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Universidade Federal de Santa Maria

Curso de Mestrado em Ciências Sociais

Primeira Avaliação de Antropologia I

Data da Prova para entrega dia 21/06/22 às 19h;

Nome do aluno: Luiza de Albuquerque Leite Vieira

1-Descreva o método evolucionista e aponte as críticas de FRANZ BOAS a esse


método e descreva o que ele propõe em termos metodológicos, compare também a
noção de cultura.

O método utilizado pelos evolucionistas era o método comparativo, que, assim


como na biologia, toma emprestado os elos de uma cadeia de evidências para suprir as
faltas em outra. Partindo do princípio da univocidade da mente humana, os
evolucionistas buscavam preencher as “lacunas” da evolução cultural desde o ser
humano primevo, comparando com as sociedades contemporâneas “mais simples”, que,
para eles, eram como um “museu vivo”, ou segundo Fraser, um “documento humano” a
ser preservado, e através da categorização dessas sociedades, poder-se-ia reconstituir os
estágios mais “primitivos” da humanidade. Assim, os três estágios das sociedades, do
menos ao mais “evoluído”, eram categorizados em: selvageria, barbárie e civilização –
nesta última etapa, estando a sociedade dos próprios antropólogos. Para a escola
evolucionista, as diferenças mentais entre essas sociedades eram de grau, não de tipo,
selvagens e bárbaros não seriam tipos diferentes de ser, seriam seres humanos com as
capacidades mentais e morais não completamente desenvolvidas, numa analogia do
desenvolvimento da criança para o adulto. Para Morgan, seria possível analisar o
desenvolvimento dessa capacidade mental através das invenções e instituições,
comparando as seguintes categorias classificatórias: (1) subsistência; (2) governo; (3)
linguagem; (4) família; (5) religião; (6) arquitetura; (7) propriedade.

Tylor (1871) foi o primeiro a dar uma definição para cultura. Segundo ele
“Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo
complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.”
Esta noção de cultura como sinônimo de civilização, uma cultura “humanista” só seria
desafiada por Franz Boas, décadas depois, que traz uma noção antropológica de cultura,
muito mais próxima a noção contemporânea.

De modo geral, os evolucionistas lidavam com uma cultura monolítica, única,


onde as diferenças seriam de grau, hierarquicamente estabelecidas. O grau de
desenvolvimento da cultura estaria atrelado à criatividade humana, a arte, ciência,
conhecimento, refinamento, que em seus olhares etnocêntricos, quanto mais afastados
do controle da natureza, mais o homem estava culturalmente avançado.

Já para Boas e seus discípulos, a cultura é um conceito relativo, ou seja, não se


tratava mais de estabelecer uma hierarquia de graus classificatórios entre as sociedades,
pois cada sociedade funcionaria segundo seus próprios valores e crenças. Assim, surgia
a noção de culturas, no plural. Franz Boas contesta um dos grandes fundamentos do
método evolucionista, de que “fenômenos semelhantes têm causas semelhantes”, e
acrescenta que cada sociedade deve ser estudada em sua particularidade, com sua
história particular, criando assim seu próprio método comparativo, que é mais restrito,
histórico e compara apenas sociedades geograficamente próximas. Boas acredita em leis
gerais, porém não tão universais como acreditavam os evolucionistas.

Franz Boas ainda critica o método evolucionista por não integrar os costumes e
os fenômenos ao sistema cultural de origem. Um dos maiores expressões disso era a
forma de organizar o material etnográfico nos museus, que os evolucionistas expunham
e separavam por forma, tipo, misturando objetos de vários povos diferentes, descolando
completamente do contexto cultural original.

De forma geral, as críticas aos evolucionistas recaíram sobre o etnocentrismo do


qual partiam suas análises, a ideia inflexível causa e efeito, a unilinearidade das
sociedades humanas e um determinismo físico exacerbado.

4- Compare Margareth Mead e Ruth Benedict: aponte semelhanças e diferenças em


termos metodológicos, suas contribuições (em que aspectos foram inovadoras) e as
principais críticas que receberam. Por fim explique porque essas autoras ficaram
conhecidos como pertencentes à escola Cultura e Personalidade.
Ruth Benedict e Margaret Mead foram proeminentes antropólogas americanas
da escola denominada Cultura e Personalidade, caracterizada por trazer uma noção de
cultura vista como totalidade, relativamente coerente e integrada. Essa escola também
era marcada por uma forte interdisciplinaridade, em especial com a psicologia social,
defendendo a importância da cultura na conformação da personalidade. Tanto Benedict
quanto Mead estão entre as antropólogas cujas teorias colaboraram com a formação
dessa Escola, como veremos a seguir. O principal método utilizado era o comparativo
histórico e o estudo da “cultura viva”, enxergando o trabalho de campo como o
laboratório próprio da antropologia. Ambas as antropólogas foram discípulas de Franz
Boas e grandes responsáveis pela consolidação do relativismo antropológico,
inaugurado pelo seu mentor.

