Você está na página 1de 27

Valuation por Fluxo de Caixa Descontado (DCF)

Warren Buffett escreveu em sua carta de 1992 aos acionistas da Berkshire


Hathaway:

“Na Teoria do Investimento em Valor, escrita há mais de 50 anos, John Burr


Williams estabeleceu a equação do valor, a qual condensamos aqui: o valor de
qualquer ação, título ou negócio hoje é determinado pelos fluxos de caixa futuros
trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada.”

O que Buffett define aqui é essencialmente o que conhecemos como fluxo de caixa
descontado ou DCF, um método chave para calcular o valor justo de uma empresa.

O interessante a ser observado é que ninguém sabe se Buffett já usou o DCF...

Até o sócio de Buffett, Charlie Munger, ocasionalmente disse que nunca viu
Buffett fazendo cálculos de DCF.
Buffett sempre foi bem sigiloso com relação a sua metodologia de escolher ações,
assim como comentou em sua carta de 2002:

“Apesar de nossa política de transparência, discutimos nossas atividades somente


na extensão legalmente exigida.

Bons investimentos são raros, valiosos e sujeitos a apropriação competitiva, assim


como ideias de aquisição de produtos ou negócios. Portanto, normalmente não
falamos sobre nossos racionais de investimento.”

De qualquer forma, apesar de seu sigilo, Buffett já falou sobre a importância do


DCF várias vezes no passado.

Ainda assim, vários “analistas” criticam e indicam que você simplesmente deve
evitar fazer DCFs.

Muitas vezes o problema, segundo estes analistas, é o fato de o DCF depender de 5


a 10 anos de fluxos de caixa futuros, prevendo algo que é muito incerto.

Todavia, estes mesmos analistas usam múltiplos relativos, como P/L, P/VPA ou
EV/EBITDA (que também são baseados em previsões, se calculados da maneira
correta).
Exemplo de Valuation por Múltiplos calculado da maneira correta: Lojas
Renner data base 17/05/2021

Os múltiplos são basicamente atalhos para o processo de Valuation e, na verdade,


um Valuation por múltiplos feito da maneira correta é praticamente igual a um
DCF, a diferença é que no caso dos Valuation por múltiplos as premissas não estão
explícitas.

A maioria dos investidores individuais que eu conheço faz análise de múltiplos da


forma equivocada: olhando para o passado e considerando itens não-recorrentes.

Independente de qual approach (DCF ou Múltiplos), se você fizer da maneira


correta, você irá utilizar estimativas com relação ao futuro.

Obviamente, você utilizar um múltiplo de preço/lucro por exemplo, pode ajudar


você a economizar bastante tempo.
Ainda assim, se você colocar uma premissa equivocada de lucro para empresa
(levando em conta ROE, crescimento, margens etc.), seu Valuation estará errado.

Por serem mais simples, usar múltiplos é bem menos preciso e você não leva em
conta variáveis importante como investimento em capital de giro e Capex.

Como fazer um DCF

Para calcular o DCF de uma empresa no Excel, você precisa de três variáveis:

1. Estimativas de fluxo de caixa livre para a firma (FCFF, em inglês): Pode


ser o FCFF estimado para os próximos 5 ou 10 anos.

2. Taxa de crescimento na perpetuidade (g): Taxa de crescimento do FCFF


após o último ano projetado até o infinito.

3. Taxa de desconto: Taxa na qual os fluxos de caixa futuros devem ser


descontados quando trazidos a valor presente.
Modelo proprietário de Valuation por DCF

Acima você pode ver uma imagem do nosso modelo proprietário de Valuation que
é disponibilizado no nosso Treinamento.

Existem três tópicos centrais que devem ser analisados:

1. Qual a taxa de crescimento a ser assumida para estimativas futuras do FCFF


(levando em conta todas as variáveis, como crescimentos, margens,
rentabilidade, investimentos etc.)?

2. Qual a taxa de desconto a ser assumida?

3. Qual taxa de crescimento na perpetuidade (g) assumir?


Como posso prever o FCFF?

Como analista, sempre fui bastante cético com relação a previsões futuras de taxa
de crescimento, margens e rentabilidade etc.

Por exemplo, você acha que é possível acertar qual vai ser a margem bruta da
Petrobrás em 2024?

Resultado do primeiro trimestre de 2021 do Facebook supera as estimativas


dos analistas

O Facebook é uma ação com bastante liquidez negociada mercado mais líquido de
todos, que é a bolsa de valores americana.

