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JUIZ DE FORA
01, 2022
A transformação social através da
arquitetura:
Dos modelos punitivos aos modelos socioeducativos
JUIZ DE FORA
01, 2022
A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA ARQUITETURA:
Dos modelos punitivos aos modelos socioeducativos
Aprovada por:
JUIZ DE FORA
01 DE 01, 2022
INSERIR DEDICATÓRIA
Resumo
Este projeto tem como objetivo instaurar uma proposta de reintegração de menores in-
fratores à sociedade, através de medidas socioeducativas.
A proposta inicial é a apresentação de um centro que acomode atividades de
ensino, lazer, acompanhamento, saúde, além de um espaço para abrigar jovens desampa-
rados ou que por motivos de força maior não possam permanecer sob cuidados de seus
responsáveis e que por isso necessitem ficar sob tutela do governo.
O centro terá como finalidade promover um ambiente saudável e que garanta a
recuperação desses jovens, para que os mesmos sejam reinseridos na sociedade de modo
a preservar seus futuros como cidadãos e a segurança de toda a comunidade a qual estão
inseridos.
Texto de agradecimento
Texto epigrafe
Autor (texto retirado de)
Conteúdo
Lista de Figuras 7
Lista de Tabelas 8
Lista de Abreviações 9
1 Introdução 10
1.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2 Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.3 Resultados esperados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2 Sociedade Atual 12
2.1 Grandes Centros Urbanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.1 Crescimento Populacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.2 Ocupação descontrolada das grandes cidades . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.3 Desigualdade social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.1.4 Segregação do uso e espaços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.1.5 Violência e criminalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.1.6 Jovens infratores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3 Perspectiva histórica 19
3.1 Problema histórico mal resolvido (Raiz do problema) . . . . . . . . . . . . 26
3.1.1 Brasil Colônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.1.2 Deposito de criminosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.1.3 Linha do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4 Conceitos 27
5 Metodologia 34
6 Estudos de caso 35
7 Proposição de projeto 36
Bibliografia 37
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
Lista de Abreviações
1 Introdução
1.1 Objetivos
1.2 Metodologia
• Profissionalização
• Proteção e orientação
• Infraestrutura e suporte
• Trabalho comunitário
12
2 Sociedade Atual
Há uma grande discussão a cerca do tema “Como a violência modifica/constrói as grandes
cidades”, mas pouco se discute sobre como as grandes cidades e seus modos insustentáveis
implicam no aumento da violência.
O Brasil apresenta em seu cerne uma grande problemática, a desigualdade so-
cial. Fatos ocorridos desde o descobrimento do paı́s, perpassando o perı́odo colonial,
sua independência, proclamação da república e que, ainda nos tempos atuais, garantem
condições negativas que impactam a sociedade e geram feridas(Cicatrizes) que impedem
o crescimento saudável da população no geral.
Os grandes centros urbanos apresentam atualmente, de forma mais preocupante
e descarada, os reflexos das más escolhas feitas no passado. Sendo portanto construções
resultantes de um processo histórico falho, desigual, violento e segregacionista.
É uma marcante no mundo e impactante nos grandes centros urbanos, já que os imigran-
tes, que buscam melhores condições de vida e oportunidades, tem como foco as grandes
cidades. Infelizmente o avanço estrutural não acompanha a crescente populacional, o que
muitas vezes resulta na ocupação informal.
Especulação imobiliária
Desapropriação
Áreas periféricas
- Negligência governamental
2.1 Grandes Centros Urbanos 18
- Ausência de infraestrutura
- Baixa qualidade de vida
Descontentamento da população
Atualidade
3 Perspectiva histórica
A. Mundo
Século XVI com as casas de correção na Europa:
1º momento:
- Século XVI, em 1589, quando a corte de Amsterdã foi contra uma sentença
destinada a um garoto de dezesseis anos, que tinha sido condenado à pena de
morte por roubo.
. Começam a repensar a punição para menores;
. Abrigo aos excluı́dos: mendigos, mulheres de comportamento imoral, crianças
abandonadas e jovens que cometiam algum crime;
. Adaptação de construções já existentes: antigos conventos, hospı́cios e hospitais;
. Não se considera a importância do espaço na recuperação.
