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Resumo
Introdução
Para darmos início a este relato, que enfoca uma experiência de estágio em ambientes
não escolares, também conhecida como educação “não formal”, como denomina Gohn (2011)
sentimos a necessidade de apresentar elementos que concorram para a desconstrução da visão
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Doutora em Educação: Universidade Federal de São Carlos- UFSCar. Professora Adjunta da Universidade
Federal de Goiás- Regional Catalão (UFG\RC). E-mail: juliana.araujo@ufg.br
ISSN 2176-1396
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paradigmática que evoca a escola como único local para a educação. Assim como Gohn (2011),
entendemos que a educação não se resume à escolar, realizada na escola propriamente dita. Na
defesa dessa afirmação, destaca que:
Ao longo deste texto, são empregados os termos “educação não escolar” ou “educação
em ambientes não escolares” para fazer referência ao conjunto das práticas educativas que
ocorrem no campo social, fora da escola. Desse modo, é feita uma distinção entre educação
escolar, formal, e educação não escolar, não formal.
Destacamos que as duas disciplinas da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
oferecidas no último ano do curso de Licenciatura em Pedagogia, voltadas ao tema, são:
“Educação em ambientes não escolares” e “Estágio Supervisionado em Ambientes Não
Escolares”. A criação dessas disciplinas resulta de um processo tenso de
aproximação/concordância e distanciamento/negação em relação às estruturas e caminhos da
educação formal. Além disso, reflete uma demanda apresentada pelos movimentos sociais que,
no decorrer das últimas décadas do século XX, fazem uma releitura das dinâmicas sociais de
transformação. Os movimentos sociais, inegavelmente, acompanham o ritmo do mundo
cotidiano, que é mais ligeiro que o da escola, mais urgente. A relação entre movimento social
e educação consolida-se a partir das ações práticas de movimentos e grupos sociais. Realiza-se,
pois, na interação dos movimentos em contato com instituições educacionais (GOHN, 2011)
Essa relação pode ocorrer de duas formas: “na interação dos movimentos em contato com
instituições educacionais, e no interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo
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de suas ações” (GOHN, 2011, p. 334). Quanto ao modo como essa relação chega ou se apresenta
no meio acadêmico, tanto brasileiro quanto estrangeiro, Gohn (2011) afirma que:
Desenvolvimento
ao intenso processo de mudança iniciado ainda nas décadas finais do século XX permanece
como bastião da humanidade e do desenvolvimento humano.
Em nosso relato nos voltaremos a pensar a partir de nossa experiência no estágio que
ocorreu em uma Organização Não governamental (ONG). O termo ONG começou a ser
utilizado na década de 1940, pela Organização das Nações Unidas (ONU), para designar
entidades executoras de projetos humanitários ou de interesse público. No Brasil, a expressão
referia-se principalmente às organizações de cooperação internacional, formadas por igrejas,
católicas e protestantes; organizações de solidariedade; ou governos de vários países. Em um
primeiro momento, essas organizações priorizavam a ajuda às organizações e movimentos
sociais nos países do Sul, com o intuito de consolidar a Democracia. (ASSUMPÇÃO, 1993;
VIEIRA, 2001). O fortalecimento das ONGs efetivou-se, conforme explica Gohn (2011),
quando elas passaram a ser relevantes no cenário do associativismo nacional, já que, articuladas
com empresas, bancos, redes do comércio e da indústria, ou por artistas famosos, começaram a
realizar os projetos junto à população, em parcerias firmadas com o Estado.
Essas características podem ser utilizadas para compreensão do Espaço Cultural “Nossa
Biblioteca” (ECNB), que se localiza no Guamá, bairro da periferia de Belém, no estado do Pará,
que possui quase 100 mil habitantes. É aberta ao público geral, geralmente moradores do bairro.
Nela, o vocabulário empregado pelos profissionais, fixos e voluntários, que atuam na ECNB,
reforça termos como "protagonismo", "compromisso social" ou "responsabilidade social". No
discurso sobre o espaço, perpetua-se a história de luta pelas conquistas do lugar, ocorridas a
reboque dos movimentos sociais, por meio das quais o Guamá e o próprio ECNB fortaleceram-
se enquanto comunidade, constituindo uma identidade muito própria e bem delineada dentro da
cidade de Belém. As ONGs têm sido a ferramenta utilizada para articulação do bairro com a
universidade, com o poder público e com o meio empresarial local, no propósito de sanar
algumas de suas muitas precariedades. É pela pressão, resistência e cultura que a população
busca condições de vida mais condizentes com seus direitos. Procuram, também, a ampliação
de espaços de lazer (pois possui uma única praça), de saúde (há um pronto socorro apenas), e
escolas, além de incrementar o sistema de segurança, que é ineficaz. O elevado número de
habitantes do bairro engloba grande diversidade de pessoas, com múltiplas origens e trajetórias.
O bairro é alvo de preconceitos e depreciações em razão de sua fama de violência e
criminalidade. Diante disso, suas lideranças e moradores possuem uma grande preocupação
com a formação sociocultural dos habitantes da localidade, sobretudo os mais jovens e isso
potencializa sua união na manutenção das atividades da ECNB voltadas à formação de
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instrumentaliza, tampouco prepara para a atuação fora da escola. Na entretela entre ideal e real,
expectativa e concretude, as ações do estágio no Guamá foram essenciais para insurgir no grupo
de alunos a necessidade de uma reflexão crítica que pautasse a busca por um perfil mais possível
de pedagogo.
