissar,ro, ma1s
de «coisas» que têm de ser tratadas separad81lllente. Esta conscientes do seu •dilema, tomaram um caminho diferente.
era uma maneira perfeitamente normal de compor uma pail- Forçaram-se a ver na natureza aquilo que o olhar comum
sagem numa. época que se exprimia através de símbolos e não pode ver, ou pelo menos não pode analisar - a rede de
era também um pOlilto de partida possível para um grande cores puras de que se compõe a luz. Teôricamente mantinha
arquitecto plrctórico como Poussin. Não era porém um pro- o princípio do naturallsmo ou levavam-no ainda um pouco
cesso possível de compor uma paisagem que devia represen- mais longe; mas na realidade rejeitavam as limitações da
tar a verdade de uma impressão visua,J. Os contemporâneos visão natural em favor de uma transposição que llhes permi-
de Leade,r acreditaNam que as suas paisagens eram tão ver- tiria maior 1Hberdade ,criadora.
dadeiras como fotografias. Torna-se BJparente como até mesmo ,Podemos marcar com clareza as etapas deste desenvolvi-
esta pobre pretensão era injust:lfi<:ável se compararmos a mento. Começa em 1869, com e. am.izade mais intima entre
Inundação de Fevereiiro a um quadro como o estudo de Corot Monert e Renok, uma destas uniões como a de Coleridge e
de Genebra, que data de 1841, llllltes portanto da fotografia Wordsworth de que nascem frequentemente novos movimen-
de paisagem. tos na história da arte. Monet fora sempre o membro do
O momento perfeito do impressionismo que produziu o grupo que com menos reservas acreditava nas sensações vi-
Hampton Court de Si•sley, não podia, como outros pontos de suais e que menos era permeável às tradições da pintura. euro-
equiUbrlo da história da arte, manter-se por multo tempo. peia. Enquanto os seus companheiros era~ estudantes dedica-
Dez an.os mais tarde, os impressionistas e.tingiram a crise dos dos antigos mestres - tanto Monet como Cézanne fizeram
da visão natural, o ponto em que ou cai no lugar comum cópias admiráveis e Degas era talvez o melhor copista de
ou deixa de satisfazer as necessidades criadoras do artista. todos os tempos~ Monet nada encontrava no Louvre que
Oonstable dá-nos um exemplo clássico desta crise. O seu lhe interessasse. 1Só lá ia quando a isso era forçado por
naturalismo, que dependia da sua tranquilidade pessoal, dúrou Renoir, que não via razão para não oontlnuar a tradição de
dez anos-desde o seu casamento até à doença da mulher. Watteau e Fragonard com bastante pericia e aplicação. Re-
Antes do casamento a sua reacção à natureza era enfraque- noi.r tinha .grande habilidade, como podemos ver nos seus
cida por um sentido de frustração; depois da sua morte desce primeiros retratos, e a aprendizagem como pintor de po11Ce-
sobre o seu espírito uma negra inquietação e os seus quadros lana proporcionou-lhe uma técnica fresca e brilhante. Nem
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PAISAGEM NA ARTE A VISÃO NATURAL

as cores baças, nem as sombras escuras, são possiveis na mava Monet. Ora Renoir não tinha visto Turner nem Cons-
pintura da porcelana. Renoi,r estava a princípio demasiado table e por isso estou inclinado a pensar que esta fase
absoI!Vido no século xvm para se associar à franca aproxi- crucial do impressionismo era independente da influência
mação da natureza. As suas primeiras paisagens são mais Inglesa. Mas tais questões são altamente especulativas e
como Dla!i: do que .como Daubigny. MaB em 1869 começou talvez sejam artlficiais pois as ideias são como aquelas minús-
a traba,1har com Monet sobre o mesmo motivo, e desta união culas sementes que são levadas suavemente pelo vento atra-
nasceu o impressionismo. Monet contribuiu com a sua com- vés do oceano pa:cifi-co e criam raízes nos solos mais tinpre-
pleta confiança na natureza tal como era vista, e com a sua vl.siveis.
