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LAWRENCE STONE

Coordenação Geral
Ir. Elvira Milani
Causas da
Coordenação Editorial
Ir. Jacinta Turolo Garcia

Coordenação Executiva
Revolução Inglesa
Luzia Bianchi 1529-1642
Comitê Editorial Acadêmico
Ir. Elvira Milani — Presidente
Glória Maria Palma
Ir. Jacinta Turolo Garcia
José Jobson de Andrade Arruda
Marcos Virmond
Maria Arminda do Nascimento Arruda

TRADUÇÃO
Modesto Florenzano

HISTÓRIA
EDUSC
Editora da Universidade do Sagrado Coração
Davis, op. cit., p. 5, citando Marx, Selected Works in Two
Volumes, Moscou, 1955, I, p. 947. capítulo 2
Daniel Bell, ed., The Radical Right, Garden City, 1963.
AS ORIGENS SOCIAIS DA
Merton, op. cit., cap. 9.
REVOLUÇÃO INGLESA
Why Men Rebel.

G. E. Lenski, "Status crystallizatiOn: a non-vertical di-


mension of social status", American Sociological Review, 19,
1956.
C. E. Black, The Dynamics of Modernization: A Study of Nos últimos cinqüenta anos a historiografia da
Comparative History, New York, 1966. Revolução inglesa passou por quatro fases bem defini-
das. Na primeira, tivemos a narrativa política, realiza-
J. R. Gillis, "Political decay an the European revolu- da com cuidado e erudição meticulosas por um grande
tions, 1789-1848", World Politics, 22, 1970.
historiador da época vitoriana, S. R. Gardiner. Sua
"Revolution: a redefinition", 22, op. cit. interpretação religiosa e constitucional foi duramente
33. "The revolutionary process", Social Forces, 28, março atacada pelos marxistas pouco antes da Segunda
1950, p. 279-97. Guerra Mundial; o velho e cômodo paradigma de
inspiração whig desabou e foi substituído pelo que es-
tabelecia um nítido conflito entre uma burguesia as-
cendente e classes feudais em decadência. Depois veio
o breve período do pós-guerra, das teorizações deslum-
brantes e fantasticamente contraditórias na base das
mais exíguas evidências documentárias, até que as
áreas de consenso sobre cada aspecto do problema fi-
caram praticamente reduzidas a zero, e a Revolução
Inglesa caiu no mesmo tipo de caos fragmentário no
qual a historiografia da Revolução Francesa hoje se de-
bate. Em ambos os casos, uma vez que os historiadores
descobriram que a interpretação marxista não funcio-
na muito melhor do que a whig,, seguiu-se um período
em que não há nada de bem definido para colocar em
seu lugar. Os últimos vinte anos, contudo, assistiram a
urna florescência verdadeiramente notável de mono-
grafias históricas especializadas, obra de estudiosos dos
dois lados do Atlântico preparados para assumir as in-
finitas fadigas necessárias a qualquer pesquisa históri-
ca de valor não efêmero, e também dotados de imagi-

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nação e de capacidade intelectual indispensáveis para blicar um artigo sobre a aristocracia elisabetana. 2 No
dar uma direção a seus achados e deduzir generaliza- artigo eu recolhia um elemento da tese de Tawney, o
ções. Os historiadores também têm adotado modelos do declínio da aristocracia, levando-o muito mais lon-
de explicação histórica mais sofisticados no que se re- ge, atribuindo a causa da decadência não a lima ges-
fere tanto à natureza da sociedade moderna em seu tão ineficiente da terra mas a um gasto excessivo e
início, quanto ao efeito da interação recíproca da eco- apresentava alguns dados estatísticos sugestivos, em
nomia, da estrutura social, das idéias e das instituições, particular sobre endividamento, para sustentar minha
para não-fala cla_ intervenção_fla pura chance. Assim. desconcertante conclusão de que "nos últimos anos
um bom feixe de luz começa finalmente a penetrar na do reinado de Elisabeth, mais de dois terços dos con-
neblina: a verdade — verdade parcial, imperfeita e pro- des e barões estavam já à beira da ruína financeira, ou
visória — está começando a emergir. dela se aproximando rapidamente". Se esta ruína foi
O problema das origens sociais da Revolução em muitos casos evitada isto se deveu primordialmen-
Inglesa do século XVII foi pela primeira vez proposto te, assim eu pensava, à prodigalidade do rei Jaime.
aos historiadores em geral por R. H. Tawney, em Três anos depois, este artigo foi submetido a
1940.' Na sua visão, houve, no século que precedeu a uma crítica devastadora por H.R. Trevor-Roper, que
guerra civil, uma mudança na posse da propriedade, chamava a atenção para a extravagância da lingua-
que resultou na decadência dos senhores rurais anti- gem, os gravíssimos erros cometidos na interpretação
quados e na ascensão social de uma nova classe de dos dados estatísticos sobre o endividamento e o tra-
gentry. Tawney atribuiu esta mudança sobretudo às di- tamento amadorístico de muitos documentos subsi-
ferenças no grau de adaptabilidade da gestão fundiá- diários.' Respondi, abandonando o que era indefensá-
ria ao aumento dos preços, às novas técnicas agrícolas vel em minha posição original, admitindo muitos er-
e ao aparecimento de novos mercados; e, em parte, à ros de interpretação estatística e factual, mas mantive
presença ou ausência de fontes não agrícolas de rique- a posição geral recorrendo a algumas estatísticas mo-
za. Ele interpretou os acontecimentos de 1640 como dificadas sobre os domínios senhoriais.4
uma alteração da estrutura política para acomodar o Dois anos depois, em 1953, H. R. Trevor-Roper
poder da nova classe de proprietários em ascensão, a publicou um ataque cerrado contra a própria tese de
gentry. Sua tese da mudança social sustentava-se em Tawney. 5 Ao invés da ascensão da gentry como o aspec-
duas séries estatísticas, uma visando mostrar uma to marcante da época, ele postulava, um maciço declí-
queda dramática nos domínios senhoriais da aristo- nio da "gentry comum" — pequenos ou médios proprie-
tários, esmagados pela inflação e carentes de fontes al-
cracia em comparação aos da gentry, e a outra uma al-
teração no tamanho dos domínios senhoriais, que ternativas de renda para manter o modo de vida ao
passaram do grande para o médio proprietário. qual estavam acostumados. Quem ascendeu, de acordo
Entre 1940 e 1945, os estudiosos ingleses esti- com Trevor-Roper, foi, em primeiro lugar, a yeomanry,
veram engajados em outra atividade bem diferente e cuja prosperidade provinha dos lucros obtidos com a
a questão permaneceu adormecida até 1948, quando terra que ela mesma cultivava, da rigorosa austeridade
inadvertidamente desencadeei a controvérsia ao pu- com os gastos e da poupança sistemática; e, em segun-

