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DIREITO PENAL – ANA PAULA VIEIRA DE CARVALHO

AULA 05 – 18.06.2021

LEI PENAL NO ESPAÇO

Estudaremos agora o âmbito de eficácia espacial da lei penal brasileira. O


estudo tem como objetivo principal responder à seguinte indagação:

Em que lugar um crime precisa ser praticado para que haja


processo e julgamento no Brasil?
A primeira resposta é: no território nacional. Trata-se do princípio da
territorialidade. Para os crimes praticados em território nacional, quase
sempre será possível processo e julgamento no Brasil (salvo previsões
excepcionais em Convenções e Tratados internacionais). A segunda
possibilidade é a extraterritorialidade, que é excepcional. A regra geral é a
de que haverá processo e julgamento no Brasil para crimes cometidos em
território nacional. Excepcionalmente, em alguns casos, será possível
processo e julgamento no Brasil para crimes cometidos fora do território
nacional. Em sede de eficácia da lei penal no espaço, admite-se tanto a
territorialidade quanto a extraterritorialidade, sendo aquela a regra e esta
a exceção.

O conceito de território nacional, para fins de aplicação de


territorialidade e aplicação da lei penal brasileira, está previsto nos
artigos 5º e 6º do Código Penal:
Segundo o artigo 5º do CP, se aplica a lei brasileira, sem prejuízo de
Convenções, tratados ou regras de direito internacional, ao crime cometido
no território nacional. Em razão disso, a primeira ideia de território
nacional para fins penais será todo espaço de terra entre as fronteiras, o
mar territorial brasileiro e o espaço aéreo correspondente, que é a coluna
de ar que fica acima da faixa de terra dentro das fronteiras, e acima do
mar territorial.

O § 1º do art. 5º do CP estende um pouco o conceito geográfico de


território nacional. Segundo ele, consideram-se como extensão do
território nacional, para fins penais, as embarcações e aeronaves
brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde
quer que se encontrem. Uma embarcação de natureza pública, por
exemplo da nossa Marinha ou um avião da nossa Força Aérea será território
nacional em qualquer lugar, mesmo que esteja em mar territorial ou no
espaço aéreo americano. O dispositivo legal fala em embarcação ou
aeronave de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro. Sendo
assim, se o Presidente da República viajar em uma aeronave privada para
uma missão oficial, será também território nacional. O crime cometido
dentro desses locais é considerado crime cometido em território nacional.

A parte final do § 1º trata das embarcações ou aeronaves brasileiras,


mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no
espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. Considere o Brasil e seu mar
territorial, bem como Portugal e seu mar territorial. Se houver uma
embarcação de natureza pública ou privada a serviço do governo
brasileiro, um crime ali cometido será crime cometido no território
nacional, quer ela esteja no nosso mar territorial, quer ela esteja em alto
mar, quer ela esteja no mar territorial português. Em síntese, em qualquer
lugar esta embarcação será território nacional. Se, no entanto, for uma
embarcação privada, ou seja, não pertencente ao governo e que não esteja
em missão, valerá a regra da bandeira se estiver em alto mar e, se estiver
em mar territorial alheio, será território alheio também.

Para as aeronaves vale a mesma ideia. Não serão território nacional se


forem privadas, não estiverem a serviço do governo brasileiro e estiverem
sobrevoando o espaço aéreo de outro país.

O § 2º do art. 5º do CP é o reverso do § 1º. Diz que é aplicável a lei brasileira


aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações
estrangeiras de propriedade privada, achando- se aquelas em pouso no
território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em
porto ou mar territorial do Brasil. Portanto, se o navio privado de bandeira
brasileira em mar territorial português é território português, da mesma
forma o navio português privado em nosso mar territorial é território
brasileiro, e o crime ali cometido será julgado pela justiça brasileira (o
mesmo serve para aeronave estrangeira privada).
Em relação à competência, a Constituição estabelece que será da Justiça
Federal o julgamento de crimes cometidos a bordo de navios ou
aeronaves. Entretanto, para navios há uma limitação na jurisprudência:

A competência da Justiça Federal para julgamento de crimes


cometidos a bordo de navio somente se justifica para
embarcações de grande porte ancoradas em porto brasileiro e
em situação de deslocamento internacional ou apta a fazê-lo –
STJ CC118.503, julgado em 22/04/2015.