Margaret Mead inaugura sua carreira na antropologia com o trabalho “Meninas


de Samoa” (1928). Com apenas 24 anos, ela foi passar 9 meses entre as adolescentes
samoanesas com a seguinte questão: os conflitos percebidos na adolescência em nossa
cultura tem sua origem na natureza ou na sociedade? Mead relatou que as adolescentes
de Samoa tinham mais liberdade sexual e não passavam pelos mesmos conflitos que
nossas adolescentes e nem mesmo era um momento de distúrbios comportamentais. Ela
sugeriu que o conceito de “nurture” se sobrepunha ao conceito de “nature” nas
sociedades humanas. Esse mesmo raciocínio vai acompanhar outras pesquisas feitas por
ela, como a da sua obra clássica “Sexo e temperamento em três sociedades primitivas”
(1935) onde busca saber, estudando três sociedades da Papua Nova Guiné, em que grau
o temperamento é determinado pelo sexo biológico. Mead chega a resultados que ela
mesmo admite surpreendentes: ela encontrou entre os Arapesh um povo de um ethos
pacifista, não havendo diferenças relevantes entre o comportamento do homem e da
mulher. De forma análoga, porém oposta, entre os Mundugumor, homens e mulheres
eram igualmente agressivos. Já entre os Tchambuli mostravam diferença no
comportamento de homens e mulheres: as mulheres tinham um protagonismo
econômico e atitudes objetivas, enquanto os homens eram vaidosos e dedicados a
atividades artísticas, comportamentos contrastante com a sociedade ocidental da época.
Mead chega à conclusão que os temperamentos não são inatos e definidos pelo sexo
biológico, mas sim, moldados pelos padrões culturais de cada sociedade.
Ruth Benedict ingressou na antropologia já com mais idade, após se formar em
literatura, talvez por essa formação, conseguiu criar um estilo de escrita tão marcante e
persuasiva, justapondo o familiar e o exótico e fazendo o leitor embarcar em uma
nativização de si mesmo. Foi orientanda de Franz Boas e desenvolveu a muitos de seus
conceitos. A sua mais famosa obra, “Padrões de Cultura” marca o nascimento do estudo
científico sobre o “caráter nacional”. Nesse livro fica evidente a noção de cultura como
“indivíduo coletivo”; segundo a autora “uma cultura, como um indivíduo é um modelo
mais ou menos consistente de pensamento e de ação.”. A cultura é vista como um
“arco” – em analogia com a linguagem - sob o qual se distribuem os possíveis
componentes, cujo alinhamento, resultante das escolhas e dos interesses dos indivíduos
ou grupos sociais, possibilita a formação das configurações que moldam a sua
“personalidade” coletiva. Para Benedict uma grande questão presente em suas obras é a
cultura como reguladora da personalidade, já que, para autora, desde o nascimento os
indivíduos estariam submetidos aos costumes da sociedade, os quais moldam sua
experiência e seu comportamento.

O indivíduo que escapa a eficácia dessa socialização é classificado como


“desajustado”, noção também presente no trabalho de Margaret Mead, que identificou
indivíduos com padrões desviantes de comportamento em uma sociedade, que poderiam
ser “normais” em outra. Outras semelhanças encontramos nos trabalhos das duas
antropólogas, além do fato de serem herdeiras do método boasiano, comparativo,
histórico e indutivo. Ambas estudaram comparativamente três sociedades e
identificaram a “personalidade” ou padrão social de cada uma. Cada uma com seu
próprio estilo de escrita, difundiu enormemente a literatura antropológica entre o
público leigo. Há também o envolvimento delas com a Antropologia Aplicada no
período entreguerras, que seria o trabalho do antropólogo usado politicamente, como foi
o caso da obra “O Crisântemo e a Espada”, de Benedict, escrito com o intento de
auxiliar os EUA a ganhar a guerra. Há também a semelhança que ambas foram
precursoras da Antropologia da Imagem, fazendo uso de fotografias como material
etnográfico.

Sobre os afastamentos entre as duas, podemos citar as diferentes abordagens na


comparação das culturas: Benedict lançava mão de modelos (como “tipos ideias”
weberianos) para analisar as culturas, os pares opositores apolíneo/dionisíaco, lente que
usava para analisar as variadas possibilidades de configurações culturais. Já Mead,
buscava desenvolver modelos teóricos a partir de um pequeno conjunto de padrões
relacionados dialeticamente. Outra diferença estaria no estudo da educação e sua
importância na socialização. Apesar deste tema ser importante nas obras de Ruth
Benedict, aparecia de maneira difusa, enquanto Mead levou o estudo da importância da
educação muito mais sistematicamente.