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do lugar, a gentry e a nobreza que tinham acesso à cor-
nucópia das dádivas de que a Coroa dispunha, ou que cros da agricultura numa época de inflação; o pressu-
exerciam o comércio ou o direito. A gentry ascendente posto de que a Corte era uma super via para a rique-
era assim constituída quase que exclusivamente por za fácil; a explicação do radicalismo religioso como um
cortesãos, juristas e comerciantes monopolistas. A "gen- refúgio para a decadência econômica; a omissão de
try comum", que pagava por toda esta prodigalidade, não examinar a liderança parlamentar em 1642; a
representava o "partido do País", e nos anos 1640 der- identificação dos independentes com a classe da "gen-
try comum"; e a descrição do programa político dos in-
rubou o sistema da Corte, combateu e derrotou o Rei,
e ao final, emergiu nas figuras dos líderes radicais do dependentes como descentralizador.8
New Model Army [Exército de Novo Tipo], os indepen- Quase contemporaneamente, J. H. Hexter publi-
dentes. Seu programa político defendia a descentraliza- cou um vigoroso ataque contra ambas as teses de Taw-
ção, a redução dos custos legais, a eliminação da detes- ney e de Trevor-Roper'; a seu ver, Tawney estava hipno-
tada Corte e a destruição de seus fundamentos finan- tizado pela teoria marxista da ascensão da burguesia e
ceiros: o comércio estatal, os monopólios manufaturei- declínio do feudalismo e estava tentando enquadrar os
ros, a venda de cargos, das tutelas e similares. - acontecimentos da Inglaterra do século XVII neste mol-
Num primeiro momento, esta argumentação de predeterminado; e Trevor-Roper estava obcecado
brilhantemente forMulada varreu tudo o que se lhe pela motivação econômica às expensas dos ideais e da
contrapunha. Tawney tentou defender alguns dos ideologia, e considerava a política como uma simples
seus métodos estatísticos, mas não mais tinha força luta entre os "Ins" e os "Outs" [os "de dentro" e os "de
para enfrentar o desafio que lhe fora lançado.' Em fora"], entre a Corte e o País, uma versão do modelo
1956, o caminho parecia aberto para uma aceitação construído vinte anos antes por Sir Lewis Namier para a
geral da tese de Trevor-Roper, depois que J. P. Cooper Inglaterra de meados do século XVIII. A explicação de
reuniu uma bateria de fatos e argumentos para Hexter sobre as mudanças sociais ocorridas antes de
demonstrar a não validade dos métodos estatísticos 1640, era uma nova versão de minha tese sobre o declí-
nio- da aristocracia. Ele recusava meu conceito de deca-
usados por Tawney, e por mim, e desacreditar por in-
dência financeira, mas argumentava que tinha havido
teiro a idéia de que era possível, de uma maneira ou
um colapso no controle militar exercido pela aristocra-
de outra, estabelecer uma contagem dos senhorios e cia sobre a grande gentry. Isto significava que a lideran-
assim obter um indicador útil da mobilidade social.' ça política transferira-se da Câmara dos Lordes para a
Foi preciso esperar 1958-59, para que chegasse
Câmara dos Comuns, mas, por outro lado, Hexter atri-
a vez da tese de Trevor-Roper ser submetida a uma
buía as causas imediatas do colapso político dos anos
crítica rigorosa. Tanto C. Hill quanto P. Zagorin, mos-
1640 aos tradicionais fatores religiosos e constitucionais.
traram a extrema fragilidade — e até mesmo, em al-
Tornava-se, assim, muito claro que a fertilidade
guns casos, a inexistência — de certos elos no encadea-
mento da argumentação: a equação entre "gentry co- das hipóteses estava bem mais adiantada do que a pes-
mum" e pequena gentry e entre esta e a gentry em de- quisa sobre os fatos. Fazia-se necessário uma investi-
da maciça nos documentos existentes, econômicos e
cadência; a asserção de que não era possível extrair lu-
pessoais, das classes fundiárias do período, e bastava

