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PRINCIPAIS HELMINTOSES NEGLIGENCIADAS – ONTEM, HOJE E AMANHÃ NO

IHMT

ANA JÚLIA PINTO FONSECA SIEUVE AFONSO (A. AFONSO)


MARIA MANUELA PALMEIRO CALADO (M. CALADO)
ISABEL LARGUINHO MAURÍCIO (I.L. MAURÍCIO)
SILVANA MARIA DUARTE BELO (S. BELO)

Grupo de Helmintologia Médica, Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de


Higiene e Medicina Tropical (IHMT). Rua da Junqueira 100, 1349-008 Lisboa. E-mail:
SilvanaBelo@ihmt.unl.pt (S. Belo).

Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / IHMT.

INTRODUÇÃO Filarioses

As doenças causadas por helmintas constituem Os agentes causais das filarioses incluem-se nos
cerca de 70% das designadas “doenças tropicais nemátodes, um dos maiores e mais diversos grupos
negligenciadas” (DTNs), das quais se destacam a de metazoários. De corpo cilíndrico e filiforme,
schistosomose, as geohelmintoses e a filariose englobam desde organismos de vida livre até
linfática. Estas helmintoses são responsáveis por espécies exclusivamente parasitas, incluindo
elevada morbilidade nas regiões tropicais e espécies com parasitismo apenas em parte do seu
subtropicais, estimando-se em mais de dois mil ciclo de vida. As chamadas “verdadeiras, filárias”
milhões o número de indivíduos infetados. Pela são exclusivamente parasitas de vertebrados e são
amplitude dos efeitos patológicos e sociais que transmitidas por insetos hematófagos, onde
causam, estas doenças constituem um entrave ao evoluem do estado de microfilária até ao de larva
desenvolvimento socioeconómico nessas regiões, infetante. Este grupo pertence à ordem Spirurida,
comprometendo o futuro de gerações sucessivas família Onchocercidae, e inclui as espécies
(Hotez et al., 2008). causadoras da filaríase linfática (Wuchereria
Em áreas endémicas, estas infeções apresentam bancrofti, Brugia malayi e Brugia timori),
um padrão epidemiológico semelhante: são oncocercose (Onchocerca volvulus), loíase (Loa
geralmente adquiridas na infância, com loa) e mansonelose (Dipetalonema ou Mansonella
manifestações clínicas discretas ou assintomáticas perstans e outras).
e, na ausência de tratamento, evoluem para Os parasitas adultos são normalmente de difícil
cronicidade, sendo as formas clínicas graves por acesso, em particular na filariose linfática, por se
vezes irreversíveis, detetadas apenas na idade encontrarem em vasos linfáticos profundos,
adulta (Pullan e Brooker, 2008). Além disso, é podendo viver durante anos (normalmente mais de
frequente a ocorrência simultânea destas 10). As fêmeas produzem diariamente milhares de
parasitoses em consequência de deficientes ovos embrionados que eclodem rapidamente,
condições sociais, económicas e desconhecimento libertando microfilárias, forma bastante móvel e
da população sobre os seus fatores causais e infetante para o vetor. Circulam normalmente no
respetivas medidas de controlo, bem como de sangue ou em tecido subcutâneo, pelo que são
condições ambientais que propiciam a sua estes, normalmente, os elementos de diagnóstico
transmissão. direto.
Neste sentido, o tratamento seletivo de grupos A filariose linfática caracteriza-se por alterações
populacionais de maior risco, nomeadamente, as a nível do sistema linfático, muitas vezes com
crianças em idade escolar, constitui uma das acumulação de fluido e edema nas extremidades,
medidas prioritárias de controlo destas doenças a principalmente dos membros inferiores, mas
par de implementação de medidas de saneamento também nos braços e órgãos sexuais. É, muitas
básico, acesso a água potável e educação sanitária. vezes, chamada de “elefantíase” quando afeta os
membros inferiores, devido a estes ficarem com
aspeto de “patas de elefante”. As microfilárias
circulam no sangue periférico principalmente à

