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56 PATOLOGIAS | Trinca ou fissura? Como se originam, quais os tipos, as causas e as técnicas mais recomendadas de recuperacao de fissuras A fissuras so um tipo comum de patologia nas edificagdes e podem interferir na estética, na durabilidade e nas caracteristicas estruturais da obra. ‘Tanto em alvenarias quanto nas estru- turas de concreto, a fissura é originada por conta da atuagdo de tensoes nos materiais. Quando a solicitagao é maior do que capacidade de resistén- cia do material, a fissura tem a tendén- cia de aliviar suas tensdes. Quanto maior fora restri¢ao imposta ao movi- mento dos materiais, ¢ quanto mais frdgil ele for, maiores serdo a magnitu- de ea intensidade da fissuragao. ‘A formagao das fissuras, como ex- plicao engenheito Renato Sahade,dire- tor técnico da ATS Engenharia e Con- sultoria, est ligada a situagoes externas ‘ou internas, Entre as agdes externas a0s componentes, estio as fissuras causa- das por movimentagdes térmicas, hi- _groscdpicas, sobrecargas, deformagtes de elementos de concreto armado e re- calques diferenciais. Entre as ages in- ternas, as causas das fissuras estdo liga- das & retragao dos produtos & base de cimento ¢ as alteragdes quimicas dos ‘materiais de construgao. A fissura pode ter origem em fases diferentes da edificacao, como enume- ra 0 engenheiro Paulo Grandiski, do Tbape-SP (Instituto Brasileiro de Ava- liagdes e Pericias de Engenharia de So Paulo): “Em uma visio geral, simplifi- cada, as origens das fissuras de uma edificagao podem surgir na fase de projetos—arquitetdnico, estrutural, de fundacao, de instalages -, de execu- ‘20 da alvenaria, dos varios sistemas Fissuragéo por corrosdo das armaduras provocando a queda do revestimento Classificagao das fissuras em alvenari Se de acabamento e, inclusive, na fase de utilizagao, por mau uso da unidade” TTecnicamente, e de forma geral, 0 termo fissura é preferivel ao termo trinca, Algumas normas e alguns peri- tos podem classificar as fissuras com diferentes nomes, conforme a sua es- Forma de manitestacéo Quanto 8 atividade Variagéo de abertura pessura, Segundo a norma de imper- meabilizagdo (NBR 9575:2003), as mi- crofissuras tém abertura inferior a 0,05 mm. As aberturas com até 0,5 mm sio chamadas de fissuras e, por fim, as maiores de 0,5 mm e menores de 1,0 mm so chamadas de trincas."Essa no- TECHNE 160 | JULHO DE 2010 | | | Tabela 1 - PROJETOS DE ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMADO — CLASSES DE AGRESSIVIDADE, Classificagao | Relacao | Classede | Cobrimento —Exigéncias_/- Consumo geraldo tipo Agua/—concreto | nominal minimo, | relativas @ de ambiente (NBR | emmm,para _fissuracdo, __cimento/m? paraefeito maxima para 8953) _concreto armada. paraconcreto | de concreto, de projeto Concreto Minima Lajes_ Viga/_ == armado = eemkg/m* ‘Armado~ CA ELS-W (NBR 12655: 2006) I Freee ms 065 cz 20 25 | w<0,4mm 260 3 Submersa § 0] S| Moderada | Uroanay).2) | _ 0,60 cs) | 30 | mS 0.3mm 280 6 Marinha 1) am 5 Forte saustiat),2| O° 30 35 | 40) ys 0,3mm 320 1V,__| Muito forte [Industrial 1), 3), 0,45 co) 45 | 50 | ms 0.2mm 360 Fonte: ng, Paulo Grands, com ase ra NBR 6118:2003 «NB 12655:2006 menclatura pode ser aplicada as trincas passivas, que nao variam ao longo do ‘tempo, em fungao da variagao da tem- peratura t6pica. J4 para as trincas ati- vas, que variam conforme a respectiva variagao higrotérmica, essa nomencla- tura é inaplicével, pois a classificagao ‘mudaria conforme o instante da medi- ‘¢i0", argumenta Grandiski. A variagio higrotermica é a acdo simultanea de dilatagio e retracao provocada pela ab- sorcao de agua e pela variagdo de tem- peratura na edificacio. O engenheiro do Ibape lembra, ainda, que existem as fissuras com ori- ‘gem exégenas as obras. “No bastas- Fissuragdo mapeada causada por retragdo de secagem da argamassa sem as fissuras e trincas endégenas ‘obra, nela