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PATOLOGIAS |
Trinca ou
fissura?
Como se originam, quais os tipos, as causas e as técnicas mais
recomendadas de recuperacao de fissuras
A fissuras so um tipo comum de
patologia nas edificagdes e podem
interferir na estética, na durabilidade e
nas caracteristicas estruturais da obra.
‘Tanto em alvenarias quanto nas estru-
turas de concreto, a fissura é originada
por conta da atuagdo de tensoes nos
materiais. Quando a solicitagao é
maior do que capacidade de resistén-
cia do material, a fissura tem a tendén-
cia de aliviar suas tensdes. Quanto
maior fora restri¢ao imposta ao movi-
mento dos materiais, ¢ quanto mais
frdgil ele for, maiores serdo a magnitu-
de ea intensidade da fissuragao.
‘A formagao das fissuras, como ex-
plicao engenheito Renato Sahade,dire-
tor técnico da ATS Engenharia e Con-
sultoria, est ligada a situagoes externas
‘ou internas, Entre as agdes externas a0s
componentes, estio as fissuras causa-
das por movimentagdes térmicas, hi-
_groscdpicas, sobrecargas, deformagtes
de elementos de concreto armado e re-
calques diferenciais. Entre as ages in-
ternas, as causas das fissuras estdo liga-
das & retragao dos produtos & base de
cimento ¢ as alteragdes quimicas dos
‘materiais de construgao.
A fissura pode ter origem em fases
diferentes da edificacao, como enume-
ra 0 engenheiro Paulo Grandiski, do
Tbape-SP (Instituto Brasileiro de Ava-
liagdes e Pericias de Engenharia de So
Paulo): “Em uma visio geral, simplifi-
cada, as origens das fissuras de uma
edificagao podem surgir na fase de
projetos—arquitetdnico, estrutural, de
fundacao, de instalages -, de execu-
‘20 da alvenaria, dos varios sistemas
Fissuragéo por corrosdo das armaduras provocando a queda do revestimento
Classificagao das fissuras em alvenari
Se
de acabamento e, inclusive, na fase de
utilizagao, por mau uso da unidade”
TTecnicamente, e de forma geral, 0
termo fissura é preferivel ao termo
trinca, Algumas normas e alguns peri-
tos podem classificar as fissuras com
diferentes nomes, conforme a sua es-
Forma de
manitestacéo
Quanto 8
atividade
Variagéo de
abertura
pessura, Segundo a norma de imper-
meabilizagdo (NBR 9575:2003), as mi-
crofissuras tém abertura inferior a 0,05
mm. As aberturas com até 0,5 mm sio
chamadas de fissuras e, por fim, as
maiores de 0,5 mm e menores de 1,0
mm so chamadas de trincas."Essa no-
TECHNE 160 | JULHO DE 2010|
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Tabela 1 - PROJETOS DE ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMADO — CLASSES DE AGRESSIVIDADE,
Classificagao | Relacao | Classede | Cobrimento —Exigéncias_/- Consumo
geraldo tipo Agua/—concreto | nominal minimo, | relativas @
de ambiente (NBR | emmm,para _fissuracdo, __cimento/m?
paraefeito maxima para 8953) _concreto armada. paraconcreto | de concreto,
de projeto Concreto Minima Lajes_ Viga/_ == armado = eemkg/m*
‘Armado~ CA ELS-W (NBR 12655:
2006)
I Freee ms 065 cz 20 25 | w<0,4mm 260
3 Submersa
§ 0] S| Moderada | Uroanay).2) | _ 0,60 cs) | 30 | mS 0.3mm 280
6 Marinha 1)
am 5 Forte saustiat),2| O° 30 35 | 40) ys 0,3mm 320
1V,__| Muito forte [Industrial 1), 3), 0,45 co) 45 | 50 | ms 0.2mm 360
Fonte: ng, Paulo Grands, com ase ra NBR 6118:2003 «NB 12655:2006
menclatura pode ser aplicada as trincas
passivas, que nao variam ao longo do
‘tempo, em fungao da variagao da tem-
peratura t6pica. J4 para as trincas ati-
vas, que variam conforme a respectiva
variagao higrotérmica, essa nomencla-
tura é inaplicével, pois a classificagao
‘mudaria conforme o instante da medi-
‘¢i0", argumenta Grandiski. A variagio
higrotermica é a acdo simultanea de
dilatagio e retracao provocada pela ab-
sorcao de agua e pela variagdo de tem-
peratura na edificacio.