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olhar as notas de pé de página dos vários artigos para em que começaram a adotar uma pítica constitucio-
verificar que ninguém havia ainda avançado muito nal e religiosa altamente impopular, e que a débâcle,
nesta direção. Por coincidência, o material acabava de portanto, foi tornada possível por este prévio declínio
ser disponibilizado numa profusão desconcertante. O no poder e na autoridade dos pares.
rápido declínio das velhas classes fundiárias depois de Esta hipótese sofreu severas críticas, sobretudo
1945 provocou um afluxo de papéis familiares priva-• com base no fato de que os pares são uma categoria
pobre em termos de análise social, uma vez que eles in-
dos que inundou os recém criados County Records
cluem tanto aqueles que os franceses chamam "les
Offices [Arquivos de Condados], onde foram cataloga-
Grands", o punhado de famílias cortesãs de enorme ri-
dos e tornados disponíveis para consulta. Como resul-
queza e poder, quanto as famílias que em termos de ren-
tado, os quinze anos entre 1955 e 1970 presenciaram da e estilo de vida era impossível distinguir dos estratos
aparecimento de uma coleção de teses de doutora-
superiores da squirearchy. Também as estatísticas que in-
mento sobre as finanças, seja de famílias individuais, dicam um declínio econômico temporário foram severa-
tais como os Percy ou os Hastings, seja de grupos de mente questionadas» Por outro lado, porém, a tese
famílias bem documentadas em certas áreas, tais como principal de um declínio temporário mas acentuado do
Northamptonshire ou a East Anglia, seja, ainda, da prestígio e do poder aristocráticos, parece ter sobrevivido
gentry de um único condado, como o Yorkshire.'° bastante bem. Mais recentemente, foram finalmente pu-
Em 1965, publiquei um livro sobre a aristocra- blicadas numerosas teses de doutoramento sobre a gen-
cia, baseado num extenso estudo de arquivos privados try de determinados condados, as quais foram muito
públicos." Nele desenvolvi uma nova interpretação, úteis para eliminar certas hipóteses e para reduzir, por-
um amálgama de algumas das minhas idéias prece- tanto, as áreas de desacordo. Não é mais possível agora
dentes com as de J. H. Hexter. Argumentei que a aris- considerar a gentry comum em declínio como a espinha
tocracia perdeu poder militar, possessões territoriais e dorsal da Revolução," ou a Corte como um importante
prestígio; que sua renda real declinou bruscamente centro de atração para a gentry de localidades afastadas
sob Elisabeth, devido sobretudo ao consumo conspí- de Londres," ou a burocracia e a pirataria como a estra-
cuo, e que se recuperou vigorosamente no início do da para a riqueza aberta pelo rei ao gentleman ambicio-
século XVII, graças sobretudo ao aumento das rendas so." Cada vez mais, considera-se que as tensões internas
fundiárias e à prodigalidade dos favores reais. Susten- à sociedade assumiram as formas tradicionais de um
tei estas proposições econômicas com uma consisten- conflito político entre uma série de elites de poder local
te documentação estatística, parcialmente fundada e o governo central, e de um conflito religioso entre pu-
numa reelaboração do desacreditado método prece- ritanos e anglicanos. 16 O que começou a emergir foi a
dente de contagem dos senhorios. Mas, a meu ver, o base social destas tensões, isto é, a transferência do
dado mais importante não era tanto a mudança da poder, da propriedade e do prestígio para grupos da eli-
renda relativa quanto a mudança do poder e do pres- te fundiária local, sempre mais organizados, tanto no
tígio dos magnatas com relação aos da grande gentry. plano nacional quanto local, para resistir às imposições
Argumentei que a mudança deixou o Rei e a Igreja políticas, fiscais e religiosas da Coroa; e, igualmente, para
numa situação perigosamente exposta no momento

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os novos interesses mercantis londrinos organizados
para desafiar o monopólio econômico e o controle polí- geração mais jovem, na França, na Inglaterra e nos Es-
tico da entrincheirada oligarquia mercantil. tados Unidos, acreditam que o futuro da história resi-
Pode-se afirmar com segurança que, nenhuma de num cauteloso e fértil cruzamento de métodos e
controvérsia histórica nos últimos cinqüenta anos teorias com as ciências sociais, particularmente a polí-
atraiu tanta atenção. Por quê? Em primeiro lugar, o tica, a economia, a sociologia, a antropologia social e
terreno do desacordo parecia ser o mais abrangente a psicologia social. Os problemas levantados por qual-
possível: desacordo sobre a definição dos termos usa- quer tentativa desse gênero foram bruscamente pos-
dos para explicar os fenômenos em questão; desacordo tos em foco com a controvérsia sobre a gentry. Ela ori-
sobre o que aconteceu; desacordo sobre o modo como ginou em primeiro lugar e, de uma forma aguda, al-
aconteceu; desacordo sobre as conseqüências do que guns problemas metodológicos fundamentais. Hoje
aconteceu. Uma tal ausência de terreno comum é ver- em dia, todo historiador, qualquer que seja sua con-
dadeiramente rara, e sua manifestação pareceu colocar vicção política, não pode deixar de atribuir grande
em dúvida o direito do historiador de ser visto como importância às forças sociais como fatores operantes
um pesquisador empírico que fundamenta sua investi- da história. Todos falamos com desenvoltura de mobi-
gação sobre a razão e a prova. Em segundo lugar, os lidade social, ascensão social das classes médias e
protagonistas exibiram uma gama prodigiosa de talen- assim por diante. Estando assim as coisas, o problema
tos. Os três contendores principais, R. H. Tawney, H. R. consiste em demonstrar de maneira convincente a
Trevor-Roper e J. H. Hexter, são todos, cada um a sua mudança social. Os historiadores sociais da geração
maneira, estilistas realmente notáveis; são também passada, como G. M. Trevelyan, construíram suas hi-
aquela espécie rara de pessoas capazes de realizar am- póteses com base em documentos pessoais facilmente
plas e originais generalizações conceituais sobre o pas- acessíveis — o diário de Pepys, as cartas de Pastón, e
sado. Em terceiro lugar, a disputa logo tornou-se uma assim por diante — apoiando-as numa certa quantida-
espécie de espetáculo de gladiadores acadêmicos sem de de comentários contemporâneos e de citações da
direito a intervalo. Os anais acadêmicos registram bem ficção literária da época, de Chaucer a Dickens.' s Estes
poucos ataques mais brutais do que aquele em que H. mesmos métodos foram empregados, por todas as par-
R. Trevor-Roper demonstrava os exageros e os descui- tes envolvidas, no debate sobre a gentry. Exemplos in-
dos do meu primeiro artigo sobre o declínio da aristo- dividuais de pares ascendentes, pares decadentes, cor-
cracia elisabetana. "Um colega que erra não é um _ tesãos ascendentes, cortesãos decadentes, gentry as-
cendente, gentry decadente, eram exibidos de maneira
Amalaquita a ser passado a fio de espada"", protestava
R. H. Tawney, enquanto cuidava de suas próprias feri- triunfal por todos os lados. A torrente de comentários
das. Talvez; mas o debate foi conduzido com uma fero- contemporâneos foi extensamente citada, ou rejeita-
cidade que não somente fez apelo ao sadismo existen- da, como tendenciosa e enganadora, segundo a oca-
te em nós, como dotou-o também de armas perigosas. sião. Poetas e dramaturgos foram alistados nas linhas
Havia, contudo, motivos mais importantes para de combate. Das mãos de hábeis polemistas saiu uma
atrair o interesse do público. Muitos historiadores da desconcertante variedade de dados contraditórios, que
aos olhos de um observador externo, longe da fuma-