podem surgir fissuras com origem na natureza — como sismos, ventos, enchentes etc, ~ e com origem ‘em obras vizinhas ~ como rebaixa- mento do lencol fredtico, trepidagoes ‘causadas pelo cravamento de estacas, escavagées lindeiras etc” Tipos 4 A Destacamento da argamassa de revestimento por movimentacéo térmica 37 58 PATOLOGIAS | Tabela 2— PRINCIPAIS CAUSAS DE FISSURACAO Causas de fissuragdo _Aspectos particulares Recalques S@ Assentamentos diferencias de fundacies diretas de fundagéo 1®Variacao do teor de umidade dos solos argilosos 1m Heterogeneidade e deficiente compactacao de aterros etc. ‘Atuagio de sobrecargas wm Concentragéo de cargas etensées, Deformagéo das 1 Pavimento inferior meis deformavel que o superior estruturas de 1 Pavimento inferior menos deformavel que o superior 1 Pavimento inferior e superior com deformagéo idéntica i Fissuragdo devida & deformacdo da regio em balango 1m Fissuragéo devida a rotacéo do pavimento no apoio 1m Fissuras de "bigode” nos vértices de aberturas 18 Deformacéo instanténea ou lenta do concreto 1s Fissuragéo devida aos movimentos das coberturas concreto armado Variagées de temperature 1s Fissuragéo devida aos movimentos da prépria parede Variagées 1B Movimentos reversiveis irreversiveis de umidade \m Fissuragdo devida aos movimentos das estruturas reticuladas, 1 Fissuragdo devido & variagdo do teor de umidade por causas externas 1 Fissuraclo devido 8 variagdo natural do teor de umidade dos materais 1 Fissuracio devida a retracSo das argamassas \m Fissuragéo devida 8 expanséo irreversivel dos produtos cerémicos ‘Maques quimicos 1m Hidratagéo retardada da cal | Expanséo das argamassas e concretos por acio dos sultatos, im Retracéo das argamassas por carbonatacéo Outros casos Im Acées acidentais(sismo, incEndias e impactos fortutos) de issuragéo "= Choque térmico 1m Retragdo da argamassa e expansio irreversivel de produtos cerdmicos 1 Envelhecimento e degradagéo natural dos materiaise das estruturas Fonte: Avaiagi de Sistemas de Recuperaca dessus emAlvnaria deVedqio, Renato Sahade ‘Tabela 3 - FISSURAS E PROCEDIMENTOS DE RECUPERACAO Geométricas Mapeadas: Ativas ‘ Ativas Sazoni Progressivas Passives Sazonais Passivas ‘= Membranas | mi Reforgode | Substituiggo do i Membranas acricas | m Papel de parede interno) acrticas tundagéo revestimento sm Pepel de parede | m Substiuigéodo = Bandagem sm Reforgo Tela metalica (interno) revestimento Tela metélica ‘estrutural mTirante ‘im Argamassa armada weTirante sm Armadura horizontal 1 Pintua convencional ‘m Selagem ‘@ Substituigdo de fe Junta de unidades daniicades rmovimentagéo ou tm Argamasse armada de controle 1 Grampeamento Fonte: Aviagio de Stmas de Recuperac dessus em Avenava deed, Renato Shade podem representar problemas estrutu- rais, que devem ser corrigidos antes do ‘ratamento das fissuras—que neste caso so chamadas de progressivas. As cau- sas desses problemas devem ser deter- minadas por meio de observacdes ¢ anélise da estrutura Por fim, as passivas (também cha- 50es oscilam em torno de um valor médio—oscilantes~e podem ser corre- lacionadas com a variagao de tempera- tura e umidade ~ sazonais -, entao as fissuras, embora ativas, nao indicam ocorréncia de problemas estruturais’, afirma Renato Sahade. Mas eelasapre- sentarem abertura sempre crescente, madas de mortas) séo causadas por so- licitagdes quendo apresentam variagdes sensiveisao longo do tempo. E, porisso, podem ser consideradas estabilizadas. Causas e riscos, ‘Apesar de muitas vezes a configu- ragdo de uma fissura parecer seme- TECHNE 160 | JULHO DE 2010 Recuperagao passo a passo Preparacao da superficie ‘mA fissura foi aberta em um perfil em forma de "V", por meio de disco de corte, para apresentar aproximadamente 1,0.cm de profundidade e 1,0 cm de largura (oto 2) '= Oacabamento da parede foi removido ‘em uma faixa de cerca de 20.cm em torno da fissure, contados 10 cm para cada