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Tradução
Andréa Rocha
Capa
O demônio da garrafa
Créditos
Coleção Prosa do mundo
Redes sociais
Havia um homem da ilha do Havaí a quem vou chamar de Keawe; porque a verdade é que
ele ainda vive, e seu nome deve ser mantido em segredo; mas ele nasceu perto de Honaunau, onde
os ossos de Keawe, o Grande, permanecem escondidos numa caverna. Ele era um homem pobre,
corajoso e ativo, capaz de ler e escrever como um mestre; além disso, era excelente marinheiro,
tendo navegado por um tempo os navios a vapor da ilha e pilotado os baleeiros na costa de
Hamakua. Um dia, afinal, ocorreu a Keawe dar uma espiada no vasto mundo e nas cidades
estrangeiras, e ele então embarcou num navio com destino a San Francisco.
Trata-se de uma bela cidade, com um belo porto e um número incalculável de pessoas
abastadas; e há ali, em especial, uma colina coberta de palacetes. Certo dia, Keawe caminhava por
essa colina com os bolsos cheios de dinheiro, contemplando com prazer as mansões à sua volta.
“Como são belas essas casas!”, pensava, “e como devem ser felizes as pessoas que nelas habitam,
sem preocupações com o dia de amanhã!” Entretinha-se com esse pensamento quando se viu diante
de uma casa que não estava entre as maiores, mas era toda bem-acabada e enfeitada como um
bibelô; os degraus daquela casa brilhavam como prata, os contornos do jardim floresciam como
guirlandas de flores, as janelas resplandeciam como diamantes; Keawe então parou, maravilhado
diante da superioridade de tudo o que via. Ao parar, notou a presença de um homem que o encarava
através de uma janela tão límpida que Keawe podia vê-lo como se vê um peixe num lago natural
formado junto a um recife. Era um homem idoso, calvo e de barba preta; seu rosto estava carregado
de sofrimento, e ele suspirava com amargura. E a verdade é que, enquanto Keawe olhava para o
homem e o homem olhava para ele, um invejava o outro.
De repente, o homem sorriu, cumprimentou Keawe com a cabeça, acenou para que ele
entrasse e foi a seu encontro na porta da casa.
“Esta é uma bela casa de minha propriedade”, disse o homem, e mais uma vez suspirou
com amargura. “Não gostaria de conhecer os aposentos?”
Assim, ele conduziu Keawe por toda a casa, de cima a baixo, e não havia nada ali que não
fosse da melhor qualidade, o que deixou Keawe admirado.
“De fato”, disse Keawe, “é uma bela casa; se eu morasse num lugar como este, passaria o
dia inteiro sorrindo. Como é possível, então, que o senhor esteja se lastimando?”
“Não há razão”, disse o homem, “para que você não possua uma casa em todos os sentidos
semelhante a esta, ou ainda melhor, se desejar. Você deve ter algum dinheiro, eu imagino.”
1 Stevenson refere-se à peça The Bottle Imp [O demônio da garrafa], de R. B. Peake, que
esteve em cartaz em 1828 no Theatre Royal e foi protagonizada por Richard John Smith, conhecido
como Obi Smith. [N.E.]
2 No século XIX, o peso chileno era moeda corrente nas ilhas do Pacífico; seus habitantes
se referiam a ele como dólar do Chile. [N. T.]
3 Holoku: vestido longo usado até hoje pelas havaianas. Foi inspirado nos trajes ingleses
do início do século XIX e desenvolvido por influência dos missionários. [N. T.]
4 Lepra ou hanseníase. Os havaianos não possuem uma palavra para designar essa
enfermidade, e a expressão ma’i Pake significa literalmente “doença chinesa”. [N. E.]
5 Haole: modo como os havaianos se referiam aos estrangeiros brancos. [N. T.]
6 Kanaka: havaiano ou nativo das ilhas do Sul. [N. T.]
Concepção original da coleção: Augusto Massi, Davi Arrigucci Jr. e Samuel Titan Jr.
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Foto do autor: © Bettmann/corbis/Latinstock
Bônus:
O DEMÔNIO DA GARRAFA – (Lenda popular)
O DIABO NA GARRAFA
Demônio escaldado tem medo de água fria
Certo homem, que tinha todos os motivos do mundo para desconfiar da esposa, necessitou
viajar a um país distante. Preocupado com o que poderia acontecer durante sua ausência, pediu ao
demônio que vigiasse a mulher. O diabo concordou prontamente – e se transformou num serviçal.
A mulher, contudo, era muito esperta e percebeu que havia algo estranho naquele
empregado que fiscalizava todos os seus movimentos e lhe fazia as vontades com extrema rapidez.
Chamou, então, o demônio, e disse:
“Vejo que você é um empregado com dotes excepcionais, capaz de verdadeiros milagres...
Mas duvido que consiga fazer uma coisa...”.
O demônio, envaidecido, e querendo provar seu poder, respondeu:
“Posso fazer tudo o que a senhora me pedir – e muito mais”.
A mulher, aproveitando-se do exagerado amor-próprio do diabo, sugeriu, apontando para
uma garrafa vazia sobre a mesa:
“Pois duvido que você consiga entrar naquela garrafa”.
O capeta, sem perceber a arapuca, enfiou-se no vasilhame. E antes que ele pudesse escapar,
a mulher fechou a garrafa com uma rolha.
Nas semanas que se seguiram, a mulher desfrutou de sua liberdade como bem entendeu,
comprovando todas as desconfianças do marido. Quando este retornou de viagem, depois de ser
recebido com extremo carinho pela esposa, perguntou pelo empregado.
“Ah, meu amor”, respondeu a mulher, “um dia, não sei por qual motivo, ele ficou enfezado
e simplesmente partiu...”
E enquanto o marido pensava sobre o que poderia ter acontecido, ela completou: “Será que
não era o demônio? Veja só o cheiro de enxofre que ficou nesta casa desde que ele foi embora!”.
De fato, a casa fedia a alguma coisa que a mulher, de caso pensado, queimara sem que o
marido percebesse.
“Por que você não pega esta garrafa, vai à igreja e enche-a de água-benta? Depois jogamos
a água pelos cantos da casa e nos livramos desse cheiro do Inferno...”
O marido, que além de ciumento era um simplório de marca maior, obedeceu. Quando
chegou à igreja, aproximou-se da pia de água-benta e, tirando a rolha, começou a encher a garrafa.
Mas quando a primeira gota caiu sobre o demônio, este fez o vasilhame explodir – e, queimado
pela água-benta, disparou rumo ao Inferno para nunca mais voltar. O marido, sem nada entender,
ainda meio tonto por causa da explosão, voltou para casa. E, para alegria da esposa, continuou
viajando a trabalho – mas sem conseguir que o demônio aceitasse tomar conta de sua mulher.
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