notável compreensão do tom, enquanto Renoir contribuiu Nos quadros de Monet e Renoir pintados em Argenteuil,
com a sua técnica brilhante e com a sua paleta de arco-íris. entre 1871 e 1874, a pintura da sensação produziu os seus
O assunto que os uniu foi o .brilho e a reflexão da luz na frutos mais perfeitos. Mostram uma incondi-cional satisfação
água. O café de La Grenouillêre à beira do rio é o local no mundo visível e uma crença igualmente incondicional de
de nascimento do Impressionismo. que só a nova técnica é que a pode produzir. Este equilibrlo
Em 1870, a guerra Franco-Prussiana interrompeu tempo- entre o assunto, a visão e a técnica é tão perfeito que não
ràriamente esta associação. Monet, Pissarro e Sisley refugia- só cativou os espíritos simpatizantes de Sisley e Pissarro
ram-se na Inglaterra; Renoir alistou-se na miJlic.ia e per- como se impos a pintores a que era completamente alheio.
maneceu em França. Manet, por exemrplo, cujo tipo de sensibilidade ao tom e à
Foi na Inglaterra, como vimos, que Plssarro e Sisley pin- cor era semelhante ao de Goya, ou mesmo mais sombrio,
taram os seus quadros mais completamente «naturais>, mas foi tentado a experimentar pintar no estilo de ArgenteuU.
isso é mera coincidência. A guerra e a Comuna coincidiram Até mesmo Gauguin e Van Gogh que haviam de destruir
com a etapa naturalista do seu desenvolvimento, e a Ingla- o impressionismo, pintaram neste estilo alguns dos seus mais
terra, como Monet compreendeu mais tarde, é um cenário belos quadros.
mais para a pintura romântica do que naturallsta. Não pare- Há poucas coisas mais repousantes na arte do que a
cem ter-se interessado por Constable, cuja obra gozava nessa satisfação numa técnica recentemente adquirida. A excita-
altura de pouca -consideração, e cujos esboços não eram ção com que os impressionistas conquistaram a representa-·
ainda visíveis. Sabemos através das cartas de Pissarro que ção da luz pelo uso da paleta de cores puras, é semelhante
se sentiram impressionados por Turner. Mas devemo-::Oos à excitação com que os florentinos do século xv conquista-
lembrar mais uma vez que só viram os grandes quadros de ram a representação do mOIVimento pela illuêncla da linha.
Turner e que multas das obras a que hoje damos mais Mas a arte, que depende demasiado da alegria da descoberta,
valor, como Estrela da Tard!e só em 1906 foram retiradas das declina inevitàvelmente quando a técni-ca é -dominada. No
arrecadações da Natlonal Gaàlery. Quando Monet regressou decorrer da vida - de trabalho - de Flllppino Lippi, o estilo
a França em 1871 e mais uma vez começou a pintar com
Renoir, a sua paleta tornara-se mais bril.ihante, e o mesmo r do Quattroceinto degenerou no maneirismo. Por meados da
década de 1880, tinha passado o grande momento do impres-
acontecera com a de Renoir. Uma comparação dos quadros 1 sionismo. Primeiro Renolr e Monct tentar= manter a sua
que pintaram juntos em Argentcuil mostra que Monet dá ex,citação escolhendo temas cada vez mais brilhantes. Renoir
ainda o brilho por contraste entre o claro e o escuro, enquanto pintava jardins que lhe punham o problema adicional das
Renoir dissolve toda a cena em pequenas pinceladas de cores brilhantes cores locais e Manet pintava marinhas que tinham
puras e perde assim algo da segurança do tom por que prl- a :luz mais intensa que pode ser representada na tela. Mais

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tarde deslocou-se para a !Riviera francesa, e aí, com a luz Numa tentativa para as tornar veiculos da luz, Monet ora as
solar extraordinàriamente intensa que até então tinha sido pintava rosadas, ora cor de malva, ora cor de laranja; e é
impossível pintar, não só as formas como os tons se dHisol- evidente que, até mesmo ele, com a marav1lhosa capacidade
veram em incandescência (Grav. 79). Era a crise da pintura de ver as cores complementares de uma sombra, não podia
