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LICENCIATURA EM HISTÓRIA

REPENSANDO A REVOLUÇÃO FRANCESA

THIAGO VALÉRIO DE CASTRO

Brasília-DF, Maio de 2022

3
CIP - Catalogação na Publicação

Valério de Castro, Thiago


Repensando a Revolução Francesa/ Thiago Valério de
Castro. - 2022.0024 f. : il. color

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado ao Institutode


Ciência Humanas do Centro Universitario Planalto do Distrito Federal, Brasilia,
2021.
Área de Concentração: História. Orientador:
EEEliseu SantoProf. Me. Elizeu Nascimento.

Repensando a Revolução Francesa. I. Nascimento, Elizeu (orientador).


II.Título.

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Universidade Paulista com os dados
fornecidos pelo(a) autor(a).

4
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

REPENSANDO A REVOLUÇÃO FRANCESA

THIAGO VALÉRIO DE CASTRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Programa de Licenciatura do Centro
Universitário UNIPLAN como requisito parcial
para aprovação no curso Licenciatura em
História.

Orientador: Prof. Ms. Elizeu Nascimento

Brasília-DF, Maio de 2022

5
THIAGO VALÉRIO DE CASTRO

REPENSANDO A REVOLUÇÃO FRANCESA

Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado (a) em História do Curso de Licenciatura em História do Centro Universitário
UNIPLAN.

Habilitação: Licenciatura

Data de Aprovação

____/____/2021.

Banca Examinadora:

Banca Examinadora:

Prof. Dra. Rosalina Rodrigues de Oliveira


Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN

Prof. Ms. Roseli de Melo Sousa e Silva


Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN

Prof. Ms. Elizeu Santos do Nascimento


Orientador
Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN

6
Para meus pais que sempre me apoiaram e ajudaram.
Para Brenda que muito me ajudou neste processo.

7
Quem vive estudando, mas nunca repete o que
aprendeu, se parece com quem vive semeando.
(Talmude).

8
SUMÁRIO

Resumo, ... 8
Introdução, ... 9
1 REVISÃO DA LITERATURA, ... 10
2 SOBRE A IGUALDADE, ... 13
3 SOBRE A LIBERDADE, ... 16
4 SOBRE A FRATERNIDADE, ... 20
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 22
REFERÊNCIAS

9
REPENSANDO A REVOLUÇÃO FRANCESA

Thiago Valério de castro, Thekthiago@hotmail.com

Resumo: Este trabalho analisa as ressonâncias da Revolução Francesa, utilizando pesquisa


bibliográfica com ênfase em historiadores anticoloniais e tendo em vista os ideais de
liberdade, igualdade e fraternidade dessa Revolução de 1789. Objetiva verificar como a
igualdade foi trabalhada em uma sociedade francesa que ignorou a mulher, o negro e o
trabalhador pobre; como a liberdade foi pregada num país colonizador e como a fraternidade
foi um ideal que nunca chegou a ser efetivamente alcançado.

Palavras-chave: Revolução Francesa. Liberdade. Igualdade. Fraternidade.

INTRODUÇÃO
A Revolução Francesa foi um grande marco para a história ocidental. Constituições e
revoluções inteiras foram baseadas em seus preceitos de igualdade, liberdade e fraternidade,
lema esse que impacta até hoje o nosso conceito de civilização ocidental. Na Revolução
Francesa de 1789 foi a primeira vez em que as grandes massas assumiram o poder e
obtiveram resultados significativos e foi o marco do fim do absolutismo. Contudo, muito do
que se é estudado sobre este Evento tem origem romantizada e a ideia geral que se tem sobre
esses ideais é que eles foram aplicados de forma perfeita e infalível. Mas, será que a
Revolução e seus ideais foram realmente alcançados?
Ao que tudo indica, os preceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, não foram
seguidos da maneira que se era esperado. Os Direitos do Homem e do Cidadão falam sobre
liberdade e que todo homem é livre e igual, mas isso foi esquecido quando negaram a
liberdades aos ex-escravizados no Haiti. Quando se referiam a todo homem ser igual, eles
excluíam as mulheres de seus direitos “universais”. O conceito de fraternidade também logo
se mostrou frágil quando a exploração e exclusão se mostraram não por causa de um sistema
de castas, mas sim por um capitalismo recém surgido após ter sido alimentado pelas
revoluções burguesas.
Nas publicações mais recentes sobre o tema, por exemplo, muito se é falado sobre o
que aconteceu com o direito das mulheres e dos efeitos na ordem mundial capitalista. Em
vários casos se preocupando em mostrar o que aconteceu com os esquecidos pela Revolução e
o surgimento da ordem capitalista no mundo. Como pode ser visto no artigo A Revolução
10
Francesa, e a invenção social da pobreza (GONÇALVES, 2009, p.10) em que ele nos diz
como a pobreza foi inventada pela Revolução Francesa e foca neste ponto como pode ser
mostrado pela seguinte parte do artigo:

