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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

DISCIPLINA: Literatura Portuguesa II.

PROFESSORA: Rafaella Teotônio.

ALUNOS:Beatriz Bomfim; Ellen Karollyne; Katharina Geovana; Maria Gabriela e


Wallacy Kennedy.

1. AUTOR: vida pessoal, estilo de escrita e contexto social da obra


Nascido em 16 de novembro de 1922, José Saramago foi um escritor português de
renome internacional. Além de tradutor, Saramago foi crítico literário em 1974, depois da
Revolução dos Cravos, que tinha como foco principal a queda do governo ditatorial de
Salazar, o qual o autor era um crítico e opositor ferrenho. As obras literárias são realistas,
destacando-se entre elas: “O evangelho segundo Jesus Cristo” que lhe gerou a primeira
indicação para o prêmio Nobel de Literatura em 1992. A obra, por sua vez, foi censurada
pelo governo português o que fez com que Saramago decidisse exilar-se em Lanzarote, na
Espanha. Onde ficou até a sua morte em 18 de junho de 2010.
Ensaio sobre cegueira, obra de 1995 é um marco histórico da carreira do autor, pois
foi responsável por sua premiação no Nobel de Literatura de 1998. A prosa de Saramago é
conhecida pelo caráter fluido das vozes de seus narradores, fortemente marcadas pela
presença da oralidade. Além da diferença de marcadores comuns de pontuação, o que faz de
sua escrita única, tornando os seus diálogos como um elemento narrativo sem transição.
Misturando assim as falas de narradores e personagens como se estivessem num mesmo
plano. A obra surgiu em um restaurante quando Saramago começou a reparar nas pessoas ao
redor. O autor, extremamente sagaz, percebeu que todas elas cumpriam um protocolo social
com ações que geram a boa convivência. Enquanto observava, porém, Saramago teve um
estalo que deu origem à obra: “– E se todos ficassem cegos? Será que se portariam da mesma
forma?”

2. ENREDO
Imagine fechar os olhos no movimento involuntário de piscar e ao abrir, se ver
tomado por uma branquitude leitosa? Pois foi exatamente o que aconteceu na
apresentação da narrativa com o chamado “o primeiro cego”, um homem que estava
apenas parado em um sinal vermelho ao piscar, simplesmente estava cego! Neste primeiro
momento, a história é ambientada em uma rua movimentada, com pessoas em suas vidas
normais, que não esperavam o que estava por vir, mas grande parte da história irá se
passar em um manicômio abandonado, ao ser percebida a complicação do enredo: esse
mal é contagioso. Dentro desse lugar serão colocadas, por determinação do governo, todas
as pessoas que forem atingidas pela cegueira branca que “surgiu” no primeiro cego.
Dentro deste manicômio, as pessoas vão ser levadas ao limite (tanto mental, quanto
físico), fazendo com que possamos ver humanos em um estado quase animal, não
vivendo, mas sobrevivendo e nos fazendo refletir sobre a nossa essência como ser vivos,
sobre até onde vai nossa racionalidade.
Após vários episódios extremos, como a falta de comida no manicômio, a
necessidade de pagar por essa comida que já era escassa (inclusive pagar com os corpos
das mulheres, que eram coletivamente estupradas), o enredo começa a se encaminhar para
o seu clímax quando a mulher do médico mata o chefe da gangue de cegos maus.O clímax
chega quando uma das mulheres que era estuprada ateia fogo aos colchões da camarata
dos cegos estupradores, se sacrificando junto no ato e causando um incêndio que destrói
todo o lugar. Os cegos que conseguem escapar do fogo fogem, e partir da fuga, o que
podemos considerar o núcleo de personagens principais (os cegos da primeira camarata)
se mantém juntos à mulher do médico passam a explorar o novo velho mundo epidêmico
até que a única que enxerga entre eles perceba que toda a gente do mundo havia cegado.
Depois de visitarem as casas de cada uma das pessoas do grupo guiados pela
mulher do médico, enquanto enfrentam os mesmos problemas por falta de comida que
existiam dentro do manicômio, os cegos se estabelecem na casa do médico, e a narrativa
tem seu desfecho tão inusitado quanto sua apresentação: da mesma forma que a cegueira
veio, ela vai embora, e todos continuam ignorantes quanto aos motivos que causaram tal
surto.

