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Resumo: O artigo ora apresentado consiste num recorte de uma pesquisa-ação, cujo propósito
foi adaptar um curso coletivo de violão para a modalidade a distância. O objeto da
investigação foram os padrões de interação que ocorriam durante o curso a distância,
sobretudo nas videoconferências. O objetivo principal da pesquisa foi analisar e refletir sobre
os padrões de interação mais freqüentes e pertinentes observados ao longo do referido curso.
Os objetivos específicos foram: planejar e definir uma estrutura de ensino condizente com a
abordagem de ensino coletivo de violão; avaliar a eficácia das interações durante a
implementação do curso; promover uma experiência de formação reflexiva para os
professores que ministraram o curso. Com base no referencial teórico, foram definidas quatro
categorias de interação: facilidade de expressão, inclusão, senso de solidariedade e síntese de
vários pontos de vista. Tais categorias foram tomadas como parâmetros para elaborar um
modelo de análise dos padrões de interação. Na parte final do artigo, são apresentadas oito
Lições de Interação, que traduzem as conclusões mais importantes no que se refere aos
padrões de interação observados nas videoconferências do curso de violão a distância.
Palavras-chave: interação, violão, curso a distância.
Introdução
Ao longo dos últimos anos, o ensino de música a distância tem deixado de ser apenas
uma remota possibilidade para se tornar uma realidade cada vez mais presente no cenário da
educação musical. No exterior, muitas instituições de ensino musical vêm oferecendo cursos
de instrumento a distância (ORTO, 2006; HANCE, 2004) e algumas já organizaram até
mesmo mestrados a distância (BANNAN; GOHN, 2004). No Brasil, cursos de licenciatura
em música a distância, oferecidos pela Universidade Aberta do Brasil, começaram a se tornar
realidade desde 2006 (CM NEWS, 2006; UAB/MEC, 2006). Sob a coordenação de IFES
como a UFRGS, a UFSCar e a UnB, esses cursos estão atendendo a alunos em pólos de vários
estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, São Paulo e Acre, abrindo perspectivas para que
a EaD se firme como uma alternativa viável para a formação de professores de Música
(BRAGA; RIBEIRO, 2008).
Foi diante desse quadro que surgiu o interesse em realizar uma pesquisa de
doutorado, cujo propósito era adaptar um curso coletivo de violão, chamado Oficina de
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Violão, para a modalidade a distância. A idéia foi despertada a partir da constatação da
necessidade de remodelar a estrutura pedagógica do referido curso, que funciona como uma
atividade de extensão da Universidade Federal da Bahia. Muito do trabalho de pesquisa foi
constituído de ações, através das quais foi possível tornar o curso de violão a distância uma
realidade. Mas além do aspecto prático, precisávamos definir aquele que seria objeto de nossa
investigação. Diversos aspectos do ensino de violão mediado por computador nos
interessavam como foco de estudo, mas depois de analisar muitas alternativas, definimos que
a interação seria o objeto de pesquisa. Assim, a questão de pesquisa que orientou todo o
processo foi a seguinte: que padrões de interação, entre professor e estudantes e estudantes
entre si, seriam mais freqüentes e significativos para a construção do conhecimento na Oficina
de Violão a Distância 1 ?
1. Objetivos
2. Fundamentação Teórica
1
Oficina de Violão a Distância foi o nome adotado para o curso de violão a distância que planejamos e
ofertamos no decorrer da pesquisa.
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naturais que sustentam a aprendizagem espontânea”: curiosidade;
desejo de ser competente; querer imitar outros; necessidade de
interagir socialmente. Não podemos nos eximir de compreender tudo
o que está envolvido com esses aspectos (p. 66-67).
Se por um lado o aluno deve ser estimulado a se tornar autônomo, a buscar seus
próprios caminhos, por outro, ele também deve ter a oportunidade de interagir com outros,
tanto com os colegas quanto com o professor. Swanwick destaca algumas necessidades
importantes do aluno, como a de interagir socialmente, e uma outra necessidade que é muito
forte na área de música, mais especificamente no estudo de instrumentos, que é a de “querer
imitar outros”. Principalmente para alunos iniciantes, muito do que se aprende está baseado
na imitação, na observação de bons modelos de performance.
