Você está na página 1de 7

A Terra Prometida em uma bandeja colonial

Andrew Patrick Traumann*

Sand, Shlomo. A invenção da terra de Israel. gou a proibição da circuncisão aos judeus,
São Paulo: Benvirá, 2014. mas passou a punir a conversão ao ju­daísmo
com a morte. Este período proselitista que
vai de II a VIII d. C. explica o enorme nú-
Shlomo Sand, professor de História Con- mero de judeus na Europa e posteriormente
temporânea da Universidade de Tel Aviv, já de cristãos novos em relação com o peque-
havia causado polêmica com o seu livro A no povo sob ocupação romana na Judeia
invenção do povo judeu, traduzido para mais dois mil anos antes.
de 20 idiomas, em que desconstruiu o mito Engenhosamente, o autor ataca a ideia do
dos judeus como um povo monolítico, eter- direito superior de um povo exilado em 73
namente errante e obcecado pelo retorno a d.C., em detrimento daqueles que lá viviam
Sião. O argumento central, recuperado nes- há mais de um milênio. Provocativamente,
ta nova obra A invenção da terra de Israel, é questiona por que também não seria possível
que a base para a criação de Israel é a expul- um “direito de retorno” dos árabes à Penín-
são dos judeus da Europa no final do século sula Ibérica ou dos nativos norte-americanos
XIX e as restrições à imigração estabelecidas a Manhattan. O mito do Retorno e da cria-
pelos Estados Unidos no início do século ção de Israel é apenas mais um dos mitos tí-
XX. Somente a descoberta da real dimensão picos do colonialismo que eram usados para
dos horrores do Holocausto tornaria a cria- justificar empreendimentos exploratórios no
ção de um Estado judeu algo inatacável. final do século XIX. Afinal, os recém-chega-
Para Sand, a expressão “povo judeu” é dos da Europa Oriental não migravam para
tão desprovida de sentido quanto se referir a Palestina com o mesmo propósito dos ju-
a um povo budista ou baha’i. Ao contrário deus que chegavam como imigrantes a Nova
do que irá ocorrer a partir do medievo, o York ou Londres, ou seja, viver em simbiose
judaísmo foi uma religião fervorosamen- com os habitantes mais antigos, mas sim to-
te proselitista e este foi um dos principais mar a terra como sua, como se algo perdido
pontos de atrito com a cultura greco-roma- há muito tempo estivesse sendo restituído a
na, levando o imperador Adriano a proibir seus legítimos donos, mesmo que pouquíssi-
a circuncisão em todo o império, inclusive mo em comum houvesse entre os zelotes que
aos judeus. Seu sucessor, Antonio Pio, revo- resistiram aos romanos no templo e aquelas

Resenha - DOI - http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X015029017


* Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor do Centro Universitário
Curitiba (UniCuritiba). Curitiba, PR, Brasil. E-mail: andrewtraumann@hotmail.com.

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 699
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

famílias polonesas desembarcando na Pales- ponto-chave da obra é justamente a crítica


