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Mercados de bem-estar: navegando pela saúde

e cura na África
O mercado da cura e a elasticidade da crença: pluralismo médico em Mpumalanga, África do Sul
Robert Thornton

Neste ensaio pretendo falar sobre o capítulo seis da obra “Mercados de bem-estar: navegando pela saúde
e cura na África”, que aborda o tema na África do Sul, mais precisamente na província de Mpumalanga.
Saúde e cura são domínios distintos no que diz respeito à busca do bem-estar das populações. Na África,
ambos os campos estão cada vez mais sujeitos à monetização e à mercantilização, ou seja, ao
mercado. Com base em trabalho de campo em 9 diferentes regiões africanas, esta obra apresenta-nos
diferentes perspetivas sobre os mercados emergentes e de que forma as equipas medicas, pacientes,
famílias e instituições os navegam em busca do bem-estar.

Primeiramente é essencial ter em conta a importância dos conceitos de mercado e cura, é por isso nos
apresentada uma definição de mercado como um espaço social onde curandeiros disponibilizam uma
diversidade de medicamentos e terapias para potenciais clientes que acabam por adquirir esses produtos
como cura e proteção contra sofrimento, doenças, pobreza, etc. No entanto, o valor destes produtos no
mercado vai depender da crença do cliente em relação à terapia. Acabando, assim, por existir uma divisão
entre dois mercados, o mercado para a cura e o mercado para a crença. Sendo a crença condicionada pela
eficácia da cura e vice-versa, ou seja, a qualidade da cura influenciada pela qualidade da crença.

O mercado para a cura não é considerado um mercado económico, pois o critério de escolha dos produtos
não é feito com base em racionalidade económica, mas sim na crença de uma boa eficácia das funções das
terapias. Dentro deste mercado as terapias não são escolhidas com base no preço pois as que são
oferecidas são de autoria de praticantes específicos, onde ninguém é forçado a fazer nada, não existe
regularização formal e questões políticas não interferem. Isto é os preços para os serviços de cura
prestados por estes curandeiros e praticantes não obedecem a nenhuma racionalidade económica e como
os clientes nunca têm conhecimento garantido sobre a eficácia dos serviços, acabam por se apoiar na
crença que possuem sobre essa eficácia.

Agora falando em cura, quando nos referimos a ela podemos falar sobre diversas coisas, pois diferentes
corpos e individuos apresentam uma capacidade diferente para se curar, em alguns casos a cura pode
resultar na eliminação ou estabilidade da doença e em outros apenas tornar o sofrimento e dor mais
suportável. Da mesma maneira que diferentes pessoas recorrem a formas distintas para se curar, desde
rituais a medicação.

Como referido anteriormente, este capítulo da obra aborda-nos o tema na África do Sul e é sobre a
pesquisa etnográfica realizada no município de Umjindi na província de Mpumalanga, mais precisamente
no centro administrativo e histórico do município, Barberton que vou falar a partir de agora.
Barberton é uma pequena cidade localizada em uma zona montanhosa, pelo que a sua forma de
subsistência nos dias de hoje é sobretudo agricultura, escavações mineiras, silvicultura como outras
indústrias. A população é bastante vasta desde caucasianos, a africanos, indianos e asiáticos, sendo a
maioria cristã. O nível de vida é relativamente melhor comparado com a maioria dos países africanos e
países mais pobres da europa, sendo o crescimento económico parcialmente legal, através das lojas
pertencentes a emigrantes chineses e indianos, o restante provem de escavações mineiras ilegais e tráfico
de cigarros e marijuana. Contudo, a prevalência de doenças como sida e tuberculose apresenta uma das
taxas mais elevadas do mundo, obesidade e diabetes também é bastante comum. Já doenças como malaria
são pouco usais.
Associada à diversidade social e cultural existe também uma grande diversidade de tratamentos e
sistemas de cura para as demais doenças e enfermidades que atingem as pessoas do município.
Temos o exemplo do Doutor Mukasa que é dono de uma loja em Barberton. Os seus principais serviços
incluem o tratamento para a gonorreia e tuberculose, proteção em processos judiciais, trazer de volta
amores perdidos e aumento do tamanho do pénis. Estes serviços encontram-se interligados e representam
o que aflige principalmente a população da cidade, nomeadamente, a proteção em processos judiciais que
é oferecida tem a ver com a violência decorrente do amor perdido, assim como a gonorreia e o aumento
do tamanho do pénis são questões do complexo sexual.