Provavelmente deve ter dezenas de analistas acompanhando de perto a empresa e


fazendo modelos de Valuation projetando os resultados operacionais futuros da
companhia.

Ainda assim, para o primeiro trimestre do ano de 2021, a expectativa dos analistas
para o lucro líquido da companhia era, em média, lucro de 2,37 dólares por ação.
O lucro líquido foi de 9,5 bilhões de dólares ou 3,3 dólares por ação.

Ou seja, dezenas de analistas não conseguiram prever de maneira correta nem o


lucro líquido do próximo trimestre de uma das empresas acompanhadas mais de
perto do mundo.

Dada essa limitação e baixa chance de acertar esse tipo de previsão futura, comecei
então a basear mais minhas análises em cenários e em análises de sensibilidade.

Análise de sensibilidade feita no nosso modelo proprietário de Valuation

É por isso que eu não me preocupo tanto em acertar exatamente qual vai ser o
comportamento futuro de uma determinada variável (por exemplo, crescimento de
vendas)

Eu apenas tento ser razoável e usar o bom senso.

E depois ainda posso sensibilizar essa variável: ou seja, para diferentes taxas de
crescimento projetadas, qual seria o valor justo por ação no meu modelo.
Para a maioria das ações, gosto de fazer um DCF de pelo menos 5 anos em dois
estágios.

Com relação a taxa de crescimento projetada, obviamente varia de empresa para


empresa, mas eu raramente supero uma taxa de crescimento anual de 20%.

Nos meus modelos, as empresas que mais crescem vão estar crescendo a uma taxa
de crescimento anualizada de no máximo 20% a.a.

Principalmente porque o DCF é bastante sensível a crescimento.

Então se você colocar um crescimento projetado enorme, você vai acabar


chegando a conclusões equivocadas.

O jeito mais conservador de fazer é manter a taxa de crescimento o mais baixa


possível.

Isto porque quanto mais alto você define a taxa de crescimento projetada, maior
vai ser o valor justo que você vai encontrar para empresa analisada no seu modelo.

A verdade é que o grande diferencial está em fazer cenários e testar margem de


segurança.
Análise de cenários feita no nosso modelo proprietário de Valuation

Pense no seguinte exemplo, historicamente uma empresa que você está analisando
vem crescendo pelo menos 10% a.a nos últimos 10 anos.

Se você projetar um crescimento bem mais baixo de por exemplo 5% a.a e ainda
assim você encontrar um potencial de valorização grande no seu modelo, é um
excelente sinal.

Outro ponto importante para levar em conta ao fazer suas estimativas futuras é não
se basear somente no passado, pois o desempenho passado pode não se repetir no
futuro.
Qual taxa de desconto eu assumo?

De forma simplificada, a taxa de desconto é a taxa na qual você deve descontar os


fluxos de caixa futuros (conforme estimado no seu modelo), trazendo-os a valor
presente.

Por que valor presente? Porque estamos tentando comparar o valor intrínseco da
empresa com o preço das ações "agora"... no presente.

Apenas para ajudar com um exemplo, que preço você pagaria por um investimento
hoje se o fluxo de caixa futuro da empresa ABC fosse R$ 1.000 após 1 ano?

• Se a taxa de desconto for de 5%, você deverá pagar R$ 952 agora (1000 /
1,05).

• Se a taxa de desconto for de 10%, você deverá pagar R$ 909 agora (1000 /
1,1).

• Se a taxa de desconto for de 15%, você deverá pagar R$ 870 agora (1000 /
1,15).

Em outras palavras, quanto maior a taxa de desconto assumida, menor será o preço
da ação hoje.

Os livros e especialistas em finanças diriam para você usar o CAPM (Capital Asset
Pricing Model) para calcular a taxa de desconto.
Eu próprio usei o CAPM para obter taxas de desconto no passado.

Exemplo de cálculo de taxa de desconto

No entanto, se você está preocupado com o que é o CAPM, não fique, porque você
pode evitar saber sobre ele e ainda viver feliz para sempre, como eu estou vivendo.

CAPM faz bem pouco sentido na prática.

Você pode ver a taxa de desconto como a "taxa de retorno anual" que você deseja
obter com as ações.

Na prática, se você deseja investir em uma empresa com risco comparativamente


maior do que em outras empresas (por exemplo small caps), você pode usar um
custo de capital próprio anual de 15%.
No caso de empresas relativamente mais conservadoras (pense em Ambev, Raia,
Itaú), você pode usar um custo de capital próprio entre 10% a 13% tranquilamente.

