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Educagio anti-racista: CompRomisso indispensAvel para um mundo melhor Eliane Cavalleiro em sempre é facil estabelecer um didlogo sobre temas polémicos: politica, religigo, sexo, machismo, racismo... Porém so temas que, por causa de sua importéncia, néo podem permanecer fora da pauta de discussdes sobre educacao e cidadania. Tenho, ao longo dos iiltimos cinco anos, pesquisado ¢ discu- tido as relagdes raciais no Brasil e, principalmente, a presenca de racismo, preconceito e discriminagdo raciais nas escolas brasi- leiras. © fato de ser mulher negra, mie de meninos e educadora colabora para que eu desenvolva uma reflexio profunda acerca dos aspectos maléficos do racismo e seus derivados no espaco escolar, sempre mantendo didlogos freqiientes com professores professoras. desejo permanente de refletir com educadores a temética racial nio significa que eu entenda que os prejuizos da populagao negra se dio unicamente no espaco escolar, tampouco que eu pense que 08 profissionais da cducago so 08 dinicos responsa veis pela disseminacao do racismo na sociedade. Ele se deve a0 fato de perceber © professor como um forte aliado para formar cidadaos livres de sentimentos de racismo. E, felizmente, ao longo dessa trajetéria tenho encontrado muitos educadores negros e néo- rnegros compromissados com a eliminagao do racismo e outras dis- criminag6es no ambiente escolar, tornando a escola um espaco de desenvolvimento e satisfac4o para todos os que Id esto presentes. 12 Racismo e anti-racismo na educasdo VAN Assim, 0 meu didlogo com vocé, leitor, sera sob a Perspectiva de refletirmos um pouco mais sobre como reconhecer e enfrentar © racismo, 0 preconceito e a discriminacio no espaco escolar, utilizando nosso relacionamento com nossos alunos € nossas alt. nnas como elemento fundamental para efetivarmos uma educa¢ao anti-racista. Brasil: sociedade justa € solidAria? Construir uma sociedade livre, justa e solidéria; garantir 0 desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza, a marginalizacio; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, sexo, cor, idade e quais- quer outras formas de discriminagao constituem objetivos funda- mentais da nossa Repiblica e constam no. artigo 3° da Constituicao Federal. Entretanto, por causa do racismo ainda existente no Brasil, muitos direitos nao tém sido respeitados: direito ao trabalho, & per ‘manéncia na escola, moradia digna etc., 0 que em muitos momentos ée em xeque a democracia brasileira. Ideologias, esterestipos e pré- ticas discriminatorias continuam influenciando nossa realidade. A educagao formal tem grande relevancia para a formagao de cidadaos criticos e conhecedores de seus direitos civis, politicos e sociais. Torna-se, entio, fundamental a reflexao por parte de nés Profissionais da educacdo sobre a presenca das formas que con- duzem as desigualdades na sociedade e também no espaco esco- lar. Compreender ¢ reconhecer a desvantagem que constitui 0 racismo para o desenvolvimento das relages sociais entre negros. © brancos — com a penalizacao dos cidadaos negros! — constitui uma aco fundamental para enfrentar essa falta de eqiiidade. 1. Neste trabalho, seré usada a palavra “negro” para designar @ ssegmento racial composto por pessoas que se autoclassificaram ou foram classificadas no censo como de cor preta ou parda. Consideramos “negros” 08 “pretos © pardos”, segundo as definig6es do nce. Eadueagio antiracista: compromiss» indispensdvl. 143 nN Todavia, essa tematica ainda hoje causa um flagrante mal- estar entre nés. Pois, mesmo diante das desigualdades sociais entre os grupos raciais, ha uma relutincia em aceité-las como resultantes de processos atualizados de exclusao do grupo negro. © mal-estar torna-se ainda maior diante da possibilidade de se reconhecer e aceitar a existéncia de tratamentos diferenciados no cotidiano escolar. Nessa longa estrada, muito avangamos no entendimento de como a discriminagao e preconceito raciais operam nas escolas. “Muito falamos mas pouco mudamos 0 quadro social. Nesse artigo, pretendo focalizar ages indispensdveis para realiza¢o de uma educacdo anti-racista. De inicio, uma pergunta torna-se necesséria: é desejo da soci dade brasileira ver constituida no Brasil uma democracia em que seja possivel a todo cidadéo usufruir satisfatoriamente da estrutura do bem- estar social? Desiqualdade coridiana £ um senso comum acreditar que nas escolas todos estejam usufruindo das mesmas oportunidades, Todavia, a qualidade das relages nesse espaco pode ser geradora de graves desigualdades. Pesquisas estampam a existéncia de acontecimentos no es- paco escolar que dificultam e até mesmo impedem o desenvolvi mento satisfatério de parcela de alunos/as negros/as. Pesquisas académicas como os de Raquel Oliveira (1992), Eliana Oliveira (1994), Eliete de Godoy (1996), entre outras, justificam essa afirmacéo2 2. ouveia, R. Relagoes raciais na escola: uma experiéncia de in- tervensio. So Paulo, PUC, 1992 (dissertacio de mestrado); OLIVEIRA, E. Relacées raciais nas creches do municipio de So Paulo, Puc, 1994 (dis- sertagio de mestrado); covov, E. Representacéo étnica por criangas pré- cescolares: um estudo de caso a luz da teoria piagetiana. Séo Paulo, Unicamp, 1996 (dissertagéo de mestrado). 144 Racismo e anti-acismo na educagdo nw A pesquisa que desenvolvi em 1998 também colaborou para evidenciar aspectos do cotidiano escolar bastante prejudiciais a0 cesenvolvimento de criangas socialmente diferenciadas. Ela foi projetada tendo em vista o acompanhamento do indi viduo no convivio social, em suas relages raciais no espaco pré- escolar e no espago familiar. Interessava observar adultos e criangas interagindo na situacao escolar; importava presenciar a interven- Go dos profissionais da instituicZo durante e apés a ocorréncia de conflitos de ordem racial. Assim, foi tomada como principal fonte de coleta de dados a observacio sistemética de elementos participantes do cotidiano pré-escolar. Pautei-me principalmente na observacao da relagio professor/aluno, aluno/professor e alu- no/aluno. A observacio, realizada em uma Escola Municipal de Educa-

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