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1. INTRODUÇÃO

Há o consenso de que, em um contexto social, designers e profissionais de criação podem


provocar mudanças reais no mundo. Com o objetivo de unir um projeto da área do design e
consciência social, o presente estudo propõe um projeto na área de design social, voltado à
informação sobre epilepsia. Esta proposta pretende ajudar a diminuir o preconceito e
desinformação usando o design como ferramenta para o desenvolvimento social. Trata-se de
um livro infantil, com informações sobre a epilepsia em linguagem de fácil entendimento.

A epilepsia afeta cerca de 50 milhões de pessoas, 5 milhões delas na região das Américas,
segundo a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), sendo uma das doenças
neurológicas mais comuns no mundo. Mesmo sendo tão comum, ainda existe muito
preconceito e desinformação acerca disso. O preconceito e a qualidade de vida estão
diretamente ligados ao conhecimento sobre a doença (OPAS BRASIL, 2018; HOPKER,
2016).

Mesmo nesse cenário, a epilepsia é um assunto pouco abordado, causando


desconhecimento e, consequentemente, preconceito e estigma. Muitas pessoas sofrem todos
os dias, são excluídas no ambiente escolar, são demitidas de seus empregos, classificadas
como "endemoniadas", etc.

Um dos motivos da escolha deste tema de pesquisa e de projeto gráfico, foi minha própria
experiência pessoal, já que sou portadora da doença. Fui diagnosticada com Epilepsia
Mioclônica Juvenil, tendo minhas primeiras crises com 12 anos.

Estar em contato com outras pessoas e com o constante medo de sofrer uma crise em
público nos faz questionar como esse medo pode, pelo menos, ser reduzido. Esse sentimento
vem em grande parte de como o mundo nos vê e em como somos tratados quando falamos
sobre o assunto. Pessoas se distanciaram após o diagnóstico e saber como isso afeta
emocionalmente um paciente na mesma situação é, no mínimo, preocupante.

Com o projeto de design, informações importantes sobre a doença em questão podem ser
levadas de forma clara e com linguagem de fácil entendimento, amenizando o impacto do
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preconceito na vida dos pacientes, tornando possível até mesmo o fim dos mitos antigos e
ultrapassados, criando uma rede de respeito e companheirismo entre as pessoas.

As metodologias de pesquisa usadas no presente estudo foram a pesquisa bibliográfica, a


entrevista em profundidade e uma sondagem de opinião. A pesquisa bibliográfica foi
essencial para o aprofundamento no assunto, seja na leitura de artigos científicos, periódicos,
notícias, etc., o que apresentou um caminho mais estruturado no trato da temática em questão.

A entrevista em profundidade semi estruturada foi realizada com Sêmia Al Chaar,


professora e mediadora de leitura infantil. Esta entrevista mostrou como o incentivo ao hábito
literário é uma forma mais fácil de lidar com temas de inclusão social.

Uma sondagem de opinião foi feita por meio de um questionário virtual (via Google
Forms) aplicado com 58 pessoas. Todos mantêm contato com pacientes ou são portadores de
epilepsia, tornando-se uma fonte confiável quanto à problemática.

2. EPILEPSIA E PRECONCEITO

A epilepsia é uma alteração no funcionamento do cérebro. Durante um curto período de


tempo (alguns segundos ou minutos) uma parte do cérebro emite sinais incorretos que
acarretam em vários tipos de crises. A crise epiléptica é uma ocorrência transitória de sinais
e/ou sintomas decorrentes de atividade neuronal simultânea ou excessiva no cérebro. Os
mesmos incluem fenômenos anormais súbitos e transitórios, como por exemplo alterações da
consciência, eventos motores, sensoriais/sensitivos, autonômicos ou psíquicos involuntários
vistos pelo percebido pelo paciente ou por uma testemunha. É importante ressaltar que um
único episódio convulsivo não é caracterizado como epilepsia, o diagnóstico necessita de pelo
menos 2 crises em um período de até 24 horas (LIGA BRASILEIRA DE EPILEPSIA, 2020;
YACUBIAN; KOCHEN, 2014; DRAUZIO VARELLA, 2019).