Essa limitação sobre o tamanho do meio de transporte não interessará


para aeronaves, havendo competência federal mesmo para crimes
cometidos em terra.
A Convenção de Tóquio de 1963, aprovada pelo Decreto 479/69, prevê
que aeronaves privadas em voo pelo espaço aéreo estrangeiro seguem o
princípio da bandeira. Esse regramento exclui a territorialidade quando a
aeronave está no espaço aéreo de um determinado país, mas está apenas
cruzando esse espaço aéreo, sem intenção de pouso. Embora o crime seja
praticado no território (espaço aéreo) daquele país que a aeronave está
sobrevoando, não há maior interesse na persecução.

Alguns autores, como Nucci, sugerem que essa regra, por ser prevista em
tratado anterior à reforma penal de 1984, teria sido revogada pelo artigo 5º,
§2º, do Código Penal. O posicionamento parece correto, pois teriam a
mesma hierarquia, mas não se trata de posição acolhida de forma geral
na doutrina.
É importante relembrar que, em se tratando de embaixadas, está
ultrapassada a velha ideia de que são território do país que representam.
São invioláveis por outras razões, porém não constituem território do
país que representam.

A Lei 8.617/93 regula o direito de passagem inocente para navios,


pressupondo que o navio não tenha a pretensão de atracar em nosso
território. Assim, navios estrangeiros que estejam de passagem pelo nosso
território não são considerados território nacional. Assim, temos uma
situação diferente para navios e aeronaves: enquanto para navios há uma
previsão legal, para aeronaves há tratado, anterior à reforma de 1984.

EXTRATERRITORIALIDADE
Como visto, a regra geral é a territorialidade. Excepcionalmente,
haverá processo e julgamento no Brasil para crimes cometidos fora do
território nacional. São as hipóteses de extraterritorialidade, previstas no
art. 7º do Código Penal.

No art. 7º., inc I do CP tem-se a extraterritorialidade


incondicionada. No inciso II tem-se a extraterritorialidade condicionada.

Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, basta que o


crime ocorra no estrangeiro para que haja processo e julgamento no
Brasil, independentemente do advento de qualquer outra condição.

EXEMPLO: Jair Bolsonaro viaja a Portugal e lá sofre um atentado a sua


vida, praticado por um português, sendo todas as testemunhas
portuguesas. Ainda assim haverá processo e julgamento no Brasil, não
sendo necessária nenhuma outra condição além da constatação de um
atentado à vida do Presidente da República.
Já o inciso II trata da extraterritorialidade condicionada. Nas três
hipóteses ali previstas, para que haja processo e julgamento no Brasil
será exigido um pouco mais. Tomemos como exemplo exemplo, um crime
praticado por brasileiro fora do Brasil (letra "b"). Não basta que um
brasileiro cometa um crime em Nova Iorque para que haja processo e
julgamento no Brasil. Será necessária a presença concomitante de todas
as condições do § 2º do art. 7º do CP.

As hipóteses de extraterritorialidade (incondicionada ou


condicionada) que estão no artigo 7º do CP foram inspiradas em princípios
aceitos pela doutrina de forma geral.

O primeiro princípio é o da nacionalidade. Interessa aos países


julgar os seus nacionais, quando cometam crimes no exterior. A
nacionalidade ativa evita uma lacuna de punição. Considere-se, por
exemplo, o Brasil, que não extradita nacionais. Imagine-se que um
brasileiro vá aos Estados Unidos e mate duas pessoas, fugindo de volta
para o Brasil. Os Estados Unidos, após investigação, requerem a extradição
do agente para ser julgado em seu território. O Brasil não aceita, pois se
trata de nacional. Por isso, instaura- se um processo no Brasil para
julgamento de seu nacional, para evitar a impunidade.

