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DIREITO PENAL – ANA PAULA VIEIRA DE CARVALHO


AULA 09 – 02.07.2021

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA AÇÃO OU CONDUTA

Trata-se do aspecto prático desse estudo.

Todos os conceitos de conduta já estudados resultam nas mesmas


causas de exclusão da conduta, porque todos eles possuem como
elemento a voluntariedade (os movimentos do corpo devem ser dominados
pela vontade). As causas de exclusão da ação são hipóteses de
involuntariedade, de modo que são praticamente as mesmas para todos
os conceitos de conduta estudados. Assim, haverá ausência de ação
sempre que o indivíduo não for dono de seus movimentos, ou seja, quando
faltar voluntariedade.

Hipóteses de ausencia de conduta:

1. atos reflexos (movimentos do corpo não comandados pela vontade,


como os ataques epiléticos)

2. força física irresistível (quando o corpo é utilizado como mera massa


mecânica nas mãos de outra pessoa)

3. estados de inconsciência (sonambulismo, movimentos praticados


durante o sono).

Falemos um pouco mais sobre a coação física irresistível. A coação


irresistível pode ser física ou moral. A coação que exclui a conduta é
somente a física, uma vez que a moral é uma causa excludente de
culpabilidade. Na coação física irresistível o coato é utilizado como uma
massa mecânica nas mãos do coator. Ele sequer age.

EXEMPLO: o sujeito deseja lesionar uma pessoa que está em pé e, na frente


dela, há uma outra pessoa distraída. Por isso, ele empurra a pessoa da frente,
que cai em cima do alvo que desejava lesionar. A pessoa empurrada sequer
agiu; foi usada como mera massa mecânica nas mãos do sujeito.

A coação moral irresistível, por sua vez, é a hipótese em que se usa


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violência ou grave ameaça para que alguém pratique um crime.

EXEMPLO: o agente ameaça o gerente do banco para que abra o cofre,


pois caso contrário o coautor matará sua filha; o gerente abre o cofre e o
banco é roubado.

Na coação moral irresistível, portanto, o coato age, pois há


voluntariedade (uma conduta dominada por sua vontade). Contudo, ao
se fazer o juízo de reprovação, na culpabilidade, verifica-se que o sujeito
vivia circunstâncias absolutamente excepcionais, de forma que sua conduta
não é reprovável. A coação moral irresistível, portanto, exclui apenas a
culpabilidade, e não a conduta.
E a hipnose, configura uma causa de exclusão da ação? A hipótese
é controvertida. A posição majoritária acredita que não, porque, segundo
aponta a ciencia, o hipnotizado ainda guarda uma parcela de consciencia e
voluntariedade, não sendo inteiramente dominado pelo hipnotizador. Atos
que contrariem completamente o seu caráter, como por exemplo, matar
alguém, não serão obedecidos, o que demonstra que ele guarda algum domínio
de suas ações. Portanto, não exclui a ação, mas pode excluir a
culpabilidade.
Por fim, não afastam a conduta as ações em curto-circuito (reações
explosivas ou impulsivas, não contidas pelo agente, como as explosões de
cólera), uma vez que são domináveis pela vontade. Também os
automatismos, que são comportamentos produto de prévio
condicionamento por parte do ser humano ( como por exemplo dirigir
automóveis) não afastam a existência de conduta, pois também são
domináveis pela vontade.

CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA DE CONDUTA

a) Aquele que se vale de alguém em ausência de conduta para realizar


o delito é autor direto.

A autoria mediata, que será melhor estudada no capítulo 28, pressupõe


que um agente, o autor mediato, se utilize de outra pessoa, o instrumento,
para realizar a conduta típica. Na autoria mediata, é fundamental que o
instrumento aja. Se o instrumento está em ausência de conduta, teremos
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uma autoria direta por parte do homem de trás, e não uma autoria
mediata ( vide o exemplo de empurar alguém para atingir a pessoa que
está atrás: há autoria direta, e não autoria mediata).

b) cabe estado de necessidade contra quem age em ausência de


conduta, mas não legítima def esa;

A legítima defesa exige do defendente uma reação a uma injusta


agressão. Agressões são condutas. Se o terceiro está em ausência de
conduta, só pode ser contido pela via do estado de necessidade.

EXEMPLO: um indivíduo está sofrendo um ataque epilético dentro de


um elevador pequeno e acaba por machucar outra pessoa que se encontra
no mesmo espaço. O ato de conter o sujeito em ataque epilético será em
estado de necessidade, e não legítima defesa.

c) nos tipos de concurso necessário, não se computa aquele que não


pratica conduta;
No crime de rixa, por exemplo, todas as três pessoas pessoas devem
praticar condutas.Não é necessário que os participantes sejam
imputáveis, mas devem, pelo menos, agir.

d) não cabe participação na ausência de conduta.