As causas da doença são variadas, acontecendo em geral em decorrência de problemas


localizados no próprio sistema nervoso, como lesão cerebral provocada por AVC (Acidente
Vascular Cerebral), malformações no cérebro, paralisia cerebral, tumores cerebrais, infecções
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do cérebro, causas degenerativas ou genéticas. A epilepsia é mais comum na infância, pois o


cérebro é mais imaturo e propenso às descargas cerebrais anormais (HOSPITAL
SÍRIO-LIBANÊS, 2015).

Com a ajuda das novas tecnologias, como a videoeletroencefalografia, ressonância


magnética, tomografia, etc., houve um avanço considerável nos conhecimentos das crises
epilépticas. Elas podem ser divididas em parciais, generalizadas e não classificáveis
(YACUBIAN; KOCHEN, 2014).

As crises focais/parciais atingem apenas uma área do cérebro, podendo ser divididas em
dois tipos: simples e complexa. Na simples não há perda de consciência, podendo provocar
alterações no cheiro, sabor ou som, movimentos involuntários, tontura e formigamento. As
crises complexas acarretam na perda da consciência, provocando movimentos repetitivos,
como esfregar as mãos (DRAUZIO VARELLA, 2019).

As crises generalizadas atingem ambos os lados do cérebro, podendo ser divididas em


vários tipos, sendo geralmente caracterizadas por movimentos bruscos ou espasmos nos
braços e pernas, perda de controle muscular (causando quedas repentinas), rigidez muscular
(mais comuns nos braços, pernas e costas), movimentos repetitivos e rítmicos (em geral no
rosto, braços e pescoço), etc. A crise epiléptica mais conhecida é a tônico-clônica, quando há
perda de consciência, rigidez e tremor pelo corpo e, em alguns casos, perda do controle da
bexiga e da língua (DRAUZIO VARELLA, 2019).

As pessoas que têm epilepsia sofrem com episódios muitas vezes recorrentes, afetando
seus estudos, trabalho e qualidade de vida, além de afetar suas famílias. Nos últimos anos, os
países melhoraram a atenção às doenças crônicas não transmissíveis, como a epilepsia. Porém
ainda está longe de ser satisfatório, por motivos como um déficit de profissionais médicos
capacitados e falta de informação e educação sobre a epilepsia, tanto para as pessoas com esse
transtorno e suas famílias quanto para a comunidade como um todo (OPAS BRASIL, 2018).

Existem várias campanhas em prol da conscientização sobre a epilepsia. Alguns


exemplos são Stand Up for Epilepsy, Dia Nacional e Latino Americano da Epilepsia e o
mundialmente famoso Purple Day.

Stand Up for Epilepsy é uma criação do Grupo de Trabalho sobre Esportes e Epilepsia da
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ILAE (International League Against Epilepsy) em parceria com o IBE (International Bureau
for Epilepsy). Trata-se de uma coleção de imagens de pessoas famosas do esporte
fotografadas com pessoas com epilepsia de todo o mundo. As fotografias transmitem a
mensagem de que as celebridades não têm preconceito contra a doença e os pacientes podem
viver plenamente, ativos, praticando esportes (VIVA COM EPILEPSIA, 2020).

No dia 9 de setembro de 2000, a Dra. Michelle Bachelet, então Ministra da Saúde


chilena, leu e aprovou a Declaração de Santiago sobre epilepsia na América Latina, passando
a se comprometer em trabalhar em conjunto com outros ministros latino-americanos da saúde
para tirar a epilepsia das sombras na América Latina. A data da conferência que contou com
mais de 500 delegados de toda América Latina e Caribe ficou conhecida como Dia Nacional e
Latino Americano da Epilepsia. No Brasil, a data conta com inúmeros eventos com a
finalidade de informar a sociedade sobre a epilepsia (VIVA COM EPILEPSIA, 2020).