O segundo princípio é o da defesa, real ou da proteção, que


considera a nacionalidade do bem jurídico lesado ou a sua especial
importância para o nosso país. Em determinados casos, o sujeito ativo não
é brasileiro, não há sujeito passivo ou também pode não ser brasileiro,
todavia, o bem jurídico tutelado é nacional ou especialmente importante
para nós.
O terceiro princípio é o da justiça universal. A ideia original de
justiça universal, absolutamente inaplicável, é de que todos os países
deveriam cooperar em conjunto para a persecução de quaisquer delitos.
Por exemplo, se João mata Antônio em Portugal, na Turquia poderia
haver um processo contra João. Isso é obviamente inviável na prática.
Contudo, a colaboração entre países existirá em alguns casos muito
especiais, que tenham repercussão na comunidade internacional. Cite-se
como exemplo o apoderamento ilícito de aeronaves ou a destruição de cabos
submarinos. Nesses casos não interessarão o sujeito ativo, o sujeito
passivo, se o bem jurídico é brasileiro ou é especialmente importante para
o Brasil, desde que o Brasil seja signatário de tratados que objetivem
aprimorar a persecução desses delitos, que tem repercussão internacional.

O último princípio é o da representação, que tem como


conteúdo a ideia de substituição. Em alguns casos a jurisdição principal
será do país A. No entanto, considerando que houve alguma
repercussão no país B e o país A não tomou providências, o país B,
subsidiariamente, poderá tomá-las. É, portanto, a possibilidade de um país
agir ante a inércia de outro.

Veremos, nesse momento, como esses princípios foram adotados


no artigo 7º, iniciando pelo inciso I (extraterritorialidade
incondicionada).
Na alínea "a", ou seja, nos crimes contra a vida ou a liberdade do
Presidente da República, está em jogo a importância do bem jurídico
tutelado: tem-se o princípio da defesa, real ou da proteção.

Na alínea "b", fala-se em crime contra o patrimônio ou a fé pública


da União, do Distrito Federal, de Estado, Território, Município, empresa
pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída
pelo poder público. Por exemplo, falsificação de notas de real no exterior.
O que está em jogo nestes casos é a importância do bem jurídico atingido,
não importando quem seja seu autor. Logo, tem-se o princípio da defesa,
real ou da proteção.

A alínea "c" trata de crimes contra administração pública, por


quem está a seu serviço. É o caso, por exemplo, de um crime em desfavor
de um Consulado brasileiro no exterior, cometido por um funcionário desse
Consulado, não importando se brasileiro ou não. Mais uma vez se verifica
o princípio da defesa, real ou da proteção.
Na letra "d", que trata de genocídio, quando o agente for brasileiro ou
domiciliado no Brasil, a posição prevalente enxerga também o princípio da
defesa, real ou da proteção. Muito embora o bem jurídico não seja
nacional, há uma especial importância do bem jurídico, que fez com que
o Brasil se comprometesse a reprimir o crime. Uma outra parte da doutrina
enxerga aqui o princípio da justiça universal.

No inciso II, que trata da extraterritorialidade condicionada,


verifica-se que na alínea "a", que trata dos crimes que, por tratado ou
convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, foi acolhido o princípio da
justiça universal.

Na alínea "b", que trata de crimes praticados por brasileiro, o


princípio acolhido é o da nacionalidade ativa.
Na alínea "c", que fala dos crimes praticados em aeronaves ou
embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando
em território estrangeiro e não sejam julgados, tem-se o o princípio da
representação. Cite-se como exemplo um navio brasileiro privado e um
crime nele cometido em território americano. A jurisdição, em princípio,
é americana, mas nada se faz naquele país. O navio volta ao Brasil e, assim,
será possível a atuação da jurisdição brasileira, de forma subsidiária, em
razão da inação americana.
O que signif ica dizer que a extraterritorialidade é condicionada?
Significa que não basta que o crime ocorra no estrangeiro. Para que haja
processo e julgamento no Brasil, além de ocorrer o crime no estrangeiro, será
necessário o advento de uma série de condições. Na extraterritorialidade
condicionada, além do cometimento do crime no estrangeiro, para que haja
processo e julgamento no Brasil exige-se o advento de todas as condições do
artigo 7º,
§ 2º do CP, que devem existir concomitantemente
Passemos agora ao exame da natureza jurídica das referidas
condições. Para isso, faz-se necessário conhecer a diferença entre
condições objetivas de punibilidade e condições de procedibilidade.