lado, até atingir 0 reboco, para remover todo o sistema de pintura existente (massa acrilicaetinta) (foto 2) ‘m= Com um pincel 2", eliminou-se todo 0 6 da fissura aberta, bem como das faixas laterals Fundo 1 Senecessério (caso 0 substrato no estivercoeso), 6 apicado um fundo ppreparador de paredes.O produto é aplicado ‘com trincha na fisura e nas fivaslaterais, P ‘Abertura de sulco sobre a fissura i Remogao do acabamento da parede Ihante a outra, suas causas podem ser bastante diferentes. “Uma fissura de deformagao de estrutura, por exem- plo, pode ser parecida com uma de recalque de fundacao. Uma de dilata- io térmica pode ser igual a uma de Tratamento da fissura fm Preenche-se a fissura com duas demos de selante acrlico por meio de aplicador. Ustlizou-se uma espétula nessa aplicacéo, para que o material fosse bem compactado no interior da fssura (foto 3) sm Em seguida, foi necessério aguardar 48 horas, no minimo, para secagem entre demos ‘= Aguardou-se intervalo de 24 horas para ssecagem da Ultima demo do selante acrilico (foto 4) f= Uma farta demo de impermeabilizante actilico foi aplicada,diluido com 10% de gua, sobre a fssura e as faixas laterals, (foto 5) 'm Fo preciso aguardar seis horas para a secagem ‘ Uma segunda demo de impermeabilizante acrilico foi aplicada, da ‘mesma forma que no item anterior, Secagem da fssura selada retragao de secagem. Por isso, ¢ preci- so ter um treinamento e certa experi- éncia para, com uma inspegio visual, chegar a causa’, afirma Ercio Thomaz, pesquisador do IPT (Instituto de Pes- ‘quisas Tecnol6gicas). Segundo ele, na fixando-se, nessa etapa, uma tela de poliéster, de 20 cm de largura, sobre toda a faixa da fissura, tendo como orientagéo 0 celxo da trinca (foto 6) 1m Para a secagem completa, foi necessirio aguardar seis horas ‘Acabamento final 1= Um novo nivelamento foi executado, sobre as partes anteriormente rebaivadas, com massa acrilica, aplicada em camadas finas e sucessivas, n3o ultrapassando espessura final superior de3mm ‘m Foram aplicadas duas demos de tintalétex acrilica, com diluigdo de 30% ‘a 40% de agua na primeira demo, e de 110% a 20% na segunda, usando-se um rolo de la para aplicacéo. Foi necessério observar um intervalo de quatro horas, entre as demaos Aplicagao de impermeabilizante acrilico @ ‘Segunda demao de impermeabilizante estruturado em tela de poliéster maior parte das vezes a fissura € ins- pecionada visualmente e, assim, 0 diagnéstico € muito dependente da experiéncia do profissional. Mas € possivel, também, fazer anilises com auxilio de instrumentagao. » 60 PATOLOGIAS | Os danos que uma fissura pode representar & edificagao sto bastante varidvels. “Depende muito do ele- mento. Por exemplo: uma microfis- sura em concreto protendido pode ser sintoma de uma sobrecarga consi- deravel. Uma fissura capilar, de 0,1 mm, no meio de uma viga, de concre- to armado, nao quer dizer nada. Mas se for préximo de um apoio, pode in- dicar efeito de uma forga cortante ejé pode ser um sintoma de sobrecarga consideravel”, compara Thomaz. Ge- ralmente, fissuras na alvenaria repre~ sentam menos riscos do que em vigas e pilares. Mas é preciso ter cuidado, pois uma patologia na alvenaria pode ser consequéncia de um problema es- trutural mais sério, Em uma edificagao existem as fis- suras admissiveis, que so aceitas ou previstas no projeto, O projeto estru- tural precisa ser elaborado conforme a respectiva classe de agressividade ambiental ~segundo a norma de Pro- jetos de Estruturas de Concreto (NBR 6118:2003), pois 0 mesmo projeto no pode ser executado na zona urba- na da cidade de Sao Paulo e na orla maritima de Santos, por exemplo. A desobediéncia a essas disposigdes es- truturais pode implicar 0 surgimento de fissuras. “além dos ‘wk, que constituem ‘fissuras planejadas nos projetos das estruturas, o projeto deve prever jun- tas de dilatacao estruturais para evi- tar 0 surgimento de