Purple Day foi criado em 2008 por Cassidy Megan, uma criança de 9 anos na época, de
Nova Escócia no Canadá, com a ajuda da Associação de Epilepsia da Nova Escócia (EANS).
O objetivo é fazer com que as pessoas conversem sobre a epilepsia em um esforço para acabar
com os mitos e preconceito, mostrando aos portadores de epilepsia que eles não estão
sozinhos. A cor roxa foi escolhida por causa da flor de lavanda, frequentemente associada à
solidão, representando o sentimento de isolamento que muitos pacientes sentem. No dia 26 de
março, todos os anos por todo o globo, pessoas se vestem de roxo, participam de várias ações
para combater o preconceito relacionado à doença (BRAINN, 2020).

A epilepsia apenas se tornou mais difundida com as recentes declarações de famosos que
são epilépticos, como Camila Coelho (influenciadora digital) e Laura Neiva (atriz), que se
manifestaram sobre suas experiências com a doença, ou Cameron Boyce (ator) que faleceu
em 2019 em decorrência de uma crise (ESTADÃO, 2020; UOL, 2020; CORREIO
BRAZILIENSE, 2019).

A psicóloga Eunice Porto diz que "quando uma criança tem bonecos com vários tipos de
representatividade, ela aprende a não excluir a diferença, e sim aceitá-la desde cedo". O
mesmo vale para epilepsia. Se as crianças já crescerem entendendo o que significa,
entendendo os desafios e a necessidade de apoio por parte dos pacientes, irão aceitar como
algo normal que é (FOLHAPRESS, 2020).
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Como dito anteriormente, um dos motivos da escolha da temática a ser abordada foi
minha própria experiência com a doença. O medo e o preconceito das pessoas à minha volta
sempre foi uma questão na minha vida.

Na neurologia e, especialmente na epilepsia, o preconceito é muito grande e até


considerado mais estressante para o paciente do que a própria doença. O rótulo de "epiléptico"
leva a atenção indesejada, conduzindo à atitudes de discriminação. Nas doenças relacionadas
ao psicológico e neurológico, o estigma provém do medo do desconhecido e de falsas crenças
que dão origem à falta de conhecimento e a não compreensão da situação (FERNANDES; LI,
2006).

Registros da antiguidade mostram que o preconceito quanto à epilepsia não é uma


questão moderna. Pedras babilônicas, dos anos 2000 a.C., possuíam descrições de algumas
manifestações clínicas que hoje podem ser compreendidas como crises epilépticas. Naquela
época, o preconceito já existia, já que os escravos podiam ser devolvidos e contrato rescindido
se a pessoa apresentasse crises no prazo de 1 mês depois da contratação. Um exemplo mais
recente é que até 1970, em muitos países, como o Reino Unido, pessoas epilépticas eram
proibidas de se casarem (FERNANDES; LI, 2006).

Para fundamentar esta realidade, foi realizada uma sondagem de opinião com 58 pessoas
de Londrina e região, que são epilépticas ou têm contato direto com pessoas com a doença. O
questionário foi enviado pela plataforma Google Forms com o objetivo de abrir espaço para
que se manifestassem sobre o assunto, que contassem suas histórias, opiniões e desafios.

Por meio da sondagem, foi possível constatar que 70,7% dos pacientes já sofreram algum
tipo de preconceito em relação à doença, sendo que 65,5% não passaram por
acompanhamento psicológico. A maior parte dos pacientes têm crises desde a infância,
enfrentando o preconceito, em grande parte, ainda nessa fase.