Na cidade, existe a possibilidade de consultar vários curandeiros como o Doutor Mukasa, alguns médicos
ou até mesmo sangomas que são um tipo de curandeiro tradicional da áfrica do sul. À disponibilidade dos
cidadãos está também uma diversidade de outros serviços médicos que incluem psicólogos, dentistas,
homeopatas, entre outros. Estes sangomas apresentam uma característica que os distingue dos restantes
curandeiros, que é o facto de serem simultaneamente curandeiros e feiticeiros, isto é, tanto podem fazer
bem como mal, através do muti. As igrejas existentes no município também desenvolvem um papel
importante na manutenção do bem-estar da população, na medida em que a maioria delas oferece serviços
de cura de diversos tipos, assim como as farmácias que vendem uma vasta quantidade de medicamentos
naturais e tradicionais. Entre estes produtos encontramos cristais de sulfato de cobre e alguns óleos que
são utilizados pelos sangomas nas suas terapias, ervas medicinais (equinácea), entre outros. São ainda
vendidos produtos tradicionais chineses e indianos e medicamentos holandeses.

Apesar de existir uma grande quantidade de serviços e opções neste mercado para a cura, nem todos têm
somente a finalidade da cura, mas também a da proteção pois como as doenças são enviadas para as
pessoas através de outras influências, estar a curá-las é assim estar a protege-las dessas influências, logo
cura é proteção e vice-versa.

Entrando numa outra fase do capítulo o autor vai contar-nos como uma das suas colaboradoras, Susan
explora as opções existentes no mercado local para a cura após ter ficado doente em Barberton. Ela
decidiu começar por recorrer a curandeiros tradicionais, evitando clínicas e curandeiros cristãos.
Robert refere que ela estava particularmente preocupada pelo facto de ambos não terem realizado a pahla
(reconhecimento formal do espírito ao chama-lo, oferecendo-lhe algo) para um curandeiro local com o
qual haviam trabalhado e ter-se-ia suicidado. Ela acreditava que o seu estado poderia ser agravado pelo
facto de eles não terem realizado esta especie de ritual.
A saúde de Susan tinha vindo a degradar-se cada vez mais e passado um tempo Robert voltou à cidade
para assisti-la. Levou-a para o hospital local onde foi diagnosticada com tuberculose e sida. Sabe-se que
ela teria consultado alguns médicos e ter-se-á automedicado com produtos que adquiria através de outras
pessoas. Ao todo foram-lhe prescritos ou adquiridos para automedicação mais de 16 medicamentos,
incluído antibióticos específicos para o tratamento da tuberculose, produtos comerciais e à base de
plantas. Robert refere-nos que Susan suspeitava qual seria o seu diagnostico por isso evitou ser
hospitalizada e recorrer a clínicas, no entanto, foi o hospital local que lhe conseguiu salvar a vida através
de um diagnostico preciso e tratamento apropriado, mas ela recusou esta opção, continuando a recorrer a
métodos tradicionais e não tão eficazes.

Dentro do mercado para a cura existem contradições entre os diferentes sistemas de cura (nomeadamente
entre biomedicina e tratamento tradicional), no entanto, os individuos tentam procurar semelhanças entre
os mesmos, de forma a que seja possível navegar o mercado. Estas semelhanças tentam ser encontradas
através do princípio da similaridade e da complementaridade. No caso, apresentado, por exemplo Susan
foi capaz de recorrer à biomedicina e tratamentos tradicionais porque tentam ambos atuar no mesmo, mas
têm finalidades e resultados diferentes.