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noite, o período de maior atividade hematofágica descoberta da dependência destes parasitas na
do vetor, coincidente com o período habitual de bactéria simbionte Wolbachia sp, levou à crescente
sono do hospedeiro, ficando retidas em capilares, utilização de antibióticos.
principalmente pulmonares, fora deste período. A investigação em filariose tem longa tradição
Contudo, tanto B. malayi como W. bancrofti no IHMT. Investigadores deste Instituto,
apresentam formas sub-periódicas. principalmente Fraga de Azevedo, publicaram
Na oncocercose, os parasitas adultos alojam-se estudos sobre filárias desde a década de 40, tanto
em nódulos no tecido conjuntivo. As microfilárias em Portugal como nas então colónias em África.
migram frequentemente para os olhos, onde Os primeiros estudos foram publicados em 1943
causam levam a conjuntivite e eventualmente nos Anais do Instituto, então de Medicina Tropical,
cegueira, pelo que esta doença é também e incidiram, respetivamente, sobre espécies de
denominada “cegueira dos rios”. filárias zoonóticas em cães portugueses. Aos
Na loíase, os sintomas são causados estudos de caráter eminentemente epidemiológico,
principalmente pela migração do parasita adulto realizados nas então colónias portuguesas, como na
em tecido sub-cutâneo e conjuntiva ocular. Guiné Portuguesa, Timor e na Ilha do Príncipe,
Caracteriza-se principalmente por prurido seguiram-se estudos aplicados, acompanhando os
acentuado, podendo causar inflamação local avanços científicos da época, nomeadamente no
(edema de Calabar) quando o parasita aí permanece âmbito do diagnóstico, da patologia e da terapia.
durante algum tempo, mas é largamente Azevedo, em 1964, já usa a distinção entre os
assintomática. Loa loa apresenta também géneros Wuchereria e Brugia numa revisão sobre a
periodicidade, mas diurna. sua distribuição nos territórios portugueses além-
A filaríase linfática apresenta distribuição mar. Estudos em Timor (Ferreira et al., 1965)
equatorial, com 120 milhões de casos estimados, levaram ao reconhecimento de uma forma distinta
sendo 90% causados por W. bancrofti, de filariose pelo género Brugia em Timor (David e
principalmente na Ásia (66%) ou na África (33%). Edeson, 1965) e à descrição de uma nova espécie,
O género Brugia encontra-se apenas na Ásia. A Brugia timori, por Partono et al. (1977). A
oncocercose é ainda um grave problema de saúde distinção morfológica a nível de microfilárias foi
pública, particularmente em África, mas também confirmada por Pinhão (1973), tendo, contudo,
em seis países da América Latina e no Iémen. mostrado haver uma grande variação a nível de
Estima-se que exista meio milhão de pessoas cegas microfilárias.
devido à oncocercose e que 18 milhões de pessoas A oncocercose mereceu atenção no IHMT desde
estejam infetadas. A loíase restringe-se à floresta e a década de 1950, com a publicação dos resultados
pântanos tropicais da África Ocidental, estando de inquéritos epidemiológicos em Angola e na
presente em Angola, e estima-se que parasite 13 Guiné Portuguesa e a descrição de lesões oculares
milhões de pessoas. em Angola. Barbosa et al. (1971) contribuíram
Programas de controlo para eliminação da para o desenvolvimento de métodos de diagnóstico
filariose linfática (PELF) e da oncocercose através da avaliação do uso de um novo antigénio
(APOC), através do tratamento em massa, foram de O. volvulus na técnica de fluorescência indireta
implementados nas áreas endémicas. Em todos os em lâmina, que apresentou 100% de especificidade
casos, os tratamentos disponíveis atuam e 95% de sensibilidade em diluições superiores a
principalmente nas microfilárias, sendo 1/40.
normalmente pouco eficazes contra os adultos. A primeira menção nos Anais do IHMT a Loa
Entre os medicamentos usados, encontram-se a loa é feita num estudo publicado em 1966 (Casaca,
dietilcarbamazina (DEC), que pode atuar nos 1966), no qual também se estudaram,além de O.
adultos de W. bancrofti, e ivermectina, assim como volvulus, os nemátodes Dipetalonema perstans
o albendazol. Em tratamento em massa, usa-se (agora Mansonella perstans).
normalmente uma combinação de dois Os estudos sobre filárias por investigadores e
medicamentos. A DEC pode causar reacções alunos do IHMT prosseguiram nas últimas
graves em doentes infetados com O. volvulus e, por décadas, nomeadamente sobre filariose linfática
seu lado, a ivermectina pode causar graves reações em alunos de escolas primárias em Timor Leste
adversas, principalmente a nível neurológico, em (Bonaparte et al., 2005), que mostrou altas taxas de
doentes infetados com Loa loa. Estas reações prevalência infantil (21,1% e 55,6-59,3%, em duas
limitam o uso daqueles anti-helmínticos no regiões) e confirmou a periodicidade noturna,
tratamento em massa nas várias regiões de co- tendo sugerido padrões distintos de exposição aos
endemicidade entre espécies de filárias. Contudo, a vetores em regiões diferentes. As filarioses