Ou melhor ainda, como o próprio Warren Buffett faz, você pode assumir uma
mesma taxa de desconto para todas as empresas.

Estou gradualmente me voltando para esse modelo - de utilizar um custo de capital


próprio constante de 15% para todos os tipos de negócios (seguros ou arriscados).

"Mas, dessa maneira, como você se ajustaria ao risco em cada negócio?" você pode
perguntar.

Simples: ajuste o risco nas premissas operacionais do modelo sendo mais


conservador. É aí que reside o risco real, certo?

Quanto de taxa de crescimento para a perpetuidade eu assumo?

Como mencionei acima, faço um cálculo de FCFF de 5 a 10 anos para chegar ao


valor justo de uma ação.

Mas as empresas que estou avaliando não deixarão de existir após dez anos.

Algumas sobreviverão por mais 10 anos, outros por 20 anos e outras até por 50
anos.
É aí que o conceito de "valor terminal" (ou o valor após os 5- 10 anos projetados e
até a perpetuidade) entra em cena.

Você nunca pode colocar um crescimento na perpetuidade maior do que o PIB do


país.

Se você fizer isso, vai estar assumindo que a empresa crescerá mais que a
economia para todo infinito, o que não é possível.

De maneira, conservadora a ideia é manter o crescimento na perpetuidade o mais


baixo possível.

Eu uso sempre crescimento em termos reais de zero.

“Feito! Fiz tudo isso agora eu vou chegar no valor justo correto?”

Não é assim que funciona! Mesmo após escolher boas premissas para projetar os
FCFF futuros, a taxa de crescimento na perpetuidade e a taxa de desconto, há 0%
de garantia de que você chegará a um valor intrínseco “perfeito” usando o DCF
(ou, nesse caso, usando qualquer método de valor intrínseco).

Acredite em mim, por mais razoável, realista, racional que você seja, ao você
estimar um valor justo, você nunca chegará a um valor 100% correto.

É pela simples razão de que você ainda está tentando prever o futuro ... o que é
imprevisível.
E agora, o que fazer?

Lembre-se da "margem de segurança"...

Importância da Margem de Segurança

Valuation é uma arte imprecisa (sim, por mais inteligente que seja). Além disso, o
futuro é inerentemente imprevisível.

Portanto, é importante trazer para o cenário o conceito de investimento mais


importante, que é a margem de segurança.

Foi o que Graham escreveu sobre margem de segurança no O Investidor


Inteligente:
“Se formos confrontados com o desafio de destilar o segredo do investimento bem-
sucedido em três palavras, arriscaríamos MARGEM DE SEGURANÇA.”

Graham e o livro O Investidor Inteligente

Margem de segurança é simplesmente o fator de desconto usado no cálculo do


valor intrínseco. Portanto, se você chegar a um valor intrínseco de R$ 100 para
uma ação negociada em R$ 80, poderá pensar que encontrou uma barganha.

Mas e se suas projeções estiverem erradas? Sim, estará errado várias vezes!

Para se proteger, você fará um bom investimento nessa ação que você estimou que
vale R$ 100 comprando as ações apenas com um desconto de 50% no seu cálculo
de valor intrínseco, ou seja, em torno de R$ 50.
Margem de segurança

A ideia não é ser ultraconservador...

O que você está fazendo é se proteger contra:

1. Má sorte;

2. Timing errado;

3. Premissas erradas (estar sendo otimista demais por exemplo);


Simples assim!

A margem de segurança foi e sempre será a base do Value Investing.

Você não pode se esquecer disso... ou será um erro caro!

E nunca ignore o poder do DCF.

O modelo DCF é a ferramenta mais poderosa de todas para fornecer uma


estimativa de valor justo para uma empresa:

Só que apenas pagar barato por uma empresa não é tudo.

Você deve levar em conta outros fatores como:

• Investir em empresas com previsibilidade de resultados.

• Investir em empresas com uma vantagem competitiva sustentável.

• Fazer o trabalho duro de analisar as demonstrações financeiras passadas


(durante pelo menos um período de 5 anos).
• Usar margem de segurança para se proteger contra má sorte, timing errado
etc.

• Ser honesto, não modificando suas premissas originais apenas porque você
"gosta" das ações.