É inegável que a Revolução não criou o pobre: a pobreza já era bastante


grande na França antes mesmo da Revolução. Os estudos de Gutton . De
outro lado, os autores do Iluminismo preconizam uma intervenção enérgica
do Estado, embora as administrações reais não estivessem preparadas para
empreender as reformas radicais necessárias no momento, já que não
aceitavam que a proteção ao pobre fosse uma atribuição do Estado; e, por
fim, a própria Revolução, em seu movimento de destruição dos privilégios e
de instauração de uma sociedade de indivíduos, assume, com a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, a tarefa da realização de uma política
social. 4 mostram uma continuidade nas atitudes, nas crenças e nas
aspirações subjacentes a toda a questão da pobreza entre a metade do século
XV até as vésperas da Revolução. Essa continuidade é marcada por uma
visão que faz do pobre e da pobreza algo mudo e passivo – se apresentam
não como pessoas, mas como objetos da caridade. É sempre a partir dos
olhos da autoridade que eles rompem seu anonimato. Longe de formar uma
classe distinta, a maioria dos indigentes advinha das famílias das
comunidades, que eram provisoriamente obrigadas a recorrer a expedientes
para não morrer de fome. Conforme os estudos de Hufton, em cada cinco
indivíduos, um dependia de algum tipo de assistência para sobreviver5.
Também os estudos de Forrest comprovam estas cifras6 Em uma sociedade
como é a francesa desse período, o medo existe em estado endêmico. As
famílias dos pobres têm medo de perder sua independência, de serem
privadas de todos os meios de ganhar o mínimo vital para sobreviver, medo
de perder o emprego, já que o desemprego era sinônimo de indigência, na
maioria dos casos.

Por sua vez, Joessane de Freitas Schmidt (2012, p.12), com foco na participação das
mulheres e sua exclusão da Constituição pós-Revolução Francesa de 1789, assinala o que se
vê a seguir:

O A historiografia da Revolução Francesa nos mostra o homem


desempenhando o papel do revolucionário atuante que, seguindo seus
ideais, derruba um rei absolutista, a ponto de guilhotiná-lo, elimina
uma sociedade estatizada, que sobrevive ainda aos moldes medievais de
obrigações senhoriais e consolida um novo modelo político e social
alavancado no capitalismo. Nesse contexto são poucas as referências às
mulheres e quando aparecem restringem-se a papel secundário. As duas
mulheres que mais são citadas nas bibliografias sobre a revolução são a
rainha Maria Antonieta – figura odiada pelos franceses, que durante o
momento revolucionário, excetuando sua atuação conspiratória junto às
forças externas, preferiu a clausura do Palácio das Tulherias – e
Charlotte Corday – que sai do anonimato por matar Marat, a quem
responsabilizava os horrores da guilhotina.

11
Com pouco ou quase existente foco atual na Revolução sob uma perspectiva com a quebra do
pensamento colonial, este artigo se faz necessário para repensar e mostrar a realidade por trás dos
ideais da Revolução Francesa e de suas influências pelo mundo, com foco nas pessoas que foram
apagadas e excluídas dos ditos direitos universais, aqueles cujo principal motivo de exclusão era não
ser francês e, na maioria das vezes, também ter a pele preta.
Em face do acima exposto, o estudo nesta área é relevante, pois entender este período
da História significa conhecer muitos dos conceitos e a História das Idéias que pavimentaram
o caminho para a construção do presente e, inclusive, do futuro. Mas não apenas as idéias que
pavimentaram o futuro da época, mas as ideias que falharam com determinados grupos
sociais, como pode muito ser observado em artigos mais recentes, em que as mulheres e as
camadas de pessoas de baixa renda vêm sendo lembradas como pessoas em que os ideais de
igualdade, liberdade e fraternidade não se efetivaram como deveriam. Infelizmente, como já
dito antes, pouco se é falado sobre como isso afetou as pessoas não francesas, principalmente
as colonizadas e as ex-colonizadas.
Assim, este trabalho é de relevante para a quebra dessa visão romantizada de uma
Revolução Francesa perfeita e que teve um grande efeito em toda a civilização, assim
podendo contribuir para um melhor entendimento sobre seus verdadeiros impactos. O
objetivo deste trabalho é repensar a Revolução Francesa e com isso ter uma melhor
compreensão sobre o período.
O torna este estudo importante é o uso de fontes a partir de historiadores de renome e a
aplicação da filosofia anticolonial, como forma de problematizar todo conceito eurocêntrico e
a romantização que foi criada acerca da Revolução Francesa. O uso do Anticolonialismo se
deve à falta de uma abordagem da Revolução de 1789 sob essa perspectiva. Como exemplo
disso é que pouco é falado sobre a retomada do projeto colonial e da tentativa de reconquista
de São Domingos, além atribuírem feitos das Revoluções da America Latina aos ideais da
Revolução Francesa e não às pessoas oprimidas pelo sistema colonial.

1. REVISÃO DA LITERATURA
Ao escrever sobre a Revolução Francesa de 1789, os historiadores tendem a abordar este
acontecimento de maneira mais tradicional e sem buscar novas interpretações, pois este
acontecimento já um grande acontecimento muito pensado e com muitos consensos
estabelecidos sobre ele

12
Recentemente podem ser percebidos uma mudança em como esse acontecimento é
retratado por historiadores. Essa mudança se dá no foco estabelecido por eles, ao invés de se
falar de maneira mais geral, eles buscam focar apenas em um aspecto da revolução,
geralmente tendo em vista um aspecto mais social do que se ocorreu com algum grupo e
geralmente um grupo menos favorecido. Neste artigo é buscado realizar uma crítica aos ideais
de liberdade, igualdade e fraternidade e como eles foram aplicados e se realmente foram
compridos pela França. Para isso será usado um olhar próximo do anticolonial da história
junto de uma perspectiva moderna sobre o assunto retratado.

A liberdade foi conquistada durante a revolução, mas colonizado conquistou sua


independência só para ter que se defender novamente das mesmas pessoas que fizeram os
direitos do homem e do cidadão, tiveram a liberdade revogada e ainda por cima o europeu que
ficou com a fama de inspirador da liberdade.