da sensação, e cada membro do grupo reagiu de uma forma acreditar que as catedrais se assemelhassem a um gelado a
diferente. Renoir, com a sua visão fundamentalmente clás- derreter. Nestes quadros o impressionismo a:fastara-se tanto
sica, inspirou-se na pintura antiga de Nápoles e nos fre8COS da visão natural de que surgiu e tornara-se tão abstracto
de !Rafael do Vaticano para retomar a firmeza de traçado, como O pitoresco de Gilpin. A cor ar,bitrárla das catedrais
e daí em diante desistiu inteiramente da pintura da paisa- é muito menos bela do que a cor fielmente i,epresentada dos
gem naturalista. P.issarro, que sempre se Interessara mais quadros de Argenteuil; e a base dlaléctlca com que foi pin-
do que os outros pela com,po.sição arquitectónlca do.s seus tada evitou que Monet se abandonasse, como Turner, a
quadro.s, aderiu ao regresso à ordem, que é o assunto do fantasias poéticas ou harmonias musicais da cor como o
próximo capitulo. Sisley, que sempre fora o menos intelec- Interior em Pmworth. Se a decadência em todas as 11.rt~sse
tual e autocrítico do g:rupo, continuou a pintar da mesma manifesta na promoção dos meios a fins, as úlltimas obras
maneira cada vez com menor convicção. Os seus Wtimos de Monet podem ser citadas como exemplo.s de compêndio. .
quadros são uma indioo.ção de que não é sll!fi,clente a simples o impressionismo é um episódio curto e limitado da his-
percepção da natureza. tória da arte e hã multo que deixou de ter qualquer relação
Foi Monet, o verdadeiro inventor do impressionismo, que com O espirito criador da nossa época. Podemos portanto
teve a coragem de levar as suas doutrinas até às últimas avaliar agora, com alguma imparcialidade, os ganlhos e as
consequências. Não contente com o brilho da paisagem da perdas deste movimento.
!Riviera, tentou provar que o objecto pintado não tinha impor- Um dos ganhos foi a conquista da luz. Desde que Leonardo
tância e que o único tema verdadeiro era a sensação de •luz. da Vinci tentou realizar cientificamente o relevo por melo
Disse a um seu discipulo americano que «desejaria ter ~as- de sombras escuras, os quadros sempre tiveram a tendência
cido cego e ter ganho a vista repentinamente de forma a de serem zonas escuras da parede. Os que visitaram a Galeri-a .
, que pudesse começar a pintar sem saber o que eram os de Nápoles, lembrar-se-ão com que alivio,. depois de atraves-
objectos que via na sua frente». l!: a ma1.s extremista e mais sarem três séculos e cerca de trinta salas de pinturas escuras,
absurda declaração de estética sensorial. Na realidade a téc- se chega às saJlas da pintura antiga com um tom ainda fre.sco
nica de Monet tornou-o particularmente dependente da natu- e alegre. Esta pintura é apenas trabalho de artiflces, muito
reza dos temas, e estes eram limitados. Apenas o sol sobre a mais pdbres em execução do que as grandes telas de Rlbera
Agua ou o sol sobre a neve podiam servir inteiramente a visão e Stanzione, mas são um prazer para a vista. O impressio-
prismâtlca e a pincelada brilhante. Em tal pintura, Monet nismo reconquistou este tom (1). Sentimo~nos gratos pelos
não tem igual. Mas para provar o seu ponto de vista, esco- quad-ros que temos nas nossas paredes ( e claro que é ai que
.Jheu para teme. das suas experiências catedrais e medas de os quadros devem estar, e não nas paredes dos museus)
feno. Sem dúvida que o fez intencionalmente, para mostrar serem agradáveis não só pelo que neles obserive.mos como
que as mais trabalhadas e as mais informes obras do homem,
tinham -plctôricamente a mesma Importância para o pintor
( 1) N & verdade toi 'l'urner o primeiro & reeonquillt&r & luz ( ver Plli'•
da auz. Mas a escolha, especialmente a de catedrais, foi desas-
126) m818 08 80118dlsclpulos niio o compreenderam, e, t&I como disse &trAa
trosa, porque as cinzentas fachadas góticas não brilham. ã difícil dizer 88 influenciou ou não o Impressionismo.