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abordagem do problema de se estabelecer a direção, e
ça e do barulho da batalha, parecia não provar abso-
medir a rapidez, da mudança no passado; bem como
lutamente nada. realçou o perigo 'de embarcar em cálculos estatísticos
Tratava-se de um julgamento superficial; mas o
sem a preparação ou a orientação adequada.
que a controvérsia evidenciou, com uma clareza
Uma discussão metodológica análoga surgiu das
maior do que nunca, foi a base vacilante sobre a qual
tentativas de D. Brunton e D. H. Pennington, e de G.
se apoiava tanta metodologia histórica tradicional. Hi-
Yule, de recorrer à técnica biográfica de massa para
póteses bastante contraditórias encontraram funda-
analisar a composição dos diversos grupos políticos
mentos racionais plausíveis; uma vez que o proponen-
te de cada teoria podia escolher livremente seus nos anos de 1640. 20 E o que ficou muito claro é que
em mãos não competentes ou inseguras este instru-
próprios dados e uma vez que muitos fatos individuais
mento pode se tornar inútil ou até mesmo enganoso.
sugeriam muitos caminhos diferentes, esta teorização
As críticas de C. Hill aos métodos de Brunton e Pen-
não podia ser — e aqui demonstrativamente não esta-
nington, e as de D. Underdown a Yule, provam, mais
va sendo — controlada pelos fatos. Os filósofos esten-
uma vez, que é necessário formular as perguntas cer-
deram esta crítica à metodologia histórica como um
tas e utilizar as categorias certas — e não simplesmente
todo, não sem alguma mostra de regozijo diante da
o jargão, a ofuscação e um falso senso de segurança —
humilhação de uma profissão irmã.'9 se queremos que as novas técnicas das ciências sociais
Foi para refutar a objeção da futilidade de citar
contribuam para a disciplina histórica.2'
exemplos individuais, para demonstrar urna proposição
A acusação mais séria que se pode fazer aos pro-
sociológica, que R. H. Tawney tentou dar urna base cien-
tagonistas do debate sobre a gentry não é tanto que eles
tífica às suas teorias utilizando os métodos das ciências
se precipitaram na formulação das hipóteses, quanto
sociais: cálculos quantitativos, amostragem sistemática e
que deram pouca atenção aos problemas de classifica-
teste estatístico. E foi justamente sobre a confiabilidade
ção e se recusaram a admitir a existência de um grande
ou não do método estatístico utilizado — a contagem dos
número de questões ainda a espera de respostas satisfa-
senhorios- que convergiu boa parte da controvérsia.
Como conseqüência, uma segunda conclusão de caráter tórias. O debate — tal como ocorreu com a questão do
geral emergiu; isto é, que o recurso a tais métodos me- padrão de vida do operário inglês, no começo do sécu-
lhora significativamente a qualidade dos dados, mas que lo XIX, ou com a qualidade da educação em Massachu-
setts, no fim do século XVII — trouxe à tona uma grande
em última aná -Ase é o julgamento humano o responsá-
vel por estabelecer sua confiabilidade: julgamento sobre massa de dados contraditórios e de estatísticas discutí-
o significado dos dados, sobre a maneira de manejá-los, veis. Sobre a controvérsia da educação em Massachu-
sobre a incidência do erro e sobre a importância das con- setts, Bailyn escreveu: "Parece que neste caso estamos
clusões. Embora erros terríveis tenham sido expostos e diante de uma daquelas 'questions mal posées' que pre-
embora o desacordo continue, o nível do debate como cisam ser reformuladas antes de poderem ser respondi-
um todo atingiu um patamar mais alto . com a introdu- das"» Isto também vale para a controvérsia sobre a gen-
ção de novos dados e potencialmente mais empíricos. try, e a procura por novas definições dos termos e no-
Esta parte do debate mostrou o caminho para urna nova vas categorias prossegue há mais de quinze anos.

