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Provável assassinato de desaparecidos na Amazônia

teve método usado pelos militares na guerrilha do


Araguaia
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13 de junho de 2022

Denise Assis
Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja;
Isto É e o Dia. Autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e
"Imaculada". Membro do Jornalistas pela Democracia

Denise Assis relata que na durante o conflito, militares abriam o ventre dos mortos,
retiravam as vísceras e jogavam no rio para ser comido pelos peixes

(Foto: REUTERS/Bruno Kelly | Funai | Reprodução/Twitter)

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Por Denise Assis, para o 247

No primeiro dia (05/06) do desaparecimento, na Amazônia, do indigenista Bruno


Pereira, (41 anos), e do jornalista, Dom Philips, (57 anos), ainda sem que houvesse uma
investigação mais aprofundada, Bolsonaro declarou que eles se meteram numa “aventura”
e que poderiam ter sido executados.

Não houve perguntas sobre a base para a sua afirmação. Tampouco agora, quando
declarou à Rádio CBN de Recife que ambos talvez tenham sido submetidos a "alguma
maldade". Bolsonaro demonstra, desde o primeiro minuto, que quer dar ao tema um tom
de “normalidade”, quando duas prováveis mortes, e tudo leva a crer, com requintes de
tortura, nada têm de normal. A impressão que se tem é que ele sabe mais do que fala.

"Os indícios levam a crer que fizeram alguma maldade com eles, porque já foram
encontradas boiando no rio vísceras humanas que já estão em Brasília para fazer DNA”.
Calculou também, que pelo prazo entre oito e nove dias de desaparecimento, “vai ser
muito difícil encontrá-los com vida. Peço a Deus que isso aconteça".

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Por enquanto, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como "Pelado", de 41
anos, é a única pessoa investigada por suspeita de envolvimento nos desaparecimentos.
Ontem (12/06) as equipes de buscas encontraram pertences dos dois. Nesta segunda-feira
(13/06), a mulher do jornalista britânico, Alessandra Sampaio, disse que os corpos dele e
do indigenista foram encontrados. Mas as autoridades que atuam nas buscas, lideradas
pela Polícia Federal (PF), não confirmam a informação.

Amarildo, o Pelado, foi preso na terça-feira, dia 07, e durante buscas na casa dele
policiais militares encontraram uma porção de droga, além de munição de uso restrito das
Forças Armadas. Na ocasião, foi também apreendida uma lancha, usada por ele.

No domingo, dia em que o indigenista e o jornalista desapareceram, ele foi visto por
ribeirinhos passando no rio logo atrás da embarcação dos dois, no trajeto entre a
comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, destino da dupla. Em
sua lancha foram encontrados vestígios de sangue, mas ele alega inocência.

A partir daqui é preciso prestar a atenção em alguns detalhes que, no mínimo,


poderíamos chamar de instigantes. Há quem vá se lembrar da “invasão” de cerca de 200
balsas de garimpo fazendo um verdadeiro paredão próximo às comunidades indígenas,
naquela região. Aconteceu alguma coisa? Alguém foi punido? Não se tem notícias. Ou
seja, há, no mínimo, uma leniência sobre os abusos e malfeitos que por lá acontecem.
Houve denúncia do “sumiço” de 25 yanomamis. Apuração sobre o caso? A que resultado
chegaram?

De acordo com o portal “Amazônia- Notícia e Informação”, do dia 10 de junho, segundo


dados do Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), “o mês de maio
totalizou 900 km² de área sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal. O número é o
segundo maior em seis anos, ficando atrás apenas de maio de 2021 que totalizou 1.391

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km² de desmate. Mesmo com os números de maio ficando atrás da soma dos alertas de
2021, o compilado dos cinco meses de 2022 já é cerca de 8% maior do que o ano anterior”.
Em sua fala na Cúpula das Américas, Bolsonaro disse que o Brasil preserva a floresta.

O descaso tanto para com a Amazônia, quanto para com o trabalho de buscas fez eco lá
fora. A alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH),
Michelle Bachelet, classificou de “lenta” a ação para localizar os desaparecidos e painéis
com os rostos de Bruno e Dom circulam pela Europa com a pergunta: onde estão?

E, detalhe: o fato de Amarildo portar armas de uso exclusivo das Forças Armadas não
pode ser considerado irrelevante. Tampouco terem sido encontradas vísceras boiando no
rio.

Era o ano de 1993, e eu estava prestes a embarcar para cumprir a pauta: “Araguaia, 20
anos depois”, (Revista manchete de fevereiro daquele ano) na companhia do então líder
do PC do B, Haroldo Lima e da responsável pelo recrutamento e condução dos jovens que
optavam pela luta no palco da selva. Antes, fui ter com um tenente que havia servido no
Araguaia, num domingo à tarde, para tentar obter dicas e informações. Ele me recebeu
com cordialidade e começou o seu relato, após o almoço. Desmentiu que os corpos dos
guerrilheiros tenham sido queimados na Serra das Andorinha, e detalhou como eram
obrigados a participar dos “desaparecimentos”.

Contou que abriam o ventre dos mortos, retiravam as vísceras e jogavam no rio, porque
rapidamente elas seriam comidas pelos peixes. Em seguida colocavam pesos no interior
dos corpos, os ensacavam e jogavam na água. Antes, porém, tinham o “cuidado” de cortar
as cabeças e as mãos. As cabeças eram enterradas em sacos plásticos, depois de
fotografadas. Quanto às mãos, eram enviadas para o Comando, a fim de identificarem os
“abatidos”. Ao fim do relato ele vomitou no meu sapato. Teve pico de pressão e
interrompeu o relato para ser hospitalizado.

No ano de 2014, em audiência à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o agente do


Centro de Informações do Exército e coronel do Exército brasileiro, Paulo Malhães, fez
um relato muito parecido em seu depoimento público. Detalhou da mesma maneira o
destino dos que combateram a ditadura no Araguaia. A impunidade e a permanência
desses oficiais na formação dos quadros das Escolas Militares permitiram que o “modus
operandi” fosse passado de geração a geração. É possível que os autores das “maldades”
contra a dupla Bruno e Dom, tenham recebido esse tipo de treinamento. E não devemos
descartar que tal como naqueles tempos, um “teatrinho” esteja sendo montado, antes do
caso ser apresentado à sociedade. O tempo passa, os métodos não mudam.

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Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade


do colunista.

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