O engenheiro do Ibape lembra,
ainda, que existem as fissuras com ori-
‘gem exégenas as obras. “No bastas-
Fissuragdo mapeada causada por
retragdo de secagem da argamassa
sem as fissuras e trincas endégenas
‘obra, nela podem surgir fissuras com
origem na natureza — como sismos,
ventos, enchentes etc, ~ e com origem
‘em obras vizinhas ~ como rebaixa-
mento do lencol fredtico, trepidagoes
‘causadas pelo cravamento de estacas,
escavagées lindeiras etc”
Tipos
4
A
Destacamento da argamassa de revestimento por movimentacéo térmica
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PATOLOGIAS |
Tabela 2— PRINCIPAIS CAUSAS DE FISSURACAO
Causas de fissuragdo _Aspectos particulares
Recalques S@ Assentamentos diferencias de fundacies diretas
de fundagéo 1®Variacao do teor de umidade dos solos argilosos
1m Heterogeneidade e deficiente compactacao de aterros etc.
‘Atuagio de sobrecargas wm Concentragéo de cargas etensées,
Deformagéo das 1 Pavimento inferior meis deformavel que o superior
estruturas de 1 Pavimento inferior menos deformavel que o superior
1 Pavimento inferior e superior com deformagéo idéntica
i Fissuragdo devida & deformacdo da regio em balango
1m Fissuragéo devida a rotacéo do pavimento no apoio
1m Fissuras de "bigode” nos vértices de aberturas
18 Deformacéo instanténea ou lenta do concreto
1s Fissuragéo devida aos movimentos das coberturas
concreto armado
Variagées
de temperature
1s Fissuragéo devida aos movimentos da prépria parede
Variagées 1B Movimentos reversiveis irreversiveis
de umidade
\m Fissuragdo devida aos movimentos das estruturas reticuladas,
1 Fissuragdo devido & variagdo do teor de umidade por causas externas
1 Fissuraclo devido 8 variagdo natural do teor de umidade dos materais
1 Fissuracio devida a retracSo das argamassas
\m Fissuragéo devida 8 expanséo irreversivel dos produtos cerémicos
‘Maques quimicos 1m Hidratagéo retardada da cal
| Expanséo das argamassas e concretos por acio dos sultatos,
im Retracéo das argamassas por carbonatacéo
Outros casos Im Acées acidentais(sismo, incEndias e impactos fortutos)
de issuragéo
"= Choque térmico
1m Retragdo da argamassa e expansio irreversivel de produtos cerdmicos
1 Envelhecimento e degradagéo natural dos materiaise das estruturas
Fonte: Avaiagi de Sistemas de Recuperaca dessus emAlvnaria deVedqio, Renato Sahade
‘Tabela 3 - FISSURAS E PROCEDIMENTOS DE RECUPERACAO
Geométricas Mapeadas:
Ativas ‘ Ativas
Sazoni Progressivas Passives Sazonais Passivas
‘= Membranas | mi Reforgode | Substituiggo do i Membranas acricas | m Papel de parede interno)
acrticas tundagéo revestimento sm Pepel de parede | m Substiuigéodo
= Bandagem sm Reforgo Tela metalica (interno) revestimento
Tela metélica ‘estrutural mTirante ‘im Argamassa armada
weTirante sm Armadura horizontal 1 Pintua convencional
‘m Selagem ‘@ Substituigdo de
fe Junta de unidades daniicades
rmovimentagéo ou tm Argamasse armada
de controle 1 Grampeamento
Fonte: Aviagio de Stmas de Recuperac dessus em Avenava deed, Renato Shade
podem representar problemas estrutu-
rais, que devem ser corrigidos antes do
‘ratamento das fissuras—que neste caso
so chamadas de progressivas. As cau-
sas desses problemas devem ser deter-
minadas por meio de observacdes ¢
anélise da estrutura
Por fim, as passivas (também cha-
50es oscilam em torno de um valor
médio—oscilantes~e podem ser corre-
lacionadas com a variagao de tempera-
tura e umidade ~ sazonais -, entao as
fissuras, embora ativas, nao indicam
ocorréncia de problemas estruturais’,
afirma Renato Sahade. Mas eelasapre-
sentarem abertura sempre crescente,
madas de mortas) séo causadas por so-
licitagdes quendo apresentam variagdes
sensiveisao longo do tempo. E, porisso,
podem ser consideradas estabilizadas.