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Para compor os seus dados numa ordem inteligí-
que formam o padrão não do comportamento indivi-
vel, o historiador é obrigado a recorrer a conceitos abs-
dual, mas do coletivo.
tratos e a substantivos coletivos. Para analisar a socieda-
Este não é um problema que envolve exclusiva-
de, trabalha com grupos rotulados como camponeses,
yeomen, gentry e aristocracia; ou tenants [arrendatáriosf e mente o historiador social, uma vez que se apresenta
igualmente aos que lidam com a história religiosa ou
senhores de terras; trabalhadores agrícolas assalariados
política desta era revolucionária; foi demonstrado que
e capitalistas; classe baixa, média e superior; Corte e
termos como realista ou parlamentar, presbiteriano
País; burguês e feudal. Algumas destas categorias, como
ou independente, somente se aplicam aos indivíduos
a aristocracia titulada, são grupos de status; outras,
quando em relação com determinadas questões ou
como os capitalistas, são classes econômicas com rendas determinados momentos específicos:" Apenas para
similares, derivadas de fontes similares; outras, ainda, bem poucos indivíduos ativos politicamente pode se
como 'Corte", descrevem grupos cuja renda, interesses aplicar uma única etiqueta política ou religiosa que
e localização geográfica baseiam-se temporariamente permaneça válida, digamos, de 1638 a 1662. E isto
numa única instituição. Cada indivíduo pode ser classi- porque a Revolução Inglesa, como outras que conhe-
ficado de muitas maneiras diferentes, e o problema de cemos, tendeu a devorar seus próprios filhos. O ali-
como escolher as categorias mais significativas torna-se nhamento das forças em 1640, era bastante diferente
particularmente difícil quando se trata de sociedades do que se deu em 1642, quando um amplo bloco de
móveis como a da Inglaterra do século XVII. Em 1640, antigos parlamentares passou, sem entusiasmo, para o
as divisões entre grupos de status titulados mantêm al- lado do rei; igualmente diferente era o alinhamento
guma relação eslatisticamente significativa corri as divi- em 1648, quando os elementos mais conservadores
sões entre classes baseadas nas diferenças de renda, do partido parlamentar, erroneamente chamados de
prestígio e fontes de riqueza; a categoria dos gentlemen presbiterianos, retornaram ao lado do rei. Em 1640 e
expandiu-se a tal ponto que se tornou sem valor para 1642 ninguém era na prática republicano; em 1649 a
fins analíticos; se assim é, o que colocar em seu lugar, Inglaterra era uma República. Em 1640 e 1642 não
como se deve subdividir a gentry? Foi primeiramente a havia praticamente ninguém a favor da tolerância re-
ausência de clareza sobre tais questões que provocou ligiosa; em 1649 uma ampla tolerância para os protes-
tantos mal-entendidos e recriminações no transcurso tantes foi obtida. Uma das maiores confusões ao se
do debate. Existe, além disso, o perigo de tratar estas pensar as causas da Revolução Inglesa deriva do fato
abstrações como entidades personalizadas. Ao avaliar as de não se ter estabelecido com precisão de qual fase da
motivações do indivíduo singular, é difícil determinar revolução está se discutindo. Dado que cada fase foi
com precisão a combinação de cálculo e emoção, os desencadeada por diferentes questões imediatas, que
efeitos da hereditariedade e do ambiente, mesmo quan- cada uma tornou-se possível por diferentes movimen-
do os dados disponíveis são e xtraordinariamente abun- tos sociais e ideológicos de longo prazo, e que cada
dantes. Tudo se torna mais complicado ainda quando se uma foi dirigida por um diferente setor da sociedade,
trata de manejar estes substantivos abstratos, de disse- estas distinções são de vital importârcia. A constata-
cá-los e de perceber a relevância certa das várias linhas ção de que os historiadores ingleses não aproveitaram

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as lições a serem extraídas dos estudos sobre a Revo- Harrington tem sido reinterpretado a cada geração de
lução Francesa — onde a necessidade de uma periodi- acordo com os preconceitos e preocupações dos co-
zação rigorosa ao se avançar teorias de causalidade mentadores.25 Dificilmente se encontrará um exemplo
tornou-se óbvia há mais de um século — dá a medida mais surpreendente de subjetividade entre estudiosos.
do seu provincianismo insular. Assim, é necessário ser particularmente cuidadoso ao
Uma outra dificuldade metodológica nasce do lidar com o testemunho dos contemporâneos. Por
fato lamentável de que um mesmo indivíduo pode ser exemplo, a propaganda realista — subseqüentemente
classificado como gentry, burguês, country, capitalista e retomada por Clarendon — estava interessada em colo-
puritano, cada uma destas categorias sendo válida car em dúvida tanto a pureza das motivações quanto o
para determinados fins analíticos, mas de modo algum nível social dos seus opositores. Difundiram, pois, que
adequada como uma caracterização única e geral. os parlamentares eram movidos por ambições egoístas
Além do que, sob cada rótulo o indivíduo é colocado de lucro e de poder e que eram gente de status inferior,
junto com outros dos quais somente alguns o acom- muitos dos quais ganhavam a vida com úegócios pou-
panham sob outros rótulos e um número ainda mais co dignos. É visível como ambas estas idéias (as quais
reduzido sob todos. É esta múltipla variabilidade de são parte do estoque oficial mobilizado contra qual-
classificação que torna a tarefa do historiador social quer grupo de rebeldes, da Peregrinação da Graça à
tão extraordinariamente difícil. Rebelião de Essex) aparecem na tese de Trevor-Roper
J. H. Hexter tem se empenhado ativamente em sobre o declínio da "gentry comum", movida pelo dese-
demonstrar os perigos e as confusões que surgem da jo de passar da posição dos "Outs" à dos "Ins". Esta hi-
utilização de categorias conceituais contrapostas como pótese apresenta uma semelhança surpreendente com
o moderno pressuposto de que uma pequena burgue-.
classe média e classe feudal, gentry e aristocracia, Cor-
sia em decadência constitui a base do nazismo, do fas-
te e País, presbiteriano e independente." Seu trabalho
cismo e de outras manifestações mais recentes, como
demolidor é precioso, mas o historiador deve necessa-
riamente trabalhar com algum vocabulário coletivo o poujadismo, o macartismo e o agnewismo.
Por fim, existe o problema da objetividade. Pa-
deste tipo; há que se inventar, portanto, outras pala-
rece claro que na história, como nas ciências sociais, a
vras e outros conceitos em substituição aos velhos, ou
hipótese de uma rígida segregação entre fatos e valores
então estes têm de ser usados com uma maior sofisti-
é bem irrealista. Segundo E. H. Carr, a primeira per-
cação e uma maior consciência de seu caráter artifi-
gunta que um estudante deve se fazer é sobre as cren-
cial. Como R. H. Tawney observou: "As categorias
ças política e religiosa e a inserção social do historiador
muito gerais não são inúteis e não devem ser descar-
que está lendo." A validade desta hipótese deriva de
tadas. Além de sua utilização como mísseis no bom-
forma oblíqua da grande variedade de interpretações
bardeamento mútuo entre historiadores, elas têm a sobre as origens sociais da guerra civil e sobre as aspi-
virtude de evocar os problemas, embora as vezes au-
rações dos líderes rebeldes apresentadas por um con-
mentem as dificuldades para solucioná-los". servador anti-clerical como H. R. Trevor-Roper, por
Também as idéias políticas se prestam a mal-en- um socialista cristão como R. H. Tawney, por um alta-
tendidos; J. Shklar demonstrou brilhantemente como