De acordo com 94,8% dos entrevistados, a desinformação é um dos pilares do


preconceito, opinando ainda que o melhor meio de levar informação às pessoas é por meio da
escola e em casa, abordando o assunto ainda na infância. Para eles, além de explicar o que é
epilepsia e ensinar primeiros socorros é importante incluir o tema em livros didáticos e, por
exemplo, mostrar que grandes personagens históricos tinham epilepsia, como Dom Pedro I,
Machado de Assis, Van Gogh, Tutancâmon, etc. Estes seriam ótimos meios de tratar do
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assunto.

Alguns relatos dos entrevistados mostram como a desinformação, o preconceito e a


negligência afetam o tratamento e a vida do paciente. Um dos entrevistados relatou ter crises
desde os 2 anos de idade, fazendo tratamento durante 1 ano até sua mãe interromper por conta
própria após orientação religiosa. Depois de 34 anos, após um acidente de trânsito, descobriu
que possui a doença graças a neurologistas que resgataram seu histórico médico, identificando
inúmeras crises epilépticas durante sua vida, mas que foram tratadas como crises de estresse.

A parcela da população que possui a doença é historicamente negligenciada na sociedade.


Sendo assim, o design se mostra uma ferramenta capaz de diminuir e até derrubar muitas das
barreiras impostas, oferecendo diversos produtos e serviços que sejam inclusivos, construindo
uma sociedade mais justa e igualitária (BRAZ; HENRIQUES, 2018).

3. DESIGN SOCIAL E DESIGN EDITORIAL

O Design Editorial lida com a gestão de texto e imagens com o objetivo final de se
construir um projeto coerente, cabendo ao designer equilibrar informações verbais e não
verbais. Se concentra principalmente na criação de livros, jornais, revistas, etc. A literatura e
o design podem fornecer uma considerável influência sobre crenças, podendo refutar
estereótipos e construir imagens positivas sobre outras pessoas, já que a experiência visual é
uma das formas com que o ser humano enxerga o valor das coisas no mundo (FERNANDES,
2017).

Um bom conteúdo sem um bom visual perde grande parte da capacidade de transmitir a
mensagem desejada aos leitores. Um projeto gráfico editorial influencia na experiência do
leitor, criando uma unidade visual. O trabalho de um projeto editorial de um livro não é tornar
a obra diferente ou "bonitinha", mas sim fazer com que as palavras fluam e a ideia do autor
seja compreendida.

O Design Social permite o uso do design como ferramenta para a construção de um meio
onde não há discriminação e sim, inclusão social de todas as pessoas. Tudo que é criado tem
impacto na sociedade, podendo ser positivo ou negativo, sendo a proposta do design social ser
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inclusivo, respeitando os direitos humanos e defendendo condições de igualdade


(FERNANDES, 2017).

O design vai muito além de um projeto criativo, encantador e diferente. Além de unir o
funcional ao belo, com a preocupação social é possível ao designer projetar em favor da
inclusão, sendo a junção do design editorial e social uma possibilidade de mudar a realidade
de muitas pessoas.

Para alcançar o objetivo deste projeto, o trabalho em conjunto de Design Social e Design
Editorial torna possível promover a inclusão social por meio da literatura inclusiva.

3.1 LITERATURA INCLUSIVA

Os livros infantis são fundamentais para o desenvolvimento, seja como cidadãos ou


amantes da leitura. Com livros informativos e ao mesmo tempo divertidos e de fácil
entendimento, o gosto pela leitura e pelo saber também são estimulados (COELHO, 2003).

A professora e mediadora de leitura infantil, Sêmia Al Chaar (2020), explicou em


entrevista que o incentivo ao hábito literário em casa, com os familiares e na escola são
formas de conectar a literatura com temas de inclusão social com o público de modo mais
efetivo. Para ela, a melhor forma de abordar o assunto é com uma história, com uma
linguagem comum e de fácil entendimento.