A participação punível pressupõe que o autor principal realize uma conduta
típica e ilícita. Trata-se da teoria da acessoriedade limitada. Dessa forma,
se o autor principal sequer realiza uma conduta, não cabe participação
punível.

EXEMPLO: se o indivíduo empresta uma arma para outro, que acaba


tendo um ataque epilético, e, com isso, disparando-a, não haverá
participação punível.

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

O presente tema se relaciona com o estudo da conduta porque,


durante muito tempo, negou-se a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas, sob o argumento de que são incapazes de conduta. Até 1988,
entendia-se que as pessoas jurídicas não podiam cometer crime. A partir de
1988, a CF, em seu art. 225,§ 3º, previu a responsabilidade penal da pessoa
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jurídica. Nesse contexto, a doutrina que, até então, rechaçava essa


possibilidade, enfrentou o desafio de repensar a questão.

A interpretação dominante é a de que o art. 225 § 3º da CF


efetivamente autoriza a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Contudo, visão minoritária ( Juarez Cirino dos Santos) defende que o
dispositivo prevê conceitos pares correlacionados. Assim, condutas se
relacionariam a pessoas físicas e a sanções penais; atividades se
relacionariam a pessoas jurídicas e sanções administrativas.

As objeções mais frequentes à responsabilidade penal da pessoa


jurídica são a violação aos princípios da personalidade das penas e da
culpabilidade. Em relação ao primeiro, porém, não há maiores problemas, uma
vez que é comum que as penas atinjam indiretamente outras pessoas, como
ocorre com a família das pessoas presas. Já a violação ao princípio da
culpabilidade, que aqui está ligada à responsabilidade por fato de outrem,
pode efetivamente ocorrer, a depender do modelo sancionatório adotado,
como veremos.

A adoção hoje predominante da responsabilidade penal da pessoa


jurídica decorre de uma necessidade politco-criminal. Das 100 economias
mais potentes do mundo, 51 são corporações. No ano 2.000, o valor de
mercado da Microsoft era equivalente ao PIB da Espanha; 80 % dos delitos
econômicos são cometidos através das empresas. Há muitas dificuldades
dos modelos de imputação tradicional em lidar com crimes cometidos
através des hipóteses de grandes corporações, em razão da multiplicidade de
instâncias decisórias e de uma tendência a que a responsabilidade recaia nos
escalões inferiores.

Por isso, os ordenamentos jurídicos europeus tem adotado a RPPJ


por conta de diretrizes da ONU, da OCDE ou da própria União Europeia.

Qual foi a dificuldade enfrentada para lidar com a


responsabilidade penal da pessoa jurídica?

Até o desenvolvimento dessa ideia, os países de sistema romano


germânico desenvolveram uma teoria do delito cujos conceitos se voltavam
para a pessoa física. Relembre-se que a teoria finalista defendia que
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algumas estruturas da natureza, as lógico reais, são impositivas para o


direito penal, tais como o conceito de ação finalista - definido como um
comportamento do homem dirigido a uma finalidade - e o livre arbítrio,
entendido como a capacidade de escolha livre entre várias possibilidades.

Essas estruturas da natureza, somente aplicáveis ao homem, seriam


obrigatórias dentro da teoria do delito. Quando surgiu a responsabilidade penal
da pessoa jurídica no Brasil, ainda predominava aqui o modelo finalista, o que
gerou uma grande dificuldade na doutrina, dada a impossibilidade de aplicar
esses conceitos às pessoas jurídicas.
Com o tempo, o modelo finalista foi superado, o que permitiu aceitar, a
partir do funcionalismo, o desenvolvimento de conceitos próprios de ação e
culpabilidade para a pessoa jurídica, que não estivessem amarrados a
essas supostas estruturas da natureza. Assim, é possível afirmar que a
perplexidade que a responsabilidade penal da pessoa jurídica gera está em
muito relacionada a um modelo de teoria do delito finalista, que se pauta
por estruturas da natureza ou lógico- reais.

É bem verdade que toda a teoria do delito, até então, havia sido
cunhada pensando no homem. Mas, nada impedia, a partir do
funcionalismo, que novos conceitos fossem pensados, específicos para
pessoa jurídica. É o que se faz na doutrina hoje.

Modelos téoricos de responsabilidade penal da pessoa jurídica

• 1. heterorresponsabilidade

• 2. autorresponsabilidade

• 3. misto

A heterorresponsabilidade

O modelo da heterorresponsabilidade transfere a responsabilidade da


pessoa natural para a empresa A transferência pressupõe 3 condições:

• 1. atuação culpável da pessoa física

• 2. dentro dos fins da empresa

• 3.com o fim de beneficiá-la


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Alguns ordenamentos exigem que o comportamento tenha sido cometido


por um superior, ou que ele tenha autorizado, consentido ou tolerado.
Esse modelo tem relação com a visão finalista, porque acredita que a
pessoa jurídica não é capaz de conduta de culpabilidade, então seria
necessário transferi- los da pessoa física para a pessoa jurídica.

