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OS DANOS DA RETÓRICA POPULISTA

DE EXTREMA-DIREITA SOBRE A
DEMOCRACIA
Atualmente na berlinda, a democracia é um dos termos mais
polissêmicos do vocabulário político.
Tailon Rodrigues Almeida e Nathália de Pina
Silva | ACidadeON/Araraquara19/8/2020 16:44

A
democracia corre risco em um contexto de ascensão do populismo da extrema-
direita? Atualmente na berlinda, a democracia é um dos termos mais polissêmicos do
vocabulário político. A trajetória do conceito tem viagem de longa data e nem sempre
teve o mesmo consenso sobre suas virtudes como adquiriu ao longo dos séculos XX e
XXI. O século XX foi testemunha da generalização da democracia enquanto forma de
governo, presenciando processos de democratização ao redor do mundo. Contudo, após
um período de expansão democrática e de aproximação entre Estado e sociedade civil,
crises de ordem política, institucional e representativa instauraram-se nas democracias
contemporâneas e colocaram em questão a legitimidade do regime. Aliada a isso, as
escaladas autoritárias de governos de extrema-direita aprofundaram o cenário de crise,
valendo-se do desgaste das classes políticas, dos partidos e da própria atividade política.

Essa crise da democracia representativa ocorre num contexto de


ascensão do populismo de extrema-direita, o qual consiste num estilo de
retórica política inflamada e anti-establishment, alimentada por
demandas de um eleitorado que se sente excluído ou negligenciado
pelas forças político-partidárias. Frequentemente, este fenômeno vem
associado a elementos de outras ideologias como o autoritarismo,
racismo, machismo, aversão a minorias políticas e ódio contra a
esquerda em geral. Em sua retórica, busca sempre a construção de um
inimigo a ser responsabilizado pelas frustrações coletivas e, mesmo
quando se estabelece no poder, procura atribuir a culpa de sua
incapacidade de lidar com problemas complexos aos segmentos
forjados em seu discurso como "inimigos do povo".  

Afinal, quais os perigos do populismo de extrema-direita para a


democracia? O quadro apresentado expõe, no limite, a suscetibilidade de
instituições e grupos políticos minoritários. O efeito corrosivo sobre
instituições democráticas promove a fragilidade e o desgaste
institucional e, além de incorrer em problemas de governabilidade e
desequilíbrio entre os poderes, tem efeito sobre a confiança política e a
legitimidade do regime democrático. Em relação às minorias políticas, os
impactos do populismo de extrema-direita são também perversos,
sobretudo quando encontra solo fértil no tecido social, isto é, quando
encontra lastro de acomodação em valores autoritários já arraigados na
sociedade brasileira, marcada pelo racismo estrutural, elevados índices
de feminicídio, crimes de homofobia, transfobia e outros. Isso afeta não
somente o desenvolvimento de políticas públicas em favor dessas
minorias, mas também intensifica formas de violência e segregação já
incidentes sobre elas.  

Os efeitos indiretos, por vezes não mencionados, do discurso populista


de extrema-direita são tão nefastos quanto suas ações diretas. O caso da
criança de apenas 10 anos, vítima de abusos sexuais e engravidada pelo
próprio tio, que teve sua identificação e o endereço onde faria o
procedimento de aborto legal divulgados por uma militante de extrema-
direita e foi constrangida por um grupo de fanáticos religiosos e
conservadores, é um exemplo de como o discurso pode incitar a
violência, mesmo que indiretamente. Outro exemplo recente é o caso do
mestre Moa do Katendê (63 anos), vítima de homicídio por motivação
política em outubro de 2018, na cidade de Salvador BA. O que faz com
que pessoas se sintam legitimadas a constranger direitos assegurados
constitucionalmente ou mesmo incitadas a praticar a violência explícita?
O problema não são apenas os despachos burocráticos de quem ocupa
cargos eletivos; a questão é que o discurso destes pode estimular
comportamentos intolerantes, autoritários e violentos de pessoas
comuns.   

OBS: O blog Multipli_Cidade é feito coletivamente e apresenta,


semanalmente, textos inéditos de uma rede de pesquisadores vinculados
ao Laboratório de Política e Governo da UNESP/Araraquara.

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