Al Chaar (2020) atua em biblioteca escolar de uma escola pública de Londrina e procura
incentivar a leitura de livros com temas de inclusão. Em sua opinião "As crianças precisam
conhecer e ter contato com todas as crianças e perceber que cada uma delas tem necessidades
individuais; Independente de necessidades especiais como deficiência visual, motora e
qualquer outra". Para ela, há vários livros relevantes sobre inclusão social, como "O menino
que escrevia com os pés" e "ICO e o Mundo Que Queremos Construir".

O livro "O menino que escrevia com os pés", de Carina Alves, conta a história de Tico,
um menino que perdeu os braços brincando com fogos de artifício. A forma como a história é
contada de forma simples e lúdica é muito interessante, mesmo sendo um assunto delicado, a
autora conseguiu contar uma história de auto-aceitação, respeito e inclusão.
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"ICO e o Mundo Que Queremos Construir", de Carina Alves e Elyse Matos, trata sobre o
autismo, trazendo o personagem Enrico (apelidado de Ico) e sua história de superação com a
ajuda de sua família e amigos, que o apoiam todo o tempo.

Há vários exemplos de livros infantis com temas especiais que possibilitam à criança
refletir sobre ela mesma e sobre os outros. O projeto Red Fred, desenvolvido pelo designer
americano Dallas Graham é um grande exemplo. Ele traz histórias infantis onde as crianças
(com doenças graves) são as autoras de suas próprias histórias de vidas "excepcionais". As
histórias tratam de amizade, bullying, família, superação, etc. Essas histórias são contadas
com o objetivo de influenciar o pensamento de quem as lê (BBC NEWS BRASIL, 2020).

A análise de outros livros que contam histórias com linguagem e ilustração simples,
mostra como essas características tornam a forma de inserção das informações sobre os
respectivos assuntos mais fácil para crianças.

A pesquisadora Fátima dos Santos propõe que cabe aos designers organizar a mensagem
de tal forma que ela fique atrativa, relevante e que a informação seja recebida pelo usuário
como esperado, sendo assim, um livro desenvolvido de modo atrativo para o público infantil é
uma forma de comunicação que tem uma capacidade excelente de levar a mensagem desejada
(PROJÉTICA, 2012).

O design bem pensado é fundamental na criação de um livro infantil, já que é por meio
dele que a criança fará contato com a narrativa. O livro ilustrado é único, necessitando do
pensamento de que o livro se torna um objeto visual por meio das Artes Gráficas e do Design,
tendo como objetivo prender a atenção das crianças (MENEGAZZI, DEBUS, 2018).

Os livros infantis que tratam de inclusão social conseguem passar a mensagem de forma
clara e atrativa para as crianças. Porém, mesmo tendo tantos livros sobre tantos assuntos
distintos (autismo, deficiência física, etc), não foi possível encontrar um que trate de epilepsia.

Representando as pessoas com epilepsia e levando informação sobre a doença, o Projeto


de Design tem como base o Design Editorial e Social, criando o livro infantil “Gael e Lily - o
lema dos gêmeos”.
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4. PROJETO DE DESIGN EDITORIAL: Gael e Lily - o lema dos gêmeos

Como resultado de toda metodologia de pesquisa utilizada no desenvolvimento do


projeto, ficou claro que um livro infantil é o caminho certo para a abordagem da temática.
Um livro infantil fortalece os valores das crianças, sendo necessário que assuntos como
inclusão social sejam abordados, explicados.

Este projeto compreende a criação da história e do projeto gráfico para um livro sobre
epilepsia, dirigido às crianças do Ensino Fundamental 1, com idades entre 7 e 11 anos,
abordados em uma narrativa lúdica e ilustrada.

O psicólogo suíço Jean Piaget dedicou-se a investigar o desenvolvimento cognitivo e


concluiu que existem 4 estágios: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e
operatório formal. Dos 7 aos 11 anos, público alvo deste projeto, ocorre a fase do operatório
concreto, no qual se desenvolve o pensamento lógico e a criança passa a entender a existência
de conceitos como a relação parte-todo. Portanto é comprovado que nesse período da infância
o desenvolvimento cognitivo está mais propenso a receber informações que desenvolvam seu
senso de responsabilidade social (FERNANDES, 2017).