2º momento:
- Século XVIII e XIX:
. Abrigo para jovens: abandonados, delinquentes ou órfãos; . Novas edificações;
. Diferenciação quanto a idade, mas não quanto ao crime cometido;
. Exemplo: A casa de correção de San Michele em Roma, arquiteto Carlo Fontana,
ano de 1705, parece ser a primeira edificação construı́da com o propósito de ser uma casa
de correção.
. Arquitetura como instrumento de disciplina: Controle como forma de disciplina
e vigilância generalizada para imposição do poder. (tal como na idéia do panóptico de
Bentham para as prisões)
- Século XIX:
. Primeiras colônias destinadas ao aprisionamento de crianças e jovens; . Exem-
plo: Colônia de Mettray, de 1840. Baseada em tecnologias coercitivas do comportamento;
. Não há separação pelo erro cometido;
. Modelo construtivo de “vilas” com uma igreja ao centro.
3º momento:
3 Perspectiva histórica 20
- Final do século XIX:
. Instituições destinadas a usos cada vez mais especı́ficos;
. Utilizam-se dos mecanismos prisionais: continuidade às estratégias punitivas;
. Espaços diferenciados de acordo com as especificidades de cada grupo: orfana-
tos, escolas para aprendizes e instituições especı́ficas para os jovens que cometem crimes;
. Surgimento da justiça para menores.
- Após a Segunda guerra mundial:
. Discussão sobre a garantia aos direitos humanos: Declaração Universal dos
Direitos do Homem, em 1948;
. Visão humanista;
. Em 1959, a Assembléia Geral da ONU aprova a Declaração Universal dos
Direitos da Criança: Distinção entre o tratamento de crianças e adolescentes dos adultos.
. Na década de 1980, é destacada a garantia de direitos e deveres dos jovens
privados de liberdade;
. Tratados e convenções que envolvem crianças e adolescentes:
Regras Mı́nimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Meno-
res (Regras de Beijing - 1985), Regras Mı́nimas das Nações Unidas para a Proteção dos
Jovens Privados de Liberdade (1990) e Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da
Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad - 1990) são alguns exemplos de normas interna-
cionais voltadas para jovens privados de liberdade;
“As mudanças ocorridas na Europa têm rebatimento no Brasil, e se refletem nas
novas formas de pensar sobre esse espaço e nas diversas alterações em nossa legislação ao
longo da história.”
B. Brasil
“Assim como ocorreu na Europa, considerando as diferenças e especificidades
locais, distinguem-se no Brasil algumas fases que retratam o panorama dos espaços des-
tinados à internação dos adolescentes em conflito com a lei. Tais questões estão atreladas
às mudanças sociais e polı́ticas ocorridas em nosso paı́s.”
- Código Criminal do Império de 1830:
. Distinção de tratamento entre adultos e crianças e adolescentes, assim como a
3 Perspectiva histórica 21
responsabilização dos menores que 21 anos.
. Os menores eram lançados em prisões de adultos.
- Século XIX:
. Abrigos em instituições - Companhias de Aprendizes Marinheiros e as Escolas
de Aprendizes dos Arsenais de Guerra -, bem como em casas de detenções adultas;
. Sem distinção, para jovens criminosos, abandonados ou com atitudes divergentes
da geral;
. Existência de colônias de caráter filantrópico, baseadas nos modelos europeus.
1º Momento:
- Perı́odo Imperial:
. Escolas militares e instituições filantrópicas: para excluı́dos de um modo geral;
2º Momento:
- República:
. Aumento da industrialização e concentração urbana;
. Polı́tica de higienização social: abrigo para os excluı́dos: pobres, abandonados,
mendigos e os menores.
. Decreto de 11 de julho de 1893: autoriza a criação de instituições destinadas
aos jovens delinqüentes e aos abandonados;
. Reformatórios: “isolavam os “desviantes da ordem” para prevenir a “conta-
minação” e para ensinar os internos a necessidade de comportamentos e disciplinas.”
. Casas de correção: surgem no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Rio de Janeiro: A Colônia Correcional de Dois Rios (1902) e a Escola de Menores
Abandonados (1907). As prisões destinadas a adultos continuavam a receber menores e
atuavam como local de castigo.