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mente sofisticado marxista como C. Hill dos anos 1950
aristocracia — seja do ponto de vista absoluto seja rela-
e 1960, por um liberal americano como J. H. Hexter e
tivo — estavam todos afundando e, assim, tentando os
por um liberal agnóstico inglês (o que não é bem a
excluídos a se apoderar de seu controle? Podem os dois
mesma coisa) como eu. Em que medida a visão que te-
contendores da guerra civil ser equiparados, como gos-
mos do século XVII foi afetada por nossas atitudes po-
líticas e religiosas com relação ao século XX? tariam os marxistas, à burguesia ascendente de um
lado, e às classes feudais em declínio, de outro?
Além de questões metodológicas a controvérsia
Constitui um problema correlato, posto pela
também suscitou questões substantivas importantes,
que encontram aplicação geral numa ampla , gama de primeira vez nesta forma particular por H. R. Trevor-
Roper, saber se a Revolução Inglesa é oti não parte de
estudos históricos. De um modo ou de outro todas elas
um movimento geral europeu. 28 O Estado nação, com
vinculam-se à questão: o que causa as revoluções? E
como parece que o século XX será mais do que qual- sua complexa estrutura burocrática, sua extensa inter-
quer outro o da era das revoluções e das contra-revo- ferência na vida privada dos súditos e seus enormes re-
luções, a questão interessa aos políticos e planejadores cursos financeiros e militares, constitui talvez a mais
bem como aos historiadores. Em primeiro lugar, é pos- impressionante, senão a mais admirável, contribuição
sível construir um "modelo" de uma situação revolu- da civilização Ocidental ao mundo nos últimos qui-
cionária, ou tem razão P. Zagorin ao argumentar que nhentos anos. Reconhece-se em geral que os passos
"não há, de fato, qualquer modelo padrão de revolu- decisivos nesta direção ocorreram por volta do fim do
ção burguesa, e apesar da investigação sobre as analo- século XV, e que em meados do XVII assistiu-se em to-
gias poder ser muito iluminadora, entre a Revolução dos os grandes Estados europeus a uma grave crise: a
Inglesa e a Francesa há bem mais diferenças do que Inglaterra, a França e a Espanha foram destroçadas por
analogias"? 27 Assumindo que há elementos uniformes, movimentos revolucionários de grande envergadura.
que espécie de revolução foi aquela da Inglaterra no Estas são revoluções similares em termos de caráter e
século XVII? É uma revolução de uma classe em plena de causas; e, se assim é, o que têm em comum? H. R.
decadência, ou de uma classe cujas expectativas esta- Trevor-Roper acredita que elas são comuns, e que sua
vam aumentando ainda mais rapidamente do que a característica básica é a revolta do "país", privado de
sua situação objetiva? É o movimento de protesto de privilégios e esmagado pelos impostos, contra as ex-
uma gentry comum socialmente frustrada e em estado pansionistas, opressivas, corruptas e autoritárias cortes
de estagnação ou declínio econômico, ou de uma gen- e burocracias da época; que elas representaram, de
trj rica e ascendente temporariamente contrariada em fato, a última e vã tentativa de barrar o processo de
suas aspirações pela arbitrariedade fiscal, pela política centralização nacional antes de se iniciar a era do ab-
religiosa e pelo autoritarismo dos Onze Anos de Tira- solutismo. Esta tese foi, desde então, desenvolvida em
nia? Do lado oposto, existia um grupo na Corte cujo ampla escala para a Inglaterra por P. Zagorin, mas o
tamanho sempre crescente e cuja riqueza e arrogância que ainda está em discussão é se a Inglaterra possuiu
provocaram a rebelião dos excluídos? Ou o poder, a ri- uma burocracia e uma Corte de envergadura minima-
queza e o prestígio da Coroa, da Corte, da Igreja e da mente comparáveis com as de Bruxelas, Paris ou Ma-