O que tínhamos em mente, ao criar o curso, era possibilitar não somente interações
constantes, através de um fórum de discussão e de videoconferências, mas também fomentar
diálogo e trabalho em equipe de maneira a produzir uma experiência de aprendizagem que
fosse a mais significativa possível para os estudantes. Para tanto, foi necessário que
fizéssemos uma reflexão sobre as formas particulares como ocorrem as interações,
especialmente o trabalho colaborativo em aulas coletivas de violão.
Para tornar a nossa investigação viável, precisávamos trabalhar com base em
categorias claras, que nos ajudassem a reconhecer os padrões de interação que seriam
investigados. Assim, definimos tais categorias identificando temas muito recorrentes em
pesquisas no campo da EaD, as quais apontam características importantes na construção
social bem sucedida de conhecimento (MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 247). Essas
categorias, que nomeamos de elementos de interação, são as seguintes: facilidade de
expressão, inclusão, senso de solidariedade e síntese de vários pontos de vista. É importante
frisar que essas categorias não foram simplesmente “transplantadas” de outras pesquisas, mas
foi preciso adaptá-las ao contexto de aulas coletivas de violão. Explicamos a seguir em que
consistem as quatro categorias de interação.
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2.2 Inclusão
A aula coletiva de instrumento pode ser definida como aquela em que se busca o
envolvimento de todos os estudantes da turma em cada atividade, na maior parte do tempo
(TOURINHO, 2006). Esse foi um princípio que também procuramos colocar em prática e
observar em nossa análise. A inclusão acontece quando alguém que apresenta uma dificuldade
é auxiliado, geralmente pelo professor, com o propósito de ser integrado a uma atividade na
qual não teria condições de participar inicialmente. A inclusão visa à participação de todos
numa determinada tarefa, mas ainda não requer alguma forma de auxílio mútuo.
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3. Metodologia
A metodologia que empregamos foi a pesquisa-ação, que pode ser definida como
uma modalidade investigativa em que se busca a resolução de um problema coletivo, com a
participação efetiva dos envolvidos na questão:
2
O curso foi estruturado em três módulos, cada um com cinco semanas de duração. Nas quatro primeiras
semanas de cada módulo, a turma interagia com o professor através de videoconferências e, na quinta semana do
módulo, havia um encontro presencial.
3
Os seis alunos selecionados para a Oficina de Violão a Distância tinham entre 14 e 16 anos e estavam
matriculados no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (antigo CEFET) na cidade de Mossoró-RN,
que nos apoiou na realização da pesquisa, inclusive cedendo suas instalações e equipamentos.
4
Software da empresa Microsoft que permite a troca de mensagens instantâneas. Recurso também conhecido
como chat, ou bate-papo.
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3.2 Observações sobre as unidades de análise das videoconferências
Tomamos como referência um processo analítico que foi empregado por Morin e
mais dois professores (MORIN, 2004, p. 43), em uma pesquisa-ação cujo objetivo era analisar
e refletir sobre um modelo “espontâneo” ou “aberto” de pedagogia. Tal processo de análise é
sintetizado na Figura 1.
10 leis
sistema
aberto
D
A Relatório dos 5 blocos Pistas de
D pesquisadores observações
O pesquisa
S
analisadas
Modelo
revisto
Em nossa análise, passamos por fases similares àquelas propostas por Morin.
Primeiramente, coletamos os dados, sobretudo através de gravações em vídeos. Em segundo
lugar, realizamos diálogos de avaliação das videoconferências, com função equivalente ao que
Morin designou de “relatório dos pesquisadores” ou relatório coletivo. Como terceiro passo,
elaboramos observações sobre as unidades de análise das videoconferências, cuja função era
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sintetizar as principais idéias a respeito dos padrões de interação percebidos. Como quarta e
última etapa, engendramos as conclusões, que denominamos de “Lições de Interação”.
De fato, em nossa pesquisa, o processo de análise reflexiva teve seu ápice na redação
de Lições de Interação, cujo teor tem, em essência, o mesmo propósito daquilo que Morin
denominou de “leis de um sistema aberto”, que apontavam “pistas de pesquisa” e
proporcionaram uma revisão do modelo de pedagogia aberta. Desse modo, ao final de cada
módulo, tínhamos Lições de Interação, ou pelo menos esboços delas, de modo que, com base
nessas pistas e em todo o processo vivenciado, era possível revermos nossa prática
pedagógica para o módulo seguinte.