Domenico Losurdo (2020, p.169) nos diz:


Após a eclosão da Revolução Francesa , os interesses e as razões dos
colonos são sustentados pelo clube Massiac, fundado em Paris em agosto de
1789 e do qual Malouet é um membro eminente . Quem assume a defesa do
direito dos colonos ao autogoverno e ao gozo tranqüilo da sua
propriedade(plantações e escravos) é também Antoine Barnave. Estamos na
presença de um autor importante, que expressa as suas convicções liberais
não só no plano político imediato, mas também no da filosofia da história.
Também nele manifesta-se a dialética que já conhecemos: a vigorosa
condenação da “escravidão” política não lhe impede de defender com força e
habilidade a causa dos colonos escravistas. O “espírito de liberdade” –
observa ele – cresce e fortalece com o desenvolvimento da “indústria”, da
“riqueza” e principalmente da “riqueza mobiliar”: eis por que, ainda antes
que na Inglaterra, com a sua esplêndida “Constituição”, ele aparece na
Holanda, “o país onde a riqueza mobiliar é mais acumulada”. Desta
propriedade “mobiliar” fazem parte integrante os escravos, que já no código
de Luis XIV são catalogados exatamente entre os bens “móveis”.

Com esse trecho da fala de Losurdo nós podemos ver como existia a idéia de
preservação do regime escravocrata nas colônias, a idéia de liberdade não era pensada para o
negro, eles eram indignos de seus ideais e de sua empatia.

Por seu turno, Achille Mbembe (2021, p.125 )nos diz:

Foi de fato, ao longo do século XVIII, isto é, em plena época das luzes, que
o tráfico atlântico atingiu seu ponto culminante. O desenvolvimento das
novas idéias acerca das relações entre os súditos e a autoridade ocorreu
enquanto a França estava profundamente implicada na “máquina triangular”,
ou seja, na produção da escravatura e da servidão ultramarinas. Em especial
Rousseau Voltaire reconheceram filosoficamente o caráter vil do comércio
dos escravos, mas fingiram ignorar o tráfico então em curso e os grilhões
13
reais que o tornavam possível. Inauguram uma tradição que mais tarde se
tornaria uma das características centrais da consciência imperial – fazer da
escravidão uma metáfora da condição humana na sociedade européia
moderna. Esse gesto de metaforização ds acontecimentos trágicos
envolvendo os selvagens – e nos quais nossa responsabilidade está implicada
– era também um gesto de ignorância e indiferença. Essa dialética da
distância e da indiferença dominou o iluminismo francês.

Com estes dois trechos nós podemos ver que a única liberdade existente, era de
interesse apenas para o europeu e assim excluindo o colonizado. O Francês era beneficiado
com as colônias e não era interessante mostrar seus ideais a eles, principalmente a
fraternidade. Quanto a igualdade podemos começar falando da constituição em que se era
buscado a igualdade entre todos os homens, como podemos ver no seguinte trecho de Luís
Edmundo Moraes (2019, p.33):

Mais uma vez, a Constituição é precedida por uma Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, que inova ao declarar ser a felicidade comum o
propósito de toda a vida em sociedade(art. 1°). Da mesma forma, a igualdade
tem lugar de destaque. Ela não somente o primeiro dos direitos afirmados(
seguido da liberdade, da segurança e, só njo final a propriedade), como
também corresponde a uma noção de igualdade natural dos homens. É dessa
novidade que se extrai a concepção de que as desigualdades são geradas pela
vida social e não pela natureza de ou por vontade vontade de Deus. Isso
justifica que o estado intervenha para garantir a igualdade de condições a
todos os cidadãos, o que inclui diminuir as desigualdades socialmente
produzidas, garantindo a todos os cidadãos o direito à educação (art. 22) e
matizando o direito de propriedade, que deve estar sujeito ao interesse
público (aart. 19). A nova constituição institui sufrágio universal masculino,
consagra a ideia de soberania popular (arts. 23 e 25) e proclama a insurreição
não somente como um direito sagrado e inalienável, mas também como um
dever indispensável contra um governo que viole os direitos de seus
cidadãos (art. 35).
Mas logo o historiador acrescenta:
No dia 10 de Outubro de, a Convenção decreta que, “o governo provisório
da França será revolucionário até a paz”. Isso significa que a Constituição foi
pensada como uma lei geral para a França em tempos de normalidade e que,
em momentos excepcionais como aqueles, o país deveria ser governado por
meio de normas excepcionais.
Assim a igualdade começa a se mostrar longínqua assim como a Fraternidade que logo
também se mostrou distante. Como pode ser visto por Eric Hobsbawn(2020. P.314):

Eram três as possibilidades abertas aos pobres que se encontravam à margem


da sociedade burguesa e não mais efetivamente protegidos nas regiões
inacessíveis da sociedade tradicional. Eles poderiam lutar para se tornar
burgueses, poderiam permitir que fossem oprimidos ou podiam se rebelar.
A primeira possibilidade, como já vimos, não só era tecnicamente
difícil para quem carecia de um mínimo de bens ou de instrução, como era

14
dualista puramente utilitário de comportamento social a selvagem anarquia
da sociedade burguesa, teoricamente justificada por seu lema “cada um por
si e Deus por todos”, parecia aos homens criados nas sociedades tradicionais
pouco melhor do que a maldade desenfreada.
Com este trecho de Hobsbawn podemos ver que a fraternidade era tão frágil como os
outros ideais da Revolução Francesa, ela foi o ideal mais ignorado e esquecido. A
metodologia escolhida para este artigo é a bibliográfica e foi usado como fonte bibliográfica
para esse artigo livros de autores como Achille Mbembe, Eric Hobsbawn, Domenico
Losurdo,Luís Edmundo Moraes, Kalina Silva e Maciel Silva, também foi utilizado livros de
literatura feitos na época, como “Os Miseráveis” de Victor Hugo e “Ilusões Perdidas” de
Honoré de Balzac.