Como referido anteriormente, o mercado para a cura não é um mercado económico visto que os
julgamentos e decisões não são tomados com base em valor monetário, mas sim com base na crença. As
pessoas alteram as suas crenças para aceder ás terapias e abandonam-nas caso esta falhe, assim como, a
racionalidade económica do mercado muda a cada compra.
As pessoas tendem a procurar a cura, caso estejam doentes ou não, e até mesmo após estarem curadas
procuram-na. Ao recorrermos a um medico de biomedicina para um tratamento estamos a ser regulados e
burocraticamente controlados, pois a biomedicina tem um preço e resultados definidos. Logo,
encontramo-nos perante um mercado económico onde o poder político tem peso e instituições comandam.
Já no caso de outras formas de cura oferecidas, como por exemplo na cidade de Barberton, este não é o
caso. Os resultados das terapias não são conhecidos e a maioria das coisas é negociável, logo como a sua
eficácia acaba por nunca ser conhecida as pessoas tendem a apoiar-se na crença que detêm na mesma.
Todo o tipo de pessoas procura cura e proteção neste tipo de mercado, desde homens de negócios, chefes,
a cidadãos comuns. Entre esta população, os membros da Zion Church of Christ, uma das maiores igrejas
da África do Sul reúnem-se para abençoar uma celebração denominada de ummemo que é uma
celebração anual do chefe, na qual hoje em dia se revitaliza tradições suázi antigas. (suazis compõem o
principal grupo étnico de essuatini, no entanto, existe uma população suazi na áfrica do Sul que faz parte
da provincia de mpumalanga), no caso de Robert quando este se encontrava na cidade o unmemo ter-se-á
realizado no jardim do Chefe Kenneth. Perante esta ocasião os homens e mulheres apresentam-se de
maneira diferente, todos vestindo diferentes uniformes. O ummemo desempenha um papel importante na
retradicionalização da paisagem e da sociedade nesta área rural. Por sua vez, a retradicionalização
ocorrente desta celebração é um ponto de referência para a cura tradicional. Permite aos curandeiros
darem-se a conhecer melhor dentro do mundo da cura.

Para a população desta região a tradição também representa um papel importante. Utilizar pele de
macaco, contas laranja florescente, ou até mesmo pulseiras de pele de cabra sacrificada, é um sinonimo de
que se acredita na tradição e ao agir de acordo com os seus pressupostos manifesta-se o aumento do seu
poder. Por exemplo, esta pele de cabra é utilizada por mineiros jovens que trabalham ilegalmente como
forma de proteção dentro das minas ou para que os guardas não os avistem ao entrarem nelas.

As atividades económicas e a cura/proteção encontram-se ligadas de maneiras surpreendentes. A maioria


dos produtos utilizados por curandeiros provém de pequenas lojas indianas existentes em barberton, do
oceano indico como conchas, ou até mesmo tecidos que provem da India, Moçambique e Essuatani. Logo
as práticas dos curandeiros acabam por auxiliar na economia local, assim como, contribuir para a ligação
da mesma com a economia regional e global.

Concluindo, dentro dos sistemas médicos questões como: de que forma posso ter a certeza que estou
curado ou no que preciso de acreditar para acreditar que estou realmente curado, persistem.

Cura não é meramente condicionada aos estados biológicos e fisiológicos do organismo, mas aos estados
de crença que fornecem condições cognitivas e emocionais suficientes para acreditar que a cura é possível
e para avaliar os seus resultados. Com tanta variedade de tratamentos e práticas, o paciente deve ser capaz
de avaliar quais são os que lhe permitem realmente atingir o bem-estar e saúde pois existem diversos tipos
de doenças que têm impacto também diferente em cada um, sendo por isso importante para as pessoas
avaliar a eficácia de diversas terapias ao longo do tempo e escolher a mais apropriada para si, sendo que
na maioria dos casos não existe uma escolha ou opção correta.

Crença é tida como uma forma de curar a doença, caso esta seja realmente eficiente, isto acaba por ser a
principal questão que se procura responder, o que é necessário para uma crença ser eficiente ao ponto de
curar doenças. Neste caso, a força da crença de que uma cura ou terapia funcionara é considerada parte
integrante do poder da terapia e da sua força.
O preço das terapias varia relativamente pouco, porque é definido pela tradição, ou através de consenso
comum, mas principalmente pelo que os médicos cobram. No entanto, a crença é o fator que apresenta
mais variação e elasticidade, isto é a crença pode incorporar outras crenças ou até mesmo perder, no
entanto apesar de ser o fator com maior variação também apresenta limites. As crenças são transmitidas
através de rumores, rádios locais, experiências individuais e funcionam como um efeito placebo, em que
se as pessoas acreditarem que aquela medicação ou terapia vai ter algum efeito, ela acaba por tê-lo
independentemente de não possuir nenhum componente que permita isso acontecer, ou seja é a crença
que vai acabar por fazer a terapia funcionar como um todo.
efeito placebo- é o efeito observável sobre uma pessoa ou grupo, ao qual tenha sido
dado um tratamento placebo, ou seja, uma substância inerte, ou cirurgia ou terapia da
“mentira”, usada como controle em um paciente pelo seu possível ou provável efeito
benéfico, no entanto, não faz qualquer alteração no organismo.

Trabalho realizado por:


Maria Bento

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