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O ESTÁGIO EM AMBIENTES NÃO ESCOLARES NA FORMAÇÃO

INICIAL DE PROFESSORES: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Juliana P. de Araújo1 - UFG\RC

Eixo – Formação de professores


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O estágio supervisionado é atividade fundamental e obrigatória nos cursos de licenciatura.


Predominantemente, ele é realizado em escolas da Educação Básica, desde a educação infantil
até o ensino médio e em suma tem como objetivo a realização de um exercício de aproximação
em relação ao espaço escolar e em relação a própria profissão docente. Em razão da dificuldade
em estabelecer um modelo de formação inicial que atenda às múltiplas demandas da carreira na
dimensão “escolar” é compreensível que uma minoria de cursos de licenciatura atente para as
demandas projetadas pelos processos educativos que ocorrem fora das salas de aulas formais
como aquelas desenvolvidas nas empresas, nas organizações não governamentais (ONGs), nos
hospitais etc. São espaços que, de certo modo, acionam a busca por um perfil profissional mais
flexível. Na Universidade do Estado do Pará o curso de pedagogia tem buscado responder ou
pelo menos sensibilizar para estas demandas que são lidas como demandas que devem compor
a base formativa dos pedagogos e para isso investe na realização de estágios em ambientes não
escolares subsidiados pela disciplina “educação em ambientes não escolares”. Neste artigo
objetivamos socializar um pouco de uma experiência conformada nesta perspectiva já que como
formadores de professores desejamos contribuir com a discussão maior sobre a própria
formação do pedagogo. Neste sentido apresentamos um pouco da discussão sobre o estágio e a
educação em ambientes não escolares, o percurso da disciplina que enfoca no curso de
pedagogia esta relação e alguns apontamentos que nos amparam em defesa de sua continuidade.

Palavras-chave: Estágio. Ambientes não escolares. Pedagogia.

Introdução

Para darmos início a este relato, que enfoca uma experiência de estágio em ambientes
não escolares, também conhecida como educação “não formal”, como denomina Gohn (2011)
sentimos a necessidade de apresentar elementos que concorram para a desconstrução da visão

1
Doutora em Educação: Universidade Federal de São Carlos- UFSCar. Professora Adjunta da Universidade
Federal de Goiás- Regional Catalão (UFG\RC). E-mail: juliana.araujo@ufg.br

ISSN 2176-1396
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paradigmática que evoca a escola como único local para a educação. Assim como Gohn (2011),
entendemos que a educação não se resume à escolar, realizada na escola propriamente dita. Na
defesa dessa afirmação, destaca que:

Há aprendizagens e produção de saberes em outros espaços, aqui denominados de


educação não formal. Portanto, trabalha-se com uma concepção ampla de educação.
Um dos exemplos de outros espaços educativos é a participação social em
movimentos e ações coletivas, o que era aprendizagens e saberes. (GOHN, 2011,
p.333)

Mesmo sendo crescentemente utilizada por Organizações Não Governamentais


(ONGs), movimentos sociais, sindicatos, associações comunitárias, ou por toda organização
que tenha em vista a formação do indivíduo, a educação não formal é um campo de estudo
pouco valorizado e ainda desconhecido. Para Gohn (2006):

A educação não-formal designa um processo com várias dimensões tais como: a


aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação
dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou
desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que
capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para
a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que
possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de
compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela
mídia, em especial a eletrônica etc. Em suma, consideramos a educação não-formal
como um dos núcleos básicos de uma Pedagogia Social. (GOHN, 2006, p. 2)