2. SOBRE A IGUALDADE

Quando pensamos na idéia de igualdade estabelecida pela Revolução Francesa de 1789, nós
logo pensamos sobre o fim do antigo regime e seu sistema de castas e aristocratas. Vem
também a idéia desse velho sistema de sociedade ruindo e mudando bruscamente para algo
novo, moderno e melhor que o velho regime.
Antes de nos adentrarmos as mudanças, temos que levar em consideração o tipo de
sociedade que existia anteriormente a Revolução Francesa de 1789 e como ela funcionava.
Podemos começar falando que era composta por três camadas sociais que eram determinadas
pelo seu nascimento, eram chamadas as três camadas de os Três Estados.
A primeira camada era a camada Clerical onde os membros da igreja católica ficavam,
esse era o Primeiro Estado e o único que permitia certa mobilidade, você poderia tanto ser um
monge que mora num dormitório de templo, como poderia ser um bispo com um título de
nobreza de alto grau. O Segundo Estado era a camada da nobreza, as pessoas que tinham
“sangue azul”. Vale ressaltar que no Segundo Estado existiam graus diferentes de nobres,
haviam nessa camada tanto aqueles ricos como os que não eram diferentes de um cidadão
pobre. No último e terceiro Estado se encontravam os não nobres e dentro deles haviam
aqueles que eram tão ricos quanto um nobre de alto grau e a maioria da população que
trabalhavam em condições deploráveis e lutavam para comprar o pão diário.
Essas diferenças de camadas sociais são a origem de diversos problemas da época e
que se for buscada a origem de problemas atuais em nosso mundo, muito dos problemas
foram originados daqui, sendo o principal problema os das diferenças sociais. É sempre válido

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pensar que uma sociedade em que seu papel nela é definido por nascimento iria gerar
conflitos e foi isso que aconteceu. A nobreza jamais aceitaria se igualar aos outros Estados,
mais especificamente a camada mais pobre da população, e o Terceiro Estado lutaria por sua
melhoria na sociedade. Vale ressaltar que essa divisão era estabelecida com base na idéia de
que o Deus católico havia feito as pessoas diferentes uma das outras, então a idéia de que um
nobre devia ser tratado como um plebeu era algo quase inconcebível para uma sociedade
quase inteiramente composta por cristãos. Assim podemos esperar que a desigualdade era
bem enraizada e até estimulada pela sociedade.
Dito tudo isto, voltemos à questão do ideal de igualdade que se era esperado obter com
a Revolução Francesa. Quando os ideais iluministas chegaram durante a revolução trazendo a
idéia de que somos todos humanos iguais e que o Deus católico não tinha nenhum papel em
quem deveria nascer em tal casta, não tardou para que revoltas começassem, ainda mais
levando em conta algumas questões da França na época como o preço do pão que consumia
quase 50% do salário do cidadão médio, e fossem criados os Direitos Universais do Homem e
do Cidadão, que mais tarde serviria até mesmo como inspiração para os Direitos Humanos
defendidos pela ONU.
Para que esses direitos fossem plenamente aplicados, foram necessárias muita luta de
homens e mulheres. A participação masculina é mais do que falada, já a feminina é raramente
retratada, mas mesmo fundamental para a revolução, elas foram excluídas da constituição
revolucionária, foram negadas de sua cidadania e dos direitos que eram para ser universais.
Como diria Joesseane de Freitas Schmitt(2012, p.9):
Embora impedidas de direitos políticos na assembleia, tentaram ser
ouvidas em suas reivindicações através de panfletos, petições ou mesmo
através de jornais, na esperança de serem ouvidas, em um universo no qual
não havia lugar para elas, ultrapassando assim os limites impostos a sua
condição de mulher. Entre as participações políticas femininas, sem dúvida
o nome Olympe de Gouges (1748-1793) se destaca; feminista, adepta das
ideias de Condorcet, através de sua atuação junto à Assembleia, nos
salões literários e nas manifestações de ruas, ela reivindicava a
participação da mulher.

A mulher se cabia a função de ficar em casa e cuidar do marido e dos filhos, lhes eram
negada a educação intelectual e a participação política, mesmo as de classes mais elevadas
eram subalternas. Como já dito anteriormente, até depois da revolução foram pobremente
retratadas. Joessane(2012, p.12) nos diz:

A historiografia da Revolução Francesa nos mostra o homem


desempenhando o papel do revolucionário atuante que, seguindo seus
ideais, derruba um rei absolutista, a ponto de guilhotiná-lo, elimina
uma sociedade estatizada, que sobrevive ainda aos moldes medievais de
obrigações senhoriais e consolida um novo modelo político e social
16
alavancado no capitalismo. Nesse contexto são poucas as referências às
mulheres e quando aparecem restringem-se a papel secundário. As duas
mulheres que mais são citadas nas bibliografias sobre a revolução são a
rainha Maria Antonieta – figura odiada pelos franceses, que durante o
momento revolucionário, excetuando sua atuação conspiratória junto às
forças externas, preferiu a clausura do Palácio das Tulherias – e
Charlotte Corday – que sai do anonimato por matar Marat, a quem
responsabilizava os horrores da guilhotina.