São Paulo: Instituto Disciplinar em (1902), que era dividido em alas, sendo uma
delas exclusiva para receber jovens infratores.
As casas de correção se situavam em ilhas e espaços bem distantes da cidade,
enfatizando o estigma da instituição, desde a sua criação, como local de isolamento.
. Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (1920).
. Polı́ticas de Proteção e Assistência ao Menor Abandonado e Delinquente (1921),
3 Perspectiva histórica 22
Lei Federal no 4.242: Caráter assistencialista de repressão.
. Surgimento do “Regulamento de Assistência aos Menores Abandonados e De-
linquentes” (1923), Decreto no 16.272.
. Código de Menores (1927), Decreto nº 17.943: caráter higienista e correcional.
Conceitua o termo ‘’menor”, aplicado ao jovem pobre, marginal e delinquente.
3º Momento:
- Era Vargas (1930 -1945):
. Governo baseado no populismo e no paternalismo: O estado adota a polı́tica
do bem estar social;
. São criados vários estabelecimentos de assistência e proteção ao menor.
- Ditadura Vargas (1937-1945):
. Reformatórios SAM - Serviço de Assistência a Menores: Sem diferenciação
entre infratores e abandonados.
- Regime liberal populista (1950 e 1960):
. Denúncias da imprensa revelam os problemas estruturais, torturas e maus tratos
no SAM: Revoltas e motins;
- Ditadura militar (1964):
. Extinção SAM;
. Criação FUNABEM - Fundação de Amparo ao Bem Estar do Menor: Ideologia
de segurança nacional contra o comunismo. Propõe reeducação dos jovens e proteção a
torturas e maus tratos;
Propósito integrativo e educacional com ênfase à participação da famı́lia, entre-
tanto, manteve-se a conduta tecnocrata e autoritária.
. Surgimento da FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor: mesma
estrutura fı́sica e é caracterizada pela repressão e assistencialismo.
“tendo a FEBEM herdado as instalações do SAM, mantendo as caracterı́sticas
opressoras e de difı́cil visibilidade dos acontecimentos em seu interior”.
. CPI do Menor em 1976: denúncias de falta de estrutura fı́sica, torturas, maus
tratos e rebeliões. Falência do sistema repressivo de tratamento do menor. Mesma estru-
tura, mesma ineficácia.
3 Perspectiva histórica 23
. Novo Código de Menores, Lei no 6.697/1979: O jovem deixa de ser abandonado
e delinqüente e passa a ser considerado “em situação irregular”.
Caráter punitivo, com sanções disfarçadas de proteção.
- Fim do regime militar:
. Grande mudança na sociedade brasileira;
. Discussões internacionais sobre os direitos humanos, 1980: maior preocupação
dos juristas ao que tange a cidadania;
. Reformulação do sistema de amparo legal ao menor: Art. 227 da Constituição
Federal Brasileira de 1988.
4º Momento:
- Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, LEI Nº 8.069, 1990:
. Teoria da proteção integral: Agora os direitos de qualquer jovem estão protegi-
dos, esteja ele ou não em conflito com a lei.
. A imputabilidade penal inicia-se somente aos dezoito anos (artigo 228 da Cons-
tituição Federal e artigo 104 do ECA).
. A conduta delituosa da criança e do adolescente, seja ela crime ou contravenção
penal, é denominada tecnicamente de ato infracional, nos termos do artigo 103 do ECA.
. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
. A criança que cometa ato infracional, fica sujeita à aplicação de medidas pro-
tetivas constantes no artigo 101 do ECA.. O adolescente que cometa ato infracional,
fica sujeito, a depender da gravidade do ato e de suas condições pessoais, à aplicação de
medida socioeducativa elencadas no artigo 112 do ECA. Quais sejam:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
3 Perspectiva histórica 24
. Criação do Conselho Nacional de Direitos da Criança – CONANDA (1991):
Órgão responsável pela implementação da Teoria da proteção integral.