A questão que se apresenta é que, em razão de uma formação de base positivista,


afincada e fortalecida por uma pedagogia social, a tarefa de dar objetivos claros à educação não
formal mostra-se complexa. Os objetivos dessa educação são construídos de forma interativa e
cotidiana, e têm como meta a transmissão de informação, assim como a formação política e
sociocultural. O que deriva da educação não formal é uma série de processos, dentre os quais
estão a consciência e organização para agir no coletivo; concepção e reconstrução de percepção
de si e de mundo; e formação para as adversidades, muito mais que para o mercado de trabalho.
(GOHN, 2006). Gadotti (2005) também discute a questão da educação não formal e instiga a
considerar o impacto da categoria espaço nessa atividade, considerando-a tão importante quanto
a categoria tempo. Para ele,

O tempo da aprendizagem na educação não formal é flexível, respeitando as


diferenças e as capacidades de cada um, de cada uma. Uma das características da
educação não formal é a sua flexibilidade, tanto em relação ao tempo, quanto em
relação à criação e recriação dos seus múltiplos espaços. (GADOTTI, 2005, p. 2)
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Ressaltamos que a existência de uma maniqueização ou polarização da educação,


assentada no eixo do formal e do não formal, implica na construção de locais mais ou menos
educativos e não educativos, escolares e não escolares, que pouco se alinham ao presente, tão
múltiplo e global em tempos, sujeitos e práticas. Essas construções, no senso comum e no
cotidiano produzem uma educação crivada por distinções, que, no seio da sociedade, propiciam
a supervalorização da educação formal, que compreende “o sistema educacional altamente
institucionalizado, cronologicamente graduado e hierarquicamente estruturado que vai dos
primeiros anos da escola primária até os últimos da universidade” (TRILLA; GHANEM;
ARANTES, 2008) e uma desvalorização da educação não formal. Ressaltemos que a educação
não formal envolve:

Toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema


oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da
população, tanto adultos como infantis”; e a educação informal, “um processo, que
dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos
habilidades, atitudes e modos de discernimentos por meio das experiências diárias e
de sua relação com o meio.” (COOMBS, 1975 apud TRILLA; GHANEM;
ARANTES, 2008, p. 33)

Ao longo deste texto, são empregados os termos “educação não escolar” ou “educação
em ambientes não escolares” para fazer referência ao conjunto das práticas educativas que
ocorrem no campo social, fora da escola. Desse modo, é feita uma distinção entre educação
escolar, formal, e educação não escolar, não formal.
Destacamos que as duas disciplinas da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
oferecidas no último ano do curso de Licenciatura em Pedagogia, voltadas ao tema, são:
“Educação em ambientes não escolares” e “Estágio Supervisionado em Ambientes Não
Escolares”. A criação dessas disciplinas resulta de um processo tenso de
aproximação/concordância e distanciamento/negação em relação às estruturas e caminhos da
educação formal. Além disso, reflete uma demanda apresentada pelos movimentos sociais que,
no decorrer das últimas décadas do século XX, fazem uma releitura das dinâmicas sociais de
transformação. Os movimentos sociais, inegavelmente, acompanham o ritmo do mundo
cotidiano, que é mais ligeiro que o da escola, mais urgente. A relação entre movimento social
e educação consolida-se a partir das ações práticas de movimentos e grupos sociais. Realiza-se,
pois, na interação dos movimentos em contato com instituições educacionais (GOHN, 2011)
Essa relação pode ocorrer de duas formas: “na interação dos movimentos em contato com
instituições educacionais, e no interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo
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de suas ações” (GOHN, 2011, p. 334). Quanto ao modo como essa relação chega ou se apresenta
no meio acadêmico, tanto brasileiro quanto estrangeiro, Gohn (2011) afirma que:

No meio acadêmico, especialmente nos fóruns de pesquisa e na produção teórico-


metodológica existente, o estudo dessa relação é relativamente recente. A junção dos
dois termos tem se constituído em “novidade” em algumas áreas, como na própria
Educação – causando reações de júbilo pelo reconhecimento em alguns, ou espanto e
estranhamento – nas visões ainda conservadoras de outros. No exterior, a articulação
dos movimentos com a educação é antiga e constitutiva de alguns grupos de pesquisa,
como na International Sociological Association (ISA), Latin American Studies
Association (LASA), Associación Latinoamericana de Sociologia (ALAS) etc.
(GOHN, 2011, p. 334)