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zoonóticas têm também sido alvo de investigação ascarídeos e ancilostomídeos, respetivamente.
no IHMT como por exemplo, em estudos de Infeções múltiplas com diferentes espécies de
dirofilariose canina no concelho de Setúbal helmintas são comuns e levam facilmente a
(Gomes, 2002). deficiências nutritivas, o que compromete não só o
Atualmente, a equipa de helmintologia do IHMT desenvolvimento físico e intelectual,
está a realizar estudos epidemiológicos sobre principalmente em crianças, como também
Dirofilaria spp. em Portugal, especificamente para induzem maior vulnerabilidade a outros agentes
determinar a sua prevalência em cães e vetores e, infeciosos, contribuindo para o aumento da taxa de
assim, determinar a sua dinâmica de transmissão, e mortalidade infantil (Pullan e Brooker, 2008).
fazer a sua caracterização molecular. A equipa Assim, sendo causadores de doenças
também está a iniciar estudos de prevalência e negligenciadas, que atingem, em particular, as
distribuição de filaríase linfática em Moçambique populações mais marginalizadas, a redução da
e Angola, incluindo estudos moleculares para morbilidade provocada pelos geohelmintas é uma
determinação de diversidade genética e presença de das metas de saúde infantil definidas nos Objetivos
marcadores de resistência a anti-helmínticos. Estes do Milénio.
estudos deverão contribuir para prever e avaliar o Em Portugal, os trabalhos realizados nesta área
sucesso de campanhas de controlo. através de inquéritos a crianças em idade escolar,
têm tido, como objetivo principal, chamar a
Geohelmintas atenção para as parasitoses transmitidas por
geohelmintas e as suas repercussões sobre as
Na atual crescente e efetiva globalização, a crianças.
movimentação de populações e a situação No início do século XX, o Professor José
geográfica de Portugal continental têm ocasionado Firmino Sant’Anna, um investigador
que diversas helmintoses figurem entre as doenças multifacetado, foi dos primeiros investigadores
de importação detetadas com mais frequência em Portugueses a publicar sobre helmintologia, na
Portugal (Azevedo, 1976; Raposo et al., 1981). O então Escola de Medicina Tropical, em 1909.
seu correto diagnóstico é fundamental para Contudo, é apenas em 1913 que surge, nos
instituição de terapêutica e de medidas de controlo “Arquivos de Higiene e Patologia Exóticas”, um
adequadas. Dentro deste grande grupo, estão estudo sobre geohelmintas, especificamente sobre
inseridos os geohelmintas, ou seja, parasitas que, ancilostomídeos (“anquilostomíase”) em São
para completarem o seu ciclo de vida, necessitam Tomé, por Bruto da Costa. Os ancilostomídeos
obrigatoriamente de passar pelo solo. De entre foram, desde então, um dos principais temas de
estes destacam-se, como tendo maior importância pesquisa no IHMT, com várias publicações de
na saúde humana, Ascaris lumbricoides, Trichuris estudos feitos em Portugal e nas então províncias
trichiura e os ancilostomideos (Ancylostoma ultramarinas. Esta particular atenção aos
duodenale e Necator americanus), cuja aquisição ancilostomídeos levou a estudos específicos sobre
resulta do contacto com solos ou alimentos os efeitos daqueles parasitas no hospedeiro humano
contaminados por ovos destes parasitas. como, por exemplo, sobre a citoquímica
Embora ocorram casos no mundo desenvolvido, leucocitária na ancilostomíase, estudos
as infeções mais graves ocorrem nas áreas tropicais nutricionais, e até mesmo “tolerância” a estes
e subtropicais, onde as condições ambientais e parasitas, principalmente na década de 1950.
socioeconómicas das populações são mais Em certas regiões, com condições climáticas
favoráveis à sua transmissão. A ausência ou favoráveis, a prevalência de ancilostomídeos em
insuficiência de condições de saneamento básico, Portugal chegou a ser bastante alta. Um estudo
inadequadas práticas de higiene pessoal e realizado no distrito de Coimbra encontrou uma
doméstica e condições ambientais propícias, são os prevalência de ancilostomídeos (Ancylostoma
principais fatores responsáveis pela transmissão duodenale), em humanos, superior a 60%
destes parasitas (WHO, 2012). A sua incidência e (Azevedo et al., 1948). Contudo, a prevalência dos
prevalência atingem números bastante elevados. geohelmintas diminuiu significativamente em
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), Portugal continental, até que, nos últimos anos,
3,5 mil milhões de pessoas estão infetadas com pesquisas em solos e em crianças em idade escolar,
parasitas intestinais, geohelmintas na sua maioria, onde as geohelmintoses tendem a ser mais
e 450 milhões com patologia grave sendo, na sua prevalentes, revelaram que estes parasitas têm uma
maioria, crianças. Anualmente, ocorrem cerca de expressão quase nula ou, pelo menos, muito baixa,
60000 a 65000 mortes provocadas por infeções de mesmo em algumas regiões rurais (Peraboa, 2002;