Fazendo um Reverse DCF

Você nunca deve ter ouvido falar do conceito de Reverse DCF.

Não se preocupe, não é um assunto tão complexo como o nome sugere.

Já ouviu falar de fazer uma engenharia reversa? Usar a resposta para entender a
pergunta? É a mesma coisa.

O Reverse DCF consiste basicamente em você ajustar as premissas do seu modelo


para chegar no preço de mercado atual e entender quais premissas o mercado está
precificando a ação na cotação atual.

Vamos entender isso com um exemplo simples.

Vamos supor que hoje o mercado está precificando a Lojas Renner em R$ 37


bilhões (valor da firma, ou Enterprise Value, EV).
Vamos supor também que, de acordo com sua modelagem, a empresa consegue
gerar hoje aproximadamente R$ 1 bilhão de FCFF.

Para fazer um Reverse DCF você deve se perguntar: qual o crescimento no FCFF
que justifica esse Enterprise Value atual?

Lembrando que Enterprise Value é o valor de mercado somado a dívida líquida


juntamente com a participação dos minoritários.

Você pode começar testando por baixo.... 5% a.a. de crescimento talvez?

Cenário Crescimento FCFF de 5% a.a

Essa não é a resposta....

Perceba que o valor justo com a premissa de crescimento de 5% a.a. atinge um


Enterprise Value de R$ 19 bilhões.
Talvez 15% de crescimento?

Cenário Crescimento FCFF de 15% a.a

Essa também não é a resposta. Com essas premissas, o Enterprise Value atinge R$
29 bilhões.

Vamos adiante.

Precisamos acelerar esse crescimento para atingir quanto o mercado está


precificando hoje a empresa.

Quem sabe com um crescimento de 21% a.a.?


Cenário Crescimento FCFF de 21% a.a

Bingo!

Com essas premissas, conseguimos chegar no Enterprise Value atual e inferir que o
mercado está atualmente assumindo um crescimento de 21% a.a. no FCFF das
Lojas Renner.

Faz sentido, não faz sentido? Barato, caro? A empresa consegue entregar esse
crescimento?

De maneira simplificada, o seu objetivo é refletir justamente sobre essas questões,


usando o Reverse DCF para quantificar a expectativa do mercado.

Na prática, você deve fazer esse tipo de análise não com o crescimento direto de
FCFF, mas sensibilizando todas as premissas que estão por trás do crescimento do
FCFF como rentabilidade, margem, vendas...
Elaborando premissas de maneira simplificada para realizar um Reverse
DCF na prática

Essa é uma ferramenta poderosa para você monitorar o que o mercado está
assumindo.

DCF é perfeito então?

Não! Nada é perfeito...

Embora a análise do DCF certamente tenha seus méritos, ela também tem sua
parcela de deficiências.

A maior deficiência é que depende muito de premissas incertas com relação ao


futuro... por esse motivo, gosto sempre de trabalhar com análise de cenários,
análise de sensibilidade e ser conservador nas minhas premissas.
Eu realmente acredito que a qualidade do seu DCF está altamente correlacionada
com sua capacidade de fazer uma boa análise qualitativa da empresa.

Saber analisar o modelo de negócio de uma empresa.

Entender a dinâmica setorial do setor que a empresa está inserida.

Lembre-se que a planilha aceita tudo... garbage in, garbage out!

Cuidado ao elaborar premissas

Ou seja, se as suas premissas não fizerem sentido, o resultado final não vai servir
para nada.

Por fim, apesar de suas deficiências, o DCF é uma ferramenta útil, desde que suas
restrições sejam claramente compreendidas e que você faça uso da maneira correta,
utilizando sempre análise de cenários e de sensibilidade.

Outro ponto é importante é que o DCF pode ser combinado com outras ferramentas
de avaliação, por exemplo análise de múltiplos.
Você pode por exemplo calcular qual é o múltiplo implícito no valor justo que
você está projetando no seu modelo e ver se isso faz sentido.

Para ver se faz sentido, basta você comparar por exemplo com o múltiplo histórico
da empresa que você está analisando.

Outra alternativa também é comparar esse múltiplo justo que você chegou no seu
modelo com o múltiplo que negocia os concorrentes da empresa que você analisou.

Finalmente, uma citação importante de um famoso professor de estatística, George


Box:

“Todos os modelos estão errados; alguns são úteis.”

Portanto, aprenda a maximizar a utilidade do DCF utilizando-o da maneira correta.

Você também pode gostar