Vivemos o júbilo, o estranhamento da relação academia (formação de professores) x


educação não formal x movimentos sociais (ONGs). A formação de professores, impactada
pelas tessituras múltiplas da realidade objetiva transita de modo frágil nas entretelas da
sociedade e fora dos muros da escola manifesta apatia e desorientação que reflete um paradigma
de formação ao qual a universidade se submete que é marcada por um processo de
escolarização, de certificação, e, por isso, cada vez mais pela especialização. Em poucos
momentos essa formação avança rumo à realidade externa aos muros da escola. Como
anteriormente exposto, tomamos como foco deste texto a análise as ações desenvolvidas
durante o estágio supervisionado da UEPA, que ocorre concomitantemente com a disciplina
“Educação em Ambientes Não Escolares”. Avançaremos a seguir com a apresentação do
desenvolvimento de nossa ação.

Desenvolvimento

Em Belém do Pará, os alunos do curso de licenciatura em Pedagogia aproximam-se das


demandas provenientes tanto da educação em ambientes não escolares, quanto dos movimentos
sociais. Isso ocorre especialmente através de duas disciplinas, “Educação em Ambientes Não
Escolares” e “Estágio Supervisionado em Ambientes Não Escolares”, conquistas do diálogo
entre o movimento popular urbano de bairros e a universidade. A experiência aproxima os
futuros professores daqueles que eclodem na cena pública como "agentes de novos conflitos e
renovação das lutas sociais coletivas". (GOHN, 2011, p. 337). É um desafio já que a formação
inicial do pedagogo se define a partir da Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006 que
centraliza a profissão no eixo da docência e, portanto, assume como prioridade a educação
formal pertencente ao lócus da escola. Esta instituição ainda que venha sofrendo para se adaptar
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ao intenso processo de mudança iniciado ainda nas décadas finais do século XX permanece
como bastião da humanidade e do desenvolvimento humano.
Em nosso relato nos voltaremos a pensar a partir de nossa experiência no estágio que
ocorreu em uma Organização Não governamental (ONG). O termo ONG começou a ser
utilizado na década de 1940, pela Organização das Nações Unidas (ONU), para designar
entidades executoras de projetos humanitários ou de interesse público. No Brasil, a expressão
referia-se principalmente às organizações de cooperação internacional, formadas por igrejas,
católicas e protestantes; organizações de solidariedade; ou governos de vários países. Em um
primeiro momento, essas organizações priorizavam a ajuda às organizações e movimentos
sociais nos países do Sul, com o intuito de consolidar a Democracia. (ASSUMPÇÃO, 1993;
VIEIRA, 2001). O fortalecimento das ONGs efetivou-se, conforme explica Gohn (2011),
quando elas passaram a ser relevantes no cenário do associativismo nacional, já que, articuladas
com empresas, bancos, redes do comércio e da indústria, ou por artistas famosos, começaram a
realizar os projetos junto à população, em parcerias firmadas com o Estado.
Essas características podem ser utilizadas para compreensão do Espaço Cultural “Nossa
Biblioteca” (ECNB), que se localiza no Guamá, bairro da periferia de Belém, no estado do Pará,
que possui quase 100 mil habitantes. É aberta ao público geral, geralmente moradores do bairro.
Nela, o vocabulário empregado pelos profissionais, fixos e voluntários, que atuam na ECNB,
reforça termos como "protagonismo", "compromisso social" ou "responsabilidade social". No
discurso sobre o espaço, perpetua-se a história de luta pelas conquistas do lugar, ocorridas a
reboque dos movimentos sociais, por meio das quais o Guamá e o próprio ECNB fortaleceram-
se enquanto comunidade, constituindo uma identidade muito própria e bem delineada dentro da
cidade de Belém. As ONGs têm sido a ferramenta utilizada para articulação do bairro com a
universidade, com o poder público e com o meio empresarial local, no propósito de sanar
algumas de suas muitas precariedades. É pela pressão, resistência e cultura que a população
busca condições de vida mais condizentes com seus direitos. Procuram, também, a ampliação
de espaços de lazer (pois possui uma única praça), de saúde (há um pronto socorro apenas), e
escolas, além de incrementar o sistema de segurança, que é ineficaz. O elevado número de
habitantes do bairro engloba grande diversidade de pessoas, com múltiplas origens e trajetórias.
O bairro é alvo de preconceitos e depreciações em razão de sua fama de violência e
criminalidade. Diante disso, suas lideranças e moradores possuem uma grande preocupação
com a formação sociocultural dos habitantes da localidade, sobretudo os mais jovens e isso
potencializa sua união na manutenção das atividades da ECNB voltadas à formação de
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mediadores de leitura e, logo, à consolidação de crianças leitoras. A ECNB orienta-se pela