Crítica: beneficia as grandes empresas e prejudica as pequenas, porque


nestas é mais fácil identificar uma relação entre o inferior hierárquico e o
dono da empresa; gera responsabilidade por fato de outrem (objetiva).

A autorresponsabilidade

Busca os fundamentos da responsabilidade em fatores que tem relação


com a própria corporação. Desenvolve conceitos próprios para a pessoa
jurídica, abdicando da responsabilidade derivada (objetiva).

- Ação institucional: produto da vontade coletiva da pessoa jurídica,


sedimentada em reuniões, deliberações ou votos.

- Dolo: compromisso com a vulneração do interesse tutelado, com a


vulneração da norma.

- Culpabilidade: juízo de reprovação decorrente de um defeito de


organização ( inexistência de medidas de cuidado ou vigilância necessárias
à garantia de uma ação não delitiva).

Modelo misto

Imputa à sociedade os fatos delitivos cometidos por seus diretores,


administradores ou empregados segundo o modelo de transferência; sem
embargo, exime ou gradua a responsabilidade do ente societário
atendendo a seu comportamento anterior ou posterior ao delito.

Os dois últimos modelos se relacionam com os programas de compliance,


que são estruturas verificadoras e validadoras do bom funcionamento, da
correção e da confiabilidade da administração, prevenindo riscos inerentes
à atividade empresarial. Quanto mais efetivo e eficaz o programa de
compliance, menor a reprovabilidade da pessoa jurídica. Em alguns países
(EUA) os programas de compliance apenas atenuam a pena, mas em
outros ordenamentos jurídicos (Espanha) podem até excluir a
culpabilidade. No Brasil não há regulamentação a respeito.

A necessidade de autorregulação das sociedades seria uma das razões


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primordiais da RPPJ. A ideia da responsabilidade por defeito de


organização se aproxima da ingerência: quem gera riscos está obrigado a
controlá-los.

No Brasil, a doutrina entende ter sido adotado o modelo da


heterorresponsabilidade, em razão da dicção do art. 3º da Lei 9605/98:

“art. 3º. As pessoas jurídicas serão


responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei,
nos casos em que a infração seja cometida
por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício de sua entidade”
Parágrafo único: A responsabilidade das
pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas , autoras, coautoras ou partícipes do
mesmo fato”

Em razão da adoção do modelo da heterorresponsabilidade, a


jurisprudência do STJ passou a exigir a chamada dupla imputação, ou seja,
que a denúncia em desfavor da pessoa jurídica contivesse sempre também
uma imputação à pessoa jurídica que realizou os atos em nome da pessoa
jurídica.

Na jurisprudência é possível enxergar três fases distintas a respeito


da necessidade de dupla imputação:

• 1ª. fase) dupla imputação + dupla condenação: STJ HC 147541/RS DE


2010

Nessa fase, exigia-se que não só a pessoa física fosse denunciada


juntamente com a pessoa jurídica, mas que para condenar a pessoa jurídica
a pessoa física fosse também condenada. Só assim seria possível a
transferência de responsabilidade.

• 2ª.fase) dupla imputação + condenação isolada/ RE 628. 582 DE 2011

Nessa fase, o STF passou a admitir que, apesar da necessidade de


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denúncia conjunta, a condenação da pessoa jurídica pudesse ocorrer,


mesmo que absolvida a pessoa física.

• 3ª. fase) imputação isolada da pessoa jurídica/ RE 548181/PR

Na fase atual, o STF pacificou o entendimento de que a pessoa jurídica


pode ser denunciada isoladamente e condenada isoladamente. Foi afastada a
teoria da dupla imputação. Não está claro, porém, se o STF adotou um
modelo de autorresponsabilidade ou misto.
Vejamos alguns trechos de acórdãos dos tribunais superiores sobre o tema:

1. Orientação anterior do ST J: não. Ver Resp. 889.528


A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de
uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral –
sistema da dupla imputação. Isso porque “não se pode compreender a
responsabilização do ente moral dissociada da atuação da pessoa física,
que age com elemento subjetivo próprio”. Portanto, o elemento naturalístico
da intenção, que o finalismo exigia, só a pessoa física possuía, sendo
necessária a dupla imputação.
2. STF, informativo 639- RE 628582 AgR/RS Rel Min. Dias Toffoli
É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime
ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física em relação ao
mesmo delito.

3. STF Informativo 714- Idem( 1ª Turma)


Discorda explicitamente da ideia de dupla imputação, uma vez que a
pessoa jurídica pode ser denunciada sozinha.

4. Orientação atual do ST J:
É desnecessária a dupla imputação. O STJ superou a exigencia de dupla
imputação desde 2015.
A) 5ª Turma: RMS 39.173-BA, publicado em 6/8/2015

B) 6ª. Turma: RHC 53208-SP, publicado em 01/6/2015

C) AgRg no RMS 48851 / PA, Rel Min NEFI CORDEIRO, julgado em


20/02/2018

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