4. Principais Resultados
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xLição de Interação 3: Para que uma atitude inclusiva seja o mais efetiva possível, o
professor deve se predispor a esperar o aluno com dificuldades a assimilar o mínimo
necessário para que o exercício seja executado em conjunto com os outros. Não sendo isso
possível, é recomendável evitar reprimendas a esse aluno na frente dos outros, e apenas fazer
o exercício com quem tiver condições.
xLição de Interação 4: Alternância entre orientações individuais e o trabalho em grupo pode
acontecer sem que a aula se torne monótona, desde que, ao fazer essas orientações
individuais, o professor seja objetivo e preciso, atenda aos alunos de forma eqüitativa e, assim
que seja possível, dê oportunidade para que todos toquem juntos, à medida que aprendem
cada trecho da peça musical.
xLição de Interação 5: Um importante meio de fomentar o trabalho em equipe é estimular a
observação mútua entre os alunos, além de permitir que eles se ajudem espontaneamente, por
meio de um diálogo musical. Como resultado de uma dinâmica de trabalho colaborativo em
sala de aula, o grupo tem melhores condições de executar o exercício ou música em conjunto,
ou seja, todos são incluídos na performance.
xLição de Interação 6: Quando os alunos são colocados como modelos, sujeitos capazes de
auxiliar os colegas, e de compartilharem a responsabilidade pela aprendizagem do grupo com
o professor, a tendência é que estes se sintam mais motivados e incorporem o espírito de
equipe.
xLição de Interação 7: Trabalhar músicas bastante conhecidas e apreciadas pelos alunos
permite aproveitar as suas experiências prévias, e é essencial para realizar uma “costura
musical”, ou seja, para produzir performances mais musicais, em que se fundem os
conhecimentos prévios e os “novos”.
xLição de Interação 8: Para que se alcance o estágio de “síntese de vários pontos de vista”, ou
“costura musical”, não é preciso que apareçam explicitamente, no momento-conteúdo em
questão, “inclusão”, “senso de solidariedade” ou mesmo “facilidade de expressão”. No
entanto, esses aspectos provavelmente só são dispensáveis quando a turma tem conhecimento
prévio bastante consistente para construir a performance musical praticamente sozinha.
O teor das oito Lições de Interação aqui apresentadas é suficiente para que se tenha
uma ideia da riqueza de aspectos envolvidos nas reflexões que realizamos sobre os padrões de
interação observados no curso. As particularidades das interações estabelecidas por meio das
videoconferências foram consideradas sem que se perdessem de vista os aspectos essenciais
em qualquer relação pedagógica que se baseie nos princípios da aprendizagem colaborativa.
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A resposta à questão de pesquisa, sobre quais seriam os padrões de interação mais
freqüentes e significativos, pode ser resumida na seguinte afirmação: à medida que o curso
avançava, o padrão que ia se tornando mais freqüente era aquele que alcança o nível do senso
de solidariedade. Esse estágio, que implica em alto nível de trabalho colaborativo, aumentou
de maneira considerável ao longo do curso e mostrou-se, também, o mais significativo no
contexto da aula coletiva de violão por videoconferência, por promover maior
comprometimento e participação de todos.
Esperamos que a pesquisa aqui sintetizada promova reflexões e estimule iniciativas
de educadores musicais, inclusive daqueles que trabalham com ensino de instrumento, no
sentido de fazerem acontecer as mudanças que urgem no atual cenário da educação musical
brasileira. Já é tempo de assumirmos a tarefa de ocupar os espaços e de fazermos com que
ensino de música e ensino a distância, especialmente o ensino mediado por computador,
deixem de soar como realidades incompatíveis.
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Referências
FEENBERG, Andrew. The Written World: On the Theory and Practice of Computer
Conferencing. In: MASON, R. & KAYE, A. (Eds.). Mindweave: communication,
computers and distance education. Oxford: Pergamon Press, 1989. cap. 1, p. 22-39.
HANCE, Bryan. Experience the energy. Cleveland Institute of Music, set. 2004.
Disponível em: <http://www.cim.edu/index.php>. Acesso em: 17 de abr. 2006.
TOURINHO, Ana Cristina. Ensino coletivo de violão: proposta para disposição física dos
estudantes em classe e atividades correlatas. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006.
Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?
id_m=55>. Acesso em: 15 fev. 2008.
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