missão de evitar que o Guamá se perpetue como um dos bairros mais violentos da cidade de
Belém. Uma das educadoras da Ong salienta que os objetivos da mesma são o incentivo a leitura
e a conscientização das crianças, jovens e adultos. Segundo ela a leitura é instrumento para a
cidadania pois contribui para a transformação social ao promover atividades culturais e
educacionais para jovens e crianças carentes do bairro e articular parceria com escolas
municipais e estaduais do entorno para o trabalho de incentivo a leitura e outras atividades
culturais.
O funcionamento da ECNB ocorre durante a semana, nos períodos da manhã e tarde,
propiciando o acesso dos moradores ao acervo, que é composto por mais de 4 mil livros, que
são emprestados pelo prazo de uma semana. No local, além do empréstimo de livros, os
moradores participam de várias atividades, como o círculo de leitura, com teatro, dança e
música; aulas de natação; aulas de artes marciais; e outras. O lugar possui legitimidade, sendo
compreendido como difusor de conhecimento e cultura.
Ao longo de um semestre, um grupo de dez alunas do curso de Pedagogia da UEPA
participou ativamente das atividades da ECNB, através do Estágio Supervisionado, atuando
fundamentalmente nos círculos de leitura e na organização de uma brinquedoteca. A primeira
questão que surgiu para o grupo de estagiárias foi: se entendemos que a aprendizagem da
docência em ambientes escolares se inicia nas vivências próprias como alunos, a partir de
estratégias de prática enquanto “imitação de modelos” (PIMENTA; LIMA, 2005), como é vista,
na formação inicial, a aprendizagem da docência ou da função de educador social em ambientes
não escolares? Seria caso de se partir para uma mera reprodução do que se ensina na pedagogia
pensada para a escola? Afinal, por onde ir, já que os estágios pouco enveredam nessa dimensão?
De início, buscamos assumir o estágio como uma oportunidade para conhecer e
compreender as bases teórico-metodológicas que envolvem o processo educativo. Bases que
reclamavam textos sobre educação popular. O exercício era se apropriar de elementos da
academia e da formação de professores e, ao mesmo tempo, reconstruí-los em mosaicos
urgentes, que se preenchem do cotidiano, do humano, do diverso, do urgente. Havia a
expectativa não ingênua, mas um tanto deslocada, de que as instituições - como ONGs,
fundações, empresas, e outras - por atuarem no redemoinho do cotidiano e para o cotidiano
imediato, para o trabalho, enfim, para a vida, propiciariam descobertas, materializações
concretas da Pedagogia já consolidadas além dos muros escolares. A Pedagogia e seus aportes
teóricos e metodológicos, como as metodologias de ensino, o currículo, e outros, não
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instrumentaliza, tampouco prepara para a atuação fora da escola. Na entretela entre ideal e real,
expectativa e concretude, as ações do estágio no Guamá foram essenciais para insurgir no grupo
de alunos a necessidade de uma reflexão crítica que pautasse a busca por um perfil mais possível
de pedagogo.
Percebemos durante o tempo em que estivemos por lá que mesmo a organização das
tarefas tidas como as mais simples, como a estruturação de círculos de leitura, dos horários da
brinquedoteca, ou o repertório para a Educação Popular, mostraram requerer uma base
formativa que não propunha a escolarização dos grupos sociais frequentadores do espaço. O
desenho curricular, os tempos-aula, as hierarquias compõem uma armadura difícil de ser
abandonada por isso as expectativas positivas em relação à presença do pedagogo no lugar