Dentre as principais críticas ao trabalho de Margaret Mead, está a leitura de


McDermott que disse que a antropóloga estaria presa aos modelos que ela mesma
depreendia do campo, como se toda pessoa não fosse nada mais do que um modelo
internalizado. Além disso, ele tece um comentário dizendo que Margaret nunca
desenvolveu uma crítica sistemática do capitalismo e do colonialismo. Ainda, Mead
teve seu trabalho em Samoa contundentemente desmerecido por Derek Freeman, que
questionou a validade de seu trabalho de campo ao entrevistar, décadas depois, algumas
das mesmas pessoas com as quais ela construiu sua etnografia em campo, porém, ao
final, seus argumentos críticos se mostraram inadequados. Já Benedict é muitas vezes
criticada por não ter feito muito trabalho de campo, por ter feito uma “etnografia à
distância”, porém isso não impediu dela escrever grandes obras e contribuir com a
construção da teoria antropológica.

5- Compare Boas e Malinowski – semelhanças e diferenças entre eles, em especial nos


aspectos metodológicos e do conceito de cultua;

Algumas semelhanças são fundamentais no fazer antropológico dos pais


fundadores da Antropologia contemporânea. A começar pela importância dada ao
método etnográfico – ainda que a etnografia tenha sido sistematizada em graus diversos
entre os dois e desdobrada em análises sob diferentes lentes teóricas – estes
antropólogos fundaram o que viria a ser a prática da disciplina antropológica por
excelência. Ambos consideravam de suma importância o aprendizado da língua do
nativo. Para Malinowski a linguagem era a veículo de pensamento nativo, e quanto mais
o etnógrafo aprendesse a língua nativa, mais perto de entender o pensamento nativo
estaria. Em Boas, a cultura está ligada de maneira indissociável à linguagem; assim
como a língua é imposição de significados aos sons, como ele demonstrou em “On
Alternating Sounds”, o fenômeno cultural é uma imposição de significados
convencionais ao fluxo da experiência. Outro ponto importante em que os dois se
aproximam é no que concerne o relativismo cultural: vêem a necessidade de um
afastamento do etnocentrismo, de entender a cultura nativa a partir dos preceitos e
imperativos da própria cultura da sociedade estudada.

Diferem em seus conceitos de cultura, que para Boas, o qual nunca formulou
definitivamente este conceito, a cultura explicava a diversidade humana, cada ser
humano veria o mundo sob a perspectiva da cultura em que nasceu, um conceito de
cultura de fundamento relativista. Malinowski, fundador da vertente funcionalista da
antropologia, inspirado em Durkheim, via a cultura como um organismo que
responderia às sete necessidades básica do homem: nutrição, resultando no
aprovisionamento; reprodução, resultando nas formas de parentesco; conforto,
resultando na construção de abrigos; segurança, resultando em proteção; movimento,
resultando em atividades; crescimento, resultando em treinamento e saúde, resultando
em higiene. O método etnográfico para Boas devia ser feito conjuntamente com um
estudo diacrônico de determinada sociedade. Malinowski, que considerava que o estudo
da sociedade deveria ser sincrônico, escreveu sobre o trabalho do etnógrafo, propondo
uma abordagem sistemática do trabalho de campo, fundamentando a partir de então a
ferramenta da observação participante. Encontramos esse conteúdo especialmente em
sua obra etnográfica mais importante, “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922),
que descrevia detalhadamente como acontecia o Kula, sistema de trocas circular,
mostrando ao mundo que este fenômeno, tinha uma função social e era racional. Entre
os apontamentos metodológicos do livro deste antropólogo polonês, encontramos três
princípios, que seriam: (1) o pesquisador deve guiar-se por objetivos científicos; (2)
deve viver efetivamente entre os nativos, o que gera condições adequadas ao trabalho
etnográfico e (3) recorrer a um certo número de métodos especiais de coleta,
manipulando e registrando suas provas. Três pontos são fundamentais no trabalho do
etnógrafo: o “esqueleto”, que seria a organização da tribo, seu censo demográfico,
documentação, etc.; também identificar o “corpo e o sangue”, os imponderáveis da vida
real, e através de diário de campo, descrever o comportamento dos nativos; e o
“espírito”, que seriam os modos de pensar, os provérbios, as fórmulas mágicas,
registrados de preferência na língua nativa, de modo a captar o ideal, a mentalidade
nativa.

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