3. TEMA CENTRAL E TEMAS PARALELOS


Como tema central da narrativa, observamos a cegueira social e a fragilidade que
essa cegueira acomete à sociedade, visto que no momento que as coisas começam a dar
errado, toda a sociedade desmorona em instantes. É como se a cegueira física fosse uma
metáfora para a cegueira psicológica que a sociedade se auto impõe, afinal é “mais fácil”
fechar os olhos, “estar cego”, que realmente olhar o problema e buscar solucioná-lo. Ao
mesmo tempo que essa cegueira social impede as pessoas de verem as rachaduras da
sociedade, ela também funciona como um tipo de “coleira”, impedindo que as pessoas se
transformem em animais completamente selvagens. É o famoso “o que os olhos não vêem, o
coração não sente”. Se eu não tenho ninguém capaz de realizar a manutenção das regras
sociais, nesse caso alguém que enxerga, então eu tenho a liberdade de fazer o que quiser, até
as coisas mais horríveis. Já sobre os temas paralelos que aparecem ao longo do livro, citando
apenas alguns deles, temos o assédio; o estupro e objetificação feminina ; os estereótipos
sociais,; e por último as incertezas da vida.

4. ROMANCE PÓS MODERNO


Ensaio sobre a cegueira é um romance pós-moderno, primeiramente por ter sido
produzido após a revolução dos cravos, em 1974, mas também porque ele apresenta alguns
traços recorrentes nos romances desse período, e um desses traços é a carnavalização.
Carnavalização é um conceito trabalhado por Bakhtin, que consiste na influência das
tradições do carnaval nas produções literárias. Porém, essa influência não diz respeito
necessariamente à festa, e sim a ideia da mistura que o carnaval passa. Isso porque o carnaval
é uma forma sincrética de espetáculo, ele se serve de elementos do mundo real para criar um
mundo à parte, um mundo invertido onde todas as leis sociais podem se subverter.
A cegueira saramaguiana é uma cegueira carnavalizada primeiramente por ser uma
cegueira branca (o contrário do que se tem geralmente na sociedade), e porque a partir do
momento que o surto se instaura e as pessoas são colocadas em isolamento, tudo vira de
ponta cabeça. E é justamente essa inversão que dá espaço para que temas “polêmicos” sejam
abordados ao longo do livro, é essa carnavalização que dá abertura para que as minorias
sejam vistas na narrativa, porque não é do interesse da maioria que temas como, por exemplo,
a fragilidade do estado sejam discutidos. Essa pós-modernidade também se manifesta em
outros pontos como no uso indiscriminado da prosódia, da mistura deliberada de gêneros.
Nas obras de Saramago é especialmente difícil determinar um único gênero, principalmente
pela escrita singular do autor, e é por isso que ele mesmo usa outros termos para se referir às
suas obras, como “ensaio”, “evangelho” e “memorial”.

5. NARRADOR
Nós sabemos que “O narrador é o elemento interno à narrativa que conta a estória”
(PINNA, 2006, p. 157), o que faz com que esse acabe sendo o elemento mais próximo do
leitor, visto que eles estão em contato direto. O narrador de Saramago é um dos elementos
mais curiosos construídos pelo autor, pois de acordo com ele “Não se pode contar como se
não há o que contar, mas pode acontecer de você ter o que e ficar paralisado porque não tem
o como.” apud (COSTA, 1998). Ou seja, Saramago dá bastante importância à forma que suas
histórias vão chegar ao leitor. Dessa forma, em Ensaio Sobre a Cegueira, nós encontramos
um narrador em terceira pessoa, observador, heterodiegético, que não é um personagem, e
sim uma figura que observa o desenrolar da história de forma onisciente e onipresente. Além
de tudo, ele é também um narrador intruso, pois ao passo que narra, ele vai tecendo
comentários próprios e até mesmo dialogando com o leitor.
A narrativa saramaguiana subverte os sinais de pontuação, retira traços convencionais
de diálogo e cria novas regras de construção textual. Tal forma de narrar remete à realidade,
de certa forma, pois Saramago acredita que “Para que a palavra soe desperta é preciso dizê-la;
ler silenciosamente as palavras não é suficiente” apud (COSTA, 1998). Graças a esse tom de
realidade, a voz do narrador se assemelha a de um antigo sábio contador de histórias,
justamente para remeter à oralidade e fazer com que a palavra soe desperta. Ao mesmo tempo
que essa subversão das regras remete à realidade, ela também causa estranhamento no leitor,
o que exige um papel ativo para a compreensão do que está sendo retratado e faz com que a
leitura seja tão interessante.