- Medidas socioeducativas:
. Cabı́veis a adolescentes que cometem atos infracionais;
. “possui dimensão jurı́dico-sancionatória e uma dimensão substancial ético-
pedagógica”;
. A internação em estabelecimento educacional é a mais grave de todas as me-
didas, pois é a única onde o adolescente é privado totalmente da sua liberdade de ir e
vir;
. O ECA estabelece a necessidade de um espaço arquitetônico adequado para que
sejam desempenhadas as atividades pedagógicas:
Art. 123 (...)
Parágrafo único. Durante o perı́odo de internação, inclusive provisória, serão
obrigatórias atividades pedagógicas.
Art. 124 (...)
VII – receber visitas, ao menos semanalmente; (...)
X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XI – receber escolarização ou profissionalização;
XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; (...)
XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para
guardá-los (...)
. A FEBEM, assim como polı́ticas repressivas continuam existindo neste mo-
mento;
. “Mapeamento realizado em 2003 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
– IPEA – sobre a situação do sistema de atendimento socioeducativo ao adolescente em
conflito com a lei, constatou-se que, mesmo após 12 anos de implantação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, 71% das unidades existentes no Brasil não apresentavam
espaço fı́sico adequado para a consecução das propostas pedagógicas.”
. Presença de caracterı́sticas de unidades prisionais: Questões de segurança em
detrimento da polı́tica socioeducativa.
3 Perspectiva histórica 25
Ainda era preciso a adoção de diretrizes para a construção de novas estruturas
fı́sicas, com função primordial de educar, bem como para o trabalho com os profissionais
envolvidos na ação socioeducativa, caso contrário, o Estatuto se tornaria uma letra morta,
tal como as legislações anteriores.
- O SINASE e a arquitetura socioeducativa:
. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA
aprova o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE em 2006;
Primeiro documento que traz parâmetros arquitetônicos aliados com parâmetros
de gestão pedagógica para a construção de edificações destinadas aos adolescentes em
conflito com a lei.
. É apresentado o projeto de lei (PLC 134/2009), que exige o cumprimento das
diretrizes contidas no documento do SINASE, que foi aprovado como Lei Nº 12.594 em
2012.
. O documento do SINASE é o primeiro a se utilizar do termo Arquitetura
Socioeducativa;
Prevendo o espaço fı́sico como elemento promotor do desenvolvimento pessoal,
relacional, afetivo e social do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa.
. Arquitetos e engenheiros não participaram tão ativamente da elaboração das
diretrizes do documento;
. “O programa de necessidades vem sendo criticado por alguns arquitetos, pela
grande dimensão das áreas mı́nimas que inviabilizam a execução da proposta em alguns
terrenos cedidos pelo governo.”
. “[...] programa de necessidades do SINASE não define uma arquitetura como
sendo socioeducativa ou não. É preciso que se considerem as diretrizes que envolvem a
ação socioeducativa, bem como as bases éticas e jurı́dicas que a norteiam.”
3.1 Problema histórico mal resolvido (Raiz do problema) 26
blema)
4 Conceitos
Criança: Indivı́duos menores de 12 anos.
. Adolescente: Indivı́duos entre 12 e 18 anos.
. Medidas socioeducativas: previstas no art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos:
I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato
infracional, sempre que possı́vel incentivando a sua reparação;
II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e
sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e
III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença
como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os
limites previstos em lei.
. Teoria da Proteção Integral: versa pela proteção dos direitos das crianças e
adolescentes, sem qualquer tipo de diferenciação, ou seja, em qualquer situação os seus
direitos básicos dos jovens devem prevalecer.
. Ato infracional: conduta delituosa da criança e do adolescente, seja ela crime
ou contravenção penal.
. Sinase: conjunto ordenado de princı́pios, regras e critérios que envolvem a
execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais,
distrital e municipais, bem como todos os planos, polı́ticas e programas especı́ficos de
atendimento a adolescente em conflito com a lei.
. Ressocialização:
. Suplı́cio: Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jaucourt]; e
acrescentava: é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a
barbárie e a
crueldade.5
O suplı́cio repousa na arte quantitativa do sofrimento.
O suplı́cio faz correlacionar o tipo de ferimento fı́sico, a qualidade, a intensidade,
4 Conceitos 28
o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nı́vel social
de suas vı́timas.