tina em 1920. ao discurso etnocêntrico da excepcionalida-
Theodor Herzl, que com a publicação de de do povo judeu frente aos demais povos
Die Judenstadt sistematizou o sionismo, não que ocuparam aquela região, como caldeus,
ignorava a existência dos árabes, mas num persas, helênicos, romanos, árabes, turcos e
exercício mental típico do colonialismo eu- ingleses. Apesar da meticulosa desconstru-
ropeu, acreditava que os árabes, mesmo que ção do sionismo como um empreendimento
contrariados no início, acabariam por reco- colonial racista e explorador, Sand de forma
nhecer os benefícios materiais do velho binô- alguma prega que os ponteiros do relógio
mio imperialista “o progresso e a civilização”. da História voltem atrás. Hoje Israel é o lar
No seu projeto de Estado, Herzl reconhecia de milhões de pessoas que vivem suas vidas,
que os nativos poderiam ter direitos civis, mas trabalham, estudam, criam seus filhos, e
não direitos nacionais. Já Ze’ev Jabotinsky, qualquer delírio de remoção dessas pessoas
fundador do sionismo revisionista, que dizia só geraria uma nova catástrofe humanitária.
olhar os árabes com “polida indiferença”, re- O autor assim procura se defender de qual-
conhecia, assim como Davi Ben Gurion, o quer ataque de que este se colocaria contra
apego dos palestinos que lá viviam há 1.400 o povo de Israel. Trata-se sim de um autor
anos a aquela terra e afirmava que o estabele- antissionista, não anti-israelense.
cimento de Israel teria que vir acompanhado A conexão judaica com a região jamais
da criação de uma Muralha de Ferro militar, antes havia se traduzido como imigração
política e econômica que eliminaria qualquer em massa para a Palestina com a ideia da
resquício de esperança em resistir ao coloni- criação de um lar nacional, uma vez que a
zador e os faria negociar em bons termos com ideia de que cada nação teria direito a um
Israel. Entre o idealismo ingênuo de Herzl Estado correspondente só toma forma na
e a Realpolitik de Jabotinsky, um ponto em Europa do século XVIII, portanto, qualquer
comum: a inquestionável “superioridade mo- tentativa de demonstrar nacionalismo judai-
ral” da ideologia sionista. Para Jabotinsky, co na Bíblia como algo semelhante ao que
se o judeu não tivesse absoluta convicção de compreendemos como nacionalismo hoje é
que o sionismo era “justo” e “correto”, então um anacronismo. Tal anacronismo tem sido
o melhor seria abandonar a ideia da criação conscientemente construído pelo nacionalis-
de Israel. mo israelense, que tem publicado dezenas de
Logo na introdução de seu livro, o autor obras sobre a terra de Israel (expressão ge-
se coloca a favor da criação de um Estado ográfica entre o mar Mediterrâneo e o rio
de Israel inclusivo a todos os seus cidadãos, Jordão) que narram sua história sob a ocu-
sem negar os antigos laços da comunida- pação de vários povos usurpadores, como
de judaica com aquela terra. De modo in- os romanos, árabes etc. O termo Palestina,
clusivo, Sand compreende a criação de um comum entre os primeiros sionistas, foi apa-
estado binacional laico e democrático. O gado das traduções para o hebraico e subs-

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 700
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

tituído por Eretz Israel ou a Grande Israel. usar a expressão Terra Prometida, se a For-
Segundo Sand, o fato de nunca ter havido ça que havia feito a promessa já tinha, para
correspondência entre o território atual de muitos, falecido?”
Israel e a Grande Israel explica muito sobre a Outra problemática reveladora apontada
ausência de consciência de fronteiras, típica por Sand é que nenhum dos grandes profe-
da maioria da sociedade israelense. tas do povo hebreu nasceu em Canaã. Na
O autor demonstra de forma exaustiva Torá, Deus os manda constantemente para a
como o sionismo foi visto como sacrílego terra que indicou, desconsiderando os nati-
pelo judaísmo rabínico, apropriando-se de vos locais. Impossível não fazer uma relação
símbolos e mitos religiosos judaicos ao mes- com a atualidade. Ainda mais perturbador é
mo tempo que “trocava a Torá pela Terra e observar a absoluta impiedade dos hebreus
Deus pelo Estado”. Com a gradual ascensão em relação aos nativos da terra a qual Deus
da direita e sua aproximação com colonos lhes havia prometido. Em Deuteronômio e
que veem a ocupação de Eretz Israel como principalmente no livro de Josué, Deus or-
uma missão sagrada, atualmente esse tipo dena a destruição de “tudo na cidade com
de posicionamento se constitui como uma a espada, todo homem e toda mulher, tan-
de suas bases eleitorais. Se para o judaísmo to jovem quanto velho, e todo boi, ovelha
a conexão com a Terra Santa não necessa- e jumento (Josué 6:21). O Livro de Josué é
riamente se traduzia numa reivindicação de ensinado nas escolas israelenses como a ver-
posse da mesma, para o sionismo o exílio dade factual da História de Israel sem fil-
se transformou num empreendimento co- tros racionalistas ou interpretativos. É de se
lonial de conquista geográfica e física, sem pensar que, se houvesse por parte dos meios
fronteiras definidas. Em termos conceituais, de comunicação a disposição de se procurar
segundo Sand, o termo “Pátria”, que apare- “versículos da espada” na Torá como se faz
ce dezenove vezes na Torá, sempre surge no com o Alcorão, se o judaísmo também não
contexto de origem de uma pessoa ou famí- sofreria com o estigma de religião violenta e
lia, nunca no sentido cultural da polis grega militarista.
em qualquer acepção moderna. Os sionistas Uma das principais fontes hebraicas não
esmagadoramente laicos utilizaram, porém, bíblicas, Flávio Josefo, também foi instru-
a Bíblia como uma escritura de propriedade mentalizada pelo sionismo. Sua narrativa
da Palestina e transformaram a narrativa da do levante contra os romanos e da queda de
Torá, de uma coletânea de histórias inspira- Massada com seu épico suicídio coletivo se
doras de fé e elevação moral, para uma saga transformou hoje num espetáculo de som e
da conquista de uma Pátria por um povo e luzes que iluminam a velha fortaleza, reafir-
seu Deus (cuja existência já era abertamente mando a lenda nacionalista. Na verdade, a
questionada pelos filósofos europeus no sé- luta (cujo desfecho trágico não tem compro-
culo XIX), que seria o mero narrador desse vação histórica) nada tinha de nacionalista,
épico. Ironicamente, Sand pergunta: “Como mas foi sim fruto de uma crescente tensão