6. PERSONAGENS
Ensaio sobre a cegueira apresenta personagens redondos, tendo como protagonista a
mulher do médico, que vai guiar todos os outros cegos ao longo da narrativa. No núcleo de
personagens mais relevantes, encontram-se, além dela, o Médico, a rapariga dos óculos
escuros, o velho da venda preta, o primeiro cego, a mulher do primeiro cego e o menino
estrábico.Os personagens da obra não são identificados por seus respectivos nomes, mas sim
por suas profissões ou por uma característica física marcante. Essa é uma ferramenta usada
pelo autor para inconscientemente despertar no leitor um dos principais conflitos abordados
no livro: a desconstrução do conceito de humanidade como se conhece. É senso comum que o
nome próprio é uma maneira de identificação, representando o direito humano à
personalidade. Ao tirar isso dos personagens, Saramago inicia o processo de detrimento da
individualidade em meio ao caos que se instala com a epidemia.
Outro ponto abordado é que o autoquestionamento dos personagens guia a narrativa.
Neste aspecto, é importante citar que as suas ações são motivadas pelo instinto de
sobrevivência, o que os leva a cometer atos extremos, que seriam condenados numa
sociedade civilizada, como a troca das mulheres por comida, por exemplo. Isso faz com que
todos constantemente se questionem acerca das suas crenças e valores, e, por conseguinte,
retomando o processo de fragmentação da sua identidade e humanidade (CAMARGO, 2015).
É a postura extremamente solidária e empática da Mulher do Médico durante toda a
obra que torna a sua personalidade protagonista; a encarregada de ser os olhos dos que já não
o tem. Em meio a todos os horrores que não pode evitar presenciar, ser a encarregada de estar
sempre pronta para servir aos cegos torna-se um fardo, o que a leva a uma crise identitária e,
portanto, encaixando-se na descaracterização prevista por Saramago.
7. TEMPO

Organizada em um enredo, a história de Saramago evolui no tempo e no espaço.


Considerando que“é na camada temporal que se organizam os acontecimentos de uma estória
em uma sequência passiva de entendimento.” (PINNA, Daniel M. S. 2006, p. 147). No texto
narrativo, os eventos passam de um estado para o outro, isso acontece porque os
acontecimentos se sucedem no tempo, através do discurso. O tempo é importante para o
gênero narrativo porque ele permite que exista uma sequência de acontecimentos que vão
sendo narrados e transformados sucessivamente. Na obra de José Saramago nós podemos
observar o desenrolar do tempo de forma cronológica, ou seja, o acontecimento principal vai
se transformando na medida em que algo vai terminando e outra coisa se inicia. No caso, o
primeiro cego é contagiado e logo em seguida todas as outras pessoas vão cegando também.

8. ESPAÇO
Em uma narrativa é o lugar onde se passa a ação, os acontecimentos. Quando lemos
uma história pensamos no seu elemento visível, o espaço, o tempo é o elemento invisível que
é preenchido pelo espaço, por isso eles são indissociáveis. Nós temos, em Ensaio sobre a
cegueira, vários espaços onde ocorrem a narrativa. Primeiramente em uma rua, onde o
primeiro cego estava quando cegou. Temos sua casa, para onde ele espera sua mulher, que o
leva ao consultório do médico. Entretanto, apesar de aparecerem vários espaços muito bem
descritos, temos o espaço principal onde se passa uma grande parte da narrativa: o
manicômio abandonado onde os primeiros cegos fazem quarentena.

