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Sand, Shlomo. A invenção da terra de Israel. gou a proibição da circuncisão aos judeus,
São Paulo: Benvirá, 2014. mas passou a punir a conversão ao judaísmo
com a morte. Este período proselitista que
vai de II a VIII d. C. explica o enorme nú-
Shlomo Sand, professor de História Con- mero de judeus na Europa e posteriormente
temporânea da Universidade de Tel Aviv, já de cristãos novos em relação com o peque-
havia causado polêmica com o seu livro A no povo sob ocupação romana na Judeia
invenção do povo judeu, traduzido para mais dois mil anos antes.
de 20 idiomas, em que desconstruiu o mito Engenhosamente, o autor ataca a ideia do
dos judeus como um povo monolítico, eter- direito superior de um povo exilado em 73
namente errante e obcecado pelo retorno a d.C., em detrimento daqueles que lá viviam
Sião. O argumento central, recuperado nes- há mais de um milênio. Provocativamente,
ta nova obra A invenção da terra de Israel, é questiona por que também não seria possível
que a base para a criação de Israel é a expul- um “direito de retorno” dos árabes à Penín-
são dos judeus da Europa no final do século sula Ibérica ou dos nativos norte-americanos
XIX e as restrições à imigração estabelecidas a Manhattan. O mito do Retorno e da cria-
pelos Estados Unidos no início do século ção de Israel é apenas mais um dos mitos tí-
XX. Somente a descoberta da real dimensão picos do colonialismo que eram usados para
dos horrores do Holocausto tornaria a cria- justificar empreendimentos exploratórios no
ção de um Estado judeu algo inatacável. final do século XIX. Afinal, os recém-chega-
Para Sand, a expressão “povo judeu” é dos da Europa Oriental não migravam para
tão desprovida de sentido quanto se referir a Palestina com o mesmo propósito dos ju-
a um povo budista ou baha’i. Ao contrário deus que chegavam como imigrantes a Nova
do que irá ocorrer a partir do medievo, o York ou Londres, ou seja, viver em simbiose
judaísmo foi uma religião fervorosamen- com os habitantes mais antigos, mas sim to-
te proselitista e este foi um dos principais mar a terra como sua, como se algo perdido
pontos de atrito com a cultura greco-roma- há muito tempo estivesse sendo restituído a
na, levando o imperador Adriano a proibir seus legítimos donos, mesmo que pouquíssi-
a circuncisão em todo o império, inclusive mo em comum houvesse entre os zelotes que
aos judeus. Seu sucessor, Antonio Pio, revo- resistiram aos romanos no templo e aquelas
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A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann
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tituído por Eretz Israel ou a Grande Israel. usar a expressão Terra Prometida, se a For-
Segundo Sand, o fato de nunca ter havido ça que havia feito a promessa já tinha, para
correspondência entre o território atual de muitos, falecido?”
Israel e a Grande Israel explica muito sobre a Outra problemática reveladora apontada
ausência de consciência de fronteiras, típica por Sand é que nenhum dos grandes profe-
da maioria da sociedade israelense. tas do povo hebreu nasceu em Canaã. Na
O autor demonstra de forma exaustiva Torá, Deus os manda constantemente para a
como o sionismo foi visto como sacrílego terra que indicou, desconsiderando os nati-
pelo judaísmo rabínico, apropriando-se de vos locais. Impossível não fazer uma relação
símbolos e mitos religiosos judaicos ao mes- com a atualidade. Ainda mais perturbador é
mo tempo que “trocava a Torá pela Terra e observar a absoluta impiedade dos hebreus
Deus pelo Estado”. Com a gradual ascensão em relação aos nativos da terra a qual Deus
da direita e sua aproximação com colonos lhes havia prometido. Em Deuteronômio e
que veem a ocupação de Eretz Israel como principalmente no livro de Josué, Deus or-
uma missão sagrada, atualmente esse tipo dena a destruição de “tudo na cidade com
de posicionamento se constitui como uma a espada, todo homem e toda mulher, tan-
de suas bases eleitorais. Se para o judaísmo to jovem quanto velho, e todo boi, ovelha
a conexão com a Terra Santa não necessa- e jumento (Josué 6:21). O Livro de Josué é
riamente se traduzia numa reivindicação de ensinado nas escolas israelenses como a ver-
posse da mesma, para o sionismo o exílio dade factual da História de Israel sem fil-
se transformou num empreendimento co- tros racionalistas ou interpretativos. É de se
lonial de conquista geográfica e física, sem pensar que, se houvesse por parte dos meios
fronteiras definidas. Em termos conceituais, de comunicação a disposição de se procurar
segundo Sand, o termo “Pátria”, que apare- “versículos da espada” na Torá como se faz
ce dezenove vezes na Torá, sempre surge no com o Alcorão, se o judaísmo também não
contexto de origem de uma pessoa ou famí- sofreria com o estigma de religião violenta e
lia, nunca no sentido cultural da polis grega militarista.