A Revolução Francesa é um exemplo claro do domínio masculino na história e isso


perdura até mesmo durante sua escrita. Quando as mulheres buscaram a igualdade, elas foram
ignoradas e jogadas ao esquecimento, sua participação minimizada e ignorada. E as vozes
fortes insubmissas e incontroláveis eram silenciadas, como Olympe de Gouges, a idealizadora
dos Direitos da Mulher e da Cidadã e foi uma das primeiras revolucionárias a se criticar a
escravidão do negro. Olympe foi morta por se opor ao terror de Robespierre, foi guilhotinada
em 1793.
A sociedade do período não era apenas excludente das mulheres, mas a população
pobre em geral. Ao lermos Ilusões Perdidas de Honoré de Balzac, nós vemos que apesar da
sociedade aristocrática ter acabado a influência aristocrática nunca se foi, isso pode ser visto
claramente ao longo do livro como o personagem Lucien Chardon se envolvendo com as
pessoas da alta sociedade como a Senhora Bargeton. No livro vemos como ambos sofrem com
isso, Lucien por ser de origem humilde e pobre mal conseguindo se sustentar em momentos
do livro e a senhora Bargeton não sendo “elevada” o suficiente para a alta classe francesa da
época.
O pobre estava sujeito a exploração e aos salários ínfimos, aos trabalhos degradantes e
a subnutrição. Com cargas horárias desumanas, custo de vida elevado nas cidades e com
patrões muitas vezes abusivos o pobre só tinha três opções a de aceitar sua condição, podiam
tentar virar burgueses e tinham a opção de se rebelar. Na tentativa de se buscar uma vida
melhor e fugir da humilhação pelas quais passavam pelo seu status social o crime às vezes
também era a forma de se rebelar mais eficaz.
Apesar de ter sido feita uma constituição democrática na primeira experiência
republicana francesa, constituição essa que garantia a igualdade de condições, ela jamais foi
aplicada. Por mais que todos fossem iguais depois da revolução, o que realmente mudou na
sociedade francesa pós-revolucionária foi a mudança de quem era a pessoa para quem os
holofotes eram virados. Agora não olhavam para a pessoa por ela ser um visconde, olhavam
para ela por ela ser um bancário bem sucedido, o pobre agora não era um infeliz azarado, era
um infeliz “preguiçoso”.
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Todos estavam a própria sorte agora, não havia limites para o que se podia ser, saía a
lei do Deus católico para entrar a do homem. A criatividade e a dedicação reinavam, é claro
que a maioria da população era analfabeta e não tinham nenhum acesso a educação que era
algo caro e também não possuíam em mãos a verba necessária para abrir um negócio.
Hobsbawn(2020, p.299) nos diz:
Nem os negócios nem a educação eram grandes estradas abertas para todos,
até mesmo entre os suficientemente emancipados dos grilhões dos costumes
e da tradição para acreditarem que “gente como nós” seria aí admitida, para
saber como agir em uma sociedade individualista ou para aceitar o desejo de
“progredir” . Os que desejavam viajar neste caminho tinham de pagar um
pedágio: sem alguns recursos in iniciais, ainda que mínimos, era difícil entra
na autoestrada do sucesso.

Agora a pobreza deixa de ser algo justificada por Deus e passa a ser justificada pelo
sistema. O pobre agora não é mais explorado por que ele não tinha outra perspectiva de vida,
mas agora ele era explorado por falta de opção. Muitos entravam para o serviço público
esperando se tornarem tão bem sucedidos como Napoleão, mas muitos deles falharam por não
terem os privilégios que Bonaparte tinha, ele vinha de uma família que podia lhe prover a
educação necessária num período em que ela era cara e não era amplamente distribuída a
população. A realidade é que antes a igualdade era mantida por ideais ultrapassados, agora ela
passa a ser mantida por uma elite minoritária.
Mas além destes grupos, outros tiveram sua igualdade negada. Os colonizados foram
tratados como seres diferentes, eles eram o outro, o inferior pelo qual o archote e a
escravização lhe caíam bem. Para o europeu, o africano e o nativo americano não eram dignos
de sua “branquitude” e sua “civilização avançada”. Faziam deles experimentos e os forçavam
a serem como eles, além de os explorar, também os destruíam e praticavam genocídio. No
próximo tópico iremos abordar a questão da liberdade.

3. SOBRE A LIBERDADE.

Existem diversos pontos chave em que podemos trabalhar sobre o tópico da liberdade no pós-
revolução, esse ideal que ecoa desde a Revolução Gloriosa na Inglaterra. Antes de se
começar, tem que ser abordado o que seria a dita liberdade. A idéia ocidental do que seria
considerado ser livre é muito atrelada não apenas a idéia de escravidão, mas também a idéia
que a burguesia liberal criou de livre comércio e individualidade. Ser livre no ocidente não é
apenas não ser uma pessoa escravizada, mas ter a liberdade de se comercializar e agir como
quiser, desde de que esteja ciente das conseqüências de suas ações. No resto do mundo não

18
ocidentalizado a liberdade costuma ser vista de maneira diferente, de acordo com Kalina e
Maciel Silva (2020, p.263):
No século XX, a Antropologia começou a perceber que existem outros
conceitos de liberdade em sociedades fora do Ocidente. Por exemplo, em
sociedades cuja organização comunitária da vida é fundamental para a
sobrevivência dos seus membros, o indivíduo só se sente livre quando
atrelado à comunidade maior.

Com isso chegamos à conclusão de que o conceito de liberdade não é único. Quando
lemos o que se foi citado de Kalina e Maciel Silva, podemos extrair duas coisas, sendo a
primeira deles é que existem povos cujo significado de liberdade não na individualidade como
muitos pensadores liberais supõe, mas a liberdade se encontra no coletivo. Ser livre para esses
povos é agir em comunidade. A segunda coisa que se pode ser extraída deste trecho, é como
os colonizadores europeus foram cruéis e vis em sua tentativa de trazer “civilização” para
esses povos, lhe removeram sua liberdade, tanto no sentido ocidental como no sentido de sua
comunidade nativa, lhes removeram de sua terra natal, colocaram neles preço e depois foi
mostrado o caminho da servidão e do açoite.
A escravização sempre foi acompanhada da violência e das mais vis formas de
domínio. O primeiro passo para se ter controle de uma pessoa é desmoralizar-la, diminuir ela
e transformar ela em algo além, no outro. Achille Mbembe(2021, p.41) em seu livro Crítica da
Razão Negra diz assim:

A primeira grande classificação das raças levada a cabo por Buffon ocorreu
num ambiente em que a linguagem acerca dos mundos dos outros fora
construída a partir dos preconceitos mais ingênuos e sensualistas, ao passo
que formas de vida extremamente complexas eram remetidas a pura
simplicidade dos epítetos. Chamamos a isso o momento gregário do
pensamento ocidental. Nele, o negro é representado como o protótipo de
uma figura pré-humana incapaz de escapar sua animalidade, de se
autoproduzir e de se erguer a altura de seu deus.