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evitar graves insurreições. A principal fraqueza da
dri, e se as aspirações da oposição parlamentar em
doutrina de Harrington, e o aspecto que mais nitida-
1640-42 possuíam, de fato, um caráter descentraliza-
mente a distingue da de Marx, é sua preocupação ob-
dor e anti-Corte. 29 Surge, pois, a questão de se a Ingla-
sessiva com a propriedade fundiária em detrimento de
terra, entre meados do século XVI e meados do XX,
todas as outras formas de riqueza. Mas isto não era de
deve ser considerada como parte integrante do cenário
todo irrealista no contexto inglês do século XVII, a des-
europeu, ou, ao contrário, como uma estranha pecu-
peito dos crescentes recursos e da influência política da
liaridade que é melhor estudar isoladamente.
comunidade mercantil e financeira de Londres. Além
Nem todos os historiadores estão de acordo em
considerar que grandes acontecimentos devem neces- disso, esta visão não se confinava a um punhado de
membros do Rota Club, como sugeriu H. R. Trevor-Ro-
sariamente ter grandes causas. Há os que vêem o co-
per." O prolongado debate parlamentar de 1659 sobre
lapso de 1640 e a guerra de 1642 como simples produ-
a volta de uma segunda Câmara mostra que havia
to de uma série de asneiras políticas cometidas por de-
considerável acordo na Câmara dos Comuns sobre a
terminados indivíduos no poder." Adotando-se esta
tese de Harrington da relação entre constituição e
visão, toda a controvérsia sobre a tendência do movi-
equilíbrio da propriedade, embora apenas os republi-
mento social no meio século precedente torna-se total-
canos pensassem — e erroneamente como se viu depois
mente fora de lugar. A isto se pode objetar, contudo, —
— que os pares tinham perdido a maior parte de suas
e a meu juízo trata-se de uma objeção decisiva — que
propriedades e que, conseqüentemente, o equilíbrio
assim procedendo confundem-se duas coisas bastante
havia sido mais destruído do que modificado.
diferentes: as precondições, as tendências sociais, econô- Hoje pode-se ver como é necessário qualificar
micas e ideológicas de longa duração, que tornam pos-
esta hipótese de várias maneiras, e, em particular, que
síveis as revoluções, e que são passíveis de análises
é necessário dar um peso muito maior ao entusiasmo
comparativas e de generalizações; e os detonadores, as
ideológico, à força militar e aos hábitos tradicionais de
decisões pessoais e o padrão acidental dos aconteci-
obediência, os quais juntos ou separadamente podem
mentos que podem ou não desencadear a explosão re-
com freqüência contrabalançar as puras e simples pres-
volucionária, e que são únicos e inclassificáveis.
sões econômicas. Harrington, tal como Hobbes, enten-
Existem, enfim, sérias divergências de opinião
dia bem pouco da complexa rede de relações sociais
sobre três proposições avançadas por Karl Marx (na
que unem o homem ao homem, para além da necessi-
verdade, a uma certa altura, a discussão ficou na imi-
dade física e econômica da cooperação e da obediência.
nência de se envolver na batalha das ideologias da
A força da paixão e do preconceito lhe escapou por
guerra fria). Uma teoria, proposta pela primeira vez
completo, ainda que suas próprias teorias e ações polí-
por Aristóteles, ressuscitada por Harrington no século
ticas fossem, em grande medida, ditadas por uma abs-
XVII, e reformulada por Marx no XIX, sustenta que
trata admiração pela República romana. Ele se deu
toda constituição é um reflexo direto da distribuição do
conta de que em determinados casos, tais como a con-
poder econômico e social; conseqüentemente, ambos
quista normanda da Inglaterra ou a conquista espa-
devem alterar seu passo conjuntamente a fim de se

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nhola da América central, fez-se uso da violência para
da burocracia, ou do que quer que seja, é algo que ago-
redistribuir riqueza e poder no modo desejado pelo
ra poucos historiadores estão dispostos a aceitar. Os
novo e extremamente tenaz — sistema político. Mais
problemas do poder e de sua distribuição estão sendo
freqüentemente, o poder político tem sido manipulaáo
vistos em conexão com todo o complexo sistema de
para fazer passar a riqueza às mãos da elite dirigente,
educação, instrução e família, com as normas sociais e
mantendo assim a estrutura social e a constituição po-
os valores éticos, as crenças religiosas e a organização
lítica alinhadas pelo ajuste da primeira com a segunda,
e não vice-versa. Foi Sir Thomas More quem exprimiu eclesiástica, o direito fundiário, a hierarquia de status e
este julgamento desencantado": a estrutura econômica da sociedade em seu conjunto.
O problema principal é explicar como, e em que medi-
quando considero e observo as repúblicas mais flores- da, as diversas partes se ajustam umas às outras.
centes, hoje, não vejo, Deus me perdoe, senão uma A segunda teoria de Marx afirma que a primeira
conspiração de ricos a gerir do melhor modo os seus grande transformação da sociedade européia foi a pas-
negócios sob o rótulo e o título pomposos de repúbli- sagem da fase feudal à burguesa, a qual ocorreu no
ca. Os conjurados procuram por todas as manhas e século XVII na Inglaterra e no fim do século XVIII na
meios possíveis atingir um duplo fim: primeiramente, França. Foi Engels quem produziu a primeira explica-
assegurar a posse certa e indefinida de uma fortuna ção completa de como a Revolução Inglesa se encaixa-
mais ou menos mal adquirida; em segundo lugar, va no quadro da interpretação marxista. Ele conseguiu
abusar da miséria dos pobres, abusar de suas pessoas,
e comprar pelo preço mais baixo suas habilidades e isso com uma esperta prestidigitação que transformava
labores. E essas maquinações decretadas pelos ricos nobres e gentry em "senhores de terras burgueses", tor-
em nome do Estado, e, por conseguinte, em nome nando possível, assim, olhar para a Revolução como
dos pobres também, são transformadas em leis. um "movimento burguês". O resultado final foi a cria-
ção de um Estado fundado no compromisso de 1689,
Com estas importantes qualificações — com algu- pelo qual "Os troféus políticos — os cargos, as sinecuras,
mas das quais Harrington não estaria de todo "emdesa- os elevados ordenados — das grandes famílias da aristo-
cordo — a visão de que deve haver uma relação direta cracia rural eram respeitados, desde que defendessem
entre estrutura social e instituições políticas e que a os interesses da classe média financeira, industrial e
primeira tende a se impor às segundas, é amplamente mercantil."" É a esta teoria que remonta a definição de
aceita na atualidade, mesmo por historiadores e políti- Tawney quando atribui à gentry em ascensão posições
cos de mentalidade fortemente antimarxista. Concor- progressivas e capitalistas e, aos partidários do rei, po-
da-se em geral, por exemplo, que, na América Latina, sições antiquadas e feudais. Somente nos anos 1950
a reforma agrária é uma preliminar necessária para a esta velha equação entre gentry e burguesia foi severa-
introdução de instituições e de ideais democráticos. mente criticada por J. H. Hexter e P. Zagorin, tanto no
A noção de que a história constitucional ou ad- terreno da lógica quanto no dos fatos.'4
ministrativa pode ser estudada num vácuo social, como A terceira proposição de Marx implicada na
uma história isolada do desenvolvimento da liberdade, controvérsia concerne a relação entre forças econômi-