Para a construção da história do livro e do projeto gráfico, além das experiências pessoais
como paciente, foi realizada uma dinâmica criativa com três crianças: minha irmã, Sophia (9),
que acompanha minha jornada com a doença desde seu nascimento, presenciando crises e
meu tratamento de forma protetora; Marina Moreno (8) e Davi Oliveira (7), amigos próximos
de minha irmã que participaram do processo criativo com perguntas, desenhos, opiniões, etc.

O tema do Projeto foi explicado, mas sem detalhes ou informações, apenas que o livro
trata sobre epilepsia. Foi pedido para as crianças explicarem o que era epilepsia e primeiros
socorros, infelizmente apenas Sophia soube responder, apenas por que sabia por minha causa.

Também foi pedido para que desenhassem pessoas diferentes delas, de raças e crenças
diferentes, deficientes, etc., e que explicassem se essas pessoas mereciam ser tratadas de
forma preconceituosa. Prontamente concordaram que não, que todos deveriam cuidar uns dos
outros, ideal que resultou no “lema dos gêmeos”.

Outra etapa para o projeto foi a criação de um painel semântico a fim de ajudar na
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escolha de traços, formas, estilo, etc. Ilustrações de artistas como Will Santiago, Lisa Stubbs,
Ekaterina Trukhan, etc. que ilustram e/ou já ilustraram livros infantis com traços simples,
quase infantis, ajudaram na escolha do estilo ilustrativo.

A história foi criada com uma linguagem de fácil entendimento, inserindo informações
sobre a doença de forma sutil. É contada por um menino de 8 anos chamado Gael. Ele conta
sua história e de sua irmã gêmea Lily, que possui epilepsia, mostrando sintomas que ele vê
(como espasmos e crises epilépticas), seus pais explicando o que são crises epilépticas, a
vergonha e o medo que Lily tem de ter crises em público e como ele tenta ajudar como pode
sua irmã em sua empreitada, criando inclusive o “lema dos gêmeos” com a premissa de que
um deve cuidar do outro.

O nome Gael foi escolhido pois significa “o que protege”, mostrando o modo protetor
que ele se posiciona quanto a sua irmã. Lily é uma adaptação de lilás, a cor que representa o
Purple Day, dia de esforço internacional dedicado ao aumento da conscientização sobre a
epilepsia.

A escolha de irmãos gêmeos não idênticos foi feita de acordo com estudos que apontam a
maior probabilidade de gêmeos monozigóticos (idênticos) possuírem epilepsia por um fator
genético do que gêmeos dizigóticos (não idênticos) (LOPES-CENDES, 2008)

O projeto gráfico foi desenvolvido para publicação, impresso em brochura para melhor
manuseio. Pensando na comodidade para leitura de acordo com a estatura das crianças na
faixa etária especificada, o tamanho 20cmx20cm foi estabelecido como ideal, além de possuir
número reduzido de páginas, contendo 22 no total, para que a criança não identifique um livro
maior como sendo maçante e desinteressante.

As ilustrações foram baseadas no painel semântico, além de levar em conta as


observações feitas durante a dinâmica criativa. Depois de muitos testes de estilo, brushes,
texturas, etc., os personagens tomaram forma definida, com traçado com textura de giz de
cera, trazendo a sensação de uma ilustração feita por uma criança. Formas orgânicas e simples
também foram priorizadas para a mesma finalidade.

A paleta de cores foi escolhida de acordo com a psicologia das cores e com a ajuda das
crianças na dinâmica criativa. As páginas são amarelas pois a cor significa otimismo,
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juventude, amizade, etc. representando os gêmeos, sua família e amigos. As páginas em cor
preta com desenhos geométricos desconexos e com cores fortes representam as crises
epilépticas, como o cérebro fica “confuso”. Quando Lily está tendo uma crise e sua mãe está
cuidando dela, as páginas são roxas pois é a cor que representa a epilepsia. A cor vermelha do
cordão que liga as mãos dos gêmeos representa o amor entre eles e o comprometimento com o
lema que criaram, representando uma ligação que vem desde a gestação.