Tratados com exotismo e olhares de inferioridade, os pensadores iluministas


franceses, grandes exemplos usados pelos revolucionários da época, até criticavam o processo
de colonização. Pensadores como Voltaire e a já citada Olympe de Gouges se diziam a favor
desses, cujo homem francês comum via a mulher como objeto sexual de desejo, a mulher
submissa, e via o homem negro como esse ser animalesco de nariz achatado que não devia ser
tratado como um ser que pode pensar complexamente. Esses pensadores iluministas modernos
criticavam como se dava o tráfico de negros e expunham como ele era horrendo a toda
população francesa, cuja a maioria simplesmente preferiu ignorar o que se era dito.
Contudo, Achille Mbembe(2021, p.137) nos diz:
19
No entanto, a maioria desses trabalhos militava somente pela aplicação
esclarecida das políticas coloniais e do Código Negro instituído por Luís
XIV em 1685, embora alguns defendessem a causa da igualdade das raças. A
idéia dominante na época era que, devido à sua inferioridade, os negros eram
aptos a escravidão, e sua felicidade só poderia ser alcançada a serviço de um
bom senhor. Sob diversos aspectos, a atuação da Sociedade dos Amigos dos
Negros se inscreve nessa política de bondade.

A maioria desses “Amigos dos Negros” se calaram ao resultado de séculos de


violência contra toda uma população devido a sua etnia. A Revolução Francesa de 1789
prometia igualdade, liberdade e fraternidade, mas o negro jamais seria um igual, pois mal
poderia entrar na metrópole e também mal poderia andar nela sendo tratado como um igual, a
fraternidade que lhe ofereceram era a de ele poder ser um servo e sim a liberdade foi
concedida a eles, mas somente por conta do fato de que a França não tinha condições de
sustentar mais uma guerra durante a revolução.
Agora que foi visto que o negro não foi tratado como igual, assim se chega a
conclusão de que os Direitos Universais do Homem e do Cidadão só eram válidos não só
apenas aos homens, mas aos homens exclusivamente brancos. Podemos adentrar a retomada
do projeto colonial de Napoleão Bonaparte e da elite burguesa que assumiu a França pós-
revolucionária e que apesar de todo o processo revolucionário ter se encaminhado para ter um
fim do absolutismo, Bonaparte quando é colocado no poder se mostra um absolutista.
Durante o governo de Bonaparte, apesar de três outros cônsules estarem no governo
junto com ele, Napoleão tomava medidas quase que autoritárias, a liberdade para eleger um
líder político foi terminada, proposta essa que o Abade de Siyes, o pensador que defendia que
somos todos iguais, nunca concordou. Agora o cidadão comum era passivo e estava a mercê
dos cidadãos ativos, uma elite minoritária. Eles não terminaram a revolução que foi
começada, eles se aproveitaram do caos estabelecido e acabaram com ela.
Assim que a França conseguiu se reconstruir dos danos causados não apenas pela
Revolução Francesa, mas também pelas invasões que visavam retomar o absolutismo na
França e voltar com a monarquia, foi ordenada a retomada do projeto colonial. Logo após a
reconquista de sua liberdade, perdida e destroçada pelo colonizador Francês, o Haiti precisa se
defender da mesma nação cujo exportava os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade. O
colonizador mais uma vez buscava lhe colocar os grilhões e fazer do negro uma mercadoria.
Napoleão ao espalhar os ideais da revolução, foi consagrado como grande líder pela
história, como pode ser visto na obra de Hobsbawn, muitos o enobrecem, porém como o
próprio Mbembe diria, sua política foi Negrofóbica. Seus olhos eram voltados a Europa, o
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resto eram apenas pedaços terra deixados pelos seus colonizadores e que valeria a pena
explorar. Ele não se importava com a liberdade daquele cuja pele não era da cor branca,
aqueles de pele preta, não eram dignas da grandeza de Napoleão. Bonaparte não apenas
retomou o projeto colonial, voltou com o sistema de títulos de nobreza e transformou o
cidadão pobre num cidadão passivo, além de permitir a exploração sistemática do cidadão
pobre, ele não finalizou a revolução, ele fez a própria.
O principal motivo pelas controvérsias quanto a igualdade e a liberdade e a disputa de
poder que se deu entre grupos durante todo o período revolucionário até o golpe do Diretório
que fundou uma república de proprietários na França pode ser encontrado logo no início da
revolução. Era que a intenção principal da elite burguesa profundamente comovida pela
Revolução Gloriosa, não era a de se criar uma democracia igualitária, mas sim de liberalizar o
antigo regime.
Porém e nítido que a revolução saiu do controle e isso não saiu como o esperado,
como Luís Edmundo Moraes(2019, p.12) nos aponta:

Pouco mais de 20 anos depois, Jules Michelet, autor de História da


Revolução Francesa, apontou um caminho distinto: no prefácio de seu livro,
escrito em 1847, ele afirmou que “os chefes de partido, os heróis da história,
nem a previram nem a prepararam”, e que “eles não tiveram a iniciativa de
nenhuma das grandes coisas, em especial daquelas que foram a obra
unânime do povo no início da revolução”

Logo depois ele acrescenta:

A idéia de que se trata de um processo linear, com algum grau de


planejamento, e cujos resultados foram derivados das intenções de seus
agentes foi sendo deixada de lado quando os historiadores se permitiram
observar a incerteza, a surpresa e os sobressaltos.