Causas e riscos,
‘Apesar de muitas vezes a configu-
ragdo de uma fissura parecer seme-
TECHNE 160 | JULHO DE 2010Recuperagao passo a passo
Preparacao da superficie
‘mA fissura foi aberta em um perfil em
forma de "V", por meio de disco de
corte, para apresentar aproximadamente
1,0.cm de profundidade e 1,0 cm de
largura (oto 2)
'= Oacabamento da parede foi removido
‘em uma faixa de cerca de 20.cm em torno
da fissure, contados 10 cm para cada lado,
até atingir 0 reboco, para remover todo o
sistema de pintura existente (massa
acrilicaetinta) (foto 2)
‘m= Com um pincel 2", eliminou-se todo 0
6 da fissura aberta, bem como das
faixas laterals
Fundo
1 Senecessério (caso 0 substrato no
estivercoeso), 6 apicado um fundo
ppreparador de paredes.O produto é aplicado
‘com trincha na fisura e nas fivaslaterais,
P
‘Abertura de sulco sobre a fissura
i
Remogao do acabamento da parede
Ihante a outra, suas causas podem ser
bastante diferentes. “Uma fissura de
deformagao de estrutura, por exem-
plo, pode ser parecida com uma de
recalque de fundacao. Uma de dilata-
io térmica pode ser igual a uma de
Tratamento da fissura
fm Preenche-se a fissura com duas demos
de selante acrlico por meio de aplicador.
Ustlizou-se uma espétula nessa aplicacéo,
para que o material fosse bem compactado
no interior da fssura (foto 3)
sm Em seguida, foi necessério aguardar
48 horas, no minimo, para secagem
entre demos
‘= Aguardou-se intervalo de 24 horas para
ssecagem da Ultima demo do selante
acrilico (foto 4)
f= Uma farta demo de impermeabilizante
actilico foi aplicada,diluido com 10% de
gua, sobre a fssura e as faixas laterals,
(foto 5)
'm Fo preciso aguardar seis horas para
a secagem
‘ Uma segunda demo de
impermeabilizante acrilico foi aplicada, da
‘mesma forma que no item anterior,
Secagem da fssura selada
retragao de secagem. Por isso, ¢ preci-
so ter um treinamento e certa experi-
éncia para, com uma inspegio visual,
chegar a causa’, afirma Ercio Thomaz,
pesquisador do IPT (Instituto de Pes-
‘quisas Tecnol6gicas). Segundo ele, na
fixando-se, nessa etapa, uma tela de
poliéster, de 20 cm de largura, sobre toda
a faixa da fissura, tendo como orientagéo 0
celxo da trinca (foto 6)
1m Para a secagem completa, foi
necessirio aguardar seis horas
‘Acabamento final
1= Um novo nivelamento foi executado,
sobre as partes anteriormente
rebaivadas, com massa acrilica, aplicada
em camadas finas e sucessivas, n3o
ultrapassando espessura final superior
de3mm
‘m Foram aplicadas duas demos de
tintalétex acrilica, com diluigdo de 30%
‘a 40% de agua na primeira demo, e de
110% a 20% na segunda, usando-se um
rolo de la para aplicacéo. Foi necessério
observar um intervalo de quatro horas,
entre as demaos
Aplicagao de impermeabilizante acrilico
@
‘Segunda demao de impermeabilizante
estruturado em tela de poliéster
maior parte das vezes a fissura € ins-
pecionada visualmente e, assim, 0
diagnéstico € muito dependente da
experiéncia do profissional. Mas €
possivel, também, fazer anilises com
auxilio de instrumentagao. »60
PATOLOGIAS |
Os danos que uma fissura pode
representar & edificagao sto bastante
varidvels. “Depende muito do ele-
mento. Por exemplo: uma microfis-
sura em concreto protendido pode
ser sintoma de uma sobrecarga consi-
deravel. Uma fissura capilar, de 0,1
mm, no meio de uma viga, de concre-
to armado, nao quer dizer nada. Mas
se for préximo de um apoio, pode in-
dicar efeito de uma forga cortante ejé
pode ser um sintoma de sobrecarga
consideravel”, compara Thomaz. Ge-
ralmente, fissuras na alvenaria repre~
sentam menos riscos do que em vigas
e pilares. Mas é preciso ter cuidado,
pois uma patologia na alvenaria pode
ser consequéncia de um problema es-
trutural mais sério,
Em uma edificagao existem as fis-
suras admissiveis, que so aceitas ou
previstas no projeto, O projeto estru-
tural precisa ser elaborado conforme
a respectiva classe de agressividade
ambiental ~segundo a norma de Pro-
jetos de Estruturas de Concreto (NBR
6118:2003), pois 0 mesmo projeto
no pode ser executado na zona urba-
na da cidade de Sao Paulo e na orla
maritima de Santos, por exemplo. A
desobediéncia a essas disposigdes es-
truturais pode implicar 0 surgimento
de fissuras.
