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BLOCO 01 -

Início: (conversa/ajustes)
Oi Ruy/Isa, cê tá me ouvindo? Eu tô te ouvindo, vc me ouve?
Isabela:
Eu tava aqui lembrando que outro dia eu ouvi o seguinte: o futuro é uma
ficção e se o agora não fosse bom, não se chamaria presente. E isso me fez
lembrar que quando eu era criança, minha mãe queria que eu fosse bailarina,
mas eu não queria, queria ser "escritor" como aquele que disse: "Ao
momento presente, deixe que ele respire como uma coisa viva, mas muito
cuidado, ele pode quebrar."
Ruy:
Na vida, as coisas mais doces custam muito a amadurecer. Mas isso é
pensamento de gente grande, deixa pra lá.
Mas o momento presente, como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos
com muito cuidado, ele pode quebrar.
Isa:
Num é? Às vezes as pessoas dizem: "Eu vou escrever quando me aposentar,
quando tiver mais velha, quando tiver tempo, aí então eu começo! Mas
acontece que não dá tempo. Então escolha uma música adequada — quem
sabe, Mozart, se quiser uma ilusão de dignidade. Melhor evitar o rock, o
samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o
momento presente.

Entra:
Lindacy cantando "Voa voa passarinho " + poesia
Bianca Poesia autoral
Bianca e Vitor Manoel de Barros
BLOCO 02-
Ruy:
Todos os dias, logo cedo dou uma piscadinha para Deus e peço: tomara que
as nossas vontades coincidam. E se não coincidirem, que a Sua prevaleça. Não
se preocupe, não tenha pressa. O que é seu, encontrará um caminho para
chegar até você. Deus não demora, ele capricha. E olhe devagar para o
momento presente, parado no canto do quarto ou esquecido sobre a mesa,
entre legumes, ou misturado às folhas abertas de algum jornal.
Isa:
Quando eu era jovem, eu tinha uma vida muito agitada, comecei a namorar
muito cedo. Adorava me apaixonar e de fato me apaixonei muitíssimas vezes.
Eu gostava de passear, ir ao teatro, cinema, viajar… essas coisas que todo
mundo gosta.
Ruy:
A sua vida só vai pra frente depois que você se desapega das pessoas que te
levam pra trás.
Se não for hoje, um dia será. Algumas coisas, por mais impossíveis e malucas
que pareçam, a gente sabe, bem no fundo, que foram feitas para um dia dar
certo.
Isa:
Mas aí a vida foi tomando um rumo de muitas emoções o tempo todo, cada
dia um novo drama… Acontece que de fato eu me apaixonava, mas depois
me desapaixonava. Era estranho, às vezes a pessoa me via e dizia: "Eu
encontrei a mulher da minha vida".
Eu também dizia "eu te amo meu bem", "vou te amar até morrer", essas
bobajadas que todo mundo fala. Eu enganei muitos homens, eu dizia uma
coisa pra um, depois outra coisa para outro, eu era muito mentirosa.
Entra: Nathalia - texto // Flávia - texto Gaivota
BLOCO 03-
Ruy:
Não se preocupe, não tenha pressa, contemple o momento presente e deixe
o vento soprar sobre ele. Tem horas que eu me perco sem você aqui, aí eu
lembro: tá tão longe de mim. E o meu coração grita: mas tá aqui dentro.
Contemple o momento presente dentro do silêncio mais absoluto. Mesmo
fechando todas as janelas, eu sei, é difícil evitar esses ruídos vindos da rua ou
esses rumores desconhecidos que acontecem às vezes dentro das paredes
dos apartamentos, principalmente onde habitam as pessoas solitárias. E
desligue a música, agora. Seja qual for, desligue.
Entram:
Marlon - Letra Caetano
Marcos - texto Solano
Raiane - texto Milsoul
BLOCO 04-
Isa:
Mas não sinta solidão, não sinta nada: você só tem olhos que olham o
momento presente, esteja ele — ou você — onde estiver. E não dói, não há
nada que provoque dor nesse olhar. Não há memória, também. Você nunca o
viu antes.
Ruy:
Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que
não pareça, foi meu grande gesto de coragem. Foram tantas brincadeiras,
tantas conversas, tantas risadas e olhe agora. Nem conversamos mais.
Isa:
Olha, eu não fazia o que eu fazia pra ofender a pessoa, só não dava para
continuar. Depois de um tempo acontecia alguma coisa química em mim, eu
enjoava, ia ficando tristinha… eu não sei... eu sou bastante complicada…
E aí, por causa disso, desse meu jeito, dessa minha inconstância, algumas
pessoas chegaram a me perseguir, tentaram me agredir, foi horrível!
(PAUSA/ interferência sonora a definir)
Eu sei que eu só queria ficar sempre sozinha, para poder escrever mais. E aos
33 anos eu resolvi me isolar num sítio para me dedicar à escrita, finalmente. E
foi maravilhoso. Eu escrevi tanto...
Ruy:

Abraça a tua loucura antes que seja tarde demais. E se você não o fizer, ele se
fará por si mesmo, o momento presente. Não chore sobre ele. No máximo
um suspiro. Mas que seja discreto, baixinho, quase inaudível.

Entram:
André - texto próprio
Roberto - texto Wally
BLOCO 05-
Isa:
Não ria dele, por mais ridículo que pareça. E escrever é mais ou menos uma
vocação. Você sente que aquele momento é o momento e que não há tempo
a perder.
Ruy:
Fique todo concentrado nessa falta absoluta de emoção. Não espere nada
dele, nenhuma alegria, nenhum incêndio no coração. Ele nada lhe dará, o
momento presente. Deixe que ele respire, como uma coisa viva. Respire você
também, como essa coisa viva que você é.
Isa:
Contemple-o de frente. Ele não reagirá, mesmo todo pulsante, ali à sua
frente.
Ruy:
Respire, respire. Conte até dez, até vinte talvez. Daqui a pouco ele vai
começar a se transformar em outra coisa, o momento presente. Qualquer
coisa inteiramente imprevisível? Você não sabe, eu não sei, ele não sabe: os
momentos presentes não têm o controle sobre si mesmos.
Isa:
Se o telefone tocar, atenda. Se a campainha chamar, abra a porta. Quando
estiver desocupado outra vez, procure-o novamente com os olhos. Ele já não
estará lá. Haverá outro em seu lugar.
Ruy:
E então, como a um bebê ou a um cristal, tome-o nas mãos com muito
cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Experimente então dizer
“eu te amo”. Ou qualquer coisa assim, para ninguém. Que comece agora! E
que seja permanente essa vontade de ir além daquilo que me espera. Eu
quero ser como as pedras e nunca sair daqui. Sempre estar, completamente,
onde estiver o meu ser.
Entra: Vitor

BLOCO 06-
Isa:
Tu não te moves de ti. Você vai sempre sentir a nostalgia de ter estado, ter
sido, ter amado. O que eu quero é “agarrar” o instante. O meu trabalho é
aquele instante, um segundo antes da flecha ser lançada, a tensão do arco, a
extrema tensão, o sol incidindo no instante do corte, é a rapidez de uma
navalha que com um golpe lancinante, fulminante, corta o teu pescoço. Cê
esqueceu? O futuro é uma ficção e ele pode quebrar o momento presente.

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