a) Condições de Procedibilidade:

Condição de procedibilidade é uma condição específica ao exercício


do direito de ação. Além das três condições genéricas (interesse de agir,
possibilidade jurídica do pedido e legitimidade), em alguns casos existem
condições específicas ao exercício do direito de ação, chamadas de
"condição de procedibilidade".

EXEMPLO: Nas ações penais públicas condicionadas à


representação, além das condições genéricas, exige-se uma condição
específica para o exercício do direito de ação, a representação.

Como diz respeito ao processo, ela tem natureza processual.


Sendo assim, uma decisão que tenha por base a ausência dessa condição
não faz coisa julgada material, mas somente formal.

EXEMPLO: O promotor de justiça ofereceu uma denúncia em um crime


de ação penal pública condicionada à representação, sem que houvesse
a representação. O que o juiz fará? Rejeitará a denúncia, por falta de
uma condição da ação. No entanto, nada impede que o promotor, no
prazo de 6 meses, ofereça uma nova denúncia.

b) Condições Objetivas de Punibilidade:

Crime é uma ação típica, ilícita e culpável. Quando alguém comete


um crime, nasce, ao mesmo tempo, o direito de punir do Estado, a
punibilidade. Essa é a regra.

Entretanto, em alguns casos excepcionalíssimos isso não


acontece. Em alguns casos, um crime é cometido, mas a punibilidade não
nasce ao mesmo tempo e permanece na dependência do advento de uma
determinada condição, chamada de condição objetiva de punibilidade.

EXEMPLOS: Nos crimes falimentares, a sentença declaratória de falência é


uma condição objetiva de punibilidade. Se ela não surgir, não haverá um
crime falimentar, muito embora a conduta já tenha sido praticada (nos
crimes pré-falimentares).
ATENÇÃO: A condição objetiva de punibilidade diz respeito à
punibilidade, e tudo o que se relaciona com a punibilidade em matéria penal
é mérito. Ao extinguir a punibilidade de alguém por prescrição, tem-se uma
decisão de mérito; pela morte, idem. São decisões de mérito, fazendo,
então, coisa julgada material. Por conseguinte, decisões sobre condições
objetivas de punibilidade fazem coisa julgada material e, com isso, impedem
a abertura de um novo processo.

Em suma: se a condição é de procedibilidade e está ausente, a


falta pode ser suprida depois em um novo processo instaurado; no
entanto, se tratar-se de condição objetiva de punibilidade, a decisão que
reconhece a sua ausência será uma decisão de de mérito, que faz coisa
julgada material. Um novo processo não poderá ser instaurado.

Sendo assim, partindo desses conhecimentos, passa-se a analisar


as condições elencadas no § 2º, porque uma delas é de procedibilidade
e as demais são objetivas de punibilidade.

CONDIÇÕES PARA A EXTERRITORIALIDADE CONDICIONADA

De acordo com a leitura do art. 7º, § 2º, do Código Penal, verifica-se


que nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso
das seguintes condições:
a) Entrar o agente no território nacional;

EXEMPLO: um brasileiro mata um americano nos Estados Unidos e foge


para o Brasil. Somente quando ele retornar ao território nacional será
possível instaurar processo e julgamento no Brasil. Se ele não voltar para
o Brasil, nunca haverá processo e julgamento aqui. Caso ele volte ao Brasil
e fuja novamente, não haverá problema, pois basta que ele volte uma única
vez depois do fato para que o processo e o julgamento no Brasil sejam
possíveis.
O que acontecerá se o Ministério Público se equivocar e
oferecer uma denúncia, sem provar que o sujeito voltou para o
Brasil após o crime?