em qualquer acepção moderna. Os sionistas Uma das principais fontes hebraicas não
esmagadoramente laicos utilizaram, porém, bíblicas, Flávio Josefo, também foi instru-
a Bíblia como uma escritura de propriedade mentalizada pelo sionismo. Sua narrativa
da Palestina e transformaram a narrativa da do levante contra os romanos e da queda de
Torá, de uma coletânea de histórias inspira- Massada com seu épico suicídio coletivo se
doras de fé e elevação moral, para uma saga transformou hoje num espetáculo de som e
da conquista de uma Pátria por um povo e luzes que iluminam a velha fortaleza, reafir-
seu Deus (cuja existência já era abertamente mando a lenda nacionalista. Na verdade, a
questionada pelos filósofos europeus no sé- luta (cujo desfecho trágico não tem compro-
culo XIX), que seria o mero narrador desse vação histórica) nada tinha de nacionalista,
épico. Ironicamente, Sand pergunta: “Como mas foi sim fruto de uma crescente tensão
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assim, para que as profecias se realizassem. Península do Sinai como locais de criação
Eis que é criada então em 1809 a Associação do futuro Estado. Apesar do fato de que só a
Palestina, cujo objetivo era convencer judeus criação de um lar nacional judaico ser levado
a voltarem para a “sua terra”. Lorde Shaftes- a sério já fosse para Herzl uma vitória, con-
bury, segundo Sand, pode ser considerado o vencê-los a migrar para Uganda seria ainda
Herzl anglicano e criador do famoso slogan mais difícil que para a Palestina, já vista
“uma terra sem povo para um povo sem ter- como um destino de apelo muito menor que
ra”. Shaftesbury, no entanto, não aceitava a Estados Unidos ou Europa Ocidental.
eleição de judeus para o Parlamento inglês No início do século XX Lorde Balfour,
nem acreditava que estes deveriam ter um que se torna um mito com a declaração emi-
Estado Próprio. O aristocrata acreditava tida em 1917 que leva seu nome, assume o
que os judeus eram membros de uma raça cargo de primeiro-ministro. Balfour ironica-
(conceito comumente usado na época) an- mente começa seu mandato restringindo a
cestral e especial, que uma vez que aceitas- entrada de judeus na Inglaterra, vistos como
sem Jesus como seu salvador se tornariam um povo que não se integrava à sociedade.
parceiros dos britânicos. Embora a ideia de No entanto, dono de um sentimento cris-
migração judaica em massa para a Palestina tão que via com gratidão as agruras que o
se tornasse popular no Parlamento, não po- “povo eleito” passou até a vinda de Jesus,
demos esquecer que aquela região na época procurou alternativas (bem longe de Lon-
tinha dono: o Império Turco-Otomano, “o dres) para que aquele povo especial pudesse
Gigante Enfermo do Oriente” e que portan- desenvolver seu talento. A Declaração Bal-
to, por mais que inúmeros levantes naciona- four também tinha objetivos políticos: an-
listas comprovariam a pouca autoridade que gariar a simpatia da influente comunidade
restara ao sultanato, a Inglaterra, aliada dos judaica nos Estados Unidos para que esta
turcos, precisava convencer os otomanos da pressionassem os Estados Unidos a entrarem
importância dessa leva imigratória para a na Primeira Guerra Mundial em auxílio dos
economia do império. ingleses, e por outro lado fazer com que os
Concomitantemente, a Grã-Bretanha judeus russos pressionassem seu governo a
tentava deter a onda migratória do leste eu- fazer o oposto, ou seja, não deixar a guerra,
ropeu percebida pelo cidadão médio como apoiando franceses e britânicos em troca da
maciçamente judaica, o que levou a uma criação do prometido lar nacional judaico.
onda de xenofobia na ilha. Nesse contex- A partir deste momento histórico a Pa-
to, Theodor Herzl consegue uma audiência lestina passa a ser uma via de escoamento
com Joseph Chamberlain, secretário colo- dessa leva imigratória impedida de entrar
nial do Reino Unido. Procurando contornar nos Estados Unidos e na Europa Ocidental,
a questão imigratória e fascinado com o em- e isso levaria aos primeiros enfrentamentos
preendimento sionista, Chamberlain ofere- com a população árabe que vivia na tal “ter-
ceu como alternativa Uganda, Chipre ou a ra sem povo”.