Todo o processo revolucionário aponta para uma elite intransigente contra a população
desesperada por mudanças, porque desesperadamente precisavam delas. Isso pode ser
observado primeiramente pelo Segundo Estado lutando para manter seus privilégios enquanto
a população pedia por igualdade e liberdade, para serem o que quiserem e exercer um papel
dentro do estado Francês, mas não apenas isso, o camponês foi jogado a condição nos tira a
humanidade a condição da fome e ele revoltava porque estava desesperado e não por estar
engajado politicamente igual os pensadores, mas pelo puro desespero que sua condição lhe
trazia. E isso pode ser observado mais tarde enquanto a elite liberal lutava para se tornar livre
a custa da liberdade dos outros e no final com o Golpe do Diretório e a chegada de Napoleão
ao poder, eles foram bem sucedidos.

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A revolução francesa foi grandemente baseada na revolução gloriosa e seus ideais
liberais, como citado anteriormente. Esses ideais liberais que tem origem em pensadores
como John Locke, eram deveras interessantes para uma elite burguesa ascendente e para uma
sociedade em que o absolutismo estava em seu auge, vale ressaltar que os Estados Gerais não
eram convocados faziam mais de um século, e que também que Luís XVI era um monarca
fraco e que seria mais suscetível a uma mudança liberal.
O problema com esses ideais liberais são em como eles são prejudiciais a população
comum. Locke era abertamente a favor do regime escravocrata, Edmund Burke era totalmente
contra a democratização da França e a favor de uma monarquia liberal como a da Inglaterra, a
população comum não era vista com bons olhos e eles preferiam revirar os olhos a atender
suas necessidades. E eles próprios que pregavam pela liberdade econômica, eram contra a
idéia de dar essa liberdade econômica aos territórios colonizados e como já foi dito, optaram
até por tentar retomar a dominação daqueles que buscaram e encontraram a própria liberdade.
Os conceitos de igualdade e liberdade gerados pela Revolução Francesa de 1789 são
bem frágeis quando se são levados em conta o que foi visto neste artigo até agora. Agora
diferentemente dos outros dois ideais, a fraternidade não é aplicada pelo estado, mas sim pela
população e como ela foi aplicada será abordada no próximo tópico.

3. SOBRE A FRATERNIDADE

De acordo com a Enciclopédia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o


significado de fraternidade é o seguinte:

Do latim, “fraternitas”, a etimologia da palavra fraternidade, em sua


significação mais direta, designa relação de parentesco familiar, ambiente
onde naturalmente deve prevalecer relações orientadas pelo afeto recíproco
entre os membros da mesma família, mas também indica o sentimento que
pode existir entre outras pessoas que nutrem e alimentam simpatia, fidalguia
e respeito mútuos nas suas relações interpessoais.
E, ainda, sob uma perspectiva liberal, o conceito de fraternidade indica uma
espécie de princípio e direito universal inerente à dignidade humana.

Com a definição acima de fraternidade podemos chegar a conclusão de que a


fraternidade pela qual a Revolução Francesa tanto se amparava e buscava era a de tratar um
ao outro não apenas com empatia e com sentimentos ternos, mas também tratarmos o outro
com dignidade depois de tanto sofrimento que foi necessário para se chegar até aquele
momento.
A fraternidade não é o terceiro e menos importante pilar dos ideais, é muito pelo
contrário é o mais importante deles. Como buscar a igualdade se não posso me colocar no
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outro, sem ver o que ele passa e sem sentir o que ele sente. Como buscar a liberdade, sem ver
que o outro não é livre para ser o que se é, pois ele não tem dinheiro e nem pode furtar
alimentos em caso de necessidade, se ele é pego é julgado e condenado, principalmente se for
preto.
Desde antes da idade média pode se ver a falta de fraternidade na humanidade, sempre
uma desigualdade e a omissão com a condição do pobre e do miserável. Os franceses ao
gritarem por fraternidade, gritavam por aqueles que eram oprimidos pelo antigo regime. A
população se rebelava nos campos e nas cidades não por que elas queriam direitos políticos,
mas sim porque elas se julgaram merecedoras de serem tratados como humanos.
O problema é que quando olhamos para toda a trajetória percorrida da revolução
francesa e o que se decorreu depois, nós vemos que todo aquele grito revolucionário que se
deu foi apenas o início de algo que até os dias de hoje permanece algo distante,
principalmente se levarmos em consideração a questão global. Não apenas a revolução
começou para dar fim ao antigo regime e acabou tendo no fim algo não pior, mas similar em
certa maneira.
Depois da revolução a própria falta de empatia dos antigos monarcas pelas classes
mais pobres os fazem acreditar em seu retorno, mesmo depois de décadas após a revolução,
eles pensam que a população aceitaria a situação anterior novamente, porque seu ego os fez
acreditar que eles nasceram para serem seus servos. A restauração do absolutismo falha pela
cada vez maior consciência de que todos somos humanos.
O absolutismo na Europa cai durante a era do capital, as pessoas veêm como o rei
absoluto, o dinheiro ganho com suor e sangue. Os grandes capitalistas ganham esse dinheiro à
custa do trabalhador, agora chamado de proletariado. Começa a luta de classes. Mais uma vez
a lição da revolução não se aplica a aqueles que detém o poder, o século XIX, o século das
revoluções, nada mais foi do que conseqüência da falta de fraternidade. O século XIX foi uma
longa busca pela dignidade humana que nunca foi plenamente alcançada.
A Revolução Francesa marcou o início da era do capitalismo e da era contemporânea,
um tempo de mudanças tecnológicas e de novas modernidades. A igualdade sempre parecia
próxima com as revoluções proletárias do século XIX, a liberdade era sempre algo que todo
grupo buscava, mesmo com significados diferentes, mas de certa forma o terceiro ideal
sempre pareceu algo impossível de ser completamente alcançado.
Enquanto todos lembram do significado dos ideais de igualdade e liberdade da
revolução, o terceiro parece menos importante a elas, ele nunca ecoou amplamente como os