O juiz rejeitará a denúncia, faltará a condição da letra "a", sendo esta


uma condição de procedibilidade. Sendo assim, se o juiz rejeitar a
denúncia e depois o autor do crime realmente retornar ao Brasil,
estará preenchida a condição, e a denúncia pode ser novamente
oferecida. Isto é, a decisão anterior não faz coisa julgada material.

ATENÇÃO: Essa é a única condição de procedibilidade do § 2º. Todas as


outras são objetivas de punibilidade.

b) Ser o fato punível também no país em que foi praticado;

Se porventura o sujeito é surpreendido comprando cannabis em


um estado americano onde isso não seja crime, não poderá haver
processo no Brasil por esse fato, embora a conduta seja típica aqui,
porque o fato deve ser punível onde foi praticado. Trata-se de condição
objetiva de punibilidade. A decisão a esse respeito faz coisa julgada
material. Assim será para todas as demais condições.

c) Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei


brasileira autoriza a extradição;

Está-se a tratar de extraterritorialidade. A extradição é instituto


diverso, mas funciona como o outro lado da moeda.
Na extradição, o sujeito comete um crime fora do Brasil, não é
brasileiro e vem se refugiar em nosso território. O país em que o crime
foi cometido, então, requer a extradição. Já na situação de
extraterritorialidade, o crime também foi cometido fora do Brasil, mas
será julgado aqui.

Nesta letra “c” o legislador quis apenas se aproveitar das hipóteses


em que não cabe extradição, para também não caber
extraterritorialidade. Embora sejam institutos diferentes, o legislador
houve por bem fazer uma remissão à lei que trata de extradição (
atualmente a Nova Lei de Migrações).

Houve uma mudança legislativa recente nesse ponto. No revogado


Estatuto do Estrangeiro, as hipóteses em que não cabia extradição eram
um pouco diferentes das que constam hoje na Nova Lei de Migrações.
Seguem abaixo as previsões da lei nova que interessam à
extraterritorialidade:
De acordo com a Nova Lei de Migrações, Lei nº
13.455/2017:
Art. 82. Não se concederá a extradição quando:
III. - a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos;
IV. - o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido
condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o
pedido;

Valendo-se desta previsões para a extraterritorialidade, se o


brasileiro cometeu um crime nos Estados Unidos e lá está sendo
processado ou já foi condenado/absolvido, isso impedirá processo e
julgamento no Brasil, para evitar o bis in idem. Trata-se de novidade que
não existia no antigo Estatuto do Estrangeiro. Antes, somente não havia
processo no Brasil quando o sujeito houvesse sido condenado fora e
cumprido integralmente pena. Atualmente, se ele está sendo processado
em outro país, ou se já foi absolvido ou condenado, não poderá haver
processo no Brasil. Trata-se de uma mudança muito relevante.

VII - o fato constituir crime político ou de opinião;


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Se o fato cometido pelo brasileiro no estrangeiro for considerado


um crime político ou um crime de opinião, também não caberá extradição
ou extraterritorialidade.

§ 1º A previsão constante do inciso VII do caput não impedirá a extradição


quando o fato constituir, principalmente, infração à lei penal comum ou
quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato
principal.

Neste caso, será analisada a natureza política do delito, para que


seja verificada qual é a preponderância, se o viés é político ou comum. Isso
vale tanto para a extradição quanto para a extraterritorialidade.

Registre-se, porém, que parte da doutrina dá uma interpretação


diferente ao art. 7º., § 2º. Letra “c” do CP (Martinelli e Schmitt de Bem).
Segundo essa corrente, não serão todas as vedações à extradição que serão
aplicáveis à extraterritorialidade, mas apenas aquelas que digam
respeito à espécie ou natureza de crime em questão. Assim, somente
impede a extraterritorialidade o fato de se tratar de crime com pena de
prisão inferior a dois anos e os crimes políticos ou de opinião. Nesta
linha, o inc. IV da Lei de Migrações somente seria aplicável à extradição, e
não à extraterritorialidade. Já os incs. III e V seriam aplicáveis a ambos.

