Você está na página 1de 3

Bolsonaro, Guerrilheiro e Revolucionário

Por Nicolas Rosa

A esquerda comete um grande erro em relação ao Presidente da República, o Sr. Jair Messias
Bolsonaro. Esse equívoco, bastante infantil por sinal, consiste em insistir em achar que o
Presidente, após conseguir ser eleito para variados pleitos legislativos há quase 30 anos
seguidos, eleger 3 filhos e variados apoiadores Brasil afora, vencer a última eleição
presidencial, e passar incólume por vários escândalos e pedidos de impeachment, é um ser
completamente imbecil, desprovido de qualquer réstia de inteligência. Sim, é inegável que
além de não possuir nenhum refinamento e decoro, ele ainda se orgulha desse fato- mas isso
está muito longe de não possuir inteligência.

Na verdade, o Presidente possui um tipo muito específico de inteligência, o mesmo


apresentado por figuras como Benito Mussolini, Joseph Stálin, Francisco Franco e Idi Amim
Dada; um profundo senso de oportunidade política, um tipo de inteligência na qual o indivíduo
inclusive se faz, propositalmente, ser enxergado como estúpido por seus adversários, que por
se enxergarem como seres muito inteligentes, o subestimam enquanto ele vai crescendo no
nos bastidores e no submundo, até ser tarde demais para impedi-lo de conseguir o que quer.
Os possuidores desse tipo de inteligência surpreendem aqueles que se recusam a enxergar seu
paulatino avanço dentro das instituições, subvertendo-as a medida que vão se infiltrando
nelas.

Os arrogantes e destreinados apenas enxergam essa realidade quando ela, já completamente


tomada, se torna irreversível. No caso específico de Bolsonaro, é possível dizer algo mais: ele
aprendeu a ser revolucionário, enquanto a esquerda, por sua vez, se tornou conservadora. O
leitor pode querer parar o texto nessa parte, mas peço que tenha paciência para continuar, e
me permita explicar porque escrevo o que escrevo.

Dentro de uma visão militar, revolucionário é aquele que se propõe a lutar contra uma dada
ordem estabelecida, a partir de uma posição inicial de desvantagem, para através de uma
conflagração revolucionária, mudar a ordem a seu favor. Conservador, por sua vez, é aquele
que, sendo favorecido pela ordem estabelecida, deseja que tudo continue como está, ou
evolua apenas no sentido de favorecê-lo. Desse ponto de vista, a esquerda dominante poderia
ser classificada como A Ordem, o establishment por excelência, enquanto o grupo formado
por MBL, Lobão, Moro, Olavo de Carvalho, e o próprio Bolsonaro, eram La Résistance, os
rebeldes contra essa dita ordem, que teria passado a dominar o Brasil a partir das eleições de
2002.

Comparado aos outros guerrilheiros da direita, porém, Bolsonaro possuía uma vantagem:
uma plena consciência, possivelmente ganha através de seu treinamento como oficial das
FFAA, de que estava travando uma guerra cultural, ou disputa de narrativas, da qual sairia
vencedor no longo prazo, graças a muita paciência e sangue frio. A vitória de Bolsonaro em
2018 se deveu justamente a utilizar estratégias tomadas de George Washington, Mao Zedong
e Fidel Castro, estratégias que o resto da direita considera heresias e a esquerda desaprendeu
a utilizar. Entre elas, estariam as seguintes:
1) Apenas desafie o inimigo para uma batalha campal, depois de tê-lo esgotado através da guerrilha e
da subversão:

Bolsonaro passou anos ajudando a desmoralizar a esquerda, através de sua atuação no Legislativo,
mas só realizou uma ofensiva para o cargo executivo mais elevado, quando teve plena certeza de que
poderia vencer a disputa

2) Se alimente dos recursos do seu inimigo:

Bolsonaro passou parte considerável de sua carreira em partidos da base aliada tanto do PSDB como
do PT, recebendo repasses dos próprios operadores financeiros de seus dois maiores adversários. Isso
gerava ainda maior vergonha para eles, por não poderem removê-lo do cenário sem receberem
punições dos próprios partidos que constituíam sua base de apoio.