“além dos ‘wk, que constituem
‘fissuras planejadas nos projetos das
estruturas, o projeto deve prever jun-
tas de dilatacao estruturais para evi-
tar 0 surgimento de fissuras de ori-
gem térmica em extens6es superiores
2.20 m, por exemplo’, afirma Paulo
Grandiski.As juntas de dilatagio, ob-
serva Grandiski, nao devem ser veda-
das pelo acabamento. Se isso nado for
obedecido, surgirao fissuras nesse
acabamento devido a dilatacdo tér-
mica da estrutura.
Na execugao de uma obra, algu-
mas imprudéncias comuns podem
gerar fissuras. A NBR 7200:1998 & a
norma geral de execugao de revesti-
mentos de paredes e tetos de arga~
‘massas inorganicas, e indica os inter~
valos minimos de execugao entre
cada etapa do trabalho. A norma diz,
que, entre a execugao da estrutura de
concreto e a alvenaria, é preciso espe-
Fissuras geométricas nas juntas e assentamentos (A) e no proprio tijolo (8)
rar pelo menos 28 dias. “Atualmente
esses prazos costumam ser desobede-
cidos, dai resultando em trincas efis-
suras. Por exemplo: se o reboco for
aplicado antes do prazo minimo, en-
quanto 0 embogo ainda esté retrain-
do, podem surgir no reboco fissuras
‘mapeadas’, alerta Grandiski.
Outro problema recorrente cita-
do pelo engenheiro do Ibape é a so-
brecarga na edificagio. Durante a
execugio da obra sio colocadas pilhas
de sacos de cimento, tijolos ou acti-
mulo de areia ou entulho sobre as
lajes, atingindo cargas superiores a
900 kg/m®. “Isso € muito superior as
cargas teéricas estabelecidas na NBR
6120:1980. Por exemplo, para prédios
de escrit6rios, as lajes devem ser pro-
jetadas para suportar cerca de 270 kg/
rm’, com piso e forro””
Bastante comum, também, é a fis
sura de origem higrotérmica. Elas si0,
resultantes dos pontos de contato de
‘materiaisqueapresentamsimultanea-
mente coeficientes de dilatagao tér-
mica diferentes, e diferentes dilata-
«Ges provocadas pela maior ou menor
absorgao de agua. E 0 caso das areas
de contato entre as estruturas de con-
creto armado e as alvenarias, quando
passam por ciclos de recebimento de
sol e chuva. Nos tiltimos andares dos
edificios esse fenomeno costuma ficar
bastante visivel quando a pintura do
revestimento externo perde sua capa-
cidade hidrofugante.
Técnicas de recuperacio
engenheiro Renato Sahade ava-
liou, em dissertagdo de mestrado apre-
sentada ao IPT, os principais sistemas
de recuperagio de fissuras em alvena-
rias. Todos esto indicados de acordo
com as caracteristicas tipicas das fissu-
ras, Portanto, 0 primeiro passo para
recuperar uma fissura é chegar & defi-
nigo precisa da sua causa.
“Quando a fissura ¢ de origem es-
trutural, sua recuperagao é mais com-
plicada. Uma fissura mais superficial,
mapeada, tem recuperagao mais sim-
ples. Independentemente disso, é pre-
ciso ter um treinamento da mao de
obra’, alerta Sahade. As fissuras, no
geral, sio recuperadas com a aplica-
gio de produtos flexiveis, como 5
antes eldsticos. “Alguns procedimen-
tos demoram a ser feitos, porque é
preciso abrir a fissura, fazer a limpe-
za,aplicar os produtos e esperar secar.
Mas hé outros mais simples, que em
dois dias o trabalho jé esta conclutdo”,
afirma, Entre os produtos, hé, inclusi-
ve, tintas especiais para fachadas, com
maior capacidade de tolerar defor-
magGes sem fissurar.
Independente do sistema utilizado,
a solugdo deve ser compativel com a
construgio, para alterar 0 minimo pos-
sivel as suas caracteristicas. Também
deve ter durabilidade e, ainda, ser passi-
vel de remogao sem que danifique os
‘ateriais originais da edificagao.
Confira a descrigao do sistema
que se baseia em membranas acrilicas
e selagem. “Na pratica, é um dos mais
conhecidos e utilizados no mercado
nacional. Mas é 0 menos aplicado de
forma correta, em fungao da quanti-
dade de atividades nem sempre res-
peitadas’, afirma Sahade. Para a recu-
peracao propriamente dita, foram
empregados quatro materiais: 0
fundo preparador de paredes, 0 se~
lante acrilico,o impermeabilizante de
lajes e paredes ea tela de poliéster. «
Fe Ci
TECHNE 160 | JULHO DE 2010,