fissuras de ori- gem térmica em extens6es superiores 2.20 m, por exemplo’, afirma Paulo Grandiski.As juntas de dilatagio, ob- serva Grandiski, nao devem ser veda- das pelo acabamento. Se isso nado for obedecido, surgirao fissuras nesse acabamento devido a dilatacdo tér- mica da estrutura. Na execugao de uma obra, algu- mas imprudéncias comuns podem gerar fissuras. A NBR 7200:1998 & a norma geral de execugao de revesti- mentos de paredes e tetos de arga~ ‘massas inorganicas, e indica os inter~ valos minimos de execugao entre cada etapa do trabalho. A norma diz, que, entre a execugao da estrutura de concreto e a alvenaria, é preciso espe- Fissuras geométricas nas juntas e assentamentos (A) e no proprio tijolo (8) rar pelo menos 28 dias. “Atualmente esses prazos costumam ser desobede- cidos, dai resultando em trincas efis- suras. Por exemplo: se o reboco for aplicado antes do prazo minimo, en- quanto 0 embogo ainda esté retrain- do, podem surgir no reboco fissuras ‘mapeadas’, alerta Grandiski. Outro problema recorrente cita- do pelo engenheiro do Ibape é a so- brecarga na edificagio. Durante a execugio da obra sio colocadas pilhas de sacos de cimento, tijolos ou acti- mulo de areia ou entulho sobre as lajes, atingindo cargas superiores a 900 kg/m®. “Isso € muito superior as cargas teéricas estabelecidas na NBR 6120:1980. Por exemplo, para prédios de escrit6rios, as lajes devem ser pro- jetadas para suportar cerca de 270 kg/ rm’, com piso e forro”” Bastante comum, também, é a fis sura de origem higrotérmica. Elas si0, resultantes dos pontos de contato de ‘materiaisqueapresentamsimultanea- mente coeficientes de dilatagao tér- mica diferentes, e diferentes dilata- «Ges provocadas pela maior ou menor absorgao de agua. E 0 caso das areas de contato entre as estruturas de con- creto armado e as alvenarias, quando passam por ciclos de recebimento de sol e chuva. Nos tiltimos andares dos edificios esse fenomeno costuma ficar bastante visivel quando a pintura do revestimento externo perde sua capa- cidade hidrofugante. Técnicas de recuperacio engenheiro Renato Sahade ava- liou, em dissertagdo de mestrado apre- sentada ao IPT, os principais sistemas de recuperagio de fissuras em alvena- rias. Todos esto indicados de acordo com as caracteristicas tipicas das fissu- ras, Portanto, 0 primeiro passo para recuperar uma fissura é chegar & defi- nigo precisa da sua causa. “Quando a fissura ¢ de origem es- trutural, sua recuperagao é mais com- plicada. Uma fissura mais superficial, mapeada, tem recuperagao mais sim- ples. Independentemente disso, é pre- ciso ter um treinamento da mao de obra’, alerta Sahade. As fissuras, no geral, sio recuperadas com a aplica- gio de produtos flexiveis, como 5 antes eldsticos. “Alguns procedimen- tos demoram a ser feitos, porque é preciso abrir a fissura, fazer a limpe- za,aplicar os produtos e esperar secar. Mas hé outros mais simples, que em dois dias o trabalho jé esta conclutdo”, afirma, Entre os produtos, hé, inclusi- ve, tintas especiais para fachadas, com maior capacidade de tolerar defor- magGes sem fissurar. Independente do sistema utilizado, a solugdo deve ser compativel com a construgio, para alterar 0 minimo pos- sivel as suas caracteristicas. Também deve ter durabilidade e, ainda, ser passi- vel de remogao sem que danifique os ‘ateriais originais da edificagao. Confira a descrigao do sistema que se baseia em membranas acrilicas e selagem. “Na pratica, é um dos mais conhecidos e utilizados no mercado nacional. Mas é 0 menos aplicado de forma correta, em fungao da quanti- dade de atividades nem sempre res- peitadas’, afirma Sahade. Para a recu- peracao propriamente dita, foram empregados quatro materiais: 0 fundo preparador de paredes, 0 se~ lante acrilico,o impermeabilizante de lajes e paredes ea tela de poliéster. « Fe Ci TECHNE 160 | JULHO DE 2010,

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