3) Converta os maiores apoiadores de seu inimigo nos seus soldados mais fanáticos:

Um número não pequeno de apoiadores de Bolsonaro, consiste de gente que votava no PT ou em


outros partidos de esquerda, não raro desde 1989. Essas pessoas, que eram defensoras fanáticas do PT
e de Lula, se tornaram os apoiadores mais fervorosos de Bolsonaro. São pessoas que, desiludidas com a
corrupção e decadência da esquerda tradicional, abandonaram seu antigo messias, buscando um novo
profeta para tomar seu lugar.

4) Deixe os adversários e concorrentes se autodestruírem ou se matarem entre si:

Foi o que aconteceu tanto como líderes progressistas, como Cristovam Buarque, Marina Silva, e o
próprio Lula, como aqueles vistos como conservadores, como Aécio, Alckmin, Moro, etc… Bolsonaro
deixou todas essas figuras se desgastarem ou brigando entre si, ou com a Justiça e a mídia, enquanto
mantinha sua imagem intacta. Dessa forma, dentro da direita e do centro, não existe possibilidade de
surgir tão cedo alguém que possa tomar seu lugar, e esquerda está dividida por disputas partidárias e
ideológicas, sem se decidir por um líder capaz de desafiá-lo.

5) Demonstre força moral:

Enquanto o campo progressista se deixou mostrar como imoral, depravado e corrupto, Bolsonaro
construiu cuidadosamente para si uma imagem diametralmente oposta: a de alguém integro, correto,
que se importa com os valores da família. Pouco importa se a imagem da esquerda se tornou manchada
devido aos atos de uma minoria que não representa o todo, e que a imagem projetada por Bolsonaro
não engane quem faz uma análise crítica de sua trajetória: é essa narrativa que foi vendida para a massa
do público, e não irá se desfazer tão cedo. Bolsonaro ainda possui, perante seus apoiadores, a imagem
de alguém ingênuo e emotivo, que comete erros algumas vezes, mas que deseja honestamente fazer o
bem. A imagem que o campo progressista possui, por sua vez, é a de um bando de pequeno-burgueses,
corruptos, estrangeirados e afeminados, que disputam entre si para ver quem vai ter o direito de roubar
o país quando voltar ao governo.

Por fim, esses cinco tópicos demonstram não só a razão da estratégia vitoriosa da campanha
de Bolsonaro em 2018, mas também parte da motivação da posição dele no poder se
demonstrar tão sólida mesmo havendo tanta oposição ao seu governo. Uma campanha
progressista que queira superar Bolsonaro precisa, em parte, fazer o que ele fez: se voltar a um
estudo sério dos líderes revolucionários, e líderes revolucionários diversos, e não apenas
aqueles que a esquerda tradicional estuda ou finge estudar, para aprender como a construir
uma narrativa que possa desconstruir a rede de mentiras e falsas verdades que o olavo-
bolsonarismo construiu para chegar ao poder. Se trata de uma luta difícil, que envolve, em
primeiro lugar, superar as próprias contradições no seio do campo progressista, mas que pode
dar frutos num futuro não muito distante. Os americanos, dando ao mafioso e escroque
profissional Donald Trump uma merecida derrota, já demonstraram que isso é possível. Além
dos líderes já citados, o estudo de figuras como Sun Tzu, Saul Alinsky e Amílcar Cabral pode
demonstrar o caminho certo. Que se dê ao monstro do seu próprio remédio, e que se faça
contra ele uma nova revolução, que dessa vez, em vez de ser uma rebelião reacionária e
conservadora, seja genuinamente progressista e libertadora.

Você também pode gostar