- O suplı́cio penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção
diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vı́timas e
a
manifestação do poder que pune.
. PANÓPTICO DE FOUCAULT:
“O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princı́pio
é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é
vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção
periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da
construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas
da
torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado.
Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco,
um
doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz,
pode-se
perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhu-
etas
cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que
cada
ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visı́vel. O
dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e
reconhecer imediatamente. Em suma, o princı́pio da masmorra é invertido; ou
antes,
de suas três funções — trancar, privar de luz e esconder — só se conserva a
primeira
e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor
4 Conceitos 29
que
a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.”
“O Panóptico é um local privilegiado para tornar possı́vel a experiência com ho-
mens, e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles. O
Panóptico pode até constituir-se em aparelho de controle sobre seus próprios mecanis-
mos. Em sua torre de controle, o diretor pode espionar todos os empregados que tem a
seu serviço: enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas; poderá julgá-los
continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que considerar melho-
res; e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado.”
“É polivalente em suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas
também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os
operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos. É um tipo de implantação dos corpos
no espaço, de distribuição dos indivı́duos em relação mútua, de organização hierárquica,
de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de
modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas
prisões. Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivı́duos a que se deve impor
uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico poderá ser utilizado.”
CAPÍTULO III O PANOPTISMO (Vigiar e punir)
. ;Modelo panóptico, figura arquitetural idealizada por Jeremy Bentham:
. Punição - discorrer sobre contexto (Vigiar e punir):
- “A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse
implicar de
espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da cerimônia
penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal
rito
que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o,
ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma
ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a freqüência
dos
crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juizes aos assassinos,
4 Conceitos 30
invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de
piedade e de admiração.”
- “Desaparece, destarte, em princı́pios do século XIX, o grande espetáculo da
punição fı́sica: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação
da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva. Podemos considerar o
desaparecimento dos suplı́cios como um objetivo mais ou menos alcançado, no
perı́odo compreendido entre 1830 e 1848.”
- “Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras,
sobre o que, então, se exerce?” “Mably formulou o princı́pio decisivo: Que o
castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo.17”
- “O laudo psiquiátrico, mas de maneira mais geral a antropologia criminal e o
discurso repisante da criminologia encontram aı́ uma de suas funções precisas: introdu-
zindo solenemente as infrações no campo dos objetos susceptı́veis de um conhecimento
cientı́fico, dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não mais simples-
mente sobre as infrações, mas sobre os indivı́duos; não mais sobre o que eles fizeram, mas
sobre aquilo que eles são, serão, ou possam ser. “
“[...] os juizes, pouco a pouco, mas por um processo que remonta bem longe no
tempo, começaram a julgar coisa diferente além dos crimes; a “alma” dos criminosos.”
“Impossı́vel, pois, declarar alguém ao mesmo tempo culpado e louco; o diagnóstico
de loucura uma vez declarado não podia ser integrado no juı́zo; ele interrompia o processo
e retirava o poder da justiça sobre o autor do ato.”
“E a sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de
culpa, uma decisão legal que sanciona; ela implica uma apreciação de normalidade e uma
prescrição técnica para uma normalização possı́vel. O juiz de nossos dias — magistrado
ou jurado — faz outra coisa, bem diferente de “julgar”.”