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Lobo, 2011). Esta diminuição deve-se da forma intestinal. Outras espécies afetam os
principalmente à melhoria das condições sanitárias humanos apenas ocasionalmente.
e de saneamento básico e também à implementação Os ovos das espécies responsáveis pela patologia
da rede de saúde escolar. intestinal são eliminados nas fezes e os de S.
A investigação atual sobre geohelmintas (como haematobium na urina do hospedeiro infetado. Ao
outros parasitas intestinais) no IHMT é entrarem em contacto com água doce (lagoas, rios),
maioritariamente realizada em países tropicais, eclodem, libertando larvas ciliadas (miracídios),
como Angola, Guiné, Moçambique, Timor-Leste e forma infetante para o caracol. Neste, o parasita
Brasil. Estudos recentes encontraram prevalências multiplica-se e desenvolve-se em cercárias (forma
de 20-22% de A. lumbricoides, 3-8% de T. infetante para o Homem), cuja eliminação coincide
trichiura e 2-5% de ancilostomídeos em duas temporalmente com os hábitos humanos de
localidades de Timor (Rêgo, 2004), semelhantes às contacto com água, e têm capacidade de penetrar
encontradas para A. lumbricoides em duas ativamente na pele. Após 2-6 semanas de infeção,
províncias de Angola (11-28%), mas distintas para começam a ser produzidos ovos, recomeçando o
T. trichiura (0,7-3%) e ancilostomídeos, para os ciclo de vida. Nesta fase, o diagnóstico pode ser
quais se registou uma grande amplitude (2-20%) realizado por pesquisa de ovos nas fezes ou na
(Dumba, 2006). Estas prevalências são urina.
suficientemente altas para afetar o Dos 200 milhões de pessoas infetadas e 600
desenvolvimento infantil, tendo sido encontrada milhões expostas à infeção, 80% ocorrem no
correlação estatisticamente significativa entre a continente africano (Hotez e Fenwick, 2009;
anemia por deficiência de ferro em mulheres WHO, 2006). O número de DALYs (disability
grávidas e presença de T. trichiura (Jeremias, adjusted life years) causado por Schistosoma sp em
2006). África (70 milhões) está significativamente
Considerando que o combate às parasitoses subestimado (King et al., 2008). A schistosomose
transmitidas pelo solo é um dos objetivos da é, assim, uma endemia de grande impacte
Organização das Nações Unidas para o milénio epidemiológico e, mais importante, um problema
(Fenwick et al., 2005), o grupo de Helmintologia socioeconómico grave, sendo uma doença
do IHMT continuará a apoiar investigação nesta gravemente negligenciada.
área, assim como na formação, contribuindo para a As lesões patológicas são provocadas
seleção de medidas de controlo mais adequadas e principalmente pelos granulomas periovulares e
eficazes. fibrose, induzidos pela resposta inflamatória aos
antigénios libertados dos ovos retidos nos tecidos.
Schistosomose As lesões causadas por S. haematobium afetam
sobretudo o sistema genito-urinário, podendo
A schistosomose é uma doença parasitária causar obstrução, insuficiência renal e neoplasia. À
causada por tremátodes digenéticos do género schistosomose urogenital tem sido atribuída baixa
Schistosoma. Devido à sua ampla distribuição e saúde reprodutiva, incluindo disfunção sexual e
elevada morbilidade, é considerada a segunda infertilidade (Takougang et al., 2008), assim como
parasitose de maior impacte em saúde pública, em a transmissão horizontal do VIH e da sida (Kjetland
particular nos países em vias de desenvolvimento et al., 2006). Na schistosomose intestinal por S.
das regiões tropicais e subtropicais. mansoni (e pelas outras espécies), as lesões
A dinâmica epidemiológica da schistosomose localizam-se principalmente no aparelho
humana é heterogénea e complexa: envolve um gastrointestinal tendo, como consequência grave, o
hospedeiro definitivo (vertebrado), um hospedeiro comprometimento hepático (Maxwell, 2008; Van
intermediário (moluscos gastrópodes), Le et al., 2004).
contaminação com excreta de indivíduos infetados Os métodos de diagnóstico parasitológico (como
de meios aquáticos, e exposição a esse meio por Kato-Katz e filtração da urina - métodos padrão) e
motivos ocupacionais, recreativos, domésticos ou imunológico (mais sensíveis em infeções leves)
higiénicos. apresentam limitações, em particular na fase inicial
Atualmente, cerca de seis espécies do género do parasitismo, na avaliação da eficácia do
Schistosoma causam doença em humanos, sendo as tratamento e na possibilidade de reações cruzadas
mais importantes Schistosoma haematobium, com outras parasitoses. Assim, as técnicas
responsável pela patologia urogenital, e S.mansoni, moleculares, baseadas na reação da polimerase em
S. japonicum, S. intercalatum e S. mekongi,agentes cadeia (PCR), aumentam a sensibilidade e a
especificidade de deteção, as quais são oito vezes