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 701
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

entre o monoteísmo fervoroso e messiânico que transformará as Cruzadas em, antes de


dos hebreus e o politeísmo de seus vizinhos mais nada, peregrinações armadas.
no período proselitista do judaísmo. Com a retomada de Jerusalém por Sa-
Com a queda do Segundo Templo e o ladino, a memória da cidade como centro
exílio ocorre uma espécie de idealização e espiritual cristão ficará adormecida até o
romantização de Jerusalém, porém, nunca surgimento de um fervoroso movimento
como um local para se apossar ou conquis- de renovação espiritual que criticava a ven-
tar, mas para peregrinar ou para passar seus da de indulgências e o estilo de vida nada
últimos dias. Enquanto aguardavam o Mes- monástico da alta cúpula do clero: a Refor-
sias e a Redenção, duas religiões mais novas ma Protestante. Nas regiões alcançadas pela
e mais pragmáticas, o cristianismo e o isla- Reforma, a Bíblia substitui o Papa como
mismo, dominaram a Palestina de facto. A autoridade divina. No caso da Inglaterra, a
partir do século III começam a ocorrer as identificação entre a nação que desafiava a
primeiras peregrinações cristãs a Jerusalém Igreja, que havia se designado conquistado-
e a outras cidades mencionadas na Bíblia. ra de novas terras e que era intransigente na
Segundo o autor, tais peregrinações, ao con- defesa de sua fé com os reis e juízes hebreus,
trário do que ocorre, por exemplo, no isla- sua obstinação e seu estado de guerra per-
mismo, não configuram pilares da fé, mas manente, foi imediata e profunda. Crianças
manifestações voluntárias e individuais que inglesas aprendiam sobre os feitos de Sansão
se revestiam de um caráter investigatório tí- antes de conhecer a história de seu país, e
pico dos gregos e que se tornam moda entre a Bíblia era vista como um compêndio de
pessoas cultas e de posses. Tornaram-se alvo fatos históricos irrefutáveis. Em sua inter-
de grande curiosidade na Europa os diários pretação, e isso é crucial para que se com-
de viajantes que iam ver com seus próprios preenda a simpatia dos evangélicos por Is-
olhos cidades como Nazaré, Jericó, Belém rael nos dias atuais, o retorno dos judeus a
e, obviamente, Jerusalém. Via de regra esses Terra Prometida era condição sine qua non
viajantes ignoravam sumariamente os nati- para o retorno de Jesus Cristo e, quando isso
vos numa atitude bastante semelhante a que ocorresse, os judeus que sobrevivessem ao
será adotada pelos orientalistas do século armagedon se converteriam ao cristianismo.
XIX. O objetivo principal dessas viagens era Ou seja, paradoxalmente, a defesa absoluta
comprovar a veracidade do texto canônico, que os neopentecostais nos Estados Unidos
no melhor estilo “...e a Bíblia tinha razão”. ou no Brasil fazem de Israel decorre de uma
Para muitos desses viajantes a mera compro- crença cujo resultado final será a extinção do
vação da existência física das cidades citadas judaísmo.
nos textos bíblicos já era considerada uma Durante a expansão do império britânico
“prova” da autenticidade de suas histórias. ainda era muito comum relacionar fatos his-
Essas peregrinações serão interrompidas tóricos a profecias bíblicas e muitos se viam
com a conquista de Jerusalém pelos turcos, imbuídos do desejo de cooperar, digamos