Algumas referências usadas foram as ilustrações de Lisa Stubbs, Yujiu e @pikisuperstar:

Lisa Stubbs - My Sweet Angel (https://www.flickr.com/photos/lilsonnysky/9085710720/)


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Yujiu (https://pngtree.com/freepng/hand-drawn-cartoon-style-family-elements_5329162.html)

@pikisuperstar (https://www.freepik.com/pikisuperstar)
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A parte textual foi inserida de forma que o público conseguisse ler mais facilmente,
seguindo uma estrutura simples. A tipografia escolhida foi a Holidays Homework, que simula
a textura de um lápis e a caligrafia infantil. Para a faixa etária do público alvo, 14pt de
tamanho proporciona melhor visualização e leitura (LOURENÇO, 2011).

Todo o processo de ilustração foi feito no Adobe Photoshop, utilizando o Adobe InDesign
para inserir marcas de corte, etc., após o término do processo.

Após a estruturação das páginas, a inserção em mockups foi feita para melhor
visualização do resultado final.

O título do livro foi escrito com a tipografia escolhida para o livro, contendo ainda um nó
em cordão vermelho para simbolizar o “lema dos gêmeos”, além de conter a ilustração das
mãos fazendo o juramento com o cordão ligando a capa e a contracapa.
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Na contracapa foi inserido um breve resumo do que o leitor encontrará na história.

Um nó no cordão vermelho foi usado para estampar o verso da capa e da contracapa.


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A representação de uma cena cotidiana, normal na vida das crianças mostra como não se
pode escolher quando, onde e se ocorrerá uma crise.

As páginas escuras, com estilo totalmente diferente do resto do livro, representam como
a crise acontece repentinamente, sem controle por parte do paciente.
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A ilustração da crise foi pensada especificamente para representar os primeiros socorros.


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Os cordões vermelhos mostram a ligação dos irmãos desde a gestação e se intensificam


com o lema que criam.

Personagens representando os amigos dos gêmeos foram desenhados baseados nas


crianças que ajudaram no desenvolvimento do livro: Sophia, Davi e Marina (da esquerda para
direita).
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Uma página no final do livro onde a criança pode registrar o que aprendeu com a história
foi inserida com o objetivo de proporcionar interatividade e reflexão sobre o livro.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou compreender o papel do designer na


sociedade e como um projeto pode mudar a realidade de muitas pessoas. Um projeto pensado
como mais que algo comercial, como solução para melhorar a qualidade de vida de um grupo
socialmente excluído, exige do designer conhecimentos interdisciplinares, como: sociologia,
antropologia, etc., além de fazer tudo isso de forma criativa.

Trabalhar neste projeto me fez crescer como pessoa, conhecer realidades opostas a minha,
consegui me conectar com pessoas diferentes, porém tão parecidas, com os mesmos
obstáculos quanto a epilepsia, isso tudo em meio a uma pandemia na qual não podemos ter
contato fisicamente.

Além de compreender a importância social do design, foi possível analisar mais


profundamente como o preconceito enraizado contra pessoas com epilepsia é algo sério e não
comentado.

É evidente que as crianças não possuem conhecimento prévio acerca do assunto proposto,
tendo acesso apenas por meio de seus responsáveis, etc., que, por sua vez, muitas vezes
também não possuem uma bagagem de informações sólidas e verdadeiras. A educação infantil
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é o futuro da sociedade e, se queremos que o futuro seja diferente, devemos investir na


educação no presente.

A utilização de livro infantil ilustrado se mostrou uma peça chave, tornando-se um


projeto de design social e editorial adequado para alcançar o objetivo do estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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