Percebemos durante o tempo em que estivemos por lá que mesmo a organização das
tarefas tidas como as mais simples, como a estruturação de círculos de leitura, dos horários da
brinquedoteca, ou o repertório para a Educação Popular, mostraram requerer uma base
formativa que não propunha a escolarização dos grupos sociais frequentadores do espaço. O
desenho curricular, os tempos-aula, as hierarquias compõem uma armadura difícil de ser
abandonada por isso as expectativas positivas em relação à presença do pedagogo no lugar
foram se delineando a partir do perfil histórico do professor. Coletivamente com as profissionais
da ONG, foram vivenciadas grandes dificuldades em definir funções, tais como
acompanhamento das atividades (roteiros, bases, conceitos, objetivos) e visualização de uma
formação básica para mediadores de leitura, na maioria voluntários. Isso comprovou que não
estão claros os papéis do pedagogo nos espaços educativos não escolares, o que dificulta para
a universidade pensar essa formação. Isso ficou claro em diversos momentos, em que
percebíamos uma expectativa irreal em relação às estagiárias. A aposta era que elas iriam
estruturar, no papel e fora dele, todo o funcionamento do espaço, desde a proposta, passando
pelas metodologias, até os objetivos de todas as atividades. Muito dessa pressão se explicou
pelo fato da ONG estar constantemente pressionada pelo universo de editais e concorrências,
muitos promovidos por grandes fundações para patrocinar e prover de verbas as iniciativas. Alí,
ganhar um edital é tarefa com sentido de sobrevivência, sendo o maior desafio defender e
fundamentar em texto metas e objetivos da ECNB. Esse tipo de escrita mostrou-se algo
desconhecido para as alunas, distante das ações cotidianas de professores da educação básica e
de sua formação.
Ao longo de todo o percurso, mesmo com o auxílio da disciplina temática, sentimos a
fragilidade de leituras e saberes na dimensão da Educação Popular. Constatamos, então, a
necessidade que a universidade e o curso de Pedagogia têm de avançar no diálogo com outras
instituições, que não unicamente a escola, para desconstrução dessa visão que perpetua de que
o pedagogo é professor da e na escola. Para Freire (1983), o conflito derivado da ampliação da
concepção de educação e educadores é benéfico, visto que promove uma “mudança de
percepção, que se dá na problematização de uma realidade concreta, no entrechoque de suas
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contradições, implica um novo enfrentamento do homem com sua realidade” (FREIRE, 1983,
p. 60).
Das atividades realizadas e que foram bem avaliadas pelo grupo e pelas pedagogas da
ECNB, destacamos a mediação de leitura e a contação de histórias para as crianças. Essas
atividades tinham como responsável a mediadora do espaço e como auxiliar uma estagiária. A
mediação é uma leitura, feita por um adulto, de um livro curto, com boas ilustrações, na qual
há interações para construção de sentido e significado. Já a contação é um ato mais objetivo,
que transmite a história do livro, preferencialmente, com objetos e outros recursos. Trata-se de
um processo similar ao do brinquedo simbólico, em que a criança utiliza-se da imaginação para
representar uma ideia. A execução dessas atividades sempre foi tranquila, e não expressava as
tensões vividas durante o planejamento das mesmas, período sempre marcado por dificuldades
de articulação e consenso entre alunos, professores e profissionais do espaço. Entendemos essa
territorialização como uma expressão do alheamento da universidade, histórico por sinal; como
uma defesa das pedagogas da ONG na posse de um saber cotidiano proveniente da experiência
como "educadoras sociais"; e receio de mostrar meandros da construção desse repertório. Esse
afastamento também reforça a hipótese de que não estava clara a base de conhecimentos
necessários ao pedagogo ou quem desempenhasse esse papel. No caso, o pedagogo era “rei em
terra de ninguém”.
A escolha das leituras, dos livros a serem lidos nos círculos de leitura ou na mediação,
foi atividade desenvolvida para aproximar o grupo das alunas e professora da UEPA do grupo
das profissionais da ECNB. e estabelece a ONG.
Considerações
inicial, apresentam-se quando vividas em uma situação de estágio fora da escola. Entendemos
que essas dimensões impactam profundamente, como um choque de realidade ainda mais agudo
do que o que caracteriza a inserção profissional nas escolas, e como a descoberta de
possibilidades que a academia não consegue apresentar. Consideramos que esses impactos
geraram aprendizagens difusas, experienciais e pessoais. Entretanto, nos distanciarmos da
formalidade escolar, é algo complexo, pois obriga a considerar o contexto em que se realiza
para atender as necessidades apresentadas pelo público atendido, que passam ao largo do
currículo oficial. O tempo e a rigidez burocrática do estágio supervisionado constituem outra
barreira, já que os tempos nem sempre se ajustam em horas-aula. A partir da experiência
exposta, foi possível percebermos que, apesar de terem indiscutível importância na promoção
do saber, da ética e da cultura em uma localidade, os espaços educativos não escolares têm seus
próprios dilemas e problemas, a serem ponderados e resolvidos, assim como os da escola e da
universidade. A aproximação entre esses agentes é complexa, mas possível e absolutamente
necessária para a educação em sua acepção maior.
O estágio supervisionado em ambientes não escolares concorreu em alto grau para com
o pressuposto da indissociabilidade entre teoria e prática, cuja transcendência é dada pela
pesquisa. A experiência originou diversas produções, já apresentadas na Jornada de Estágio,
que ocorre na universidade, assim como o texto que ora se apresenta, contribuindo para
ampliação do debate/socialização junto aos pares. No mais, espera-se que outros trabalhos
possam adensar este debate, dele surgindo novos embates e, logo, avanço, retrocesso, e,
principalmente, aprendizagens.
REFERÊNCIAS
TRILLA, Jaume; GHANEM, Elie; ARANTES, Valéria Amorim. Educação formal e não
formal: pontos e contrapontos. 1.ed. São Paulo: Summus, 2008.