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 702
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

assim, para que as profecias se realizassem. Península do Sinai como locais de criação
Eis que é criada então em 1809 a Associação do futuro Estado. Apesar do fato de que só a
Palestina, cujo objetivo era convencer judeus criação de um lar nacional judaico ser levado
a voltarem para a “sua terra”. Lorde Shaftes- a sério já fosse para Herzl uma vitória, con-
bury, segundo Sand, pode ser considerado o vencê-los a migrar para Uganda seria ainda
Herzl anglicano e criador do famoso slogan mais difícil que para a Palestina, já vista
“uma terra sem povo para um povo sem ter- como um destino de apelo muito menor que
ra”. Shaftesbury, no entanto, não aceitava a Estados Unidos ou Europa Ocidental.
eleição de judeus para o Parlamento inglês No início do século XX Lorde Balfour,
nem acreditava que estes deveriam ter um que se torna um mito com a declaração emi-
Estado Próprio. O aristocrata acreditava tida em 1917 que leva seu nome, assume o
que os judeus eram membros de uma raça cargo de primeiro-ministro. Balfour ironica-
(conceito comumente usado na época) an- mente começa seu mandato restringindo a
cestral e especial, que uma vez que aceitas- entrada de judeus na Inglaterra, vistos como
sem Jesus como seu salvador se tornariam um povo que não se integrava à sociedade.
parceiros dos britânicos. Embora a ideia de No entanto, dono de um sentimento cris-
migração judaica em massa para a Palestina tão que via com gratidão as agruras que o
se tornasse popular no Parlamento, não po- “povo eleito” passou até a vinda de Jesus,
demos esquecer que aquela região na época procurou alternativas (bem longe de Lon-
tinha dono: o Império Turco-Otomano, “o dres) para que aquele povo especial pudesse
Gigante Enfermo do Oriente” e que portan- desenvolver seu talento. A Declaração Bal-
to, por mais que inúmeros levantes naciona- four também tinha objetivos políticos: an-
listas comprovariam a pouca autoridade que gariar a simpatia da influente comunidade
restara ao sultanato, a Inglaterra, aliada dos judaica nos Estados Unidos para que esta
turcos, precisava convencer os otomanos da pressionassem os Estados Unidos a entrarem
importância dessa leva imigratória para a na Primeira Guerra Mundial em auxílio dos
economia do império. ingleses, e por outro lado fazer com que os
Concomitantemente, a Grã-Bretanha judeus russos pressionassem seu governo a
tentava deter a onda migratória do leste eu- fazer o oposto, ou seja, não deixar a guerra,
ropeu percebida pelo cidadão médio como apoiando franceses e britânicos em troca da
maciçamente judaica, o que levou a uma criação do prometido lar nacional judaico.
onda de xenofobia na ilha. Nesse contex- A partir deste momento histórico a Pa-
to, Theodor Herzl consegue uma audiência lestina passa a ser uma via de escoamento
com Joseph Chamberlain, secretário colo- dessa leva imigratória impedida de entrar
nial do Reino Unido. Procurando contornar nos Estados Unidos e na Europa Ocidental,
a questão imigratória e fascinado com o em- e isso levaria aos primeiros enfrentamentos
preendimento sionista, Chamberlain ofere- com a população árabe que vivia na tal “ter-
ceu como alternativa Uganda, Chipre ou a ra sem povo”.

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 703
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