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No capítulo final do livro Sand reafir- do os judeus ao mar. Essa versão hoje é des-
ma a oposição judaísmo × sionismo e cita mentida por veteranos da guerra de 1948,
o rompimento entre o líder do Rabinato de que se dizem arrependidos pelos excessos
Viena Moritz Guddermann com Herzl, pois cometidos, mas que confirmam a expulsão,
o primeiro afirmava que o judaísmo nunca embora tentem aliviar sua consciência com a
dependera de tempo ou lugar e que o nacio- justificativa de que sem a remoção dos ára-
nalismo em voga naquele fin-de-siècle con- bes o Estado judeu seria inviável.
tradizia o espírito universalista do judaísmo. Ao fim da guerra Israel desobedece a re-
A tese de Sand é que com o Holocausto o solução 194 da ONU que ordena o retorno
sionismo venceu o judaísmo e, com exce- dos refugiados, mas em 1950, um ano após
ção dos ultraortodoxos, em maior ou menor o armistício com os árabes, aprova a Lei do
grau, toda a comunidade judaica abraçou o Retorno, que concede cidadania a judeus do
sionismo. Assim, um movimento que visou mundo todo dispostos a “retornar” à terra
o extermínio do povo judeu será a mola pro- ancestral. Ou seja, se nega o direito dos vi-
pulsora da concretização do sonho de Herzl vos da atualidade e se celebra o direito a se
mais de cinco décadas após a publicação de “herdar” uma terra que na época pertencia
O Estado judeu. aos romanos e que supostamente era pro-
No início do século XX a presença judai- priedade legítima de pessoas mortas há mais
ca na Palestina já se intensificava, com a cria- de dois mil anos. No mesmo ano Israel desa-
ção dos primeiros kibbutzim, propriedades propria 40% de todas as terras árabes em seu
comunais fechadas a não judeus e com um território. Em 1967, na “guerra que ninguém
senso coletivo bastante arraigado e exclusivis- queria” segundo Avi Shlaim, Israel captura
ta, que impedia a participação árabe, mesmo Jerusalém, Colinas de Golã, Monte Sinai,
estes sendo mão de obra barata. Este sistema Gaza e Cisjordânia. Conquistou, mas não
subsistirá até a Guerra dos Seis Dias em 1967, poderia mais agir como antes. Sand lembra
quando os assentamentos familiares financia- que uma nova expulsão em massa não seria
dos pelo governo substituirão os assentamen- facilmente aceita num mundo pós-colonial e
tos comunais de influência socialista. Israel se viu ocupando militarmente mais de
A criação de Israel levará à expulsão de um milhão de árabes.
cerca de 700 mil palestinos, numa política A ascensão da direita sionista, impulsio-
de limpeza étnica (há controvérsias sobre se nada pela “quase derrota” na Guerra do Yom
foi premeditada ou se foi um resultado da Kippur, em 1973, levou a uma aceleração
guerra) que levou hoje os palestinos a forma- dos assentamentos nos territórios ocupados.
rem o maior grupo de refugiados do mundo. Nem todos porém são sionistas fervorosos.
A historiografia sionista diz que as famílias Muitos compram terras como investimento,
árabes não foram expulsas, mas atenderam a outros se beneficiam dos subsídios governa-
um pedido dos líderes árabes invasores para mentais oferecidos para quem se habilita a
que saíssem e voltasse após estes terem atira- viver na Cisjordânia. Suas casas são constru-
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ídas por palestinos sob ocupação necessita- muitos palestinos a não crerem em solução
dos de emprego, e levaram, segundo o autor, diplomática. A situação e o crescente isola-
a um adiamento de vinte anos na primeira mento diplomático de Israel não parecem
revolta genuinamente palestina, a Intifa- incomodar os últimos governos israelenses,
da. A situação, que parecia controlada para que em média a cada três anos têm invadido
quem não a acompanhava de perto, levou a Gaza para enfraquecer a infraestrutura do
um levante sem precedentes que culminou Hamas. Resta a Israel o apoio incondicional
nos Acordos de Oslo de 1993, quando final- de seu lobby no congresso norte-americano,
mente Israel e OLP se reconheceram mutua- especialmente de congressistas evangélicos
mente. De lá para cá todos os chanceleres de que veem Israel não como um Estado nor-
Israel só ofereceram aos palestinos viverem mal que deva responder perante seus atos a
em bantustões cercados por assentamentos comunidade internacional, mas como um
judaicos e controle militar israelense. Os Estado sagrado no qual cada primeiro-mi-
dois lados se encontram cansados. A expan- nistro parece automaticamente imbuído da
são ininterrupta cada vez mais inviabiliza a infalibilidade papal, estando acima de crí-
criação de um Estado Palestino e a ideia de ticas simplesmente por se tratar do país do
um Estado Binacional se confronta com a “povo eleito”. Enquanto tal mentalidade que
identidade de um Estado judeu. A mitologia dá a Israel carta branca para agir como qui-
da Terra já não convence tantos israelenses ser persistir, qualquer solução racional pare-
e a rotina de humilhações decorrentes dos cerá cada vez mais distante.
checkpoints e da demolição de casas leva
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