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que as causas sociais não são mais do que uma entre
cas e sociais de um lado, e ideologia de outro. Marx
muitas. Em defesa dos protagonistas, contudo, pode-
tendeu a considerar a última como uma superestrutu-
ra motivada sociologicamente e também H. R. Trevor- se dizer que foi graças, em boa parte, aos seus esforços
e erros pioneiros que uma visão mais sofisticada das
Roper parece ver a religião como determinada pela
economia." Tawney tinha uma visão bem mais sofisti- causas da Revolução Inglesa pôde começar a emergir.
cada da relação entre idéias e interesses, mas sua inter-
pretação também punha muita ênfase nas motivações
materiais. É duvidoso que Tawney estivesse disposto a NOTAS
dar muito peso às questões ostensíveis da liberdade po-
lítica e da reforma religiosa ao avaliar as causas dos R. Tawney, "Harrington's interpretation of his age", Pro-
movimentos dos anos 1640. C. Hill, por sua vez, pas- ceedings of the Britisli Academy, 27, 1941. R. H. Tawney, "The
sou do pressuposto de que as idéias são em grande rise of the gentry, 1558-1640", Economic History Review, II,
parte simples superestrutura para uma posição na qual 1941.
elas assomam sempre mais como forças históricas de L. Stone, "The anatomy of the Elizabethan aristocracy",
pleno direito. 36 Tão complexa é a personalidade huma- Economic History Review, 18, 1948.
na que materialismo e idealismo, razão e emoção, in-
H. R. Trevor-Roper, "The Elizabethan aristocracy: an ana-
teresses e moral, confundem-se continuamente e vem
tomy anatomised", Economic History Review, 2nd ser., 3,
à superfície em alternância. Não há solução definitiva
1951.
para este problema, e cada historiador deve trabalhá-lo
de acordo com seu próprio julgamento. No fundo pa- L. Stone, "The Elizabethan aristocracy: a restatement",
rece que tudo se reduz à escolha entre visão otimista e Economic History Review, 2nd ser., 4, 1952.
pessimista da natureza humana: os otimistas enfatizam H. R. Trevor-Roper, "The gentry 1540-1640", Economic
os ideais, os pessimistas, os interesses materiais. History Review, Supplement I, 1953.
Olhando-se hoje para a controvérsia, é eviden- R. H. Tawney, "The rise of the gentry: a postscript", Eco-
te que, nas fases iniciais, todas as partes envolvidas nomic History Review, 2nd ser., 7, 1954.
sustentavam sobre as causas da revolução idéias mui- J. P. Cooper, "The counting of manors", Economic History
to estreitas para serem defendidas. Deu-se muita aten-
Review, 2nd ser., 8, 1956.
ção às mudanças na distribuição da riqueza, e muito
C. Hill, "Recent interpretation of the Civil War", em Puri-
pouca aos fatores menos tangíveis, tais como a mu-
tanisrn and Revolution, London, 1958. P. Zagorin, "The social
dança dos ideais, das aspirações e dos hábitos de obe- interpretation of the English Revolution", Journal of Econo-
diência. Confundiram-se duas coisas diferentes: o en- mic History, 19, 1959.
fraquecimento material e moral da elite dirigente,
com o fortalecimento no tamanho e na intensidade J. H. Hexter, Reappraisals in History, London, 1961.
dos elementos dissidentes. E, sobretudo, falhou-se em G. R. Batho, "The finances of an Elizabethan nobleman:
ver que as revoluções têm origens muito complexas, e Henry Percy, 9th Earl of Northumberland", Economic History

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92
Review, 2nd ser., 9, 1957. G. R. Batho, "The household papers
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Century, Leicester, 1969. 1955.
31. H. R. Trevor-Roper, "The gentry, 1540-1640", p. 46.

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95
T. More, Utopia (Everyman edition), London, p. 112.
F. Engels, Introduction to the English Edition of Socialism:
Utopian and Scientific, London, 1892; reproduzido em Marx e
Engels, Basic Writings on Politics and Philosophy, ed. L. S. Feuer,
New York, 1959, p. 57.
J. H. Hexter, op. cit., cap. 5. R Zagorin, op. cit., p. 381-
87.
H. R. Trevor-Roper, op. cit., p. 31.
36. A passagem pode ser acompanhada através das seguintes
obras de J. E. C. Hill: The English Revolution, London, 1940; The
Economic Problems of the Church, Oxfõrd, 1956; "La Révolution
anglaise du XVIIe siècle" (Essai d'interprétation), Revue Histo-
rique, 221, 1959; The Century of Revolution, 1603-1714, Edin-
burgh, 1961. Numa recente afirmação de sua posição, Hill,
com discernimento, vê ás idéias como urna espécie de força
da história: "O vapor é essencial para o funcionamento de
uma locomotiva, mas nem esta nem os trilhos podem ser
construídos a partir do vapor" (Intellectual Origins of the English
Revolution, Oxford, 1965, p. 3).

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