“Havia mais camaratas, corredores longos e estreitos, gabinetes que deviam ter sido
de médicos, sentinas encardidas, uma cozinha que ainda não perdera o cheiro de má
comida, um grande refeitório com mesas de tampos forrados de zinco, três celas
acolchoadas até à altura de dois metros e forradas de cortiça daí pra cima. Por trás
do edifício havia uma cerca abandonada, com árvores mal cuidadas, os troncos
davam a ideia de terem sido esfolados. Por toda parte se via lixo.” (SARAMAGO,
José. 1995, p. 47)

Apesar da longa descrição no começo, a narrativa fica mais concentrada no corredor


das camaratas. Há ainda outros espaços que aparecem na história depois que os personagens
saem do manicômio, no entanto, ao contrário do esperado, a cidade está exatamente como o
manicômio: um labirinto com pessoas perdidas que vagam atrás de abrigo e comida; uma
desterritorialização do espaço, já que “não há diferença entre o fora e o dentro, entre o cá e o
lá” (Ibidem, p.233). Nessa obra o espaço tem bastante interação e influência com os
personagens, o que podemos perceber desde o momento da quarentena dos primeiros cegos,
porém, quando vamos para as ruas, percebemos que mesmo que as pessoas não tenham sido
confinadas, o espaço também se transformou com elas, ficando igualmente caótico.
O mais interessante é como José consegue passar a desorientação e a situação precária
em que se encontra a cidade e as pessoas que nela vivem. A nossa única personagem com
olhos não fica apenas horrorizada com a situação (apesar de ter passado por coisas similares
no manicômio), ela também chega a se perder nas ruas, sem conseguir voltar para seu marido
e amigos.

9. REFERÊNCIAS
A DESCONSTRUÇÃO do romance na pós-modernidade. Todas as Musas, [S. l.], ano 10,
p. 117-144, 25 jul. 2018. Disponível em:
file:///C:/Users/SERVIDOR/Downloads/19Alvaro_Cardoso%20(1).pdf. Acesso em: 7 maio
2022.

CAMARGO, Amanda Kristensen de. A influência do contexto na identidade dos


personagens de Ensaio sobre a cegueira, de Saramago. 2015. Disponível em:
<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/139089/000865154.pdf?sequence=1>.
Acesso em: 14 maio. 2022.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 2004.
José Saramago ganha primeiro Nobel de Literatura em língua portuguesa | History
Channel. Disponível em:
<https://history.uol.com.br/hoje-na-historia/jose-saramago-ganha-primeiro-nobel-de-literatura
-em-lingua-portuguesa>. Acesso em: 13 maio. 2022.
LIRA, Miriã. Ensaio sobre a Cegueira – José Saramago: Resumos de Livros. [S. l.], 2013.
Disponível em: https://www.coladaweb.com/resumos/ensaio-sobre-a-cegueira-jose-saramago.
Acesso em: 14 maio. 2022.
MUNER, Camila Rocha. Ensaio sobre a cegueira: a voz de um narrador muito
antigo. Revista FronteiraZ, São Paulo, n. 2, p. 1-6, dez. 2008.
PASSO, Rodolfo P. Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, e a experiência
pós-moderna da verdade. 2012. Tese (Mestrado) - Pós-Graduação em Estudos Literários,
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2013.
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PINNA, Daniel M. S. Animadas Personagens Brasileiras A linguagem visual das
personagens do cinema de animação contemporâneo brasileiro. 2006. Tese (Mestrado) -
Graduação em Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006. Disponível em:
<https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=9582@1>
Acesso em: 12 de maio de 2022.

PREGUER, Guilherme. Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago | Revista Eletrônica


do Vestibular. Disponível em:
<https://www.revista.vestibular.uerj.br/artigo/artigo.php?seq_artigo=64>. Acesso em: 13
maio. 2022.

‌ IBEIRO, Luiz A. O dia em que José Saramago teve a ideia do livro Ensaio Sobre a
R
Cegueira. Disponível em:
<https://notaterapia.com.br/2020/10/13/o-dia-em-que-jose-saramago-teve-a-ideia-do-livro-en
saio-sobre-a-cegueira/>. Acesso em: 13 maio. 2022.

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SILVA, Maria Ivonete C. Ensaio sobre a cegueira: um olhar que transcende o olho. 2002.
Tese (Mestrado) - Pós-Graduação em teoria da literatura, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2002.
SILVA, Hudson Marques da. O VISÍVEL E O INVISÍVEL EM ENSAIO SOBRE A
CEGUEIRA, DE JOSÉ SARAMAGO. 2012. Tese (Mestrado) - Pós-Graduação em
Literatura e Interculturalidade, Universidade Estadual da Paraíba, 2012

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