foram se delineando a partir do perfil histórico do professor. Coletivamente com as profissionais
da ONG, foram vivenciadas grandes dificuldades em definir funções, tais como
acompanhamento das atividades (roteiros, bases, conceitos, objetivos) e visualização de uma
formação básica para mediadores de leitura, na maioria voluntários. Isso comprovou que não
estão claros os papéis do pedagogo nos espaços educativos não escolares, o que dificulta para
a universidade pensar essa formação. Isso ficou claro em diversos momentos, em que
percebíamos uma expectativa irreal em relação às estagiárias. A aposta era que elas iriam
estruturar, no papel e fora dele, todo o funcionamento do espaço, desde a proposta, passando
pelas metodologias, até os objetivos de todas as atividades. Muito dessa pressão se explicou
pelo fato da ONG estar constantemente pressionada pelo universo de editais e concorrências,
muitos promovidos por grandes fundações para patrocinar e prover de verbas as iniciativas. Alí,
ganhar um edital é tarefa com sentido de sobrevivência, sendo o maior desafio defender e
fundamentar em texto metas e objetivos da ECNB. Esse tipo de escrita mostrou-se algo
desconhecido para as alunas, distante das ações cotidianas de professores da educação básica e
de sua formação.
Ao longo de todo o percurso, mesmo com o auxílio da disciplina temática, sentimos a
fragilidade de leituras e saberes na dimensão da Educação Popular. Constatamos, então, a
necessidade que a universidade e o curso de Pedagogia têm de avançar no diálogo com outras
instituições, que não unicamente a escola, para desconstrução dessa visão que perpetua de que
o pedagogo é professor da e na escola. Para Freire (1983), o conflito derivado da ampliação da
concepção de educação e educadores é benéfico, visto que promove uma “mudança de
percepção, que se dá na problematização de uma realidade concreta, no entrechoque de suas
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contradições, implica um novo enfrentamento do homem com sua realidade” (FREIRE, 1983,
p. 60).
Das atividades realizadas e que foram bem avaliadas pelo grupo e pelas pedagogas da
ECNB, destacamos a mediação de leitura e a contação de histórias para as crianças. Essas
atividades tinham como responsável a mediadora do espaço e como auxiliar uma estagiária. A
mediação é uma leitura, feita por um adulto, de um livro curto, com boas ilustrações, na qual
há interações para construção de sentido e significado. Já a contação é um ato mais objetivo,
que transmite a história do livro, preferencialmente, com objetos e outros recursos. Trata-se de
um processo similar ao do brinquedo simbólico, em que a criança utiliza-se da imaginação para
representar uma ideia. A execução dessas atividades sempre foi tranquila, e não expressava as
tensões vividas durante o planejamento das mesmas, período sempre marcado por dificuldades
de articulação e consenso entre alunos, professores e profissionais do espaço. Entendemos essa
territorialização como uma expressão do alheamento da universidade, histórico por sinal; como
uma defesa das pedagogas da ONG na posse de um saber cotidiano proveniente da experiência
como "educadoras sociais"; e receio de mostrar meandros da construção desse repertório. Esse
afastamento também reforça a hipótese de que não estava clara a base de conhecimentos
necessários ao pedagogo ou quem desempenhasse esse papel. No caso, o pedagogo era “rei em
terra de ninguém”.
A escolha das leituras, dos livros a serem lidos nos círculos de leitura ou na mediação,
foi atividade desenvolvida para aproximar o grupo das alunas e professora da UEPA do grupo
das profissionais da ECNB. e estabelece a ONG.