“Pequenas justiças e juizes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento
principal: peritos psiquiátricos ou psicológicos, magistrados da aplicação das penas, edu-
cadores, funcionários da administração penitenciária fracionam o poder legal de punir;”
“Resumindo: desde que funciona o novo sistema penal — o definido pelos
grandes códigos dos séculos XVIII e XIX — um processo global levou os juı́zes a
4 Conceitos 31
julgar coisa bem diversa do que crimes: foram levados em suas sentenças a fazer
coisa diferente de julgar; e o poder de julgar foi, em parte, transferido a instâncias
que não são as dos juizes da infração. A operação penal inteira carregou-se de
elementos e personagens extrajurı́dicos. Pode-se dizer que não há nisso nada de
extraordinário, que é do destino do direito absorver pouco a pouco elementos que
lhe são estranhos. Mas uma coisa é singular na justiça criminal moderna: se ela
se
carrega de tantos elementos extrajurı́dicos, não é para poder qualificá-los
juridicamente e integrá-los pouco a pouco no estrito poder de punir; é, ao contrário,
para poder fazê-los funcionar no interior da operação penal como elementos não
jurı́dicos; é para evitar que essa operação seja pura e simplesmente uma punição
legal; é para escusar o juiz de ser pura e simplesmente aquele que castiga”
- Tratava-se bem de uma revolta, ao nı́vel dos corpos, contra o
próprio corpo da prisão. O que estava em jogo não era o quadro rude demais ou
ascético demais, rudimentar demais ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua
materialidade na medida em que ele é instrumento e vetor de poder; era toda
essa
tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da “alma” — a dos educado-
res,
dos psicólogos e dos psiquiatras — não consegue mascarar nem compensar, pela
boa
razão de que não passa de um de seus instrumentos. É desta prisão, com todos
os
investimentos polı́ticos do corpo que ela reúne em sua arquitetura fechada que eu
gostaria de fazer a história. Por puro anacronismo? Não, se entendemos com isso
fazer a história do passado nos termos do presente. Sim, se entendermos com isso
fazer a história do presente.23
. Trechos Vigiar e punir:
- Arquitetura:
CAPÍTULO I: Os CORPOS DÓCEIS
4 Conceitos 32
“O cadafalso onde o corpo do supliciado era exposto à força ritualmente manifesta
do soberano, o teatro punitivo onde a representação do castigo teria sido permanentemente
dada ao corpo social, são substituı́dos por uma grande arquitetura fechada, complexa e
hierarquizada que se integra no próprio corpo do aparelho do Estado. Uma
materialidade totalmente diferente, uma fı́sica do poder totalmente diferente, uma maneira
de investir o corpo do homem totalmente diferente. A partir da Restauração e sob a
monarquia de julho, encontraremos, por pequenas diferenças, entre 40 e 43.000 detentos
nas prisões francesas (mais ou menos um prisioneiro para cada 600 habitantes). O muro
alto, não mais aquele que cerca e protege, não mais aquele que manifesta, por seu prestı́gio,
o poder e a riqueza, mas o muro cuidadosamente trancado, intransponı́vel num sentido
e no outro, e fechado sobre o trabalho agora misterioso da punição, será bem perto e às
vezes mesmo no meio das cidades do século XIX, a figura monótona, ao mesmo tempo
material e simbólica, do poder de punir.”
“O mais antigo desses modelos, o que passa por ter, de perto ou de longe, inspirado
todos os outros, é o Rasphuis de Amsterdam, aberto em 1596.44 Destinava- se em princı́pio
a mendigos ou a jovens malfeitores.”
“Vemos pela própria definição da lei que ela tende não só a defender mas também
a vingar o desprezo de sua autoridade com a punição daqueles que vierem a violar suas
defesas.29”
“A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possı́vel.”
“Na França, como na maior parte dos paı́ses europeus — com a notável exceção
da Inglaterra — todo o processo criminal, até à sentença, permanecia secreto: ou
seja
opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenro-
lava
sem ele. ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações,
os
depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio
absoluto da acusação. “O mais diligente e o mais secretamente que se puder
fazer”,
4 Conceitos 33
dizia, a respeito da instrução, o edito de 1498.”
“ A forma secreta e escrita do processo confere com o principio de que em matéria
criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juizes um direito absoluto
e um poder exclusivo.”
(Pag 48: Imagens)
“Ayrault supunha que esse procedimento (já estabelecida no que tange ao essen-
cial no século XVI) tinha por origem o medo dos tumultos, das gritarias e aclamações que
o povo normalmente faz, o medo de que houvesse desordem, violência e impetuosidade
contra as partes talvez ate mesmo contra os juizes; o rei quereria mostrar com isso que a
“força soberana” de que se origina o direito de punir não pode em caso algum pertencer
à “multidão”.8
Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar”
34
5 Metodologia
35
6 Estudos de caso
36
7 Proposição de projeto
BIBLIOGRAFIA 37
Bibliografia