No capítulo final do livro Sand reafir- do os judeus ao mar. Essa versão hoje é des-
ma a oposição judaísmo × sionismo e cita mentida por veteranos da guerra de 1948,
o rompimento entre o líder do Rabinato de que se dizem arrependidos pelos excessos
Viena Moritz Guddermann com Herzl, pois cometidos, mas que confirmam a expulsão,
o primeiro afirmava que o judaísmo nunca embora tentem aliviar sua consciência com a
dependera de tempo ou lugar e que o nacio- justificativa de que sem a remoção dos ára-
nalismo em voga naquele fin-de-siècle con- bes o Estado judeu seria inviável.
tradizia o espírito universalista do judaísmo. Ao fim da guerra Israel desobedece a re-
A tese de Sand é que com o Holocausto o solução 194 da ONU que ordena o retorno
sionismo venceu o judaísmo e, com exce- dos refugiados, mas em 1950, um ano após
ção dos ultraortodoxos, em maior ou menor o armistício com os árabes, aprova a Lei do
grau, toda a comunidade judaica abraçou o Retorno, que concede cidadania a judeus do
sionismo. Assim, um movimento que visou mundo todo dispostos a “retornar” à terra
o extermínio do povo judeu será a mola pro- ancestral. Ou seja, se nega o direito dos vi-
pulsora da concretização do sonho de Herzl vos da atualidade e se celebra o direito a se
mais de cinco décadas após a publicação de “herdar” uma terra que na época pertencia
O Estado judeu. aos romanos e que supostamente era pro-
No início do século XX a presença judai- priedade legítima de pessoas mortas há mais
ca na Palestina já se intensificava, com a cria- de dois mil anos. No mesmo ano Israel desa-
ção dos primeiros kibbutzim, propriedades propria 40% de todas as terras árabes em seu
comunais fechadas a não judeus e com um território. Em 1967, na “guerra que ninguém
senso coletivo bastante arraigado e exclusivis- queria” segundo Avi Shlaim, Israel captura
ta, que impedia a participação árabe, mesmo Jerusalém, Colinas de Golã, Monte Sinai,
estes sendo mão de obra barata. Este sistema Gaza e Cisjordânia. Conquistou, mas não
subsistirá até a Guerra dos Seis Dias em 1967, poderia mais agir como antes. Sand lembra
quando os assentamentos familiares financia- que uma nova expulsão em massa não seria
dos pelo governo substituirão os assentamen- facilmente aceita num mundo pós-colonial e
tos comunais de influência socialista. Israel se viu ocupando militarmente mais de
A criação de Israel levará à expulsão de um milhão de árabes.
cerca de 700 mil palestinos, numa política A ascensão da direita sionista, impulsio-
de limpeza étnica (há controvérsias sobre se nada pela “quase derrota” na Guerra do Yom
foi premeditada ou se foi um resultado da Kippur, em 1973, levou a uma aceleração
guerra) que levou hoje os palestinos a forma- dos assentamentos nos territórios ocupados.
rem o maior grupo de refugiados do mundo. Nem todos porém são sionistas fervorosos.
A historiografia sionista diz que as famílias Muitos compram terras como investimento,
árabes não foram expulsas, mas atenderam a outros se beneficiam dos subsídios governa-
um pedido dos líderes árabes invasores para mentais oferecidos para quem se habilita a
que saíssem e voltasse após estes terem atira- viver na Cisjordânia. Suas casas são constru-

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 704
A Terra Prometida em uma bandeja colonial
Andrew Patrick Traumann

ídas por palestinos sob ocupação necessita- muitos palestinos a não crerem em solução
dos de emprego, e levaram, segundo o autor, diplomática. A situação e o crescente isola-
a um adiamento de vinte anos na primeira mento diplomático de Israel não parecem
revolta genuinamente palestina, a Intifa- incomodar os últimos governos israelenses,
da. A situação, que parecia controlada para que em média a cada três anos têm invadido
quem não a acompanhava de perto, levou a Gaza para enfraquecer a infraestrutura do
um levante sem precedentes que culminou Hamas. Resta a Israel o apoio incondicional
nos Acordos de Oslo de 1993, quando final- de seu lobby no congresso norte-americano,
mente Israel e OLP se reconheceram mutua- especialmente de congressistas evangélicos
mente. De lá para cá todos os chanceleres de que veem Israel não como um Estado nor-
Israel só ofereceram aos palestinos viverem mal que deva responder perante seus atos a
em bantustões cercados por assentamentos comunidade internacional, mas como um
judaicos e controle militar israelense. Os Estado sagrado no qual cada primeiro-mi-
dois lados se encontram cansados. A expan- nistro parece automaticamente imbuído da
são ininterrupta cada vez mais inviabiliza a infalibilidade papal, estando acima de crí-
criação de um Estado Palestino e a ideia de ticas simplesmente por se tratar do país do
um Estado Binacional se confronta com a “povo eleito”. Enquanto tal mentalidade que
identidade de um Estado judeu. A mitologia dá a Israel carta branca para agir como qui-
da Terra já não convence tantos israelenses ser persistir, qualquer solução racional pare-
e a rotina de humilhações decorrentes dos cerá cada vez mais distante.
checkpoints e da demolição de casas leva

Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, p. 699-705, jul./dez. 2014 | www.revistatopoi.org 705

Você também pode gostar