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outros. A fraternidade nada mais é do que o ideal perdido da revolução francesa. A maioria
das pessoas simplesmente aceitou que as pessoas morrem por inanição, que as pessoas
LGBTQAI+ simplesmente vão sofrer preconceito, que sempre haverá racismo e machismo,
também que o ciclo de ódio continuará a existir enquanto a humanidade existir. O mendigo
pedir esmola, o assaltante esfaquear o cidadão por uma mini tábua de vidro e plástico,
propagação de notícias falsas em escala mundial, nanorracismo, o imigrante ser odiado por ser
islâmico, pessoas desesperadas do lado de fora de supermercados, isso tudo virou banal, virou
sinônimo de rotina, de cotidiano.
Nos dias atuais o que vemos é como todos os movimentos da humanidade falharam ao
tentar propagar o terceiro ideal. Achille Mbembe(2020, p.77) no seu livro chamado “Políticas
da Inimizade” nos diz:
O desejo de inimigo, o desejo de apartheid(segregação e enclave) e a fantasia
de extermínio ocupam, nos dias que correm, o lugar desse círculo encantado.
Em muitos casos, basta um muro para expressá-lo. Existem vários tipos de
muros, e nem todos servem ao mesmo propósito. Supõe-se que o muro
divisor resolva a questão do excesso de presença, que se considera estar na
origem de situações insustentáveis de penúria. Recuperar a sensação de
existir depende, pois, da ruptura com aquele cuja ausência, ou mesmo cuja
desaparição pura e simples, não se considera que seja vivenciada como uma
forma de perda. Implica também admitir que entre ele e nós inexiste
qualquer elemento comum. A angústia da aniquilação está, portanto, no
centro dos projetos contemporâneos de separação.

Nos dias atuais preferimos separar o outro e transformar-lo em objeto de ódio a tentar
entender-lo. A Revolução Francesa é vista como o acontecimento que deu origem a
modernidade, mas também foi o acontecimento que ao tentar pregar a igualdade, só mostrou
como nossas diferenças são permanecidas, ao tentar propagar liberdade, nos mostrou uma das
chagas que estava, está e vai estar presente no mundo por muito tempo, as conseqüências do
processo de colonização, e por último, nos mostrou que como a fraternidade sempre foi um
ideal bonito de se falar, porém nunca praticado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se devem criar dúvidas que a Revolução Francesa teve seu papel fundamental na criação
do mundo contemporâneo capitalista. Seus ideais são perseguidos, lembrados, ecoados e
muitas outras coisas até os dias de hoje, a forma mais clara de exposição que isso acontece é
este próprio artigo.

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Depois da revolução ficou mais claro do que nunca os efeitos nocivos causados no
ocidente devido a sociedade de castas. Ficou muito claro depois desse período que a Igreja
Católica só perderia poder e agora era a lei do dinheiro que reinava e não a lei do Deus
católico. Isso pode muito bem ser observado na dualidade de Jean Valjean e Javert na obra de
Victor Hugo “Os Miseráveis”, em que Jean Valjean foi preso por roubar um pedaço de pão
para sua irmã e passou anos preso e como contrapartida, temos o inspetor Javert, que busca
prender Jean pelos seus crimes contra a sociedade francesa liberal e capitalista.
O verdadeiro resultado da revolução que como dito anteriormente, não foi finalizada,
mas sim terminada, foi o do início de várias lutas em prol da empatia. O negro buscando sua
liberdade e depois disso o fim do racismo iniciado pelo colonizador. A mulher em busca de
sua cidadania e direitos que uma sociedade dominada por homens lhes negou. O proletriado
buscando a igualdade prometida pela revolução e nunca alcançada, ou pelo o direito de uma
vida digna.
O verdadeiro legado da revolução, é uma luta pelos seus idéias nunca esquecidos e
nunca alcançados. O ano de 1789 não foi apenas o ano da revolução, mas do surgimento das
lutas sociais que perduram e evoluíram até os dias de hoje. A Revolução de 1789 na França
nunca acabou, só mudou de forma.

REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Jussemar. A revolução francesa e a invenção social da pobreza. In: A história
da pobreza. Tese (Pós-Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.

HOBSBAWN, Eric J. Aera das Revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra. 2020.

LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. São Paulo: Ideias & Letras. 2020.

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições. 2021.

MBEMBE, Achille. Políticas da Inimizade. São Paulo: N-1 Edições. 2021.

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MORAES, Luís Edmundo. História Contemporânea: da Revolução Francesa à Primeira
Guerra Mundial. São Paulo: Contexto. 2019.

MORAIS, Océlio de Jesus Carneiro de. Fraternidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP.


Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.).
Tomo: Direitos Humanos. Wagner Balera, Carolina Alves de Souza Lima (coord. de tomo). 1.
ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/510/edicao-1/fraternidade-. Acesso em:
31/05/2022.

SCHMITT, Joessane de Freitas. As mulheres na Revolução Francesa. 19.p. Tese (Pós-


Graduação em Educação e Contemporaneidade) – Instituto Federal Sul-rio-grandense,
Pelotas.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos.


São Paulo: Contexto. 2020.

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