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não


ter aí cumprido a pena;

A interpretação da letra "d" deve ser modificada a partir da Nova Lei


de Migrações. Antes dela, apenas impedia o processo no Brasil a
absolvição ou cumprimento de pena integral no estrangeiro. Atualmente,
a mera condenação, sem cumprimento de pena no estrangeiro ou mesmo
o trâmite de processo no estrangeiro impedem a extradição e também a
extraterritorialidade. Relembre-se, porém, como dito acima, que essa visão é
controvertida.

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou,


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por outro motivo, não estar extinta a punibilidade,


segundo a lei mais favorável;

É possível que no país onde o crime foi praticado exista uma causa
de extinção de punibilidade que não existe no Brasil, e que o sujeito já
tenha sido beneficiado por ela. Nesses casos, haverá um impeditivo para
o processo e julgamento no Brasil.
Como se viu, todas as condições do § 2º do art. 7º do CP, com
exceção da letra “a”, são condições objetivas de punibilidade.

O § 3º trata de uma última hipótese de extraterritorialidade


condicionada:
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao
crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as
condições previstas no parágrafo anterior:

EXEMPLO: Uma mulher brasileira é estuprada no Central Park, em


Nova Iorque. Lembre-se que no inciso II a previsão é de nacionalidade
ativa, o sujeito ativo deve ser brasileiro. Já no presente caso o sujeito
passivo (vítima) é brasileiro. Trata-se do princípio da nacionalidade
passiva.
Nesse caso, além de estarem presentes todas as condições do § 2º,
tratado acima, devem estar presentes também as seguintes condições
adicionais:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;


Assim, no exemplo dado o estuprador estrangeiro precisa ter entrado
no Brasil (§ 2º, letra “a”). Além disso, os Estados Unidos não devem ter
requerido a sua extradição ou, uma vez requerida, ela deve ter sido
negada.

b) houve requisição do Ministro da Justiça; Trata-se de outra


condição de procedibilidade.

Fixada a jurisdição brasileira em casos de extraterritorialidade, a


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qual juiz competrá julgar o caso? Em outras palavras, qual será o juiz
competente? Como regra, a competência será da Justiça Estadual,
visto que não há nenhum fator que indique a competência da Justiça
Federal, nos moldes do artigo 109 da Constituição.

Veja-se o acórdão abaixo, do STF:

O fato de o delito ter sido cometido por brasileiro no


estrangeiro, por si só, não atrai a competência da justiça
federal, porquanto não teria ofendido bens, serviços ou
interesses da União: STF, HC 105461/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio, em 29.3.2016.

O STJ, porém, tem divergido do STF nesse tema, como deixa ver o acródão
abaixo: CC 174686 / ES - CONFLITO DE COMPETENCIA 2020/0231882-1

Relator(a)
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK (1183)

Órgão Julgador
S3 - TERCEIRA SEÇÃO

Data do Julgamento 09/12/2020


Data da Publicação/Fonte
DJe 14/12/2020

Ementa
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA
ESTADUAL. DOIS BRASILEIROS ACUSADOS DE PRATICAR EM COAUTORIA
DELITO DE HOMICÍDIO EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO (PORTUGAL) CONTRA
VÍTIMA BRASILEIRA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO. ART. 5º, LI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL CF. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109. IV DA CF.
ATRIBUIÇÃO DE REPRESENTAR O BRASIL EM TODAS AS QUESTÕES
ENVOLVENDO RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COOPERAÇÃO JURÍDICA
INTERNACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

Se, entretanto, estivermos diante de uma hipótese de territorialidade,


com crimes à distância (art. 6º do CP: uma parte da execução acontecendo
no Brasil e outra fora), a competência será da Justiça Federal, visto que
haverá a característica de internacionalidade do delito (artigo 109, inciso
V, da CRFB/88).

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