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superiores às da técnica de Kato-Katz e quatro primeiros focos de schistosomose vesical na área
vezes superiores às das técnicas imunológicas. suburbana de Bissau (Grácio 1992; Grácio 1995).
Igualmente, podem permitir o diagnóstico Em S. Tomé e Príncipe, os estudos realizados em
simultâneo de várias espécies de Schistosoma spp., 1988 contribuíram significativamente para o
particularmente útil em estudos epidemiológicos. conhecimento e clarificação da epidemiologia de S.
O controlo da schistosomose depende da intercalatum (Grácio, 1988).
quimioterapia com praziquantel (PZQ). O Apesar das atividades de controlo resultarem no
tratamento em massa tem sido implementado como declínio da prevalência, as mudanças ambientais
estratégia de controlo, visando redução da ligadas ao desenvolvimento e manuseamento de
morbilidade e da transmissão da parasitose. A sua recursos hídricos, o aumento dos movimentos
implementação em vários países de África, Médio populacionais e as alterações climáticas, incluindo
Oriente, América do Sul e Ásia tem tido um o aquecimento global, têm levado à disseminação
impacte significativo na redução da prevalência e da parasitose em regiões de baixa ou nenhuma
da morbilidade (Koukounari et al., 2007). endemicidade, particularmente na África
Com exceção de Cabo Verde, a schistosomose é subsaariana (Mangal et al., 2008). O uso
endémica em todos os países africanos de sistemático de PZQ começa a apresentar algumas
expressão portuguesa. O IHMT sempre contribuiu limitações na ação terapêutica. Casos de fármaco-
significativamente para o conhecimento epidemio- resistência ou aumento da tolerância têm sido
lógico e controlo da parasitose nestes países. Em relatados.
Moçambique, foi realizada uma missão chefiada A investigação atual no IHMT pretende
pelo Professor Fraga de Azevedo em 1952, o que clarificar os mecanismos genéticos que poderão
permitiu, pela primeira vez, não só conhecer a estar envolvidos nesta fármaco-resistência Nos
epidemiologia, distribuição e incidência da últimos dois anos, conseguimos selecionar, por
schistosomose vesical (61,5%) e da schistosomose pressão de fármaco, uma linha de S. mansoni
intestinal (11,85%) no país e respetivos derivada da linha BH, seis vezes resistente à dose
hospedeiros intermediários, mas também efetuar os terapêutica recomendada em humanos (40 mg/kg),
primeiros ensaios coordenados na luta contra esta a qual se mantém após passagem por molusco
parasitose (Azevedo et al., 1954). hospedeiro intermediário. No âmbito desta linha de
Em Angola, desde 1896 até aos anos 70, o investigação, propomos: i) avaliar potenciais
IHMT esteve envolvido em numerosos estudos que reversores do fenótipo de resistência; ii) comparar
permitiram conhecer a distribuição e morbilidade os parasitas sensíveis e resistentes a nível
da schistosomose vesical e intestinal no país genómico e proteómico; iii) inferir a influência do
(Ferreira, 1953; Grácio 1977/1978a). Na Guiné- fármaco na expressão génica; iv) clarificar o
Bissau, a identificação dos primeiros focos de mecanismo genético de resistência ao PZQ, em
schistosomose vesical, a sua distribuição e modelo experimental e em amostras de campo de
prevalência datam de 1949, sendo o conhecimento doentes infetados. Estes estudos contribuirão para
atual da situação epidemiológica resultante de avaliar novos fármacos ou novas combinações
estudos efetuados na década de 1990, tendo-se terapêuticas, o que deverá maximizar a utilização
descrito, pela primeira vez, a ocorrência de S. dos poucos fármacos disponíveis para controlo
mansoni na região leste do país, identificado os desta patologia.
hospedeiros intermediários e registado os

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