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pela sua função decorativa. Esta valorização do tom estA tas vezes não sabalm como conseguiriam comer a refeição se-
ligada à Hbertaçã.o final da Juz. Se lermos aqullo que Ingres, ,gulnte. Contudo a sua pintura está cheia de uma confiança
Gleyre, Gérome e os outros grandes professores do sécu:lo XIX completa na natureza e na natureza humana. Tudo o que
disseram da cor, poderemos supor que se trata de uma forma vêem existe para sua satisfação, mesmo as cheias e o nevoeiro.
particularmente perigosa e vergonhosa de vicio. Esta foi Sessenta anos passados pode parecer-nos que esta con-
uma reacção da filosofia idealista que mantinha que a forma fiança no mundo fislco era uma fraqueza fundamental. A arte
era uma função do Intelecto enquanto que a cor era uma ,reJaclona-se com todo o nosso ser, o nosso conhecimento,
função dos sentidos. Esta oplnião era fllosõficamente incor- as nossas recordações, as nossas associações. Limitar a pin-
recta e foi durante séculos um obstáculo real à li-herdade tura a sensações puramente visuais é aflorar apenas a super-
e sinceridade de expressão. Com o seu abandono o esp!,rlto ficle do nosso espírito. No fim de contas talvez esteja certa
humano conquistou uma nova liberdade. O impressionismo a doutrina idealista, somos mais impressionados por concei-
deu-nos algo que sempre tem sido um dos grandes objectlvoa tos do que por sensações, como o demonstrará qualquer dese-
da arte: o alargamento do nosso campo de visão. Devemos nho infantil. A suprema cr.iação da arte é a Imagem com-
muito do nosso prazer em olharmos para o mundo, aos gran- pulsiva. Uma imagem é uma «coisa>, e o lmpression1smo
des artistas que olharam para ele antes de nós. No século xvu1 tinha por objectlvo abolir as coisas; na pintura, as imagens
os nobres andavam com um instrumento chamado «vidro mais simples e mais duradouras são coisas contornadas por
de Claude> para poderem ver a paisagem com o tom dou- 1lnh0;s, e o impressionismo aboliu a llinhe..
l raido de um quadro de Claude, ou antes do verniz de um Isto é apenas a maneira de dizer em termos pictóricos
quadro de Claude. Os Impressionistas fizeram exactamente que O Impressionismo não se dir.ige à imaginação. Nã.o lhe
o contrário. Ensinaram-nos a ver a cor nas sombras. Todos podemos chamar a arte do materialismo pois esta palavra
os dias nos detemos para olhar com prazer para algum traz demasiadas Implicações; mas também lhe não ;podemos
efeito de luz que de outra maneira teriamos ignorado. o tm- chamar pagã (como muitos criticos o fizeram) pois o paga-
presslo~smo realizou algo mais do que um avanço técn1co, nismo subentende a .ideia de remotas superstições campes-
exprimiu uma posição ética, rea,J e vallosa. Como observou tres, festivais de Primavera e ritos dionisía,cos. O paga-
multo justamente o conde de Neuwerkerke, era uma pintura nismo contém precisamente o elemento de magia que falta
de democratas. O impressionismo é a expressão perfeita do e.o 1mpression1smo. ln este o preço que temos de pagar peJa
humanismo democrático, da vida agradável que até recente- fellcidaide do momento presente em que se fundamentou.
mente se considerava estar ao alcance de todos. ln uma
crença de que os quadros de Bonnard e os primeiros filmes
de René Olalr foram talvez os últimos expoentes. Que pra-
zeres podiam ser mals simples e mals eternos do que os
retratados no Almoço dw Bwrqueiros de Renoir; que Ima-
gens de um paraiso poderiam ser mais persuasivas do que
as velas brancas dos estuários de Monet, ou as rosas no
jardim de Renoir? Estes quadros provam que o que inte-
ressa na arte é a crença predominante e não as circunstân-
cias do artista individual. Os homens que os pintaram eram
mlseràvelmente pobres e as suas cartas mostram-nos que mui-
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