Considerações

A experiência mostrou sobretudo, a ausência, a incapacidade ou distanciamento da


formação inicial, que se pauta pela educação formal (escola), em responder aos problemas
sociais que se impõem no atual contexto. A “formação de leitores” apresenta-se como desafio
social que, naquela comunidade, em muito se diferencia dos processos de alfabetização aos
quais se apegam. Portanto, a alfabetização ainda se mostra como uma competência atrelada ao
mundo do trabalho, e não à cultura/identidade social. Nesse ponto, afirma-se a urgência da
melhoria das disciplinas de alfabetização e/ou letramento na formação inicial do pedagogo.
Estagiar em um local cuja função e perfil profissional do pedagogo eram desconhecidos,
obrigou as estagiárias a ponderarem sobre como as dimensões da obrigação moral, do
compromisso com a comunidade, e da competência profissional, que impactam na formação
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inicial, apresentam-se quando vividas em uma situação de estágio fora da escola. Entendemos
que essas dimensões impactam profundamente, como um choque de realidade ainda mais agudo
do que o que caracteriza a inserção profissional nas escolas, e como a descoberta de
possibilidades que a academia não consegue apresentar. Consideramos que esses impactos
geraram aprendizagens difusas, experienciais e pessoais. Entretanto, nos distanciarmos da
formalidade escolar, é algo complexo, pois obriga a considerar o contexto em que se realiza
para atender as necessidades apresentadas pelo público atendido, que passam ao largo do
currículo oficial. O tempo e a rigidez burocrática do estágio supervisionado constituem outra
barreira, já que os tempos nem sempre se ajustam em horas-aula. A partir da experiência
exposta, foi possível percebermos que, apesar de terem indiscutível importância na promoção
do saber, da ética e da cultura em uma localidade, os espaços educativos não escolares têm seus
próprios dilemas e problemas, a serem ponderados e resolvidos, assim como os da escola e da
universidade. A aproximação entre esses agentes é complexa, mas possível e absolutamente
necessária para a educação em sua acepção maior.
O estágio supervisionado em ambientes não escolares concorreu em alto grau para com
o pressuposto da indissociabilidade entre teoria e prática, cuja transcendência é dada pela
pesquisa. A experiência originou diversas produções, já apresentadas na Jornada de Estágio,
que ocorre na universidade, assim como o texto que ora se apresenta, contribuindo para
ampliação do debate/socialização junto aos pares. No mais, espera-se que outros trabalhos
possam adensar este debate, dele surgindo novos embates e, logo, avanço, retrocesso, e,
principalmente, aprendizagens.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. v. 8. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

GADOTTI, Moacir. A questão da educação formal/não-formal. Suisse: Institut


Internacional des Droits de l´ Enfants, 2005, p. 1-11.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais na Contemporaneidade. Revista Brasileira de


Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, 2011.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal na pedagogia social.. In: I CONGRESSO


INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 1., 2006. Anais Eletrônicos... Faculdade de
Educação, Universidade de São Paulo.
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ASSUMPÇÃO, Leilah Landim. A Invenção das ONGs: do serviço invisível a profissão


sem nome. Rio de Janeiro: Museu Nacional; Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.

PIMENTA, Selma Garrido.; LIMA, Maria Socorro Lucena. O estágio na formação de


professores: unidade teórica e prática. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2005.

TRILLA, Jaume; GHANEM, Elie; ARANTES, Valéria Amorim. Educação formal e não
formal: pontos e contrapontos. 1.ed. São Paulo: Summus, 2008.

VIEIRA, Liszt. Os Argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. 1.ed. Rio


de Janeiro: Record, 2001.

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